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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

INDENIZAÇÃO PARA SERVIDORES CELETISTAS ESTADUAIS.


Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) tratou de Plano de Demissão Voluntária de servidores públicos estaduais.

O Projeto de Lei.
O PL nº 582/2018, de 23/08/2018 é de autoria do Deputado Estadual Campos Machado, que assim o justificou:
“JUSTIFICATIVA
Considerando que o artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República determinou a aplicação de estabilidade aos servidores públicos civis em exercício, na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados  e   pelo princípio da simetria, a mesma regra foi reproduzida no artigo 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo.
Pelas regras atuais, não há limitador de aposentadoria compulsória aos 75 anos para os Servidores Celetistas, sendo assim os mesmos ficarão até a sua morte trabalhando (Parecer dado pela PGE nº 18487-162899/2008).
Hoje, o quadro funcional é formado por 4.947 servidores que recebem remuneração acima do teto do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, bem como, dentre estes, 2.922 servidores já preenchem os requisitos para se aposentarem (dados fornecidos pela Secretaria da Fazenda, dezembro/16).
Importante apontar que a remuneração média dos servidores em tela é de R$ 12.537,00 (doze mil quinhentos e trinta e sete reais), mais os encargos da folha sobre essa remuneração, tais como o FGTS, INSS, 1/3 sobre as férias e 13º salário, perfazendo um custo médio mensal total por servidor de aproximadamente R$ 18.465,00 (dezoito mil quatrocentos e sessenta e cinco reais).
Ressaltamos que o Estado de São Paulo encontra-se, atualmente, acima do limite prudencial da folha de pagamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, correspondente a 49,55%.
O presente projeto pretende criar um quadro em extinção para os Celetistas Estáveis, incentivando suas aposentadorias por meio de INDENIZAÇÃO SALARIAL POR 23 ANOS, sendo que o valor da indenização corresponderá a 80% do valor da remuneração global do servidor, deduzindo o valor de 175 UFESP a ser pago ao longo de 20 anos através de indenização.
Conforme dados apresentados pela Secretaria da Fazenda, a maior faixa etária está entre 55 a 60 anos, e segundo as estatísticas apresentadas recentemente no Estado de São Paulo, a média de expectativa de vida é de 80 anos, portanto chegamos a uma indenização de 23 anos, o que refletirá em uma economia aos cofres públicos na ordem de R$ 17 bilhões.
Anexamos à propositura 2 quadros nos quais fica evidenciada a economia  na folha de pagamento do pessoal celetista estável. O indicador que chama atenção é da relação custo/ativa e custo/indenização, na ordem de 2,87, ou seja, o custo da folha atual permite o pagamento de quase três folhas de indenização.
Registramos que a Associação dos Servidores Celetistas Estáveis do Estado de São Paulo conta com aproximadamente 4 mil servidores associados,  originários de diversas Secretarias, tais como: DER, DAEE, USP, UNICAMP, UNESP, HOSPITAL DAS CLINICAS, SPPREV,  PAULA SOUZA, SECRETARIA DA SAÚDE, SEAD, SECRETARIA DA FAZENDA, PGE, DASP e demais instituições.
Senhores Deputados, a presente propositura atenderá à reivindicação justa dessa classe de Servidores Celetistas Estáveis, conciliada com o princípio constitucional da economicidade, razão pela qual peço o apoio para a deliberação do presente projeto de lei.”

O problema real.
A íntegra do Projeto de Lei está disponível aqui, e o citado Parecer da PGE/SP está disponível aqui.

A proposição dizia respeito aos empregados públicos não concursados, que estivessem no desempenho do serviço público há pelo menos cinco (05) anos na data da promulgação da Constituição Federal, em 1.988. Portanto, disse sobre a estabilidade excepcional, contemplada no art. 19 do ADCT:
“Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.”

No caso específico do PL, tentava solucionar um “problema” relativo à (in)plicação da dita aposentadoria compulsória (também denominada “expulsória”), que é a hipótese de desligamento do servidor quando ele atingir a idade-limite de 70 ou de 75 anos, bem como a incidência do instituto aos servidores celetistas estabilizados por força do art. 41 da CF/88 e 19 do ADCT.

A demissão de servidores celetistas no estado de São Paulo tornou-se fonte de problemas para a Administração Pública estadual. Em um primeiro momento, os celetistas que requeressem a sua aposentadoria ao INSS eram sumariamente demitidos tão logo houvesse a concessão de benefício previdenciário. Tratava-se da aplicação da antiga regra do § 2º, art. 453 da CLT:
“Art. 453 - (...)
§ 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício.”.

Dessa forma, ao requererem a aposentadoria pelo INSS, os servidores celetistas, concursados ou estabilizados, eram demitidos sob a justificativa de aplicação do art. 453 da CLT. Assim, vários trabalhadores ingressaram com ações perante a Justiça do Trabalho requerendo uma das seguintes providências: a) alguns pleiteavam a reintegração; b) outros pleiteavam o pagamento de multa rescisória por demissão sem justa causa, ou seja, receber o equivalente a 40% sobre o saldo de FGTS.

A Justiça do Trabalho acatava os pedidos e impunha desembolsos ao Estado, seja pelo pagamento da multa de 40% sobre o saldo de FGTS ou pela ordem de reintegração e de pagamento de salários e acessórios durante o período da despedida.
Por tal razão, o Estado de São Paulo passou a não mais demitir servidores celetistas que se aposentassem. A demissão sem justa causa somente ocorrerá(ia) por ato de vontade do empregado público, sem qualquer tipo de implicação financeira adicional para a Administração.

A Lei Estadual nº. 16.894/2018.
Em 21/12/2018 o PL nº. 582/2018 foi convertido na Lei Estadual nº 16.894/2018, que Autoriza o Poder Executivo a instituir o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária - PIDV destinado exclusivamente aos servidores públicos estáveis, nos termos do disposto no artigo 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado.”. Portanto, conforme a própria ementa, não criou automaticamente o direito ao recebimento da pecúnia, mas tão e somente autorizou o Poder Executivo a tratar do tema, e promover, em caso de conveniência e oportunidade administrativas, a rescisão dos contratos de trabalho, conforme o art. 1º do texto legal:
Artigo 1º - Fica o Poder Executivo autorizado, nos termos desta lei, a instituir o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária - PIDV, destinado exclusivamente aos servidores públicos civis estáveis, nos termos do disposto no artigo 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado - ADCT da CE.”.

A quantificação e a forma de pagamento foram regradas pelo arts. 5º, 6º e 7º da citada lei:
“Artigo 5º - O valor da indenização corresponderá a 80% (oitenta por cento) do valor da remuneração global do servidor, no mês anterior à protocolização do pedido, previsto no artigo 2º, observado o disposto no artigo 115, XII, da Constituição do Estado, deduzido o valor de 175 (cento e setenta e cinco) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs, a ser pago ao servidor que, na data do requerimento de adesão, tenha 35 (trinta e cinco) anos completos de serviço público prestado ao Estado de São Paulo.
§ 1º - O servidor receberá a indenização pelo prazo de 276 (duzentos e setenta e seis) meses.
§ 2º - Serão excluídas da remuneração global a que se refere este artigo as verbas de natureza indenizatória e outros valores pagos em caráter eventual, vinculados ou não ao mês de competência.
Artigo 6º - O valor da indenização será pago até o 5º (quinto) dia útil de cada mês, não incidindo sobre o mesmo qualquer desconto de natureza tributária ou de seguridade social, por tratar-se de verba indenizatória.
Artigo 7º - O valor da indenização será revisado, anualmente, a partir de 1º de janeiro, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, ou pelo índice que vier a substituí-lo.”

Somente os servidores estabilizados terão o direito, se instituído o PDV, a requerer a rescisão do contrato e a receber a indenização, que poderá ser parcelada por “poucos” 276 meses ou 23 anos...

Conclusão.
Ao que nos parece, a aposentadoria compulsória aplica-se indistintamente a todos os servidores públicos, concursados ou estabilizados; celetistas ou estatutários, porque a permanência não se trata de “direito vitalício”.  Aliás, nem os agentes contemplados com a vitaliciedade (magistrados, membros do MP e outros) podem permanecer na ativa após a idade-limite.

O PL nº 582/2018, de 23/08/2018, da autoria do Deputado Estadual Campos Machado, convertido na Lei Estadual nº 16.894/2018, tiveram o objetivo de contornar uma realidade financeira: em havendo pedido de demissão, o servidor celetista não terá direito à multa do FGTS. E se a Administração Pública aplicar aos celetistas a idade-limite para a inatividade compulsória também está isenta do pagamento de multa rescisória, isto na nossa avaliação.
O PL nº 582/2018 e a Lei Estadual nº. 16.894/2018, salvo melhor juízo, buscaram criar uma vantagem hoje impossível aos servidores celetistas, substituindo os efeitos financeiros (compensação!) de uma multa que jamais incidirá, em razão de que não haverá dispensa sem justa causa.

Servidores estatutários serão aposentados compulsoriamente, sem direito a FGTS.
Servidores celetistas concursados não terão contratos de trabalho rescindidos sem justa causa, portanto não terão direito à multa sobre o saldo de FGTS.
Servidores celetistas estabilizados pela CF/88 e CE/89, certamente após enfrentarem inúmeras incertezas durante a vida profissional na Administração Pública terão agora um tratamento diferenciado.

terça-feira, 20 de março de 2018

ESTABILIDADE-BLINDAGEM: "ESTADÃO" ABORDA A QUESTÃO.


Jornal O Estado de São Paulo de hoje, 20/03/2018, publica relevante opinião da sua nova colunista, Ana Carla Abrão, sobre a estabilidade no serviço público nacional.

Aborda o tema tal como quem reaalmente conhece a organização interna do serviço público municipal, estadual e federal, e tem conhecimento sobre a razão da estabilidade no serviço público, os atingidos idealmente pela estabilidade (exercentes de poder de polícia, regulatório, jurisdicional e demais funções de estado). Chama a atenção para mau uso das avaliações periódicas, dos desvios nas sindicâncias e processos administrativos, e ao seu modo, apresenta o seu entendimento sobre a Constituição Federal de 1988 conformar e dar suporte ao vícios por ela enumerados.

No nosso entender, contudo, a Constituição Federal não chancela as práticas denunciadas por Ana Carla Abrão; pelo contrário! Avaliamos que os problemas identificados pela articulista decorrem do exercício indevido de competências por parte dos agentes incumbidos de aplicarem e interpretarem, no interior de suas administrações (órgaos, reparticções) as normas da CF/88.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

PARA O “NOVO” STF, TRÂNSITO EM JULGADO DE DECISÃO (ART. 5º, XXXVI DA CF/88) NÃO AFASTA A POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DE PROVENTOS.

Em julgamento ocorrido ontem, 26/11/2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal  decidiu sobre o Mandado de Segurança (MS nº 22423), ajuizado por servidores do Tribunal Regional do Trabalho no Rio Grande do Sul em face de uma decisão do TCU. 

A decisão do TCU em procedimento de homologação de aposentadoria determinou a supressão gratificação denominada Adicional por Tempo de Serviço, gratificação esta que fora assegurada por meio de decisão judicial transitada em julgado antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Por sua maioria, o STF considerou que a gratificação deveria ser calculada com base em lei posterior que fixou a gratificação em percentual menor.

Anos antes, o Ministro (aposentado) Eros Grau  entendeu ser viável a concessão da ordem no Mandado de Segurança para impedir o corte, a diminuição, mas o Ministro Gilmar Mendes abriu divergência para negar a concessão da ordem obstativa (ordem para não fazer) pleiteada no Mandado de Segurança.
 
Segundo foi alegado no processo pelos servidores, ao completarem 10 anos de serviço público eles passaram a receber a gratificação adicional por tempo de serviço fixada em 30% dos vencimentos com base na Lei 4.097/1962. Todavia, em momento posterior, pela Lei 6.035/1974 foi alterada a base de cálculo da gratificação que passou a ser de 5% por quinquênio até o limite de sete quinquênios.
 
A decisão do extinto Tribunal Federal de Recursos (órgão judiciário anterior a Constituição Federal de 1988) manteve o direito ao recebimento de gratificação de 30%.
 
Durante o ato de homologação de aposentadoria, o Tribunal de Contas da União considerou a necessidade de ser observado o percentual da Lei 6.035/1974 e, fundamentado no artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), não aplicou aplicar a decisão transitada em julgado. O artigo 17 do ADCT estabeleceu a redução de vencimentos, remunerações, gratificações, vantagens ou aposentadorias de servidores que não estivessem sendo pagos de acordo com as regras da nova Constituição de 1988 e não admitia a invocação de direito adquirido, ou seja, opunha-se ao artigo 5º, inciso XXXIV da CF/88.
 
Pelo voto do  Ministro Gilmar Mendes foi destacado que a jurisprudência do STF estabelecia exceções à invocação da “coisa julgada”, apontando o julgamento do MS 24875, no qual o Plenário decidiu que não haveria direito ao recebimento de adicionais em percentual superior ao fixado por lei posterior. Segundo o juiz, a perpetuação do recebimento de adicionais resultaria na possibilidade de aquisição de direitos com base em regras abstratas com base em sistema remuneratório que já não está mais em vigor, o que representaria violação do princípio da legalidade.

Vejamos, todavia, o que dispõe o artigo 5º, inciso XXXVI, da CF/88:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”.

Os votos ainda não estão disponíveis para consulta, de modo que apresentamos a ementa do julgamento realizado:
“Decisão: O Tribunal, por maioria, denegou a segurança, vencidos os Ministros Eros Grau (Relator) e Ricardo Lewandowski (Presidente). Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Não votou o Ministro Luiz Fux por suceder ao Ministro Eros Grau. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, este em razão de viagem para receber o Colar de Honra ao Mérito Legislativo do Estado de São Paulo, e, neste julgamento, o Ministro Dias Toffoli. Plenário, 26.11.2015.”.

segunda-feira, 2 de março de 2015

TETO SALARIAL DO FUNCIONALISMO NÃO SE APLICA PARA QUEM OCUPAR DOIS CARGOS PÚBLICOS.

Há muita agitação, principalmente na imprensa, quando vaza a notícia de que uma autoridade tem vencimentos acima da quantia definida como sendo o teto do funcionalismo. Recentemente, o ex-Senador Eduardo Suplicy foi convidado a assumir uma Secretaria na Prefeitura de São Paulo. Somando-se os valores de sua aposentadoria de ex-congressista com os vencimentos de Secretário Municipal os rendimentos mensais atingiriam o montante de R$ 50.000,00. O valor é bem superior ao do teto imposto literalmente pela Constituição Federal, e por este motivo ele afirmou que doaria o valor excedente ao do teto.

A Constituição Federal dispõe:
“Artigo 37 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; 
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;”

O atual vencimento de Ministro do STF é de R$ 33.700,00. De forma literal, nem um servidor poderia, em tese, ganhar mais do que R$ 33.700,00.

O fato é que existem muitos servidores que há muito tempo são titulares de dois cargos públicos (com vários adicionais por tempo de serviço, por exemplo) e que contam com vencimentos individuais (de cada cargo) bem generosos. Com a soma, os valores superarão o “teto”. Como fica, então, a situação desse servidor que ocupa dois cargos e recebe acima do “teto”? Trabalhará em dois cargos públicos recebendo parcialmente? Ou abrirá mão de um dos cargos?

O melhor é que a Constituição Federal fosse bem explícita e proibisse a acumulação de cargos; que vedasse a acumulação que pudesse ocasionar a sobreposição de vencimentos que fossem capazes de superar o teto. Se não foi possível acumular cargos, não haverá a acumulação de rendimentos. No entanto, a Constituição foi simplista e previu somente a acumulação de vencimentos que superassem o teto. Mas quem trabalha em dois cargos não pode trabalhar de graça. Eis o erro!

Não seria melhor proibir a acumulação de cargos, em vez de proibir a acumulação de vencimentos? Seria! Mas como a Constituição Federal não proibiu, também soa estranho simplesmente permitir que se trabalhe em dois cargos para receber somente por uma única função.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo, em diversos processos, vem derrubando o teto quando o servidor acumule cargos no funcionalismo. A decisão proferida pela 12ª Vara da Fazenda Pública em um Mandado de Segurança foi extremamente didática ao explicar o fundamento para a derrubada do teto para dois servidores públicos do Estado de São Paulo. Veja uma parte do argumento:
“No caso em comento, verifica-se que a autoridade coatora, ao proceder ao somatório dos vencimentos auferidos para calcular o teto remuneratório dos impetrantes, limitou-se à interpretação gramatical do artigo 37, XI, da  Constituição Federal, pugnando que todo o tipo de remuneração deve ser submetido a um único teto. Fundamentou-se, também, nos termos do Parecer PA 06/2013, elaborado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
(…)
A questão posta nos autos deve ser analisada à luz da  interpretação lógico-sistemática das normas constitucionais, em consonância com a realidade em que estão inseridas, não sendo correta a aplicação do teto remuneratório à somatória dos rendimentos auferidos pelos cargos públicos.
(…)
A referida limitação fere o direito fundamental do trabalho, estabelecido pelos artigos 1º, IV e 7º, da Constituição Federal, vez que impede o trabalhador de auferir a remuneração que lhe seria devida, desvalorizando o profissional titular de outro cargo público, desencorajando o exercício de outros cargos, opção possível nos termos constitucionais, tendo em vista que os rendimentos decorrem de cargos distintos.
(…)
A limitação também promoveria a configuração do enriquecimento ilícito por parte da Administração Pública, a qual se beneficiaria pela prestação de serviços, arcando com os custos da remuneração somente até o referido teto remuneratório, o que configuraria também total afronta ao princípio da tão alegada moralidade administrativa.”

Ao permitir a acmulação de cargos a Constituição não tinha como proibir a superação do teto. O “teto”, para quem ocupa dois cargos, vale somente para o cargo considerado individualmente.
Veja a decisão aqui*[1].


[1] Nomes e nº do processo foram omitidos para preservar a imagem das partes.


quarta-feira, 21 de maio de 2014

APOSENTADORIA DO SERVIDOR POLICIAL - LEI COMPLEMENTAR Nº. 144/2014: INCONSTITUCIONALIDADE DA COMPULSÓRIA / EXPULSÓRIA AOS 65 ANOS.

No último dia 16/05/2014 foi publicado no D.O.U o texto da Lei Complementar nº. 144/2014, sancionada no dia anterior por Chefe do Poder Executivo da União. Com a publicação desta lei acredita-se na regulamentação da aposentadoria especial do policial.

O trabalho policial é mesmo penoso, arriscado e exercido em condições prejudiciais à saúde. No entanto, a expectativa da inatividade antecipada do policial vinha sendo frustrada por obstáculos legais, não obstante o direito fosse garantido pela Constituição Federal de 1988 e até já houvesse decisão do STF reafirmando a garantia constitucionalmente assegurada. Com a edição da Lei Complementar nº. 144/2014 - assim acredita a ampla maioria dos servidores das polícias estaduais - está viabilizado o exercício da aposentadoria especial prevista no artigo 40 da Constituição Federal.

Defender a inaplicabilidade da Lei Complementar nº. 144/2014 aos policiais estaduais ou a inconstitucionalidade do ato normativo por vícios legislativos ou incompetência de iniciativa legislativa será tarefa das Advocacias Públicas / Procuradorias de Estado, se houver opção dos gestores estaduais por questionar os efeitos da lei. 

Também é plenamente possível defender a imediata aplicabilidade da referida lei a todos os servidores policiais. 

Todavia, chama-nos a atenção a previsão da inatividade compulsória aos 65 anos. A “expulsória” aos 65 anos é constitucionalmente possível?

Na nossa avaliação, a aposentadoria compulsória na forma como prevista na LC nº. 51/85 e na LC nº. 144/2014, ou seja, aos 65 anos, é inconstitucional!
O servidor policial tem o direito líquido e certo de permanecer no exercício das funções do cargo até os 70 anos.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

PROCESSO DISCIPLINAR E IMPESSOALIDADE: STJ CONSIDERA NECESSÁRIA A PROVA DA PERSEGUIÇÃO.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Não é segredo para os servidores públicos de carreira o fato de que, em certos casos, Processos Administrativos Disciplinares, Sindicâncias ou procedimentos do gênero estampam motivos supostamente legítimos e legais para serem instaurados em desfavor de funcionários, mas de fato escondem motivos escusos, a realidade, as verdadeiras razões, as causas reprováveis que determinaram a abertura de um processo disciplinar.

Servidores que não concordam com medidas indevidas, servidores que não cumprem ordens ilegítimas, que não prejudicam colegas ou que não fazem “olho de vidro” ou vistas grossas a determinadas situações são os alvos mais constantes das perseguições “via PAD ou Sindicâncias”. Por outro lado, servidores “parceiros” dos altos escalões, mesmo sendo fortemente processados, conseguem se safar de seus desvios, sendo absolvidos em Processos Administrativos ou ficando livre das penas mais rígidas...

Não nos deixemos enganar: cargos de relevância (cargos “políticos”), no serviço público, são majoritariamente ocupados por pessoas indicadas pelos governantes de passagem (Prefeitos, Governadores). E eles são verdadeiros representantes, porta-vozes de quem os nomeou / indicou. Em tempos de política rasteira não importa a competência. Aliás, se competência fosse algo abundante, estaríamos vivendo dias tão difíceis? Não!

E governantes (Prefeitos, Governadores, Presidentes) desejam perto de si representantes (Secretários, Assessores etc) que afastem problemas. Como “afastar” não significa resolver, estes representantes (Secretários, Assessores etc), de seu modo, buscam nomear para os postos-chave os servidores de carreira capazes de maquiar situações. Os problemas devem ser “afastados”, não resolvidos.

E quando um servidor de carreira comprometido opta por cumprir o seu dever, não demora muito para que ele seja alvo de um PAD ou, então, perca o cargo e as vantagens a ele inerentes.

Ora, mas precisavam de um servidor competente e comprometido (para apontar problemas e ajudar a resolvê-los) ou de um mágico (para fazer desaparecer problemas, sem que eles sejam resolvidos)?

Muitos processos e sindicâncias são instaurados como vingança pessoal. O STJ decidiu que a alegação de impessoalidade na instauração e na condução de PAD deve ser demonstrada de modo convincente, sob o risco de a punição-vingança ser concretizada.

Os servidores devem estar atentos. Muitos PADs parecem ser legais, mas não são. Nestes casos, a prova da impessoalidade de impõe, além de outras circunstâncias.
Veja a notícia abaixo:
A alegação de suspeição em um Processo Administrativo Disciplinar requer a comprovação prévia e evidente da existência de elementos/informações capazes de comprometer o princípio da impessoalidade. O entendimento, consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, foi aplicado pela 2ª Turma da corte para negar recurso em Mandado de Segurança de um servidor público capixaba, acusado de receber salários sem trabalhar.

Ele recorria contra acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que reconheceu a competência das corregedorias para os processos administrativos disciplinares junto às secretarias estaduais (no caso, a Secretaria de Saúde). Para tanto, o TJ-ES baseou-se em leis estaduais que tratam do assunto (LC 382/2005 e LC 46/1994).
Quanto a um dos pontos contestados pelo servidor — falta de assinatura de um dos membros da comissão nas atas de audiência —, o TJ-ES considerou que, se não houve prejuízo, não há nulidade.

Sem provas
No STJ, o servidor alega que a atuação da corregedoria em alguns momentos teria maculado o processo disciplinar, uma vez que usurparia a competência da comissão processante. Por isso, pedia que fossem anulados a penalidade e o processo administrativo.

Ao julgar o recurso do servidor, o relator, ministro Humberto Martins, afirmou que a alegação de suspeição requer comprovação prévia e evidente de que vínculos pessoais ensejariam a violação do princípio da impessoalidade, o que não é o caso dos autos, no qual tais provas não foram juntadas.
O ministro também concluiu, a partir da apreciação da legislação local, que a corregedoria tem atribuição para colaborar no processamento dos feitos disciplinares.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ) acessado em 14/02/2014.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO É MATÉRIA DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Muito se fala, por exemplo, da aposentadoria compulsória de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que são concedidas após a constatação de desvios funcionas de tais agentes.

O entendimento do cidadão comum considera que a aposentadoria compulsória seria uma premiação, em vez de efetiva punição.

Esse raciocínio NÃO leva em consideração todas as particularidades envolvidas em discussões sobre o tema, e de certa forma é dominada pela mesma passividade que questiona o direito do familiar de pessoa, que contribuído para o INSS, haja sido presa e em razão da privação da sua liberdade, seus familiares tenham o direito de pleitear auxílio-reclusão.

O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário destinado à família de pessoa presa, mas DESDE QUE O APENADO tenha sido contribuinte-pagante da Previdência Social. Ou seja, somente o familiar do preso que tenha recolhido contribuições ao INSS poderá pleitear auxílio-reclusão. E, cá para nós: você conhece algum marginal profissional que contribua para o INSS?
Certamente, não. Isso significa que o auxílio-reclusão socorre a família de alguém que, não sendo “marginal profissional”, cometeu algum deslize na vida... Se houve o pagamento para o INSS, nada mais justo.

Ao contrário do que ocorre com os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, aos demais servidores civis (União, Estados e Municípios) que sejam punidos por desvios funcionais graves é aplicada a pena de demissão e, quando já aposentado (às vezes, até para evitar a demissão), a pena de cassação da aposentadoria.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil ingressou, em 11/2012, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº. 4882).

Após discorrer sobre a história do sistema de previdência social (surgimento e evolução até o momento), a ANFIP analisa a questão no texto da CF/1998 e as reformas implantadas pelas EC nº. 20/98 e 41/2003, quando foram criados os requisitos de tempo de serviço, idade e de contribuição. Ao final, a ANFIP pleiteia a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 127, IV e 134 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União.

O fundamento do pedido é o caráter contributivo da previdência do servidor púbico, e a necessidade de proteção do ato jurídico perfeito.

O objetivo é proteger as aposentadorias já concedidas. Em nosso entender, todavia, haveria a necessidade de proteção jurídica aos que tiveram negadas as aposentadorias. Afinal, segundo o artigo 5º da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,(...).”.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a questão teve desfecho recente, quando foi proferida decisão no Mandado de Segurança nº. ° 0237774-66.2012.8.26.0000 e que contou com a seguinte ementa:
“MANDADO DE SEGURANÇA - Cassação de aposentadoria de Delegado de Polícia pronunciada pelo Governador do Estado - Hipótese em que incumbe ao Judiciário, no controle de legalidade, a verificação dos antecedentes de fato e sua congruência com as justificativas que determinaram a decisão administrativa, ou seja, o exame dos motivos que a ensejaram - Disciplina punitiva que deve subordinar-se ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, no qual se contêm a razoabilidade, impondo-se então a equivalência entre a infração e a sanção aplicável — Ato administrativo impugnado que contém indicação plausível dos motivos que conduziram a autoridade apontada como coatora ao entendimento de que os fatos atribuídos ao impetrante poderiam ser tomados como de natureza grave a ponto de lhe ser aplicada a pena máxima, mostrando-se então legítima a opção adotada - Insubsistência do ato, no entanto, pela manifesta incompatibilidade das leis que preconizam a cassação de aposentadoria como sanção disciplinar com a nova ordem constitucional, estabelecida a partir da promulgação das ECs n°s. 03/93 e 20/98 - Aposentadoria que não mais representa um prêmio ao servidor, constituindo um seguro, ou seja, um direito de caráter retributivo face ao binômio custeio/beneficio - Pena de cassação de aposentadoria que importa, ademais, em violação aos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana - Ordem concedida.”

O “placar” no julgamento desse Mandado de Segurança foi - podemos dizer - apertado. Houve pronunciamentos favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade da cassação de aposentadoria, mas houve elogiosa (igualmente consistente) defesa da medida. Em seu voto divergente, o Des. Cauduro Padin, por exemplo, ressaltou ausência de tratamento igualitário (citada por nós logo acima antes mesmo da leitura da presente decisão), ponderando que: 
“(...) A pena de cassação de aposentadoria eqüivale à de demissão, de modo não se pode admitir que um servidor que praticou falta grave, quando na ativa, a ensejar pena de demissão, seja premiado com a impunidade pelo advento da aposentadoria.
Vista de outra maneira, a questão acabaria por resolver-se no seguinte: celeridade exacerbada (e talvez tumulto) do procedimento administrativo, inclusive com possibilidade de afronta ao devido processo legal, para que a Administração pudesse punir a tempo servidor que, tendo praticado falta grave, está em vias de se aposentar.
Com efeito, a aposentadoria previamente à decisão no procedimento disciplinar ensejaria verdadeira afronta à isonomia, afinal, o servidor da ativa seria punido com pena de demissão e o servidor que acabara de se aposentar, tendo praticado fato idêntico, não seria punido; pior, se fossem co-autores - um é demitido e o outro, não. Há afronta à isonomia. (...)”.

Importante acentuar que os TJ/SP apontou a congruência entre a gravidade do desvio funcional e a proporcionalidade da pena aplicada, destacando violações perpetradas, em certo momento do processamento disciplinar, contra o direito ao devido processo legal.

A decisão reconheceu a gravidade da ação/omissão do servidor punido, mas por força da alteração do sistema previdenciário do servidor público (que passou a exigir a contrapartida para a concessão da aposentadoria futura) não seria mais possível admitir a anulação da concessão da aposentadoria como forma de punição, sob o risco de enriquecimento indevido do Estado.

Certamente, o assunto ainda demandará maiores debates. De fato, nada impede que o servidor público demitido possa pleitear a (limitada) aposentadoria do INSS.

Entretanto, é certo que os recolhimentos efetuados pelo servidor foram realizados com foco na concessão da aposentadoria integral e paritária, algo impossível pelo regime do INSS. Neste contexto, de direito, a cassação ou a negação de aposentadoria representa violação jurídica praticada pela Administração Pública. Além disso, os demitidos antes da aposentadoria (ou que tiveram a aposentadoria negada), embora excluídos dos questionamentos formulados, têm o mesmo direito de reclamar igualdade de tratamento. Afinal, se quem é demitido de empresa privada não é excluído do regime do INSS, quem é desligado do serviço público, igualmente, não perde o vínculo estabelecido com a carteira previdenciária para a qual contribuiu. 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO E MERITOCRACIA: VERDADES E MITOS.

IMPERATIVO DA EFICIÊNCIA
É necessário proteger servidor ético das perseguições políticas
Anos integrando os quadros públicos, debaixo do título efetivo, fomentaram-me reflexões acerca da eficiência.
É possível preencher um corpo funcional, público ou privado, só com funcionários do quilate da Sra. Deborah Ford, que trabalhou 44 anos na mesma empresa sem faltar um dia sequer? Ou do Sr. Walter Orthmann, que completou 75 anos, de seus 90 vividos, como funcionário da mesma empresa, onde galgou posições diversas?[1] Não, não é. Faticamente é impraticável, e nenhuma norma, por mais excelsa que seja, mostrou-se capaz de compelir à virtude total[2]. A integridade é algo que acompanha o ser bem desde antanho da sua investidura pública. O que as normas podem e devem fazer é fomentar a virtude. Afinal, gerir as coisas públicas é atuar com base no mais alto interesse. E a eficiência implacável, embora utópica, sempre deve ser um objetivo a perseguir.

Outra inquietação respeita ao áspero tema de como distinguir o funcionário apetente do desidioso. Como discernir entre o servidor probo, dedicado, e aquele que não corresponde fielmente à investidura recebida? Aquele que defrauda silenciosamente a confiança do público, que resiste às boas práticas, é refratário a mudanças, indiferente às finalidades públicas.

Tenho que seja via a consagração de um binômio, meritocracia e responsabilidades. Mora aí a premissa do bom serviço, eficiente. O melhor desempenho deve ser mais bem recompensado. Os bons são incentivados a permanecer, aprimorar-se, e ascender. Os disfuncionais devem ser removidos do quadro. Como dissemos acima, a integridade é valorativa, mas a excelência funcional pode e deve ser buscada. E sua representação mais atual é a meritocracia. A experiência já demonstrou serem inconcebíveis ambientes funcionalmente eficientes que não trabalhem sob pautas de metas, responsabilidades pessoais, e ascensão pelo mérito. Ambientes verdadeiramente eficientes só podem ser assim reconhecidos via medição de qualidade.

Eis o busílis. A resistência à aferição do mérito é intensa. E possível de ser medida pelo grau de acomodação observada nos quadros públicos. Quer-se, mais que tudo, a isonomia salarial. A refratariedade emana especialmente das entidades classistas, e de todos aqueles que, em geral, nunca foram avaliados tecnicamente. Nesses nichos em que não se incentiva o mérito, invariavelmente não se apena o demérito. A ineficiência é sistêmica. E é sintomático: o bem geral fica obliterado, enquanto o benefício em causa própria avulta[3]. Do que decorre um aspecto muito deletério desse estado de coisas: a culpa das ineficiências é de todos, e de ninguém em especial. E numa inversão de todos os sentidos legais, que protegem a sociedade do inepto, é este quem acaba protegido quando não se afere o grau de perfeição funcional.

Bom, o sistema da meritocracia existe nas normas[4] e conta com órgãos responsáveis pela sua implementação[5]. Também é reconhecido empiricamente como capaz de expressar ganho em eficiência. Precisa ser amplificado, portanto. Em recente entrevista, o Presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade[6], e também renomado empresário, Sr. Jorge Gerdau Johannpeter, declarou que: (...) no Brasil, só tem quatro ou cinco instituições em que essa estrutura de meritocracia e profissionalismo funcionam. (...) Lógico que a direção desses organismos obedece a uma orientação política. Mas elas são profissionalizadas. O sistema privado todo trabalha em cima da meritocracia. As promoções são feitas por avaliações de competência. ... E tem aí gente altamente capaz. Mas a cabeça ainda não funciona[7].

Pois bem. O tema é daqueles fáceis de exaltar a importância, e complicados de materializar, inesgotáveis, até. A reflexão sobre a ordem lógica das coisas auxilia. Assim é que o incremento do sistema da meritocracia pode passar por alguma das seguintes providências, sejam delas destinatárias a massa servidora, seja o próprio mecanismo administrativo:
Emprestar rigor ao estágio dito probatório, que desemboca na situação qualificada da estabilidade funcional. Nele, tem-se o instante próprio para a identificação do funcionário descomprometido com o serviço. Aquele que se ligou ao quadro estatal em ordem a eternizar a máxima de subtrair-se da iniciativa, enquadrando-se nas hipóteses certas da literatura ocupacional sobre a inconveniência de efetivar colaboradores: não supre as expectativas, não sabe lidar com mudanças, falta entusiasmo e não se encaixa na cultura da empresa.

Estabelecimento de pautas comportamentais[8]. Via as quais se obtém o monitoramento da correspondência entre aquilo que se planejou e os indicadores factuais atingidos (ex. quer-se a educação contínua; o esforço para economizar e investir). Mas não só. Servem como instrumento de aferição da competência, possibilitando a progressão racional de carreira em função da consecução de metas. Legitimam-se as cobranças dos agentes, e autoriza-se responder às demandas sindicais com suporte em dados objetivos. Na medida em que atendidas as pautas, podem e devem ser alargados os espaços decisórios confiados aos agentes, sofisticando também as responsabilidades pessoais. Cria-se a cultura organizacional.

Estabelecimento de protocolos claros para o serviço. Como as burocracias arruínam a eficiência e frustram as iniciativas capazes de avançar o estado da técnica, propomos resgatar o sentido genuíno dos ritos e procedimentos, protocolos capazes de avançar o mero formalismo. E onde tem morada a ineficiência? Em espaços nos quais: [a] superabundam os regramentos, a ampla maioria insustentável à luz da razão; [b] as fórmulas vêm das priscas eras e se transmitem por tradição; [c] as chancelas cartorárias são infindáveis; [d] as burocracias tormentosas desencorajam a efetivação de tarefas simples; [e] às mesmas se acrescem vícios e obstáculos criados ao talante dos agentes, extraindo autoridade de si próprios; [f] não há racionalização do serviço, as jornadas e atividades se sobrepõem, todos se concentram na mesma hora e no mesmo lugar, uns estorvam outros; [g] simples procedimentos levam muito tempo, tudo é dificultoso; [h] retrabalho se faz presente; [i] o encadeamento de atos não favorece/exige que o antecedente se preocupe com o operador seguinte, cada um trata do seu; [j] o direito parece favor, e para se conseguir o favorecimento o cidadão é remetido a facilitadores; [k] os agentes, malgrado sejam qualificados educacionalmente, não sabem informar, informam mal, ou procedem a encaminhamentos infinitos; [l] as responsabilidades funcionais não são assumidas, são transferidas; [m] inexiste postura ativa, ninguém se desvia um milímetro sequer de suas incumbências; [n] o quadro permite nomeações exógenas, é inchado; [o] o sistema da meritocracia não existe; [p] dos agentes não se exige qualquer atualização profissional; [q] a desídia persiste e não sofre reprimenda. Pois bem. Será importante o resgate do sentido genuíno dos ritos e procedimentos, os quais poderiam conduzir a ambientes eficientes, aqueles pensados para funcionar a longo prazo, aniquilando-se operações desimportantes à finalidade para as quais foram criados; neles, os ritos são concebidos sobre causas genuínas, e programados para suas consequências lógicas; são tão poucos quanto possível; são prontamente eliminados/rearranjados quando se demonstram insuficientes; não se exige do destinatário do procedimento uma informação que, por qualquer meio, já esteja na posse da entidade; não se produzem múltiplos autuados se um apenas é capaz de atingir a finalidade do rito. Diminuem-se a complexidade e a passagem por n estruturas. O emergencial será efetivamente emergencial. A ordem existe e é feita observar. A informação é ampla. Todos os setores se intercomunicam. Os prazos existem e são cumpridos. Tarefas e hierarquias são adrede concebidas. A estrutura do serviço é profissionalizada e dinâmica, nota-se plena segurança procedimental.

Investir em aprimoramento. São exigidas revisões constantes das categorias ocupacionais, formação continuada dos profissionais, bem como adaptabilidade ao novo, criatividade, autonomia, comunicação, iniciativa, cooperação. Necessitam-se profissionais que combinem imaginação e ação.

Consagrar mecanismos premiais capazes de valorizar e motivar, sem o que não há espaço para o bom serviço. Deve haver desafios na carreira, para que a paixão não se vá. Deve haver espaço para crescimento. Deve haver valorização. E, claro, satisfação salarial.

Consagrar o império da responsabilidade pessoal, exclusiva  e intransferível. A difusão de responsabilidades, a responsabilização de entes abstratos, e a indulgência com as responsabilidades pessoais, tudo isso, a rigor, implica pura e simples ausência de responsabilidades, não satisfaz bases da razão nem consulta ao bem geral. Em níveis extremos, cria-se o império do suposto (no qual, por mais chapada que seja a situação, e cabal seja a autoria, está-se sempre a transitar a via da irresponsabilidade).
Outra providência importante, de estatura institucional, moraria na abolição das nomeações livres,de caráter estritamente político, criando o nicho para a inclusão de pessoas de rasa qualificação nos quadros públicos. A modernização gerencial do Estado passa necessariamente por aí. A nomeação livre consulta ao poder político, e não ao interesse público. Desmotiva o quadro técnico, que passa a ser dirigido justamente pelo amador. As injunções não técnicas, no domínio do serviço profissional, nada dizem com o interesse público. E quanto mais o conceito de meritocracia estiver enraizado em uma sociedade, menos provável será que a população aceite pessoas ineptas para ocupar funções executivas.
Agora a providência que consideramos a primeira a ser adotada se se almeja, efetivamente, o império do mérito: blindar o servidor reto.
Os servidores que cumprem os deveres éticos, que agem inspirados unicamente pela realização do interesse público, e da lei, têm de estar protegidos das nefandas influências políticas, assim de perseguições superiores, nomeados de forma exógena.
A metodologia da meritocracia deve deixar clara a distinção entre os profissionais que ascendem desprestigiando as posições de colegas, locupletando-se, extraindo apenas os bônus de qualquer situação, os que permitem a interferência de compadrios e amizades na relação profissional, daqueles que primam por justiça, decência e integridade, sem temor de separar o certo do errado, dispondo de consciência do dever, e senso de retidão, além de apresentar zelo e esforço para as demandas públicas.


[2] Neste sentido o Decreto 1.171, de 22 jun. 1994, ao aprovar o Código de Ética Profissional do Servidor Público Federal. XIV - São deveres fundamentais do servidor público: c) ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum;  f) ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos;
[3] Grécia vai cortar ‘licença computador’ paga a funcionários públicos. Benefício é pago há mais de 20 anos a todos os funcionários públicos que trabalham mais de 5 horas por dia no computador; ministro considera privilégio ‘anacrônico’ http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,grecia-vai-cortar-licenca-computador-paga-a-funcionarios-publicos,164717,0.htm
[4] Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoalhttp://www.servidor.gov.br/PNDP/PNDP_INDEX.HTM; Alta Conduta da Administração Federal
[5] No âmbito federal, confira Secretaria que cuida da gestão pública federal (SEGEP)http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=162&sec=6; Controladoria e regras de responsabilidade funcional http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/index.asp; Escola Nacional de Administração Pública http://www.enap.gov.br/
[6] Integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
[8] No ambiente federal, uma espécie de avaliação de desempenho foi modelada pelo Ministério de Planejamento em dois âmbitos: (a) o institucional (cada órgão estabelece metas e indicadores gerais) e (b) o individual, do que resulta uma gratificação de desempenho variável também conforme o órgão, fruto da soma das avaliações individuais (representando 20% do total) com a pontuação atribuída à avaliação institucional (80%). Estes os critérios de avaliação dos servidores: RELACIONAMENTO. Relacionamento Interpessoal: possui habilidade no trato interpessoal, demonstrando cordialidade e respeito. Receptividade: aceita críticas e sugestões e é capaz de mudar seu comportamento em função delas. Cooperação: apresenta disponibilidade para ajudar a equipe em caso de sobrecarga de trabalho. Compartilhamento: disposição para transmitir conhecimentos e ideias os demais colegas. I N I C I AT I VA. Proatividade: capacidade de iniciar ações para solução de problemas imediatos ou futuros. Inovação: propõe novas formas de executar o trabalho visando simplificar procedimentos e agilizar a realização das atividades. Visão sistêmica: demonstra capacidade e disposição para perceber e analisar a relação e o impacto de suas ações nas atividades da instituição. Autonomia: executa as tarefas que lhe são conferidas, sem necessidade constante de fiscalização. COMPROMISSO COM O TRABALHO. Continuidade: em casos de afastamentos transfere antecipadamente suas atividades e informações aos colegas da equipe, de modo a não prejudicar o andamento do setor. Cumprimento de horário: cumpre o horário programado na unidade, comunicando possíveis atrasos ou ausências. Cumprimento de prazos: cumpre regularmente os prazos determinados para a execução das tarefas. Organização: estabelece prioridades para a execução das tarefas e racionaliza o tempo. COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS. Alcance dos objetivos: realiza todas as tarefas que lhe são confiadas, contribuindo para o atingimento dos resultados da unidade. Qualidade do trabalho: realiza suas tarefas com cuidado e precisão, evitando retrabalho. Domínio operacional: utiliza os conhecimentos técnicos e ferramentas de Responsabilidade: assume e enfrenta as consequências de suas decisões e atitudes. CONSCIÊNCIA SOCIOAMBIENTAL. Respeito aos recursos públicos: apresenta cuidado no trato com o patrimônio da organização. Responsabilidade socioambiental: realiza as suas atividades considerando os reflexos sobre as pessoas e o ambiente. Estímulo ao cumprimento da agenda ambiental: multiplica e difunde os conhecimentos que visem à consciência ambiental entre os servidores. Economia: utiliza racionalmente o material de expediente, água, energia elétrica e demais recursos, combatendo o desperdício e promovendo a redução.
Fábio Cristiano Woerner Galle é advogado da União.
Fonte: Revista Consultor Jurídico (Conjur), acessada em 24/10/2013.

**Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira.
O artigo aborda assunto relevantíssimo, e também, muito interessante.
Se o mundo do ser (a realidade tal como ela é vivida) correspondesse ao mundo do “dever ser” (a realidade determinada, prescrita, o "mundo ideal"), certamente não haveria espaço para a elaboração do artigo que ora é comentado.

Valores, ética, moralidade, senso de Justiça (Justiça não é a mesma coisa que justiçamento) são atributos que acompanham o homem decentemente criado, educado e habituado às boas práticas durante toda a sua vida. A lei, para o homem de bem, ousamos dizer, não lhe serve para nada em termos de orientação comportamental. Seu comportamento reto (direito!) independe de lei, que no entanto lhe será útil em termos de proteção contra as aspirações dos desviados, dos desprovidos de caráter. Para o homem de bem, a lei deveria ser uma proteção contra abusos de terceiros, uma couraça. Em uma sociedade evoluída funcionaria dessa forma: a Lei protegendo os bons! Mas quando certa sociedade é adepta do “jeitinho”, aí não adiantam leis. Leis proibindo isso, leis concedendo direitos para aquilo...

O artigo trata da eficiência e da meritocracia do serviço público como se todos os servidores fossem omissos, desidiosos, etc. O artigo leva o leitor a imaginar que os servidores desprovidos de cargos de confiança seriam acomodados; que servidores demitidos durante o estágio probatório seriam inservíveis, despreparados. Seria tudo isso verdade? Absolutamente, não! 

Um dos grandes problemas nos processos de avaliação de desempenho e de aferição de (suposta) meritocracia é que, em verdade, na grande parcela dos casos ocorre uma subversão das providências administrativas. Em vez de constatar aptidões, são utilizados como instrumentos de vingança, perseguição. Quanto tempo se espera para obter aprovação em concurso? Dois, três, quatro anos? Para ser ILEGALMENTE dispensado não precisa de muito tempo, não. Há um proporção inversa. 

Não são raras as vezes em que o ocupante de cargo de confiança (cargos de chefia, assessoramento preenchidos por servidores concursados ou não, e que rendem remuneração diferenciada) atende muito mais aos anseios de “quem manda”, ignorando o interesse público primário; esquece os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade.  Para ser e se manter nomeado ele subverte as regras, as quais seriam praticamente desnecessárias. 

É certo que os acomodados, os desidiosos e relapsos se fazem presentes no serviço público, tal como ocorre em vários outros setores da atividade humana. No entanto, acreditar que a avaliação de desempenho representa uma verdade inquestionável significa desconhecimento da realidade do serviço público ou, ainda, compreensão parcial de uma realidade apresentada. Processos de confirmação no cargo ou de avaliação de desempenho podem, sim, ser usados com objetivos ilegítimos e prejudicar quem lutou arduamente para ingressar no serviço público.