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quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O WHATSAPP FORA DO AR TE PREJUDICOU? E SE A VÍTIMA FOSSE VOCÊ?! ORDEM JUDICIAL NÃO SE DISCUTE!


O aplicativo WhatsApp foi “bloqueado” por ordem judicIal em razão de, supostamente,  haver descumprido solicitações anteriores em processo de investigação de pessoas que estariam envolvidas em atividades criminosas.

A Constituição Federal de 1988 determina que todos são iguais perante a Lei. Todos, sem exceção, são iguais perante a Lei. Você, eu, o camelô e o empreiteiro de grandes obras devemos cumprir as leis e as ordens judiciais, não obstante seja possível discordar e contestá-las. Contestá-las, na forma da lei, mas não descumpri-las.

Se todos devemos cumprir a lei, por qual motivo o WhatsApp teria o direito de ignorar uma ordem judicial que determinasse a quebra de sigilo restrita a um/uns determinado(s) usuário(s), apenas? Poderia o WhatsApp deixar de contribuir para a elucidação de crimes? Não!

O WhatsApp opera no Brasil e deve observar as leis brasileiras,  tal como você, eu, o padeiro, o dono da mercearia, o camelô e o grande empreiteiro.

O artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal determin que “XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; “

O Código de Processo Penal dispõe:
“Art. 282.  As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; 

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
(...)
§ 2o  As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.”

 A Lei Federal nº. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determina:
“Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
(...)
Art. 10.  A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
§ 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.
§ 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o.
(...)
Art. 15.  O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.
§ 1o Ordem judicial poderá obrigar, por tempo certo, os provedores de aplicações de internet que não estão sujeitos ao disposto no caput a guardarem registros de acesso a aplicações de internet, desde que se trate de registros relativos a fatos específicos em período determinado.
(...)
Art. 19.  Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
(...)
Art. 22.  A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet.”

O artigo 330 do Código Penal disõe sobre o crime de desobediência:
“Desobediência
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”.

É preciso dizer que discordamos da decisão judicial que impôs prejuízo a milhares de pessoas que nada têm a ver com o processo relacionado à quebra do sigilo. A decisão não poderia afetar usuários, digamos, inocentes. Para discordar da decisão existem  os chamados recursos processuais.

Supondo, então, que o WhatsApp tenha sido devida, regular e formalmente provocado a cumprir ordem judicial para tornar possível a investigação de prática de crime por usuários determinados, é PROVÁVEL que a empresa tivesse descumprido uma ordem judicial?

Sim, é provável que a empresa tenha descumprido uma ordem judicial em vez de contestá-la judicialmente.

Supondo, mais uma vez, que todas as ordens e requisições judiciais foram legalmente embasadas e que o WhatsApp não tenha contestado a decisão/ordem, mas somente descumprido ou ignorado as determinações judiciais, é possível que a “empresa WhatsApp” tenha assumido o risco de descumprir a ordem judicial e sofrer as consequências indesejadas? É possível dizer que o WhatsApp assumiu o risco de prejudicar os seus usuários, que pagam pela utilização dos serviços mediante a compra de acesso via operadoras de telefonia?

Se a reposta for positiva, então existe a responsabilidade do WhatsApp pelos danos efetivamente causados aos seus usuários (gente que realmente precisa do aplicativo para o desenvolvimento de atividade útil e relevante).

Vejamos a determinação do Código Civil:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

PLANO DE SAÚDE, COBRANÇA INDEVIDA E ANS: CONFORME O CÓDIGO DO CONSUMIDOR, REPARAÇÃO INTEGRAL SOMENTE EM CASO DE DEVOLUÇÃO DOBRADA.

Não é novidade que a expansão da oferta de planos de saúde não tem sido a solução para o grave problema de falta de atendimento médico aos diversos milhões de consumidores de serviços privados.

Não raramente o serviço público (SUS) tem sido mais eficaz no atendimento e na solução dos casos dos pacientes-consumidores, que não conseguem a devida atenção dos convênios que contratam. O serviço público, não raras vezes, conta com profissionais altamente qualificados e com grande experiência adquirida na vivência diária. É o conhecimento teórico aliado a pratica diária proporcionada pelos mais variados casos que exigem cada vez mais do profissional de saúde pública. Os diagnósticos impossíveis na rede privada são facilmente obtidos junto à rede pública. Esta é a realidade...

O grande problema da rede publica continua sendo a falta de expansão. Mas a falta de expansão qualificada, pois não adiante somente quantidade.

Vamos ao ponto?

A Agência Nacional de Saúde (suplementar) – ANS é o órgão público integrante da administração federal que tem por função legal normatizar e fiscalizar o setor de saúde privada (planos e seguros particulares). Neste campo, além de editar normas, ela deve receber reclamações e queixas dos consumidores, averiguar as denúncias, instaurar processos internos e aplicar multas aos infratores (empresas) que descumprem a lei, os contratos e desrespeitam o consumidor.

A atividade de apuração das denúncias é regida pela Resolução Normativa – RN nº. 48/2003, que foi recentemente alterada em seu artigo 11, § 7º, na matéria que trata da restituição de valores cobrados indevidamente dos consumidores. Em razão da alteração, o texto normativo passou a ter a seguinte redação:
"Art. 11..............................................................................................
§7º Nos casos de cobrança de valores indevidos ao consumidor, por parte das operadoras privadas de assistência à saúde, somente será reconhecida a reparação voluntária e eficaz de que trata o § 1º deste artigo, caso haja a devolução em dobro das quantias cobradas indevidamente, acrescida de correção monetária e juros legais."

Qual a novidade?

A ANS passou a adotar/observar a previsão do Parágrafo único, do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve:
“ Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”.

Mas o fato é que nunca houve impedimento a que a ANS observasse o Código do Consumidor, já que Lei dos Planos de Saúde (Lei Federal nº. 9.656/98) determina o seguinte:
“Art. 35-G.  Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990.”.

O problema, na verdade, sempre foi o risco da inobservância ou da aplicação restrita, acanhada das normas protetivas do consumidor.

Além disso, também é antigo (e agora, fundado) o receio que os consumidores têm sentido quanto à imparcialidade de algumas agências reguladoras. Se no passado elas eram mais técnicas, imparciais e legalistas, de uns tempos para cá elas sofrem profundamente com o aparelhamento político/partidário e o perigo da ingerência indireta de grandes doadores de campanhas eleitorais.

O noticiário, a imprensa escrita já deu conta de que tais órgãos têm sido dirigidos por ex-executivos dos setores regulados pelas agências; empresas que antes eram fiscalizadas pela Agência. Neste sentido, confira reportagem d´O Estado de São Paulo do ano de 2009.

Aí, se houver confusão ou conflito de interesses, quem perde é o consumidor.

E a quem cabe fiscalizar o setor de saúde privada? Novamente dizemos que cabe à ANS. Portanto, se o processo administrativo concluir (mesmo que equivocadamente, por erro) não ter havido lesão ou ilegalidade por parte da empresa, ela não será penalizada (multada), tampouco o consumidor, no caso de cobrança indevida, será ressarcido integralmente, de forma dobrada. 

E aí você pergunta: “Qual o risco para o consumidor, se a ANS deve seguir a lei?”.

O problema é que a Agência Nacional de Saúde – ANS observa quase que exclusivamente a lei dos planos de saúde, portanto, ficam fora de sua observância e aplicação as disposições do Código Civil e de outras tantas normas que tratam da prova das alegações do consumidor. Não é difícil que a partir da aplicação restrita da lei (a letra fria da lei) se chegue a conclusão equivocada de o consumidor não foi lesado. Se fecharem os olhos para certas peculiaridades, certas situações e buscar somente o texto frio da lei, provavelmente o consumidor seja lesado duas vezes: uma, pela empresa; a segunda, pelo órgão de deveria protegê-lo, mas foi superficial e irrealista na sua apreciação. 

Neste ponto, caso o consumidor venha a sentir-se lesado, a recomendação primeira (caso não opte por ingressar diretamente na Justiça) é formalizar uma reclamação junto ao Procon, e somente depois da conclusão emitida pelo Procon em seu processo administrativo é que orientamos o consumidor a formalizar queixa perante a ANS. Não haverá surpresa alguma se a conclusão de uma (a ANS) e do outro (o Procon) forem diferentes e conflitantes entre si. 

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FALTA DE ENERGIA EM RAZÃO DAS CHUVAS: ESTADO É RESPONSÁVEL PELAS SUAS OMISSÕES.

Nestes últimos dias muitos cidadãos, principalmente os que habitam neste território chamado São Paulo (estado e cidade!), estão passando por maus bocados.

Chamaram a atenção deste articulista dois específicos episódios que se repetiram em situações diferentes: a falta de energia na região do Brás durante as compras de final de ano (alegação de manutenção da rede) e a falta de energia em razão da queda de árvores sobre as redes da Eletropaulo na última semana de dezembro de 2014.

A região do Brás, todos sabem, é conhecida por concentrar produtores, comerciantes de vestuário e consumidores que buscam preços muito convidativos. Para o Brás seguem milhares de pessoas vindas de todas as partes (chamados “sacoleiros”) e outras tantas milhares em busca de novidades e bons preços.

EPISÓDIO 1.
Mês dezembro, final de semana imediatamente após o pagamento da primeira parcela do 13º, consumidores lotando as ruas do Brás e ávidos por compras de Natal.
Sem energia, os lojistas ficaram sem poder operar seus equipamentos (emissor de notas, máquinas de débito/crédito), ou seja, não puderam trabalhar e vender.

Prejuízo inestimável. A situação se repetiu em outro final de semana mais próximo do dia de Natal.

EPISÓDIO 2.
Por conta das fortes chuvas e ventanias a cidade de São Paulo vivencia ainda hoje, 31/12/2014, as consequências da queda de mais de duzentas árvores em todos os bairros da Capital. As árvores caíram sobre as redes de distribuição Eletropaulo. Em cinquenta anos também foi a primeira vez em que o Parque do Ibirapuera ficou fechado ao público, ainda que por poucas horas.

Estamos vendo notícias (rádio, jornal, televisão e internet) de consumidores que há mais de quarenta horas estão sem energia; de restaurantes que perderam todo o seu estoque de perecíveis; de previsões de restabelecimento do fornecimento passadas pela Eletropaulo, mas que não são cumpridas. Ainda hoje ouvi relato de pessoas que não celebrarão a passagem de 2014/2015 porque os produtos da ceia (perecíveis que devem ser mantidos refrigerados) se perderam por falta de geladeiras e congeladores.

Há bairros da cidade em que o cabeamento da Eletropaulo é subterrâneo. Se árvores caírem, a rede de distribuição não será afetada. Em outros bairros, normalmente os que estão fora da região central, o cabeamento se esconde em meio a galhos de grandes árvores que não são podadas e também estão infestadas por cupins.

Por outro lado, há notícias de moradores que há tempos acionaram a Prefeitura para que ela realizasse a inspeção (prevenção), a poda e/ou o tratamento e/ou remoção de árvores doentes.
Em vão, pois não foram atendidos e se tornaram vítimas da omissão municipal.

RESPONSABILIDADE POR DANOS.
O §§ 6º, do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que:
“§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”.

Segundo a Constituição Federal, o Poder Público (o Estado, o Município e os prestadores de serviços públicos) é responsável, em razão das atividades que exerce, pelos danos causados aos particulares, contribuintes ou consumidores.

Ou seja: os comerciantes do Brás podem pleitear indenização por prejuízos materiais, porque deixaram de vender em um das épocas mais movimentadas do ano; os moradores e os comerciantes dos bairros afetados pela falta de energia por causa das quedas de árvores podem pedir indenização por danos materiais (equipamentos avariados, estoques perdidos, produtos que foram adquiridos para a ceia e não resistiram a falta de refrigeração) e danos morais (o próprio desconforto gerado pela supressão prolongada de um serviço essencial e a impossibilidade de confraternização) em face da Eletropaulo (fornecedora da energia elétrica), do Estado (que terceirizou o fornecimento para a Eletropaulo) e da Prefeitura (que não inspecionou as árvores e não atendeu aos chamados e alerta dos munícipes).

Neste sentido, já se pronunciou, recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão assim resumido:
AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. SOLICITAÇÃO DE LIGAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMORA IMPUTADA A EVENTOS CLIMÁTICOS NÃO COMPROVADOS. DEMORA NO ATENDIMENTO INJUSTIFICADA. DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM.
- A concessionária deve observar os prazos fixados na Resolução nº 414/2010 da ANEEL para efetuar a ligação de energia elétrica, sob pena de ser responsabilizada pela demora injustificada.
- A ocorrência de temporal, em regra, é fator da natureza absolutamente previsível e que desafia a adequada estruturação e planejamento por parte da concessionária de energia elétrica, de modo que não pode conduzir ao reconhecimento do caso fortuito ou da força maior, a não ser em casos excepcionais, quando o temporal for de proporção verdadeiramente anormal, capaz de ocasionar à rede de energia prejuízo de extensão significativa e difícil reparação.
Precedentes desta Corte.
- Caso concreto em que a concessionária limitou-se a colacionar recortes de periódicos de jornais sem comprovar, todavia, que a região onde mora o autor tenha sido diretamente atingida pelo alegado temporal, bem como deixou de comprovar como foram investidos seus recursos maquinários e humanos à época, sobretudo na região de atendimento do autor.
- A situação vivenciada pelo apelado certamente ultrapassou os limites do simples desconforto, pois a energia elétrica é uma utilidade absolutamente indispensável à vida moderna, sobretudo no caso em que os fatos ocorreram nas datas festivas de final de ano (natal e ano novo).
- O quantum arbitrado, a título de dano moral, na origem, mostrou-se adequado e suficiente à reparação dos danos causados, sem constituir fonte de enriquecimento sem causa.
AGRAVO DESPROVIDO.”.

Esperamos um ano 2015 melhor do que 2014, mas as omissões prejudiciais do ano que se encerra não acabam junto com ele. A responsabilidade dos “culpados” acompanhará os responsáveis durante o ano de 2015.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

VENDA CASADA: JUSTIÇA ANULA ATOS DA CEF.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
As notícias abaixo foram obtidas junto aos canais de informação do MPF em São Paulo, e o texto da sentença foi obtido mediante acesso ao processo em questão.
Não é novidade que bancos, quando em situação privilegiada, tentam subjugar o consumidor. Com a CAIXA, responsável pela concessão de financiamentos operados pelo manejo de depósitos do FGTS (o Fundo de Garantia é uma poupança forçada que pertence ao trabalhador) ocorre o mesmo. O mesmo, não! Pior! Como pretender constranger aquele que é, de fato e em última instância, o próprio dono do dinheiro utilizado para o financiamento imobiliário?
A Justiça Federal declarou a nulidade das vendas casadas, e ainda determinou à CEF promover o chamamento público para a restituição dos valores indevidamente cobrados.
Entenda os fatos e confira, ao final, a sentença.

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Caixa é condenada por venda casada em financiamentos
O juiz federal da 3ª vara em Franca, Marcelo Duarte da Silva, acatou pedido do Ministério Público Federal e concedeu tutela antecipada para impedir a Caixa Econômica Federal de exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços do banco, como seguro de vida e título de capitalização.

O inquérito civil para apurar a prática de venda casada na Caixa foi instaurado no ano passado pelo MPF, a partir de uma representação de um cidadão por meio do Digi-Denúncia, disponível no site da PR/SP na internet. Durante a apuração dos fatos, o órgão constatou diversas situações em que a Caixa condicionou o empréstimo financeiro para a aquisição de imóvel à contratação de outros serviços da instituição, o que tira a liberdade de escolha do consumidor.

Para o MPF, esse ato é caracterizado como venda casada e além de infringir os direitos garantidos no Código de Defesa do Consumidor, também ofende o direito de acesso à informação, uma vez que o cliente é levado a crer que a liberação do financiamento está ligada à compra de outros produtos.

Para divulgar esses esclarecimentos aos seus clientes, a Caixa deverá fixar cartazes em todas as agências presentes nos municípios de Franca, Aramina, Buritizal, Cristais Paulistas, Guará, Igarapava, Ipuã, Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina e São José da Bela Vista, além de publicar notícia em pelo menos dois jornais de grande circulação dessa região.

Duarte declarou ainda a anulabilidade de todas as vendas casadas de produtos e serviços oferecidos pela instituição. Já os consumidores prejudicados, com contratos de financiamento firmados a partir de 14 de outubro de 2008, deverão ser notificados por meio de carta sobre a possibilidade de devolução, com correção monetária e juros de mora legais, notificando o valor pago pelos serviços indesejados.

Para reivindicar a devolução, os clientes deverão comparecer, em um prazo de 90 dias, à agência onde firmaram contrato de financiamento de imóvel e protocolar requerimento. O dinheiro deverá ser devolvido em 30 dias pela Caixa, sob pena de multa diária de R$ 100.

Para cada dia de atraso, a Caixa terá que pagar multa diária de R$ 100 mil na providência das determinações de tutela antecipada, e para cada contrato em que se verificar descumprimento da decisão, a multa será de R$ 10 mil. Além disso, para o pagamento de prestações do financiamento imobiliário, o banco somente poderá exigir abertura de conta corrente que contenha serviços básicos e gratuitos. 
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MPF em Franca ajuíza ação para impedir Caixa de fazer “venda casada” nos contratos de financiamento imobiliário
Ação pede devolução em dobro de valores pagos, como determina o Código de Defesa do Consumidor para cobranças indevidas
O Ministério Público Federal em Franca ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Caixa Econômica Federal (CEF) deixe de exigir, sugerir ou impor a aquisição de outros produtos e serviços da instituição para a confirmação de contrato de financiamento imobiliário.
Liminarmente, o MPF pede, também, que a Caixa deixe de exigir dos consumidores que eles abram conta corrente na agência na qual financiam o imóvel para o pagamento das parcelas do financiamento (que pode ser realizada através de boleto bancário); que sejam suspensos, caso solicitado pelos consumidores, os pagamentos das próximas parcelas de serviços indesejados paralelamente adquiridos; e que a CEF divulgue esclarecimentos aos seus clientes, por meio de correspondência e por cartazes afixados nas agências, sobre a não obrigatoriedade da compra de produtos para liberação do contrato de financiamento imobiliário.

Por meio de inquérito civil público, o MPF em Franca constatou diversas situações em que a Caixa condicionou o empréstimo financeiro para a aquisição de imóvel à contratação de outros serviços ou produtos da instituição financeira. Para o MPF, esse procedimento caracteriza a “odiosa prática de venda casada”, prevalecendo-se a instituição financeira, por vezes, da fraqueza ou ignorância do consumidor para impingir-lhe seus produtos e serviços”.

No entendimento do MPF, a Caixa viola expressamente dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e ofende o direito de acesso à informação – fazendo o cliente acreditar que a liberação do financiamento está realmente atrelada à compra de produtos diversos, retirando do consumidor seu direito de livre escolha.

DEVOLUÇÃO EM DOBRO. A procuradora da República Sabrina Menegário, autora da ação, defende que é cabível impor à Caixa “o pagamento em dobro dos valores indevidos que lhe foram pagos por conta de sua prática abusiva”, como “sanção pedagógica e preventiva revertida em favor dos consumidores lesados”. Além dos pedidos em caráter liminar, portanto, o MPF ainda pede que, caso seja condenada, a CEF devolva, em dobro, tudo o que foi pago indevidamente pelos consumidores a título de contratação de produtos indesejados nos últimos cinco anos. A solicitação deverá partir do consumidor.

O inquérito civil público para apurar a prática de venda casada na Caixa foi instaurado a partir de uma representação de um cidadão por meio do Digi-Denúncia, disponível no site da PR/SP na internet. Outros clientes foram ouvidos pelo MPF, e a procuradora Sabrina Menegário constatou que “a grande maioria das pessoas ouvidas relatou que em uma das etapas da pactuação sentiram-se coagidas a adquirir novos produtos além do financiamento, pois, caso contrário, o Comitê de Avaliação responsável pela análise do financiamento não aprovaria o negócio”.
Mesmo o banco tendo demonstrado que em seus contratos de financiamento não há cláusula que obrigue a contratação de produtos ou serviços, a instituição financeira vale-se do desconhecimento de seus clientes e repassa a informação de que, para a efetivação de seus pedidos, é indispensável a aquisição de diversos produtos da CEF.

“SELEÇÃO”. Sabrina Menegário observa, ainda, que a indução da Caixa é feita seletivamente entre pessoas “humildes, de baixa renda e idosos”. “Por vezes, até mesmo aquelas que aderem ao 'Minha Casa Minha Vida', programa do Governo Federal que oferece facilidade às famílias de baixa renda na obtenção da casa própria”, destaca. A CEF é empresa pública federal e deve ser pautada por premissas de ordem pública e interesse social, sob pena de faltar com sua finalidade. A habitação, por sua vez, está entre as necessidades básicas do ser humano, e o financiamento imobiliário existe para proporcionar esse direito sobretudo a famílias de baixa renda.

A Caixa exige que, na assinatura do contrato, o fiduciante abra uma conta corrente na agência para fazer os pagamentos das parcelas, ignorando o direito do consumidor de escolher como quer pagar suas parcelas e fazendo com que o consumidor arque com tarifas de movimentação da conta. Com a justificativa de que o banco precisa que sejam cobertos os custos de serviços cartorários e demais despesas e da efetivação do financiamento, o banco exige, também, o depósito inicial de cerca de 5% do valor do financiamento. Porém, esse valor muitas vezes não é totalmente usado para esse propósito, mas sim, para cobrir os custos dos serviços e/ou produtos paralelamente adquiridos, impedindo que o valor restante seja gasto pelos consumidores da maneira que quiserem.
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A SENTENÇA
“Vistos. Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da Caixa Econômica Federal, com a qual pretende a imposição de obrigação de não fazer, consistente na abstenção de exigir, sugerir ou impor a aquisição de outros produtos e/ou serviços da instituição financeira aos fiduciantes dos contratos de financiamento imobiliário; que a Caixa se abstenha de exigir que os fiduciantes abram conta corrente na instituição com o único fim de facilitar o pagamento das prestações; aos fiduciantes que assim solicitarem, a imediata suspensão dos produtos e/ou serviços paralelos e o envio de correspondência a todos os clientes a afixação de cartazes esclarecendo sobre a não obrigatoriedade desses produtos e/ou serviços como medida condicionante de liberação de financiamentos.

Afirma o Ministério Público Federal que a Caixa Econômica tem praticado a chamada "venda casada" de produtos e/ou serviços, como seguros e abertura de conta corrente para a facilitação do pagamento de suas prestações como condicionante à liberação de financiamentos imobiliários. Juntou documentos, basicamente os autos do inquérito civil público n. 1.34.005.000248/2012-39, da Procuradoria da República no Município de Franca e requereu a antecipação de tutela (fls. 02/25 e anexos).

Este Juízo, antes de apreciar o pedido liminar, determinou se aguardasse a manifestação da ré (fls. 28).Às fls. 32/64 o Ministério Público Federal juntou novos documentos.Citada à fl. 31, a Caixa Econômica Federal contestou o pedido formulado pelo autor, alegando a tempestividade da contestação; a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal; a inadequação da via eleita; a disponibilidade do direito discutido na lide; a natureza individual do direito discutido na lide; a vedação de pedido genérico; a litispendência com outras ações civis públicas e o alcance das decisões.

Quanto ao mérito, a CEF sustentou não ter ocorrido venda casada e que suas práticas são lastreadas na legislação e especialmente nas resoluções do Conselho Monetário Nacional; que oferece licitamente taxas de juros menores para clientes com relacionamento mais estreito; que não condiciona a aprovação de qualquer financiamento à aquisição de outros produtos e serviços, como seguros em geral, títulos de capitalização, planos de previdência privada, apenas oferecendo como todo e qualquer banco comercial faz.Por derradeiro, contesta os pedidos de antecipação de tutela, indenização em dobro e aplicação de multa em caso de descumprimento, juntando documentos (fls. 69/173). Decisão que indeferiu o pedido antecipatório às fls. 175, dando-se vista ao MPF para réplica, que não se manifestou (fls. 175 verso e 176).

É o relatório do essencial. Passo a decidir.

Conheço diretamente do pedido nos termos do artigo 330, II, do Código de Processo Civil. Inicialmente, cumpre-me verificar que a contestação apresentada pela Caixa Econômica Federal é intempestiva, uma vez que o aviso de recebimento da carta citatória foi juntado em 14/10/2013 (fls. 31), e não no dia 17/10/2013 como mencionado às fls. 69. Tanto o AR de citação quanto a petição do MPF, protocolada em 10/10/2013, foram juntados na mesma data, ou seja, 14/10/2013. No dia 15/10/2013 foi juntada a petição da CEF protocolada em 14/10/2013, anexando procuração e substabelecimento.

No mesmo dia 15/10/2013 o processo saiu em carga para o advogado da Caixa, que o devolveu no dia seguinte, ou seja, em 16/10/2013 (fls. 68), de maneira que a alegação de que fora juntado no dia 17/10/2013 não tem o menor cabimento. Portanto, o prazo para o protocolo da contestação era o dia 29/10/2013, sendo que a mesma foi protocolada apenas no dia 30/10/2013 (fls. 69), do que decorre a sua intempestividade. Decorrido o prazo, precluiu a oportunidade da Caixa de se defender (art. 183, CPC), presumindo-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (art. 319, CPC), observado que se trata de direitos disponíveis (art. 320, II, CPC). A aplicação dos efeitos da revelia, contudo, não exime o julgador de apreciar as questões prejudiciais ao mérito. Da ilegitimidade ativa do MPF, da disponibilidade e da natureza individual do direito discutido na lide Inicialmente, verifico que os interesses patrocinados pelo Ministério Público Federal nesta demanda são individuais homogêneos e disponíveis, o que não se enquadraria - a uma primeira vista - na legitimação do Parquet. Ocorre que são interesses decorrentes de relação de consumo massificada, apresentando relevância social por essas duas características.

Com efeito, a chamada venda casada in casu é atribuída indistintamente aos contratos de financiamento para aquisição de imóvel para moradia, de maneira que pode alcançar todos os consumidores que pretendam adquirir um imóvel para moradia  mas que podem se ver obrigados ou coagidos a adquirir outros produtos da Caixa Econômica Federal a fim de que seus pedidos de financiamento sejam aprovados. Embora cada um dos mutuários possa defender o seu direito individualmente, a larga escala de situações semelhantes acabam por trazer um sério risco para o direito à moradia, eminentemente social, a justificar a legitimação do Ministério Público em Juízo.

É notório que a Caixa Econômica Federal é a instituição financeira mais atuante nesse mercado, sobretudo em relação a financiamentos a pessoas de baixa renda, como o programa do Governo Federal intitulado Minha Casa Minha Vida, onde há, inclusive, subsídios em dinheiro. Como a própria Caixa diz em sua contestação, é parceira do Governo Federal na consecução de políticas públicas (fl. 125), entre elas a concessão de linhas de financiamentos que viabilizem a aquisição da casa própria por uma parcela menos abonada da sociedade. Ora, se a Caixa Econômica Federal é o principal agente financeiro da política habitacional do Governo Federal, a massa de financiamentos imobiliários passa a influir direta e significativamente no direito social à habitação. Logo, eventual prática abusiva nessa seara interessa a toda a sociedade, justificando e reclamando a atuação do Ministério Público, legitimando-o a atuar em Juízo por meio da ação civil pública, conforme tem se manifestado a jurisprudência pátria, inclusive do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (grifos meus): Ementa PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. 1. O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos de relevante caráter social, ainda que o objeto da demanda seja referente a direitos disponíveis (RE 500.879-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-AgR, rel. Min. Celso De Mello, Segunda Turma, DJe de 29-08-2008). 2. Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 04.06.2013. (Processo RE-AgR 401482; Relator Min. Teori Zavascki) Ementa RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS PREPARATÓRIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. Inexiste violação ao arts. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte quando os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, consoante decidido pela Suprema Corte na ADI 2591. 3. No caso em julgamento, o Ministério Público estadual propôs ação cautelar para exibição de documentos bancários (listagem de correntistas da agência bancária e cópias dos contratos celebrados entre as partes), de modo a constatar a ocorrência de alegada prática abusiva quanto à imposição para aquisição de produtos bancários ("venda casada"), com vistas a eventual ajuizamento de ação civil pública. 4. O contingente de inúmeros correntistas, clientes da ré, possivelmente compelidos a adquirir produtos agregados quando buscam abertura de contas-correntes, pedidos de empréstimos ou outros serviços bancários, denota a origem comum dos direitos individuais e a relevância social da demanda, exsurgindo a legitimidade ativa do Parquet também para a ação cautelar. 5. Recurso especial não provido. (Processo RESP 200702129660; Relator Min. Luis Felipe Salomão; STJ; Órgão julgador Quarta Turma; Fonte DJE Data: 01/02/2012) Ademais, a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 1º, inciso II, dispõe que "regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao consumidor". Já o seu artigo 21 dispõe que "aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

Os artigos 81 e 82 do CDC permitem que o Ministério Público promova a defesa coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Por fim, vejo que o artigo 91 do CDC estende a legitimação do Ministério Público para propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos. Em outras palavras, em se tratando de interesses ou direitos relativos ao consumidor, o Ministério Público tem ampla legitimação para defendê-los, inclusive quando se trate de interesses e direitos individuais homogêneos e disponíveis, de modo que rejeito tal preliminar. Da inadequação da via eleita Diz o artigo 83 do CDC que "para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela". Já o artigo 84 do mesmo diploma legal reza que "na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento". Mais não precisa ser dito para se afastar a preliminar argüida. Da vedação de pedido genérico Diz o artigo 95 do CDC que "em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados". Já o artigo 97 do mesmo diploma legal dispõe que "a liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82". Logo, a ação civil pública para a defesa de interesses e direitos do consumidor possui regramento processual próprio sobre o assunto, não se aplicando as regras do Código de Processo Civil no particular. Mais não precisa ser dito para se afastar a preliminar argüida.

Da litispendência e do alcance das decisões
Como a própria Caixa Econômica Federal menciona em sua contestação (fls. 96), o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública diz que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova". Assim, não há que se falar em litispendência se nenhuma das ações apontadas pela ré tramitam na 3ª. Região. Ademais, extrai-se da petição inicial (embora o pedido seja omisso quanto a esse ponto) que a pretensão limita-se às cidades que compõem a Subseção Judiciária de Franca, uma vez que as investigações empreendidas no inquérito civil público correspondente limitaram-se a esta localidade. Portanto, rejeito a alegação de litispendência e acolho o pedido de limitação dos efeitos da sentença à Subseção Judiciária de Franca-SP.

Superadas as questões prejudiciais, passo ao exame do mérito. Nada obstante a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, que incide no presente caso por força do quanto dispõe o artigo 319 do Código de Processo Civil, a importância do assunto tratado nestes autos reclama uma incursão na matéria fática, a fim de melhor ser compreendido o correspondente desfecho jurídico. O próprio interesse transindividual e social não se contentaria com a simples afirmação da regra de imposição dos efeitos da revelia. Como é cediço, o Ministério Público Federal teceu algumas afirmações na petição inicial que não se verificaram nem mesmo pela prova coligida pelo próprio Parquet.

A primeira delas se refere à ação seletiva ao induzir, de modo prevalecente, pessoas humildes, de baixa renda e idosos. Observando os depoimentos tomados na sede da Procuradoria da República em Franca-SP, vejo que nenhum dos mutuários era idoso. Pelo contrário, a grande maioria dos ouvidos era de jovens e aparentavam estar abaixo dos 40 anos de idade. De outro lado, a observação dos mutuários ouvidos permite inferir que havia pessoas mais cultas e menos intelectualizadas, fator que não foi determinante para se empreender ou não a atitude maliciosa descrita na petição inicial. Esclareço.

Há pessoas nitidamente com um grau cultural e intelectual superior a outras. Algumas delas foram vítimas da conduta lesiva e outras não. Exemplifico. Das pessoas que demonstraram um maior poder de articulação, que, em princípio não seriam vítimas fáceis da conduta lesiva, posso citar Aline Salmazo Lopes Correa, Anderson Richard Diniz, Douglas Lemos Damasceno, Gabriela S. Coelho Silva, Melanie de Melo Almeida, Simone Batalha Velten, Walber Charles de Souza e Weslei Rodrigues e Ana Paula. Outros mutuários, igualmente articulados, não foram e nem se sentiram constrangidos ou pressionados para adquirir outros produtos quando da concessão do financiamento. Dentre eles, posso citar: Danilo Augusto Serafim, Giovanni Aurélio de Brito, Michelle de Andrade Benedito, Paulo Leandro Borges, Rodolfo Bassi Filho, Roque Dalcin, Sabrina da Silva Gualberto Pereira e Zênite Marques da Silva. Vê-se, portanto, um equilíbrio entre as pessoas aparentemente mais cultas que foram vítima da pressão ou coação dos funcionários da Caixa e as que não sentiram vitimizadas por esse tipo de assédio. Note-se, porém, que mesmo entre aqueles mais cultos que não se sentiram coagidos ou constrangidos, houve relatos de oferecimento dos produtos no momento de conclusão do contrato de financiamento e praticamente todos confirmaram a exigência da abertura de conta-corrente para o pagamento das prestações mensais do financiamento.

Entre os demais mutuários ouvidos, também houve quem se sentisse pressionado ou não a adquirir outros produtos como condicionante para a aprovação do financiamento ou pelo menos a sua agilização. Dessa forma, tenho que a alegação do Parquet de que a Caixa seleciona as potenciais vítimas da conduta lesiva pelos critérios da baixa renda, humildade (aqui entendida como pouca instrução) ou idade, não tem repercussão na prova colhida. No entanto, a conclusão óbvia que parte dessa observação é que existe, de fato, uma política mais ou menos generalizada de tentar empurrar produtos como seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis, exatamente no momento de entrega da documentação para ser encaminhada ao setor de aprovação dos financiamentos ou no momento imediatamente anterior à assinatura do contrato de mútuo. Houve quem mencionasse com clareza absoluta tal prática, a qual leva, realmente, a boa parte dos consumidores se sentirem coagidos, pressionados ou ao menos induzidos a adquirir tais produtos com o justo receio de não ter o seu financiamento aprovado ou, no mínimo, retardado. Embora não conste nos contratos essa condição, muitas vezes cria-se um ambiente propício para que o mutuário se sinta vulnerável e, na dúvida de ver o seu financiamento rejeitado ou postergado, acabe por aceitar a contragosto contratar outros produtos que não têm a menor relação com o financiamento pleiteado. Dos 27 depoimentos tomados pelo Ministério Público Federal, em 14 deles ficou bem claro que a Caixa se aproveitou do momento de vulnerabilidade dos consumidores (repita-se: tanto os mais ou os menos cultos) para empurrar-lhes produtos não desejados, sentindo-se pressionados - quando não coagidos - a tais aquisições para ver seus financiamentos aprovados. São depoimentos eloqüentes, críveis, tomados em inquérito civil público, por representante do Ministério Público Federal, os quais devem ser recebidos como prova firme, seja pelo efeito clássico da revelia, seja pela sua própria eloqüência. Nesse sentido, posso destacar a suma de alguns depoimentos: Aline Salmazo Lopes Correa: não foi dito expressamente que a aquisição de 3 produtos era condição para a aprovação do financiamento, mas receou que assim fosse, restando subentendido que seria parte do financiamento, pois foi aproveitada a sobra do depósito para as despesas com documentação. Anderson Richard Diniz: se sentiu revoltado, pois já foi vendedor e tinha conhecimento dessa prática por experiência própria. Mencionou que foi obrigado a engolir a aquisição de um seguro e não aceitou pagar a taxa de manutenção da conta-corrente. Celso Augusto Fernandes de Castro: já sabia, por intermédio de um amigo, que os funcionários do banco empurrariam seguro de vida, residencial e plano de previdência privada. Também mencionou a utilização da sobra do depósito para as despesas com documentação. Cristina Alves de Lima: não chegou a questionar o procedimento, porquanto veio tudo pronto para assinar: o contrato de financiamento e um título de capitalização, entendendo que fazia parte do financiamento e que não tinha outra opção. Divina de Fátima Tanja Gomes: sentiu que teve que comprar um título de capitalização XCap e seguro de casa, achando que também teve que adquirir um seguro de vida, pois fazia parte do financiamento. Douglas Lemos Damasceno: ficou claro para esse mutuário que se não adquirisse o seguro residencial o seu financiamento não seria liberado. O mutuário chegou a advertir o funcionário da Caixa de que aquela conduta era ilegal e recebeu como resposta que estavam seguindo orientações superiores.  O valor do seguro foi tirado da sobra do depósito para as despesas com documentação. Fabíola Carla da Silva: o funcionário que a atendeu disse que era preciso fazer o seguro e o plano de previdência para aprovar o financiamento, mesmo sem condições financeiras para tanto, vindo a aceitar tal condição porque precisava adquirir o imóvel. Gabriela S. Coelho Silva: os funcionários da Caixa disseram que ela precisaria fechar três produtos, ou seja, seguro de vida, título de capitalização e seguro de casa. Sua amiga já havia dito que dela exigiram a aquisição de dois produtos, pelo que a depoente acabou questionando o por quê da diferença entre elas. No entanto, acabou aceitando porque queria a casa. O valor dos produtos foi tirado da sobra do depósito para as despesas com documentação. Luzia Aparecida da Silva: quando foi assinar o contrato de financiamento, disseram que ela tinha que fazer vários seguros. Perguntou se podia não fazê-los, sendo-lhe respondido que não. Fizeram o seguro de vida e pagaram na hora R$ 900,00 com a sobra do depósito para as despesas com documentação. Melanie de Melo Almeida: entendeu que houve insinuação de que o seu financiamento não seria aprovado se não adquirisse outros produtos. Mencionou que a funcionária lhe disse textualmente: "A Caixa ajuda quem ajuda a gente". Acabou fazendo seguro de vida e previdência privada. O valor dos produtos foi tirado da sobra do depósito para as despesas com documentação. Teve que abrir uma conta corrente e pagar taxa de manutenção mensal de R$ 24,00. Pedro Luis Miras Garcia: teve que pagar um seguro contra incêndio, além da obrigatoriedade de abrir uma conta corrente e pagar taxa de manutenção mensal de R$ 25,00. Simone Batalha Velten: fez relato longo e detalhado, descrevendo que existe uma pressão, mas não se recordava de que fora uma condicionante. É uma forma de indução. O gerente disse que seria bom ter esses produtos, mas não disse para quê. Fez um depósito para as despesas com documentação. Depois que tinha assinado o contrato, perguntou se tinha mais alguma coisa que seria debitada daquele depósito, pois estava apertada e precisaria se organizar. A moça viu o extrato e disse-lhe: "mas você ainda não fez o pacote? O que você quer?". A mutuária disse que não queria e perguntou o que precisava comprar. A moça respondeu: "não, mas uma parte desse dinheiro é para você comprar algum produto". A mutuária se sentiu induzida, perguntou qual era o valor mínimo, fez o seguro de vida e se sentiu confusa. Quando chegou em casa, verificou no contrato que não havia tal obrigatoriedade e depois voltou para cancelar o seguro, quando percebeu que não tinha obrigação nenhuma de ter adquirido tal produto. Se sentiu pressionada, ainda que tenha ocorrido após a assinatura do contrato. Mencionou que amigos lhe disseram ter vivido a mesma situação. Walber Charles de Souza: eles colocaram um monte de contratos para assinar e teve que fazer título de capitalização, seguro de vida, cartão de crédito e abertura de conta corrente com cheque especial. Eles sacaram do depósito para as despesas com documentação. Só fez porque tinha que fazer. Weslei Rodrigues e Ana Paula: eles não obrigam, mas deixem entender que se não comprar não sai o financiamento. Eles dizem que precisa ter um vínculo para ser aprovado. Só quando foram levar os documentos é que souberam que teriam que fazer um consórcio de automóveis, que aí seria certeza que seria aprovado. Eles não deixaram os mutuários optarem por um plano de previdência, dizendo que tinha que ser um consórcio de automóvel. Além disso, tiveram que abrir uma conta. Quem assiste aos depoimentos não fica com dúvida da conduta maliciosa, insidiosa, constrangedora, capaz de vencer até mesmo aqueles consumidores que se mostraram mais articulados e claramente contrários a tal procedimento, como Anderson Richard Diniz, Douglas Lemos Damasceno, Gabriela S. Coelho Silva, Melanie de Melo Almeida e Weslei Rodrigues e Ana Paula. Outros casos semelhantes foram retratados por denúncias feitas ao PROCON de Franca, conforme os documentos de fls. 33/64, inclusive cópia de contratos de seguros de vida efetivamente adquiridos e pagos. Ainda quanto aos fatos, vejo que os contratos que instruem o inquérito civil público anexo não trazem cláusula expressa de que o mutuário tem outras opções de forma de pagamento que não o débito em conta corrente e o desconto em folha de pagamento. Todavia, há cláusula que permite tal interpretação: "O encerramento da conta corrente bem como o cancelamento do débito dos encargos em conta corrente implica na perda definitiva do redutor" (p.ex. cláusula 4ª, 11º, fls. 569).

Ora, se o cancelamento do débito ou encerramento da conta implica somente a perda do redutor da taxa de juros do financiamento, subtende-se que o financiamento poderá prosseguir, com a taxa "normal" por meio de boletos, carnês, Internet banking, terminais de autoatendimento, etc. Essa é a posição firmada pela Caixa em contestação, de modo que este Juízo reputa possível a cobrança das prestações mensais de resgate do mútuo por essas outras formas. Logo, se os depoimentos mostram que é exigido do pleiteante a abertura de conta-corrente, então existe a condicionante negada pela Caixa.

De igual modo, se praticamente todos os contratos que instruem o inquérito civil público trazem como forma de pagamento o "débito em conta corrente", sendo que somente dois trazem a expressão "débito em conta" (fls. 331 e 522), forçosa é a conclusão de que a abertura de conta corrente junto à Caixa é, de fato, condicionante para a aprovação do financiamento. Os contratos que instruem o inquérito civil público deixam bem claro que se o mutuário tiver, até a data da assinatura do contrato de financiamento, conta corrente com cheque especial, cartão de crédito desbloqueado, conta-salário aberta na Caixa e débito dos encargos mensais vinculados ao financiamento em conta corrente na Caixa, é concedido um redutor à taxa de juros. Estes são os fatos. Passo ao exame jurídico.

Conforme já dito, a revelia da Caixa induz à presunção de veracidade das alegações do Ministério Público Federal quanto aos fatos, muitos deles também comprovados pelos documentos juntados à inicial, sobretudo os depoimentos tomados no inquérito civil público. Primeiramente, concluo que se a esmagadora maioria dos contratos que instruem o inquérito civil público traz como forma de pagamento o débito em conta corrente, a Caixa tem cumprido a cláusula que reduz a taxa de juros se o mutuário opta por essa forma. Vejo que a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional impede a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais na seguinte forma:Art. 2º É vedada às instituições mencionadas no art. 1º a cobrança de tarifas pela prestação de serviços bancários essenciais a pessoas naturais, assim considerados aqueles relativos a:I - conta de depósitos à vista: a) fornecimento de cartão com função débito; b) fornecimento de segunda via do cartão referido na alínea "a", exceto nos casos de pedidos de reposição formulados pelo correntista decorrentes de perda, roubo, furto, danificação e outros motivos não imputáveis à instituição emitente; c) realização de até quatro saques, por mês, em guichê de caixa, inclusive por meio de cheque ou de cheque avulso, ou em terminal de autoatendimento; d) realização de até duas transferências de recursos entre contas na própria instituição, por mês, em guichê de caixa, em terminal de autoatendimento e/ou pela internet; e) fornecimento de até dois extratos, por mês, contendo a movimentação dos últimos trinta dias por meio de guichê de caixa e/ou de terminal de autoatendimento; f) realização de consultas mediante utilização da internet; g) fornecimento do extrato de que trata o art. 19;h) compensação de cheques; i) fornecimento de até dez folhas de cheques por mês, desde que o correntista reúna os requisitos necessários à utilização de cheques, de acordo com a regulamentação em vigor e as condições pactuadas; e j) prestação de qualquer serviço por meios eletrônicos, no caso de contas cujos contratos prevejam utilizar exclusivamente meios eletrônicos; Como existe essa vedação, forçoso é concluir que a simples exigência de abertura de conta corrente na Caixa não pode ser considerada venda casada, porquanto a prestação do serviço de manutenção de conta corrente pode ser gratuita. Como é cediço, a venda casada pressupõe que ambos os produtos ou serviços sejam cobrados. Se um deles é gratuito e, no caso, traz facilidades para a instituição bancária e comodidade para o consumidor, não posso ver tal prática como abusiva ou ilegal.

O que não pode acontecer é a cobrança das tarifas da cesta ou pacote de serviços opcionais sem a anuência do consumidor. De outro lado, nada mais natural que o banco conceda o redutor de juros somente aos clientes que consintam em abrir uma conta corrente com a cesta ou pacotes de serviços opcionais. Nesse sentido, a contestação da Caixa é convincente, inclusive quanto à economia em casos onde o valor da prestação atinge os patamares das hipóteses colocadas às fls. 134/136. Ocorre que os contratos que instruem o inquérito civil público trazem, no geral, prestações bem menores, onde se imagina que a diferença entre as prestações debitadas e as lançadas por boletos provavelmente não seja maior que a taxa de manutenção da conta corrente. Portanto, fica ainda mais reforçada a conclusão supra: a exigência de abertura de conta corrente, pura e simplesmente, não caracteriza venda casada se não for cobrada nenhuma tarifa. Se houver cobrança, caracterizada estará a venda casada.

No tocante à venda casada de outros produtos, tais como seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis, no contexto de aprovação de financiamento de imóveis, nada obstante os efeitos da revelia, a prova trazida pelo Ministério Público Federal é eloqüente. Com efeito, o teor dos depoimentos tomados no inquérito civil público deixa claro que é prática comum a insinuação, o constrangimento, a pressão - geralmente de modo velado - para que o pretendente ao financiamento adquira - onerosamente - outros produtos como condição para a respectiva aprovação ou, ao menos, a agilização do procedimento de aprovação. Pouquíssimos mutuários afirmaram que os funcionários da Caixa exigiram, peremptoriamente, a aquisição de outros produtos para a aprovação do financiamento. No entanto, vários consumidores ouvidos relataram de modo convincente, preciso, detalhado, que se sentiram pressionados, constrangidos, induzidos a adquirirem outros produtos a fim de não ver frustrado o financiamento de seus imóveis. O receio demonstrado por tais consumidores não denota ignorância ou erro de avaliação, como quer fazer crer a Caixa em sua contestação. O receio era justo e o ambiente era propício a que os consumidores se sentissem vulneráveis a ponto de aceitar tais aquisições desnecessárias ou indesejadas naquele momento. É de todo evidente que a pequena amostragem do inquérito civil público não permite a conclusão de que tal prática abusiva ocorra com todos, com a maioria ou com determinada porcentagem dos casos. No entanto, é significativo o número de situações semelhantes, o que ultrapassa aquela sensação de constituírem casos esporádicos ou excepcionais, gerados possivelmente da atuação individual e infeliz de um ou outro funcionário da CEF. Pelo contrário, deixa a impressão muito forte de que se trata de prática comum, recorrente, talvez por supostas pressões superiores para o atingimento de metas de desempenho comercial, atropelando-se direitos dos consumidores que se vêem, ao menos momentaneamente, em situação de vulnerabilidade. Como é cediço, são direitos básicos do consumidor, entre outros, a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações, bem como a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusiva ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (cfe. art. 6º, incisos II e IV, CDC).

As práticas aqui descritas caracterizam inegavelmente a chamada "venda casada" e são consideradas abusivas nos termos do artigo 39, incisos I, IV e V do CDC:Art. 39.  É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994) I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; Concluindo e sumulando, a prática recorrente de venda casada aqui observada é considerada abusiva e, por isso, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo a Caixa Econômica Federal evitar novas condutas semelhantes, além de reparar as lesões já perpetradas. Assim, procede o pedido de expedição de ordem de não fazer à Caixa Econômica Federal, proibindo-a de exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa. A mera sugestão, desde que acompanhada da clara desnecessidade de aquisição para a aprovação do financiamento não pode ser obstada, dado o caráter privado da atividade da ré. As astreintes sugeridas na petição inicial devem ser impostas de maneira diversa, ou seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato onde se verificar a infringência a esta decisão. Quanto ao pedido de obstar a Caixa de exigir a abertura de conta corrente para facilitar o pagamento das prestações deve ser atendido parcialmente, ou seja, o que não se pode exigir é a cobrança de taxa de manutenção sem a aquiescência do cliente. Se for oferecida a conta corrente com os serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional, nada impede que a Caixa estabeleça essa obrigatoriedade em função das facilidades para o próprio consumidor e a economia gerada com a ausência de impressão de boletos e entrega via Correios, por exemplo. Improcede, de outro lado, o pedido de condenação à devolução, em dobro, dos valores pagos indevidamente a título de contratação de produtos ou serviços indesejados, nos termos do parágrafo único do artigo 42 do CDC.

Com efeito, o referido dispositivo legal é claro quanto ao seu propósito: evitar constrangimentos no momento da cobrança. No presente caso, o constrangimento ocorreu, na verdade, no momento da contratação e não na posterior cobrança dos débitos correspondentes. Assim, o remédio é anulação do contrato, com a restituição dos contratantes aos status quo ante, ou seja, com o desfazimento do negócio e a devolução, com correção monetária e juros de mora legais, do quanto foi pago pelo negócio indesejado. A devolução em dobro significaria ressarcimento pelo eventual dano moral sofrido pelos consumidores, o que, todavia, não foi cogitado na petição inicial. À toda evidência que o desfazimento dos contratos referidos não atinge aqueles que o seu objeto foi cumprido sem prejuízo do consumidor. Portanto, se o seguro de vida ou residencial foi utilizado, ou seja, se a seguradora pagou por algum sinistro verificado em valor superior ao prêmio corrigido e acrescidos de juros de mora legais, o contrato inicialmente empurrado acabou por beneficiar o consumidor enganado, não havendo lesão propriamente dita.

No caso de plano de previdência privada ou título de capitalização, se o valor resgatado for igual ou superior ao valor investido e acrescido de correção monetária e juros de mora legais, não haverá lesão e, portanto, não caberá o ressarcimento. Se inferior ou inexistente, a Caixa deverá ressarcir a diferença ou o valor total, conforme o caso. No caso de consórcio, se não houve contemplação, deve ser ressarcido o valor integral. Se houve a contemplação e a utilização do bem, eventual ressarcimento deve ser liquidado por artigos, uma vez que deverão ser considerados fatores como a utilização do bem, sua desvalorização, entre outros.

Há que se respeitar o prazo prescricional de que trata o artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, de modo que estão prescritas as pretensões quanto aos contratos indesejados firmados antes de 14/10/2008, ou seja, cinco anos antes da citação da Caixa Econômica Federal. Além disso, há que se respeitar o prazo decadencial de 90 dias, a contar da publicação de edital em jornais (pelo menos dois) de grande circulação nesta Subseção, dando ampla divulgação ao conteúdo desta sentença, tudo após o respectivo trânsito em julgado. Essa publicação não prejudica a obrigação de notificações individuais a todos os mutuários de financiamentos de imóveis com contrato assinado a partir de 14/10/2008, por meio de carta com aviso de recebimento ou por cartório extrajudicial.


Diante dos fundamentos expostos, suficientes para firmar minha convicção e resolver a lide, ACOLHO PARCIALMENTE, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos do artigo 269 do CPC, o pedido formulado pelo Ministério Público Federal para condenar a Caixa Econômica Federal a abster-se de exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa, tais como seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato onde se verificar a infringência a esta decisão. Declaro que a Caixa Econômica Federal somente poderá exigir a abertura de conta corrente para o pagamento dessas prestações com os serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional. Declaro a anulabilidade de todas as vendas de produtos e serviços contratados ao tempo da celebração de financiamentos de imóveis das quais resultou prejuízo aos respectivos consumidores, declarando, ainda a possibilidade dos consumidores lesados, com contratos de financiamento firmados a partir de 14/10/2008, pleitearem individualmente a devolução, com correção monetária e juros de mora legais, do quanto foi pago pelo(s) negócio(s) indesejado(s) e aqui caracterizados como vendas casadas. Para tanto, deverão comparecer, no prazo de 90 dias, à agência onde firmaram o contrato de financiamento de imóvel (caso tenha sido fechada, na agência central de Franca) e protocolar requerimento simples para a devolução do seu dinheiro, que deverá ser pago em 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais). Condeno a Caixa Econômica Federal a publicar editais em pelo menos dois jornais de grande circulação nesta Subseção, notificando os mutuários de financiamentos de imóveis com contrato assinado a partir de 14/10/2008, por meio de carta com aviso de recebimento ou por cartório extrajudicial, de que terão o prazo de 90 dias para protocolarem o requerimento de devolução dos valores relativos aos negócios indesejados, cujo pagamento deverá ser efetuado em 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais). Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios nos termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85.A presente sentença não está sujeita ao reexame necessário. Reconhecido o direito do autor - muito mais do que a verossimilhança da alegação - vejo que é justo o receio de dano de difícil reparação das centenas (ou mesmo milhares) de consumidores que pretendam manter a mesma relação jurídica com a CEF, na Subseção de Franca, que tenham que esperar pelo trânsito em julgado desta sentença. Assim, reunidas as condições do art. 273 do Código de Processo Civil, antecipo parcialmente os efeitos da tutela, para determinar, desde já, que a Caixa Econômica Federal se abstenha de exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa, tais como seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato onde se verificar a infringência a esta decisão. A partir deste momento, a Caixa Econômica Federal somente poderá exigir a abertura de conta corrente para o pagamento dessas prestações com os serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional. Para tanto, deverá publicar notícia em pelo menos dois jornais de grande circulação nesta Subseção e afixar cartazes em todas as suas agências nesta Subseção com a suma desta decisão (mínimo de 30 em cada uma), no prazo de 20 dias a contar da intimação desta sentença, conforme modelo anexo, mantendo-os enquanto tramitar a presente demanda, o que poderá ser objeto de fiscalização pelo próprio Ministério Público Federal. Ainda que se possa caracterizar redundância, tendo em vista a excepcionalidade do efeito suspensivo ao recurso contra esta decisão (art. 14 da Lei 7.347/85), deixo claro que a presente sentença, nos tópicos antecipados, produzirá seus efeitos assim que publicada, conferindo-se o pra zo de 20 dias para as referidas providências, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Tendo em vista a abrangência local da presente sentença, oficie-se, com cópia desta, os MM. Juízos Federais desta Subseção Judiciária, para conhecimento, com as nossas homenagens. P.R.I.C. Franca, 22 de abril de 2014. Marcelo Duarte da Silva - Juiz Federal. ANEXO: Modelo com texto mínimo para editais e cartazes para o cumprimento da tutela antecipada"A Caixa Econômica Federal vem à público informar que, por decisão da 3ª. Vara da Justiça Federal em Franca-SP nos autos n. 0002564-67.2013.403.6113, todos os pretendentes a financiamento de imóvel na Subseção de Franca (Municípios de Franca, Aramina, Buritizal, Cristais Paulista, Guará, Igarapava, Ipuã, Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Patrocínio Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina e São José da Bela Vista) devem ser informados de que a abertura de conta corrente somente pode ser exigida pela Caixa se contar com os serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional. De acordo com a referida decisão judicial a Caixa Econômica Federal está proibida de exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários, a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa, tais como seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis. Se e quando esta decisão se tornar definitiva, a Caixa Econômica Federal publicará novo edital comunicando os direitos dos consumidores lesados, ou seja, que contrataram financiamento de imóveis em agências localizadas nos municípios acima mencionados a partir de 14/10/2008 e que foram vítimas da referida venda casada de produtos e serviços".