segunda-feira, 2 de março de 2015

TETO SALARIAL DO FUNCIONALISMO NÃO SE APLICA PARA QUEM OCUPAR DOIS CARGOS PÚBLICOS.

Há muita agitação, principalmente na imprensa, quando vaza a notícia de que uma autoridade tem vencimentos acima da quantia definida como sendo o teto do funcionalismo. Recentemente, o ex-Senador Eduardo Suplicy foi convidado a assumir uma Secretaria na Prefeitura de São Paulo. Somando-se os valores de sua aposentadoria de ex-congressista com os vencimentos de Secretário Municipal os rendimentos mensais atingiriam o montante de R$ 50.000,00. O valor é bem superior ao do teto imposto literalmente pela Constituição Federal, e por este motivo ele afirmou que doaria o valor excedente ao do teto.

A Constituição Federal dispõe:
“Artigo 37 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; 
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;”

O atual vencimento de Ministro do STF é de R$ 33.700,00. De forma literal, nem um servidor poderia, em tese, ganhar mais do que R$ 33.700,00.

O fato é que existem muitos servidores que há muito tempo são titulares de dois cargos públicos (com vários adicionais por tempo de serviço, por exemplo) e que contam com vencimentos individuais (de cada cargo) bem generosos. Com a soma, os valores superarão o “teto”. Como fica, então, a situação desse servidor que ocupa dois cargos e recebe acima do “teto”? Trabalhará em dois cargos públicos recebendo parcialmente? Ou abrirá mão de um dos cargos?

O melhor é que a Constituição Federal fosse bem explícita e proibisse a acumulação de cargos; que vedasse a acumulação que pudesse ocasionar a sobreposição de vencimentos que fossem capazes de superar o teto. Se não foi possível acumular cargos, não haverá a acumulação de rendimentos. No entanto, a Constituição foi simplista e previu somente a acumulação de vencimentos que superassem o teto. Mas quem trabalha em dois cargos não pode trabalhar de graça. Eis o erro!

Não seria melhor proibir a acumulação de cargos, em vez de proibir a acumulação de vencimentos? Seria! Mas como a Constituição Federal não proibiu, também soa estranho simplesmente permitir que se trabalhe em dois cargos para receber somente por uma única função.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo, em diversos processos, vem derrubando o teto quando o servidor acumule cargos no funcionalismo. A decisão proferida pela 12ª Vara da Fazenda Pública em um Mandado de Segurança foi extremamente didática ao explicar o fundamento para a derrubada do teto para dois servidores públicos do Estado de São Paulo. Veja uma parte do argumento:
“No caso em comento, verifica-se que a autoridade coatora, ao proceder ao somatório dos vencimentos auferidos para calcular o teto remuneratório dos impetrantes, limitou-se à interpretação gramatical do artigo 37, XI, da  Constituição Federal, pugnando que todo o tipo de remuneração deve ser submetido a um único teto. Fundamentou-se, também, nos termos do Parecer PA 06/2013, elaborado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
(…)
A questão posta nos autos deve ser analisada à luz da  interpretação lógico-sistemática das normas constitucionais, em consonância com a realidade em que estão inseridas, não sendo correta a aplicação do teto remuneratório à somatória dos rendimentos auferidos pelos cargos públicos.
(…)
A referida limitação fere o direito fundamental do trabalho, estabelecido pelos artigos 1º, IV e 7º, da Constituição Federal, vez que impede o trabalhador de auferir a remuneração que lhe seria devida, desvalorizando o profissional titular de outro cargo público, desencorajando o exercício de outros cargos, opção possível nos termos constitucionais, tendo em vista que os rendimentos decorrem de cargos distintos.
(…)
A limitação também promoveria a configuração do enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública, a qual se beneficiaria pela prestação de serviços, arcando com os custos da remuneração somente até o referido teto remuneratório, o que configuraria também total afronta ao princípio da tão alegada moralidade administrativa.”

Ao permitir a acmulação de cargos a Constituição não tinha como proibir a superação do teto. O “teto”, para quem ocupa dois cargos, vale somente para o cargo considerado individualmente.
Veja a decisão aqui*[1].


[1] Nomes e nº do processo foram omitidos para preservar a imagem das partes.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

SEGUNDA PARTE - QUEM NÃO TEM COMPETÊNCIA, NÃO SE ESTABELEÇA! PARA TER EMPREGADO É NECESSÁRIO OBSERVAR A LEI!

Foi sancionada pela presidente Dilma a lei 13.097/15, que disciplina dentre tantos outros temas, a relação trabalho de associação entre Corretor de Imóveis imóveis e as imobiliárias. 

Conforme a Lei, o Corretor poderá associar-se a uma ou mais imobiliárias, sem qualquer vínculo, seja ele empregatício ou previdenciário. Tal associação há de ser formalizada via contrato específico, registrado no Sindicato dos Corretores de Imóveis.
Diz a Lei:
“CAPÍTULO XIV
DA PROFISSÃO DE CORRETOR DE IMÓVEIS
Art. 139. O art. 6o da Lei no 6.530, de 12 de maio de 1978, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 2o a 4o, renumerando-se o atual parágrafo único para § 1o:
"Art. 6º ...................................................................................
§ 1º .........................................................................................
§ 2º O corretor de imóveis pode associar-se a uma ou mais imobiliárias, mantendo sua autonomia profissional, sem qualquer outro vínculo, inclusive empregatício e previdenciário, mediante contrato de associação específico, registrado no Sindicato dos Corretores de Imóveis ou, onde não houver sindicato instalado, registrado nas delegacias da Federação Nacional de Corretores de Imóveis.
§ 3º Pelo contrato de que trata o § 2º deste artigo, o corretor de imóveis associado e a imobiliária coordenam, entre si, o desempenho de funções correlatas à intermediação imobiliária e ajustam critérios para a partilha dos resultados da atividade de corretagem, mediante obrigatória assistência da entidade sindical.
§ 4º O contrato de associação não implica troca de serviços, pagamentos ou remunerações entre a imobiliária e o corretor de imóveis associado, desde que não configurados os elementos caracterizadores do vínculo empregatício previstos no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943." (NR)”.

Mas a CLT continua em vigor, e ela diz quem pode ser considerado empregado. Que tipo de Corretor pode ser considerado empregado, independente de ter assinado contrato de associação? Pode ser considerado empregado o Corretor que “pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”. 

E que tipo de imobiliária pode ser considerada empregador? Aquela imobiliária, que “empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”.

Então Corretor, se você: a) assinou contrato de associação, mas é verdadeiro empregado por: i) não ter autonomia; ii) ter horários e escalas fixas; iii) no fundo da questão, não poder REALMENTE assessorar o comprador, servindo de mero vendedor da empresa... Tudo indica que você é empregado e tem todos os direitos trabalhistas garantidos.

O pior nisso tudo é ver que os sindicatos dos Corretores servirão para chancelar a diminuição de direitos previstos na CLT, pois o contrato de associação, para ser válido, depende de inscrição/registro no sindicato dos trabalhadores. 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

DISPENSA DE SERVIDOR CLT DEVE SER MOTIVADA. ATÉ QUANDO HAVERÁ ABUSOS?

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Conforme já dissemos – e os nossos escritos postados neste site comprovam – a Justiça do Trabalho oscila de modo injustificável em seus entendimentos sobre a possibilidade e os limites da dispensa de empregados públicos. Ora reconhece a liberdade de ampla dispensa (visão incorreta, no nosso entendimento), ora impõe os limites constitucionais à demissão (decisões corretas, no nosso entendimento), ora faz distinções indevidas, ora se apega sobremaneira à doutrina administrativa ou, em contrário, dá extrema importância à aplicação isolada da CLT, desconsiderando todas as normas de Direito Administrativo e Constitucional.

A mais ampla insegurança jurídica. Em alguns casos, uma verdadeira aposta no “Cassino Judiciário”. Pena que ainda seja assim, pois segundo a Constituição Federal, todos são iguais perante a Lei.

A decisão abaixo noticiada, em que pesem os desacertos a injustiças cometidas contra tantos outros, merece aplausos, pois o TST fez valer os princípios constitucionais impostos indistintamente à Administração Pública pelo artigo 37 da CF/88.

"Radiobrás terá de motivar ato que demitiu empregado sem justa causa
A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho proveu recurso de um ex-empregado da Empresa Brasileira de Comunicação S/A (Radiobrás), demitido sem justa causa, por reconhecer a necessidade de motivação do ato administrativo de dispensa. Com isso, determinou retorno do processo ao Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), que examinará se os motivos exibidos no ato de dispensa são aptos para rescindir o contrato de trabalho.

O empregado ingressou na Radiobrás, empresa pública, sem concurso público, em 1990, ocasião em que vigorava entendimento do Tribunal de Contas da União no sentido da validade das contratações sem concurso anteriores a 16/5/1990. Na reclamação trabalhista, informou ter sido demitido sem justa causa em 2004 em decorrência de decisão judicial que declarou a nulidade dos contratos. Ele pedia a reintegração com o argumento de que as empresas públicas estão obrigadas a comprovar a existência das razões apresentadas no ato da dispensa.

O pedido de reintegração foi julgado improcedente. Para o TRT-DF, a Radiobrás é regida nas suas relações de trabalho pelo regime jurídico próprio das empresas privadas. Assim, prevalece o direito de pôr fim aos contratos de trabalho celebrados, sendo desnecessária a motivação do ato demissional.

No recurso ao TST, o empregado reiterou os argumentos sobre a nulidade da demissão, indicando, entre outros, violação à Orientação Jurisprudencial 247 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuaids (SDI-1) e à Súmula 390 do TST, que tratam da matéria.

O relator, ministro Vieira de Mello Filho, esclareceu que o TST entendia que, por força do artigo 173, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição Federal, as sociedades de economia mista e empresas públicas não eram obrigadas a motivar o ato de dispensa de seus empregados, citando nesse sentido a OJ 247. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 589.998, com repercussão geral, entendeu que as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem motivar o ato da dispensa, em face dos princípios constitucionais da legalidade, da isonomia, da moralidade e da impessoalidade.

O relator assinalou ainda que, de acordo com a teoria dos motivos determinantes, a validade do ato administrativo se vincula aos motivos indicados como seu fundamento. Como o TRT, por entender prescindível a motivação, não examinou a inexistência ou a falsidade dos motivos exibidos pela Radiobrás, o processo retornará para que esse aspecto seja verificado, com base nos fatos e provas dos autos.".
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, site acessado em 16/01/2015.
Veja aqui a decisão.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

SERVIDOR CELETISTA E INSEGURANÇA JURÍDICA: JUSTIÇA DO TRABALHO AINDA OSCILA EM SEUS ENTENDIMENTOS.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Insegurança jurídica e inversão do princípio de que todos são iguais perante a Lei. Este é o cenário que cerca a situação dos servidores públicos celetistas quando há discussão perante a Justiça do Trabalho.

São várias as decisões, nos mais diferentes graus da Justiça do Trabalho afirmando direitos e garantias dos servidores celetistas. Por outro lado, há inúmeras outras negativas, contrárias e conflitantes.

Como fica a igualdade perante a Lei? Diz o artigo 5º da CF/88:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”.

A admissão de empregados públicos sempre ocorreu no âmbito do serviço público, tanto que a área federal, antes da Constituição Federal de 1988, era a que mais contava com servidores celetistas. Tais agentes, depois, foram transformados em estatutários por obra do Estatuto dos Servidores Federais, Lei Federal nº. 8.112/90.

Com a promulgação da CF/88, houve a previsão do regime jurídico único, embora Doutores do quilate de Celso Antônio Bandeira de Mello afirmem a possibilidade de existência de dupla contratação (estatutário e celetista), desde que sejam observadas a natureza e a relevância das funções desempenhadas. Funções mais simples admitiriam a contratação pelo regime CLT, ao passo que as mais relevantes (como a das agências reguladoras, por exemplo) não poderiam ser ocupadas por empregados (CLT), mas somente titulares de cargos.

O fato é que em 2007 o STF determinou a suspensão da eficácia do artigo 39 da CF, com a redação que lhe deu a E.C nº. 19/98, dotando a decisão de eficácia para o futuro e preservando as situações (contratações) até ali realizadas. Ou seja, após o ano de 2007, não se poderia admitir servidores pelo regime CLT.

Todavia, de lá até o presente momento houve - e continua havendo - uma série de admissões de empregados públicos.

O fato, todavia, é que a Justiça do Trabalho ainda não está preparada para compreender adequadamente a situação dos servidores celetistas. A prática trabalhista, voltada para a solução de divergências entre particulares impede, salvo engano, o aprimoramento da compreensão, pela Justiça do Trabalho, da realidade dos servidores públicos celetistas.

Aplicam aos celetistas a pureza do regime da CLT, deixando de observar circunstâncias relevantes para o entendimento adequado da vinculação que existe entre o Estado e o seu empregado.

Lamentável, pois todos os servidores da Justiça do Trabalho (do mais simples atendente ao magistrado de segundo grau) estão vinculados por normas estatutárias.

Bastaria, para tanto, observar a combinação e as diferenças entre os regimes para que extraíssem as soluções mais justas e adequadas à proteção de direitos.

Certamente, ainda haverá o cometimento de injustiças até que a Justiça do Trabalho possa, efetivamente, aperfeiçoar-se e realizar Justiça em relação a tais espécies de servidores: os celetistas.

Veja a notícia divulgada pelo TST
“A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho não reconheceu o direito à estabilidade de uma médica celetista contratada por concurso público pela prefeitura de Itapecerica da Serra (SP).

De acordo com o ministro Walmir Oliveira da Costa, relator do processo, a Súmula 390 do TST, ao garantir estabilidade ao servidor público celetista concursado, "tem seu alcance limitado às situações em que os empregados públicos foram nomeados até a data de publicação da Emenda Constitucional 19/98".

A médica foi contratada pelo regime da CLT em agosto de 2000 e dispensada em março de 2005. No recurso ao TST, ela alegou que teria direito à estabilidade pelo fato de ter sido demitida após três anos de efetivo exercício de sua função. Por isso, sua demissão violaria o artigo 41 da Constituição Federal e a Súmula 390.

A súmula dispõe que "o servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF /1988". O artigo 41, por sua vez, dispõe que "são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público".

No entanto, o ministro Walmir Oliveira ressaltou que os precedentes que levaram à edição da súmula são referentes a situações concretas ocorridas antes da Emenda Constitucional 19/98, quando o artigo 41 da Constituição tinha a seguinte redação: "são estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público".

Para o ministro, como o texto do artigo utilizava a locução "servidores nomeados", permitia abarcar no seu conceito tanto os titulares de cargo público como também os de emprego público (regidos pela CLT), "desde que atendido o requisito genérico de haverem sido nomeados em virtude de concurso público".

De acordo ainda com Walmir Oliveira, a partir da Emenda Constitucional n. 19/98, a redação do artigo foi alterada e ganhou maior especificidade quanto ao direito à estabilidade, "aplicando-se tão somente aos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público". Esses servidores não são regidos pela CLT e são nomeados para cargos criados por lei municipal.
Com esse entendimento, a Primeira Turma do TST não conheceu do recurso da médica, mantendo a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) desfavorável a ela.”
Veja a decisão aqui.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

PLANO DE SAÚDE, COBRANÇA INDEVIDA E ANS: CONFORME O CÓDIGO DO CONSUMIDOR, REPARAÇÃO INTEGRAL SOMENTE EM CASO DE DEVOLUÇÃO DOBRADA.

Não é novidade que a expansão da oferta de planos de saúde não tem sido a solução para o grave problema de falta de atendimento médico aos diversos milhões de consumidores de serviços privados.

Não raramente o serviço público (SUS) tem sido mais eficaz no atendimento e na solução dos casos dos pacientes-consumidores, que não conseguem a devida atenção dos convênios que contratam. O serviço público, não raras vezes, conta com profissionais altamente qualificados e com grande experiência adquirida na vivência diária. É o conhecimento teórico aliado a pratica diária proporcionada pelos mais variados casos que exigem cada vez mais do profissional de saúde pública. Os diagnósticos impossíveis na rede privada são facilmente obtidos junto à rede pública. Esta é a realidade...

O grande problema da rede publica continua sendo a falta de expansão. Mas a falta de expansão qualificada, pois não adiante somente quantidade.

Vamos ao ponto?

A Agência Nacional de Saúde (suplementar) – ANS é o órgão público integrante da administração federal que tem por função legal normatizar e fiscalizar o setor de saúde privada (planos e seguros particulares). Neste campo, além de editar normas, ela deve receber reclamações e queixas dos consumidores, averiguar as denúncias, instaurar processos internos e aplicar multas aos infratores (empresas) que descumprem a lei, os contratos e desrespeitam o consumidor.

A atividade de apuração das denúncias é regida pela Resolução Normativa – RN nº. 48/2003, que foi recentemente alterada em seu artigo 11, § 7º, na matéria que trata da restituição de valores cobrados indevidamente dos consumidores. Em razão da alteração, o texto normativo passou a ter a seguinte redação:
"Art. 11..............................................................................................
§7º Nos casos de cobrança de valores indevidos ao consumidor, por parte das operadoras privadas de assistência à saúde, somente será reconhecida a reparação voluntária e eficaz de que trata o § 1º deste artigo, caso haja a devolução em dobro das quantias cobradas indevidamente, acrescida de correção monetária e juros legais."

Qual a novidade?

A ANS passou a adotar/observar a previsão do Parágrafo único, do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve:
“ Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”.

Mas o fato é que nunca houve impedimento a que a ANS observasse o Código do Consumidor, já que Lei dos Planos de Saúde (Lei Federal nº. 9.656/98) determina o seguinte:
“Art. 35-G.  Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990.”.

O problema, na verdade, sempre foi o risco da inobservância ou da aplicação restrita, acanhada das normas protetivas do consumidor.

Além disso, também é antigo (e agora, fundado) o receio que os consumidores têm sentido quanto à imparcialidade de algumas agências reguladoras. Se no passado elas eram mais técnicas, imparciais e legalistas, de uns tempos para cá elas sofrem profundamente com o aparelhamento político/partidário e o perigo da ingerência indireta de grandes doadores de campanhas eleitorais.

O noticiário, a imprensa escrita já deu conta de que tais órgãos têm sido dirigidos por ex-executivos dos setores regulados pelas agências; empresas que antes eram fiscalizadas pela Agência. Neste sentido, confira reportagem d´O Estado de São Paulo do ano de 2009.

Aí, se houver confusão ou conflito de interesses, quem perde é o consumidor.

E a quem cabe fiscalizar o setor de saúde privada? Novamente dizemos que cabe à ANS. Portanto, se o processo administrativo concluir (mesmo que equivocadamente, por erro) não ter havido lesão ou ilegalidade por parte da empresa, ela não será penalizada (multada), tampouco o consumidor, no caso de cobrança indevida, será ressarcido integralmente, de forma dobrada. 

E aí você pergunta: “Qual o risco para o consumidor, se a ANS deve seguir a lei?”.

O problema é que a Agência Nacional de Saúde – ANS observa quase que exclusivamente a lei dos planos de saúde, portanto, ficam fora de sua observância e aplicação as disposições do Código Civil e de outras tantas normas que tratam da prova das alegações do consumidor. Não é difícil que a partir da aplicação restrita da lei (a letra fria da lei) se chegue a conclusão equivocada de o consumidor não foi lesado. Se fecharem os olhos para certas peculiaridades, certas situações e buscar somente o texto frio da lei, provavelmente o consumidor seja lesado duas vezes: uma, pela empresa; a segunda, pelo órgão de deveria protegê-lo, mas foi superficial e irrealista na sua apreciação. 

Neste ponto, caso o consumidor venha a sentir-se lesado, a recomendação primeira (caso não opte por ingressar diretamente na Justiça) é formalizar uma reclamação junto ao Procon, e somente depois da conclusão emitida pelo Procon em seu processo administrativo é que orientamos o consumidor a formalizar queixa perante a ANS. Não haverá surpresa alguma se a conclusão de uma (a ANS) e do outro (o Procon) forem diferentes e conflitantes entre si. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

QUEM NÃO TEM COMPETÊNCIA, NÃO SE ESTABELEÇA! PARA TER EMPREGADO É NECESSÁRIO OBSERVAR A LEI!

Quem pode ser considerado empregado?
Segundo as normas da Consolidação das Leis do Trabalho (a CLT), é caracterizada situação de empregado quando uma pessoa física prestar serviços de forma não eventual, ou seja, de modo permanente, dependendo de ordens e recebendo salários da empresa ou de empregador pessoa física. Veja o disposto no artigo 3º da CLT:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Conforme o disposto no Parágrafo único, também não importa o tipo de emprego, nem a condição do empregado. Ou seja, ainda que uma pessoa seja contratada sob a máscara de “PJ”, ela será considerada como empregado se a sua situação estiver enquadrada no artigo 3º acima descrito.

E a condição de empregador? Quem pode ser considerado empregador? Nos termos do artigo 2º da CLT, “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”. E nos termos do § 1º do mesmo artigo, podem ser considerados empregadores “os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados”.

Ou seja: é empregador todo aquele (empresa ou pessoa física) que assume os riscos da atividade desenvolvida e admite (contrata), assalaria (paga salário ou outro tipo de remuneração) e dirige (dá ordens ao empregado) a execução dos serviços.

Portanto, não se iluda. Você pode ser “rotulado” de colaborador, de associado, de sócio, de secretário(a) ou outras denominações, mas se você presta serviços regularmente, obedece ordens, não tem autonomia, e não é independente para criar o seus próprios rendimentos, tudo indica que você é um tipo empregado.

E sendo considerado empregado, deve ter registro em carteira, férias, 13º, FGTS e todos os demais direitos previstos em norma coletiva.

Recentemente, a Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul reconheceu como empregada um profissional cabeleireiro que, mesmo tendo supostamente locado espaço em salão de beleza, não tinha autonomia para fixar preços, nem o seu horário de trabalho. Em fundamentação, a decisão de segunda instância enfatizou que: ‘O pagamento feito pelo cliente era efetuado diretamente no caixa da tomadora dos serviços, sequer possibilitando ao cabeleireiro conceder algum desconto, pois a sua remuneração estava vinculada estritamente ao percentual contratual estipulado, significando, a toda evidência, salário pré-ajustado pelo trabalho’’.

Destacamos passagem que revela a praxe de algumas atividades quando o assunto é burlar a lei do trabalho. Confira o relatório que considerou as alegações e os testemunhos:
“O reclamante afirma que foi admitido em 01-07-2004, através de contrato de locação de cadeira para trabalhar como cabeleireiro. (...)A reclamada sustenta que manteve relação de natureza civil com o reclamante, com a locação de espaço para a realização de atividades de cabeleireiro. Diz que o procedimento adotado é praxe nos salões de cabeleireiros. (...)
Questionada, a testemunha do autor informou que incumbia à reclamada a fixação dos horários de trabalho, por meio do preenchimento das agendas dos profissionais, assim como que, a fixação do preço dos serviços, era atribuição exclusiva da demandada. Todavia, melhor examinando-se os depoimentos das duas testemunhas mencionadas, chega-se a conclusão que há pontos de aproximação entre ambas. Primeiro, porque os fatos revelados não afastam, de forma absoluta, a ingerência da reclamada nos horários de trabalho dos cabeleireiros, inclusive do reclamante. Isto porque, tanto a testemunha da reclamada, quanto a testemunha do autor, ambos cabeleireiros e colegas de mesmo salão, informaram que havia horário fixo de trabalho, pois ambas chegavam por volta das 8h30min ou 9 horas e ambas poderiam encerrar o expediente a partir das 16, 17, 18 ou mesmo 19 horas. (...) Conforme já se disse, não era o cabeleireiro quem fixava os valores dos serviços cobrados e sequer tinha ampla liberdade de horário.(...)”.

Já é antigo o ditado popular que diz: “Quem não tem competência, não se estabeleça”. Qualquer pessoa ou empresa que admita empregado sob qualquer que seja o rótulo e sonegue direitos trabalhistas, corre o risco de ser acionado e ver-se condenado perante a Justiça do Trabalho.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

CONDOMÍNIO PODE EXPULSAR MAU VIZINHO.

Os maus condôminos precisam fica atentos, pois correm o risco de uma mudança de posicionamento do Poder Judiciário sobre as "imunidades" de vizinhos antissociais, de condôminos perturbadores da ordem condominial. 

Que síndico nunca ouviu de um vizinho/condômino impertinente que ele não pode ser expulso do condomínio? Não é bem assim, não!

A conclusão (possibilidade de expulsar condômino de sua propriedade) foi exposta na tese defendida em dissertação de mestrado, de Bruno Mangini de Paula Machado, com o título “O condomínio edilício e o condômino com reiterado comportamento antissocial”, perante o Departamento de Direito Civil, da Faculdade de Direito da USP.
No estudo, ele aponta para a necessidade de observância, pelo proprietário de unidade condominial, da regra constitucional do cumprimento da finalidade social, prevista no artigo 5º, inciso XXIII da CF/88:
                                “Art. 5º. (...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”

Para ele, o condomínio tem áreas de propriedade exclusiva (os apartamentos ou casas) e áreas de propriedade comum entre todos os moradores (como elevadores, quadras esportivas, piscinas, entre outras) e tal disposição favoreceria o surgimento de conflitos sociais. Segundo o autor da tese:
“É especificamente a justaposição de propriedades distintas e exclusivas que ao lado do condomínio de partes do edifício, forçosamente comuns, que propicia e contribui para o surgimento de condutas antissociais, na medida em que pessoas, que jamais tiveram qualquer relação mais próxima, com origem e educação distintas, portadoras dos mais diversos comportamentos, veem-se obrigadas a partilhar um convívio diário e duradouro, o que, nem sempre, ocorre de maneira cordata (...).”

Algumas das práticas exorbitantes citadas por Machado seria crianças e adultos que falam alto em áreas comuns, algumas vezes proferindo palavreado de baixo calão; perturbação sonora vinda de apartamentos, constantemente em horas de repouso e dias de descanso; falta de higiene em áreas comuns, com detritos jogados pelas janelas; e a inexistência de respeito entre os condôminos, gerando, muitas vezes, agressões verbais e chegando às “vias de fato”.

Esse quadro de desordem acarretaria prejuízos ao bem-estar e à saúde dos demais condôminos, de modo que o Direito necessita oferecer resposta para o problema.
Acrescenta que as disposições do Código Civil seriam insuficientes e omissas, de modo que mesmo a previsão (em Convenção) de penalização do condômino com reiterado comportamento antissocial é regra de difícil aplicação em razão da subjetividade no momento de sua aplicação. Para Machado, a proliferação de “minutas-padrão” de Convenção e Regimentos acaba deixando de englobar peculiaridades de cada realidade, sendo que os estatutos instituem penas pecuniárias insuficientes e inócuas à repressão dos faltosos.
Em tais casos, de moradores abusivos, o condomínio poderia, sim, mover ação para que ele perca o direito de usufruir das áreas comuns a todos e conclui o autor ser possível ir além e expulsar definitivamente o condômino.

Pensamos que a tese sustentada mereça mesmo aplausos e pode ser o início de uma mudança de comportamento judicial. O risco de sua adoção, por enquanto, está na subjetividade inerente ao ser humano, na subjetividade dos ofensores e dos ofendidos. Em condomínios menos organizados pode acontecer de um morador decente vir a ser molestado por um grupo organizado de condôminos perturbadores.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA TEM DIREITOS IDÊNTICOS AO DO SERVIDOR ESTATUTÁRIO.

O TST – Tribunal Superior do Trabalho decidiu que uma servidora pública celetista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) tem o direito à ampliação da licença maternidade para 180 dias.

O benefício foi garantido aos servidores estatutários pela Lei Complementar estadual nº. 1.054/08 e estendido para servidora celetista por decisão da 6ª. Turma do TST, que interpretou a questão diante da necessidade de promover efetividade de uma norma de maior proteção, sob o risco de haver violação ao princípio da isonomia.

A servidora buscou, em juízo, a aplicação da lei estadual entendendo que a legislação não excluiu expressamente as servidoras celetistas da extensão da licença. Em contrapartida, o hospital alegou que as servidoras celetistas foram excluídas indiretamente pelo artigo 4º. da lei:
“Artigo 4º - O disposto no artigo 1º desta lei complementar aplica-se:
I - aos servidores da Administração direta e das autarquias, submetidas ao regime estatutário, bem como aos militares;
II - aos servidores do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como aos servidores do Quadro da Secretaria da Assembléia Legislativa.”.

A ação foi julgada improcedente pelo Juiz do Trabalho e também pelo TRT da 2ª Região, mas no TST o recurso foi provido. Segundo a relatora, Desembargadora convocada Cilene Amaro Santos, o HC é integrante da administração pública indireta, e ao negar direito, ofendia o princípio da isonomia ao estender a licença maternidade somente às servidoras públicas submetidas ao regime estatutário. Segundo ela:
"A coexistência de dois regimes jurídicos, celetista para empregados públicos e estatutários para os ocupantes de cargo ou função pública, tem o fim de distinção para as regras próprias, administrativas e celetistas, não afastando, em ambos os casos, a aplicação dos princípios que norteiam a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência."

É bom que se diga que a Justiça do Trabalho da Segunda Região (Varas Trabalhistas e TRT) ainda não se atentou para o fato de que (ressalva-se: há julgamentos adequados) a contratação pelo regime celetista é uma forma de burlar garantias e promover tratamento desigual entre dois tipos de servidores públicos estaduais. Há casos de servidores estatutários e celetistas em um mesmo ambiente de trabalho, mas sendo tratado de forma diferenciada...

Por qual motivo um servidor policial ainda lotado no Detran goza de certos direitos, e um outro servidor recentemente convocado e admitido pelo regime CLT para o “Novo Dentran” fique à mercê de garantias? Vejamos que o Dentran é órgão detentor do poder de polícia, situação incompatível com “flexibilização” de garantias institucionais...

Neste sentido, por mais que ainda pairem discussões sobre o alcance da sua redação, cabe invocar o artigo 124 da Constituição do Estado de São Paulo e o artigo 5º., caput da CF/1988, respectivamente:
“Constituição do Estado de São Paulo
“Artigo 124 - Os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público terão regime jurídico único e planos de carreira;”

“Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...):”.

O mesmo se diga (vale o tratamento isonômico) em relação ao quinquênio, sexta-parte e tantos outros direitos conferidos aos estatutários, mas sonegados aos celetistas. Tais servidores celetistas que sejam vítimas de tratamento desigual podem (e devem!) buscar o socorro do Judiciário. Ainda que haja negativa por parte da Justiça do Trabalho da Segunda Região, certamente o TST cuidará de eliminar a diferenciação.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FALTA DE ENERGIA EM RAZÃO DAS CHUVAS: ESTADO É RESPONSÁVEL PELAS SUAS OMISSÕES.

Nestes últimos dias muitos cidadãos, principalmente os que habitam neste território chamado São Paulo (estado e cidade!), estão passando por maus bocados.

Chamaram a atenção deste articulista dois específicos episódios que se repetiram em situações diferentes: a falta de energia na região do Brás durante as compras de final de ano (alegação de manutenção da rede) e a falta de energia em razão da queda de árvores sobre as redes da Eletropaulo na última semana de dezembro de 2014.

A região do Brás, todos sabem, é conhecida por concentrar produtores, comerciantes de vestuário e consumidores que buscam preços muito convidativos. Para o Brás seguem milhares de pessoas vindas de todas as partes (chamados “sacoleiros”) e outras tantas milhares em busca de novidades e bons preços.

EPISÓDIO 1.
Mês dezembro, final de semana imediatamente após o pagamento da primeira parcela do 13º, consumidores lotando as ruas do Brás e ávidos por compras de Natal.
Sem energia, os lojistas ficaram sem poder operar seus equipamentos (emissor de notas, máquinas de débito/crédito), ou seja, não puderam trabalhar e vender.

Prejuízo inestimável. A situação se repetiu em outro final de semana mais próximo do dia de Natal.

EPISÓDIO 2.
Por conta das fortes chuvas e ventanias a cidade de São Paulo vivencia ainda hoje, 31/12/2014, as consequências da queda de mais de duzentas árvores em todos os bairros da Capital. As árvores caíram sobre as redes de distribuição Eletropaulo. Em cinquenta anos também foi a primeira vez em que o Parque do Ibirapuera ficou fechado ao público, ainda que por poucas horas.

Estamos vendo notícias (rádio, jornal, televisão e internet) de consumidores que há mais de quarenta horas estão sem energia; de restaurantes que perderam todo o seu estoque de perecíveis; de previsões de restabelecimento do fornecimento passadas pela Eletropaulo, mas que não são cumpridas. Ainda hoje ouvi relato de pessoas que não celebrarão a passagem de 2014/2015 porque os produtos da ceia (perecíveis que devem ser mantidos refrigerados) se perderam por falta de geladeiras e congeladores.

Há bairros da cidade em que o cabeamento da Eletropaulo é subterrâneo. Se árvores caírem, a rede de distribuição não será afetada. Em outros bairros, normalmente os que estão fora da região central, o cabeamento se esconde em meio a galhos de grandes árvores que não são podadas e também estão infestadas por cupins.

Por outro lado, há notícias de moradores que há tempos acionaram a Prefeitura para que ela realizasse a inspeção (prevenção), a poda e/ou o tratamento e/ou remoção de árvores doentes.
Em vão, pois não foram atendidos e se tornaram vítimas da omissão municipal.

RESPONSABILIDADE POR DANOS.
O §§ 6º, do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que:
“§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.

Segundo a Constituição Federal, o Poder Público (o Estado, o Município e os prestadores de serviços públicos) é responsável, em razão das atividades que exerce, pelos danos causados aos particulares, contribuintes ou consumidores.

Ou seja: os comerciantes do Brás podem pleitear indenização por prejuízos materiais, porque deixaram de vender em um das épocas mais movimentadas do ano; os moradores e os comerciantes dos bairros afetados pela falta de energia por causa das quedas de árvores podem pedir indenização por danos materiais (equipamentos avariados, estoques perdidos, produtos que foram adquiridos para a ceia e não resistiram a falta de refrigeração) e danos morais (o próprio desconforto gerado pela supressão prolongada de um serviço essencial e a impossibilidade de confraternização) em face da Eletropaulo (fornecedora da energia elétrica), do Estado (que terceirizou o fornecimento para a Eletropaulo) e da Prefeitura (que não inspecionou as árvores e não atendeu aos chamados e alerta dos munícipes).

Neste sentido, já se pronunciou, recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão assim resumido:
AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SOLICITAÇÃO DE LIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMORA IMPUTADA A EVENTOS CLIMÁTICOS NÃO COMPROVADOS. DEMORA NO ATENDIMENTO INJUSTIFICADA. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM.
- A concessionária deve observar os prazos fixados na Resolução nº 414/2010 da ANEEL para efetuar a ligação de energia elétrica, sob pena de ser responsabilizada pela demora injustificada.
- A ocorrência de temporal, em regra, é fator da natureza absolutamente previsível e que desafia a adequada estruturação e planejamento por parte da concessionária de energia elétrica, de modo que não pode conduzir ao reconhecimento do caso fortuito ou da força maior, a não ser em casos excepcionais, quando o temporal for de proporção verdadeiramente anormal, capaz de ocasionar à rede de energia prejuízo de extensão significativa e difícil reparação.
Precedentes desta Corte.
- Caso concreto em que a concessionária limitou-se a colacionar recortes de periódicos de jornais sem comprovar, todavia, que a região onde mora o autor tenha sido diretamente atingida pelo alegado temporal, bem como deixou de comprovar como foram investidos seus recursos maquinários e humanos à época, sobretudo na região de atendimento do autor.
- A situação vivenciada pelo apelado certamente ultrapassou os limites do simples desconforto, pois a energia elétrica é uma utilidade absolutamente indispensável à vida moderna, sobretudo no caso em que os fatos ocorreram nas datas festivas de final de ano (natal e ano novo).
- O quantum arbitrado, a título de dano moral, na origem, mostrou-se adequado e suficiente à reparação dos danos causados, sem constituir fonte de enriquecimento sem causa.
AGRAVO DESPROVIDO.”.

Esperamos um ano 2015 melhor do que 2014, mas as omissões prejudiciais do ano que se encerra não acabam junto com ele. A responsabilidade dos “culpados” acompanhará os responsáveis durante o ano de 2015.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

STF DECIDE: MULHER TEM DIREITO A HORÁRIO DIFERENCIADO DE TRABALHO.

Diz o artigo 5º da Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O inciso I, do artigo 5º da mesma Constituição Federal determina que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição.

O artigo 7º, inciso XXX da Constituição também proíbe “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexoidade, cor ou estado civil.”.

Conforme uma interpretação literal da Constituição de 1.988, não pode existir distinção entre direitos e obrigações de homens e mulheres. A mesma Constituição Federal, em seu artigo 102, determina caber ao Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente, a guarda da Constituição Federal. É o STF, portanto, o órgão da Justiça brasileira que tem o papel de dizer, em ultima decisão, sobre a (in)constitucionalidade de leis.

A Constituição Federal foi promulgada, entrou em vigor, no ano de 1.988. A Constituição Federal é a “Lei das Leis”. É com base na Constituição Federal que devem ser criadas, interpretadas ou revogadas (canceladas) leis e atos normativos já existentes. É com base na Constituição Federal que todos - os homens, as mulheres, as empresas e a Administração Pública - devem agir na vida diária.

Antes de entrar em vigor a Constituição Federal, no ano de 1.988, todos os empregados já eram regidos e protegidos. As relações de trabalho eram disciplinadas pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, criada no ano de 1.943.

Entre a CLT e a Constituição há uma diferença de quarenta e cinco anos... A CLT veio antes da Constituição; a CLT é mais velha que a Constituição. No entanto, por ser a Constituição a “Leis das Leis”, todas as demais normas devem obediência e adequação ao que for dito pela Constituição Federal. Mesmo sendo posterior à CLT, a Constituição faz o enquadramento das disposições da CLT.

E se houver questionamento sobre a incompatibilidade/inconstitucionalidade entre uma lei a Constituição Federal, cabe ao STF, em última instância, dizer qual será a solução aplicada, com base na Constituição Federal.

Além da disposição literal sobre igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, contida na Constituição de 1.988, o artigo 372 da CLT prevê que:
Art. 372 - Os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este Capítulo.”

Mas a parte final do artigo 372 faz uma ressalva. As normas aplicam-se a homens e a mulheres, desde que não haja norma específica a respeito do trabalho da mulher. E neste sentido - uma norma específica para o trabalho da mulher - existe o artigo 384 da CLT, sobre o início do período de hora extra. Diz o 382 que:
Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.”.

Suponha que um homem e uma mulher trabalhem lado a lado, na mesma função, e na mesma seção. A jornada de ambos é de oito horas diárias, sendo que o patrão pode exigir a prorrogação da jornada pelo período de duas horas. Homens e mulheres, neste caso, trabalharão dez horas em um determinado dia.

No entanto, pelo artigo 384 da CLT, antes de iniciar a jornada complementar de duas horas, deve ser concedido um intervalo de quinze minutos para a mulher. Para o homem, o trabalho é emendado automaticamente (ao final das oito horas, inicia-se a jornada complementar); para a mulher trabalhadora a hora extraordinária deve ser antecedida de um intervalo de quinze minutos.

Algumas empresas questionavam a obrigatoriedade de conceder um intervalo de quinze minutos para a mulher antes de iniciar a jornada extraAlegavam que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição; alegavam que não poderiam fazer distinção entre homens e mulheres.

As empresas alegavam também a diferenciação seria prejudicial. Neste caso, poderia haver uma preferência pela contratação de homens e a “lei de mercado” penalizaria – em vez de proteger – as vagas de trabalho para a mulher. Enfim, algumas empresas afirmaram que a CLT era incompatível, não era adequada à regra da igualdade contida na Constituição Federal. Portanto, sendo incompatível com a CF,  a norma do artigo 384 da CLT deveria ser considerada inaplicável.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria (não houve unanimidade) que a regra do artigo 384 da CLT é constitucional, pois considerava as peculiaridades físicas de trabalhador do sexo feminino. Acrescentou que essa diferença natural (orgânica) seria suficiente para o tratamento diferenciado, que serviria para equilibrar efetivamente as situações. Invocou-se, ainda, a norma do artigo 7º da CF, que diz:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social;”.

Na análise feita pelo STF, havia a previsão de incorporação de direitos que visassem à melhoria da dignidade e da condição social do trabalhador.

Estamos totalmente de acordo com isso! Condições orgânicas e fisiológicas podem mesmo exigir que a trabalhadora faça uma pausa antes do início da jornada extra para que possa se recompor, fisiologicamente, por exemplo.

Mas a Constituição Federal determina que todos sejam iguais, em direitos e obrigações. Dessa forma, a tendência é a de que sindicatos legítimos passem a atuar para que o benefício previsto no artigo 384 da CLT, por intermédio de Convenções Coletivas, sejam estendidos também aos homens. É o mais coerente com a imposição de igualdade contida na Constituição Federal de 1.988. E acaso não seja assim, certamente o mercado de trabalho cuidará - sem deixar rastros! – de fazer diferenciação entre homens e mulheres. O mercado, dependendo do ramo de atividade, realmente fará distinção prejudicial.

E para a trabalhadora, ao contrário do que possa parecer, a norma pode não trazer um benefício perceptível, embora seja realmente benéfica. Explica-se. Imagine que o homem, assim que termine a jornada normal, sem qualquer interrupção, emende o início das horas extras. A mulher, no entanto, deverá esperar no mínimo quinze minutos. Obviamente, a jornada do trabalhador homem será finalizada antes da jornada do trabalhador mulher.

Se a empresa estiver localizada em local de difícil acesso, o trabalhador do sexo feminino deixará a empresa depois dos colegas do sexo masculino.

Se a empresa fornecer condução, não será econômico para ela, por exemplo, reter o empregado homem até a chegada da empregada. Realmente, o tempo do homem à disposição da empresa (nos quinze minutos ao final do expediente) será tido por hora extra e adicional, que deverá ser paga se acaso houver um processo trabalhista.

Enfim, ao final das contas, a igualdade de direitos e obrigações para homens e mulheres, é realmente a melhor solução para todos. As disposições do artigo 384 da CLT fatalmente serão estendidas para todos os trabalhadores, qualquer que seja o sexo do obreiro.
Veja aqui a decisão do STF.