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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

PERSEGUIÇÃO POR RECLAMAÇÃO TRABALHISTA: JUSTIÇA RECONHECE ASSÉDIO MORAL.

Patrão que não aprende gasta duas vezes.
Garçom foi vítima de assédio por processar a empresa e será indenizado em nova ação trabalhista.
De acordo com o TST – Tribunal Superior do Trabalho, o trabalhador passou a ser discriminado por ter processado a empresa empregadora.

Ele ajuizou nova ação trabalhista, que foi julgada pela Segunda Turma do TST. O restaurante empregador foi condenado a uma indenização de R$ 10 mil em benefício do garçom, que comprovou o assédio moral.

Burro? Será?!
Na segunda ação trabalhista, julgada pela 19ª Vara do Trabalho de São Paulo, o empregado disse que os maîtres do restaurante somente o liberavam após todos os outros empregados já terem ido embora, além de ser ofendido verbalmente pelos superiores, que o chamavam de burro e incompetente; também teria sido ameaçado de suspensão e pressão para pedir as contas.

A versão da empresa.
A empregadora defendeu-se afirmando que a acusação de assédio moral tinha o objetivo único de “cavar” um pedido de rescisão indireta. A rescisão indireta é a circunstância que autoriza o empregado considerar rescindido o contrato por causa imputada à empresa, que deixa de honrar as obrigações contratuais. Assim, a despedida indireta é muito mais prejudicial ao empregador do que a simples demissão sem justa causa do empregado.

A decisão do TRT/SP: mero dissabor
No Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), a segunda instância considerou não haver comprovação das acusações e que “A liberação do empregado após os outros, por si só, deve ser compreendida como mero dissabor, insuficiente para ensejar reparação por danos morais.”.

No TST: reconhecimento de ter havido retaliação
No julgamento do Recurso de Revista, a ministra Delaíde Miranda Arantes considerou demonstrado o assédio moral por meio da prova testemunhal. No entendimento da Relatora no TST houve tratamento discriminatório, pelos superiores hierárquicos, em razão do ajuizamento de ação trabalhista, o que configura uma forma de retaliação.

De acordo com o TST, a decisão foi unânime. Clique aqui para ler a decisão.

JUSTIÇA DE SP CONDENA PREFEITURA DE ITU POR ASSÉDIO MORAL (OU TRANSFERÊNCIAS ABUSIVAS E A NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A ILEGALIDADE DO ATO).

A configuração fática do assédio moral no serviço público.
Em 27/09/2019 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) divulgou relevante decisão[1] sobre a condenação do município de Itu por assédio moral sofrido por servidora pública que se demitiu do cargo, ao que tudo indica também em razão do assédio moral.

Trata-se de Acórdão da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo que teria “corrigido” o valor de indenização concedida à servidora prejudicada, Assistente Social do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Itu. Segundo a notícia veiculada no site do TJ-SP o dano indenizável foi arbitrado em R$ 8 mil.

A fim de compreender os motivos da demanda analisamos a íntegra do processo. Segundo relatou, enquanto esteve na ativa a trabalhadora passou a ser coordenada por superiora hierárquica que teria abusado dos poderes administrativos, agindo com desvio de finalidade. Constou que a organização da rotina imposta pela gestora afetou severamente a normalidade do atendimento pelos assistentes sociais, acarretando prejuízos à dignidade e à qualidade dos serviços oferecidos ao público-alvo. Houve numerosas queixas dos usuários; os servidores subordinados à gestora passaram enfrentar dificuldades laborais diariamente.

Em certo momento, por inequívoca manifestação de pessoalidade, a autora passou a ser perseguida pela sua gestora. Alegou que as formas de assédio moral consistiam em: interromper atendimentos sigilosos prestados aos usuários; insistência em não retomar a normalidade da organização do trabalho; adoção de determinações autoritárias, tais como a exigência de comparecimentos imediatos à sala da supervisora, impondo interrupções no atendimento ao público; cobranças desproporcionais e insistentemente irônicas, exigindo a elaboração de trabalhos e procedimentos desnecessários, inservíveis e descabidos; constrangimento perante o público, mediante reprimendas desnecessárias e vexatórias; adoção de linguagem e expressão grosseira e ríspida; difamação profissional da autora; impedimento ao devido desempenho da atividade profissional regulamentada, bem como a contestação sistemática à decisões e à autonomia profissional da servidora; ameaças invocando a autoridade de outros escalões hierárquicos; distorção de acontecimentos; elaboração de relatórios que não retratavam a realidade dos fatos; transferência arbitrária e com desvio de finalidade.

A municipalidade defendeu-se dizendo que houve a instauração de processo investigatório (sindicância ou PAD), mas nada de irregular foi constatado. Todavia, em sede judicial foram ouvidas as testemunhas, que comprovaram os fatos narrados no processo. Registre-se que indenização pleiteada pela autora era de R$ 20.000,00.

A sentença de primeira instância, na ausência de legislação municipal sobre a configuração de assédio moral, valeu-se da aplicação analógica (art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) da Lei Estadual 12.250/06[2], notadamente do art. 2º que tipifica as condutas caracterizadoras de assédio moral no serviço público, e destacou o depoimento de uma das testemunhas ouvidas:
“A nova coordenadora retirou o agendamento e os usuários passaram a ser atendidos conforme iam chegando. Esse novo método ocasionou muita demora e espera por parte dos usuários, que chegavam a aguardar 4 ou 5 horas na fila para serem atendidos, resultando em inúmeras reclamações, que eram repassadas à coordenadora. (...), então, começou a perseguir (...). (...) cobrava relatórios; adentrava na sala de (....) durante o atendimento, sem qualquer aviso, cobrando agilidade ou solicitando algum documento ou relatório que não era relacionado ao atendimento; questionava as decisões de (...) e a ameaçava dizendo que iria falar com a Secretária; exigia que (...) inserisse dados inverídicos nos relatórios sociais; falava em voz alta e sem qualquer educação. (...) fazia isso com toda a equipe, de forma frequente, falando sempre de forma grosseira e ríspida. Posteriormente, (...) foi transferida por (...) para outro CRAS, mesmo contra sua vontade, e atualmente trabalha na Prefeitura de Sorocaba. (...) não deixava a depoente e outras estagiárias participarem das reuniões da equipe técnica.”

Mesmo considerando a veracidade e a gravidade dos fatos, o Juízo de Primeira Instância afirmou que o valor pretendido a título de indenização seria exagerado; condenou o Município de Itu em módicos R$ 5.000,00. As partes apelaram, e em segunda instância a indenização de R$ 5.000,00 foi corrigida ainda de forma irrisória: R$ 8.000,00.

Transferência abusiva é forma de assédio moral de difícil comprovação ou de comprovação não reconhecida.
A decisão de segunda instância (5ª Câmara de Direito Público), embora tenha aumentado o valor da indenização, levou ao conhecimento do público que uma específica forma de assédio moral é de difícil comprovação; trata-se do ato de transferência sabidamente arbitrária. Segundo a decisão do TJ/SP:
“Em relação à transferência da autora para outra CRAS, o evento não pode ser considerado para fins de assédio moral, uma vez que compete à discricionariedade da Administração Pública a alocação de seus servidores.”

É bom que se diga que a discricionariedade não é um “curinga” que possa justificar todo e qualquer tipo de desmando. Com efeito, a título de exemplo citamos a Lei Estadual 10.177/98, que regula a prática de atos e de processos administrativos no âmbito da Administração Pública estadual. Diz a lei:
Artigo 4.º - A Administração Pública atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público e motivação dos atos administrativos.
(...)
Artigo 8.º - São inválidos os atos administrativos que desatendam os pressupostos legais e regulamentares de sua edição, ou os princípios da Administração, especialmente nos casos de:
I - incompetência da pessoa jurídica, órgão ou agente de que emane;
II - omissão de formalidades ou procedimentos essenciais;
III - impropriedade do objeto;
IV - inexistência ou impropriedade do motivo de fato ou de direito;
V - desvio de poder;
VI - falta ou insuficiência de motivação.
Parágrafo único - Nos atos discricionários, será razão de invalidade a falta de correlação lógica entre o motivo e o conteúdo do ato, tendo em vista sua finalidade.
Artigo 9.º - A motivação indicará as razões que justifiquem a edição do ato, especialmente a regra de competência, os fundamentos de fato e de direito e a finalidade objetivada.”

E no caso do assédio moral, o ato é praticado com abuso e/ou desvio de poder, portanto nulo nos termos do art. 3º da Lei Estadual 10.250/2006: Artigo 3º - Todo ato resultante de assédio moral é nulo de pleno direito.”.
Estamos atuando em caso de transferência abusiva e arbitrária de servidor público de autarquia estadual. E com a mais plena certeza podemos afirmar que a Administração Pública, por intermédio de seus servidores comissionados/de confiança se empenham para comprovar os desvios administrativos. Não há o mínimo constrangimento perante o colega prejudicado!

E em se tratando de transferências abusivas configuradoras de assedio moral, é indispensável uma atuação previamente ordenada a comprovar a desnecessidade da alteração do local de trabalho, para apontar a inexistência ou a inaplicabilidade da discricionariedade administrativa. Aliás, o administrativista José dos Santos Carvalho Filho[3] já esclarece que:
“Diversamente sucede nos atos discricionários. Nestes é a própria lei que autoriza o agente a proceder a uma avaliação de conduta, obviamente tomando em consideração a inafastável finalidade do ato. A valoração incidirá sobre o motivo e o objeto do ato, de modo que este na atividade discricionária, resulta essencialmente da liberdade de escolha entre alternativas igualmente justas, traduzindo, portanto, um certo grau de subjetivismo.
Salienta, todavia, moderna doutrina, que os atos discricionários não estampam uma liberdade absoluta de agir para o administrador. A avaliação que ser permite ao administrador fazer tem que estar em conformidade com o fim legalm ou seja, aquele alvo que a lei, expressa ou implicitamente, busca alcançar. Não havendo tal conformidade , o ato não é licitamente produzido, pois que estará vulnerando o princípio da legalidade, hoje erigido à categoria de princípio administrativo (art. 37, CF).”


[1] Apelação nº 1006665-40.2017.8.26.0286, conforme link disponível em https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=58966, acessado em 01/10/2019.
[2]Artigo 2º - Considera-se assédio moral para os fins da presente lei, toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio usuário, bem como à evolução, à carreira e à estabilidade funcionais do servidor, especialmente:
I - determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos inexeqüíveis;
II - designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos;
III - apropriando-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem.
Parágrafo único - Considera-se também assédio moral as ações, gestos e palavras que impliquem:
1 - em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros;
2 - na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis a sua vida funcional;
3 - na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços, que atinjam a dignidade do servidor;
4 - na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.”.
[3] “Manual de Direito Administrativo”, 22ª ed. Lumem Juris Editora, 2009, p. 125.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

STF, INCONSTITUCIONALMENTE, NEGA DIREITO À REVISÃO ANUAL DE VENCIMENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS.


Esta resenha foi escrita no domingo, 29/09/2019, cujo objetivo foi analisar decisão do STF que em 25/09 declarou, de forma inconstitucional, a desnecessidade de revisão anual geral dos vencimentos dos servidores públicos. E hoje, 30/09/2019, matéria d´O Estado de São Paulo (por coerência, referida ao final) confirma as justificativas fáticas que determinam a quebra da isonomia entre os servidores públicos.
 “A Constituição Federal assegura uma revisão geral anual na remuneração dos servidores, cuja ideia é garantir a manutenção do poder de compra com a reposição da inflação. Um integrante da equipe econômica, porém, ressalta que o artigo foi elaborado no fim da década de 1980, quando o País ainda vivia sob o fantasma da hiperinflação. Para essa fonte, esse tipo de dispositivo não faz mais sentido atualmente, sobretudo num contexto de dificuldades fiscais. (...) A avaliação na área econômica é que a decisão do STF também contribui para dar roupagem legal à decisão do governo federal de congelar os salários de servidores públicos na proposta orçamentária do ano que vem.” O Estado de São Paulo, 28/09/2019. Caderno Economia e Negócios, p. B5.

“Prevaleceu entendimento da divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso. Para ele, o dispositivo constante do artigo 37, inciso X, da Constituição não deve ser visto como um dever específico de que a remuneração seja objeto de aumentos anuais, menos ainda em percentual que corresponda à inflação apurada no período.”Conjur, 25/09/2019.

“Art. 5º Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, (...):
(...)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 
(...)
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;   
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
(...)
Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.
§ 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.
(...)
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
(...)
2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, (...)
§ 3º O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
 (...)
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma
(...)
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º .”.

Eis a ementa da tese adotada em Acórdão que aguarda a redação divergente (mas vitoriosa) pelo Ministro Luis Roberto Barroso:
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese de repercussão geral: ‘O não encaminhamento de projeto de lei de revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no inciso X do art. 37 da CF/1988, não gera direito subjetivo a indenização. “Deve o Poder Executivo, no entanto, se pronunciar, de forma fundamentada, acerca das razões pelas quais não propôs a revisão’, nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, Redator para o acórdão, vencido o Ministro Marco Aurélio (Relator). Não participou, justificadamente, da fixação da tese, o Ministro Ricardo Lewandowski. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 25.9.2019 (Sessão Ordinária).”

Inicialmente, é necessário esclarecer o motivo deste processo que culminou na recente decisão do STF. Trata-se do Recurso Extraordinário n. 565.089, originado de São Paulo, em decisões proferidas por órgãos do TJ/SP. O processo foi ajuizado por grupo de policiais militares reclamando da omissão do Poder Executivo (governo estadual) na elaboração de projeto legislativo de revisão anual dos vencimentos, garantia esta prevista no art. 37, X, da Constituição Federal. Em razão dos prejuízos causados pela omissão (perdas salariais) pleiteou-se ao Poder Judiciário uma indenização fundamentada no art. 37, § 6º da CF (responsabilidade civil do Estado) que fosse suficiente a cobrir inflação calculada pelo IGPM/FGV, desde 1997.

O processo chegou ao STF em 2007, tendo contado com votos favoráveis de alguns dos atuais ministros. Mas a divergência de um ex-procurador do Estado do Rio de Janeiro foi determinante para a mudança de rumos; o Ministro Luís Roberto Barroso foi procurador do Estado, popularmente conhecido por ser o “advogado do governo". Óbvio, o ex-procurador Barroso conhece as dificuldades do Poder Executivo, esfera encarregada de prover as necessidades mais básicas dos cidadãos, sejam eles miseráveis, pobres ou riquíssimos. Mas, com todo o respeito, ele foi nomeado para garantir a supremacia da Constituição Federal.

A decisão definitiva está sendo redigida, mas a tese já foi fixada: consiste, com todo o respeito ao STF, em descumprir a Constituição Federal justificando a desobediência em uma boa vontade com as finanças  públicas.

E tanto é assim que a equipe econômica do governo Bolsonaro (Ministro Paulo Guedes), de forma anônima comemorou a decisão que desobrigaria o governo federal a conceder reposição inflacionária aos servidores do Poder Executivo. 

A decisão do STF, da qual divergimos, contrariou e expressamente o inciso X, do art. 37, já que o texto constitucional faz referência inequívoca a que a remuneração dos servidores públicos (...) somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, (...), assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;”.

Por óbvio, ao estar assegurada a revisão geral anual pelos mesmos índices, buscou-se garantir a preservação do poder de compra contra os efeitos inflacionários. Ademais, uma revisão geral sem distinção de índices significa a proibição de privilégios ou de quebra da isonomia entre os servidores dos outros poderes, sob pena de violar ao princípio da igualdade.

Também reforça a ideia de proteção contra a corrosão inflacionária (garantia hoje ainda mais ignorada) a previsão de atualização  do salário  mínimo, que deveria ser suficiente a custear as necessidades com alimentação,  saúde,  habitação, lazer de todo e qualquer trabalhador...

Mas a realidade está imposta! A Constituição Federal está sendo solenemente violada (e há tempos se diz que “boas intenções” o inferno está cheio; aguardemos a redação do Acórdão), tanto por negar aos servidores do Poder Executivo o direito à revisão anual, como por aceitar impunemente a quebra da isonomia, porque os demais poderes (Legislativo e Judiciário), os entes com autonomia administrativa e financeira (Ministério Público, Defensoria Pública) e os setores-chave do Poder Executivo (receitas federal, estadual e municipal) conseguem obter generosas revisões anuais (recomposição do poder  de compra acrescida de aumento real).

A reforçar a nossa tese apontamos o fato de que o orçamento do Poder Executivo se destina a satisfazer as necessidades da população (saúde,  segurança,  transporte, educação), mas o orçamento dos demais poderes atende precipuamente à manutenção interna destas estruturas estatais e apenas secundariamente à população. Pense: qual é o percentual de cidadãos que se utiliza do Poder Judiciário? E qual a parcela daqueles que necessitam de educação, transporte, saúde, segurança?! De transporte e segurança todos, sem exceção!

Ainda não se conhece a íntegra e o fundamento da decisão do STF. No entanto, é possível dizer que o descumprimento atual da CF/88 é o efeito colateral de abusos e da concessão desproporcional de privilégios passados a uma pequena porção que é somente beneficiada por inconstitucionalidades e por excessivo alargamento na interpretação da concessão de direitos.

E hoje, 30/09, a matéria de O Estado de São Paulo confirma a conclusão deste artigo de final de semana...
Governador do RS congelou repasses a outros Poderes
Eduardo Leite (PSDB-RS) defende o 'compartilhamento' da crise entre os Poderes: 'O déficit é do Estado, não é só do Executivo'
Com um déficit previsto de R$ 4,3 bilhões (que pode aumentar em R$ 240 milhões sem o congelamento) e ainda pagando o 13.º de servidores do ano passado, Leite defende o ‘compartilhamento’ da crise. ‘O déficit é do Estado, não é só do Executivo’, disse o governador ao Estado
(...)
Falta esforço dos outros Poderes para a recuperação do Estado?
A devolução feita pelo Tribunal de Justiça (que foi de R$ 98 milhões em 2018) é prova de que há orçamento suficiente para eles, não precisa haver aumento de repasses. Aliás, devolveram o recurso também porque havia uma previsão orçamentária maior, porque há pleito de reajustes para os seus servidores. Mas olhem: o Executivo já está com a maior parte das categorias há quatro anos sem reajuste, não recebem os salários em dia e têm média salarial menor. Enquanto os servidores dos outros Poderes estiverem recebendo, em dia, o 13.º deste ano, o Executivo estará quitando o 13.º do ano passado, que foi pago parcelado ao longo deste ano. Não há que se falar em aprovação de aumentos salariais aos outros Poderes dentro do cenário de desequilíbrio que existe no Estado. Para que haja a solidariedade de todos com a situação fiscal do Estado, entendemos que é fundamental que se compartilhe já no orçamento o congelamento dos repasses.” Destacamos e sublinhamos.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

INDENIZAÇÃO PARA SERVIDORES CELETISTAS ESTADUAIS.


Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) tratou de Plano de Demissão Voluntária de servidores públicos estaduais.

O Projeto de Lei.
O PL nº 582/2018, de 23/08/2018 é de autoria do Deputado Estadual Campos Machado, que assim o justificou:
“JUSTIFICATIVA
Considerando que o artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República determinou a aplicação de estabilidade aos servidores públicos civis em exercício, na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados  e   pelo princípio da simetria, a mesma regra foi reproduzida no artigo 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo.
Pelas regras atuais, não há limitador de aposentadoria compulsória aos 75 anos para os Servidores Celetistas, sendo assim os mesmos ficarão até a sua morte trabalhando (Parecer dado pela PGE nº 18487-162899/2008).
Hoje, o quadro funcional é formado por 4.947 servidores que recebem remuneração acima do teto do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, bem como, dentre estes, 2.922 servidores já preenchem os requisitos para se aposentarem (dados fornecidos pela Secretaria da Fazenda, dezembro/16).
Importante apontar que a remuneração média dos servidores em tela é de R$ 12.537,00 (doze mil quinhentos e trinta e sete reais), mais os encargos da folha sobre essa remuneração, tais como o FGTS, INSS, 1/3 sobre as férias e 13º salário, perfazendo um custo médio mensal total por servidor de aproximadamente R$ 18.465,00 (dezoito mil quatrocentos e sessenta e cinco reais).
Ressaltamos que o Estado de São Paulo encontra-se, atualmente, acima do limite prudencial da folha de pagamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, correspondente a 49,55%.
O presente projeto pretende criar um quadro em extinção para os Celetistas Estáveis, incentivando suas aposentadorias por meio de INDENIZAÇÃO SALARIAL POR 23 ANOS, sendo que o valor da indenização corresponderá a 80% do valor da remuneração global do servidor, deduzindo o valor de 175 UFESP a ser pago ao longo de 20 anos através de indenização.
Conforme dados apresentados pela Secretaria da Fazenda, a maior faixa etária está entre 55 a 60 anos, e segundo as estatísticas apresentadas recentemente no Estado de São Paulo, a média de expectativa de vida é de 80 anos, portanto chegamos a uma indenização de 23 anos, o que refletirá em uma economia aos cofres públicos na ordem de R$ 17 bilhões.
Anexamos à propositura 2 quadros nos quais fica evidenciada a economia  na folha de pagamento do pessoal celetista estável. O indicador que chama atenção é da relação custo/ativa e custo/indenização, na ordem de 2,87, ou seja, o custo da folha atual permite o pagamento de quase três folhas de indenização.
Registramos que a Associação dos Servidores Celetistas Estáveis do Estado de São Paulo conta com aproximadamente 4 mil servidores associados,  originários de diversas Secretarias, tais como: DER, DAEE, USP, UNICAMP, UNESP, HOSPITAL DAS CLINICAS, SPPREV,  PAULA SOUZA, SECRETARIA DA SAÚDE, SEAD, SECRETARIA DA FAZENDA, PGE, DASP e demais instituições.
Senhores Deputados, a presente propositura atenderá à reivindicação justa dessa classe de Servidores Celetistas Estáveis, conciliada com o princípio constitucional da economicidade, razão pela qual peço o apoio para a deliberação do presente projeto de lei.”

O problema real.
A íntegra do Projeto de Lei está disponível aqui, e o citado Parecer da PGE/SP está disponível aqui.

A proposição dizia respeito aos empregados públicos não concursados, que estivessem no desempenho do serviço público há pelo menos cinco (05) anos na data da promulgação da Constituição Federal, em 1.988. Portanto, disse sobre a estabilidade excepcional, contemplada no art. 19 do ADCT:
“Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.”

No caso específico do PL, tentava solucionar um “problema” relativo à (in)plicação da dita aposentadoria compulsória (também denominada “expulsória”), que é a hipótese de desligamento do servidor quando ele atingir a idade-limite de 70 ou de 75 anos, bem como a incidência do instituto aos servidores celetistas estabilizados por força do art. 41 da CF/88 e 19 do ADCT.

A demissão de servidores celetistas no estado de São Paulo tornou-se fonte de problemas para a Administração Pública estadual. Em um primeiro momento, os celetistas que requeressem a sua aposentadoria ao INSS eram sumariamente demitidos tão logo houvesse a concessão de benefício previdenciário. Tratava-se da aplicação da antiga regra do § 2º, art. 453 da CLT:
“Art. 453 - (...)
§ 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício.”.

Dessa forma, ao requererem a aposentadoria pelo INSS, os servidores celetistas, concursados ou estabilizados, eram demitidos sob a justificativa de aplicação do art. 453 da CLT. Assim, vários trabalhadores ingressaram com ações perante a Justiça do Trabalho requerendo uma das seguintes providências: a) alguns pleiteavam a reintegração; b) outros pleiteavam o pagamento de multa rescisória por demissão sem justa causa, ou seja, receber o equivalente a 40% sobre o saldo de FGTS.

A Justiça do Trabalho acatava os pedidos e impunha desembolsos ao Estado, seja pelo pagamento da multa de 40% sobre o saldo de FGTS ou pela ordem de reintegração e de pagamento de salários e acessórios durante o período da despedida.
Por tal razão, o Estado de São Paulo passou a não mais demitir servidores celetistas que se aposentassem. A demissão sem justa causa somente ocorrerá(ia) por ato de vontade do empregado público, sem qualquer tipo de implicação financeira adicional para a Administração.

A Lei Estadual nº. 16.894/2018.
Em 21/12/2018 o PL nº. 582/2018 foi convertido na Lei Estadual nº 16.894/2018, que Autoriza o Poder Executivo a instituir o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária - PIDV destinado exclusivamente aos servidores públicos estáveis, nos termos do disposto no artigo 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado.”. Portanto, conforme a própria ementa, não criou automaticamente o direito ao recebimento da pecúnia, mas tão e somente autorizou o Poder Executivo a tratar do tema, e promover, em caso de conveniência e oportunidade administrativas, a rescisão dos contratos de trabalho, conforme o art. 1º do texto legal:
Artigo 1º - Fica o Poder Executivo autorizado, nos termos desta lei, a instituir o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária - PIDV, destinado exclusivamente aos servidores públicos civis estáveis, nos termos do disposto no artigo 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado - ADCT da CE.”.

A quantificação e a forma de pagamento foram regradas pelo arts. 5º, 6º e 7º da citada lei:
“Artigo 5º - O valor da indenização corresponderá a 80% (oitenta por cento) do valor da remuneração global do servidor, no mês anterior à protocolização do pedido, previsto no artigo 2º, observado o disposto no artigo 115, XII, da Constituição do Estado, deduzido o valor de 175 (cento e setenta e cinco) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs, a ser pago ao servidor que, na data do requerimento de adesão, tenha 35 (trinta e cinco) anos completos de serviço público prestado ao Estado de São Paulo.
§ 1º - O servidor receberá a indenização pelo prazo de 276 (duzentos e setenta e seis) meses.
§ 2º - Serão excluídas da remuneração global a que se refere este artigo as verbas de natureza indenizatória e outros valores pagos em caráter eventual, vinculados ou não ao mês de competência.
Artigo 6º - O valor da indenização será pago até o 5º (quinto) dia útil de cada mês, não incidindo sobre o mesmo qualquer desconto de natureza tributária ou de seguridade social, por tratar-se de verba indenizatória.
Artigo 7º - O valor da indenização será revisado, anualmente, a partir de 1º de janeiro, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, ou pelo índice que vier a substituí-lo.”

Somente os servidores estabilizados terão o direito, se instituído o PDV, a requerer a rescisão do contrato e a receber a indenização, que poderá ser parcelada por “poucos” 276 meses ou 23 anos...

Conclusão.
Ao que nos parece, a aposentadoria compulsória aplica-se indistintamente a todos os servidores públicos, concursados ou estabilizados; celetistas ou estatutários, porque a permanência não se trata de “direito vitalício”.  Aliás, nem os agentes contemplados com a vitaliciedade (magistrados, membros do MP e outros) podem permanecer na ativa após a idade-limite.

O PL nº 582/2018, de 23/08/2018, da autoria do Deputado Estadual Campos Machado, convertido na Lei Estadual nº 16.894/2018, tiveram o objetivo de contornar uma realidade financeira: em havendo pedido de demissão, o servidor celetista não terá direito à multa do FGTS. E se a Administração Pública aplicar aos celetistas a idade-limite para a inatividade compulsória também está isenta do pagamento de multa rescisória, isto na nossa avaliação.
O PL nº 582/2018 e a Lei Estadual nº. 16.894/2018, salvo melhor juízo, buscaram criar uma vantagem hoje impossível aos servidores celetistas, substituindo os efeitos financeiros (compensação!) de uma multa que jamais incidirá, em razão de que não haverá dispensa sem justa causa.

Servidores estatutários serão aposentados compulsoriamente, sem direito a FGTS.
Servidores celetistas concursados não terão contratos de trabalho rescindidos sem justa causa, portanto não terão direito à multa sobre o saldo de FGTS.
Servidores celetistas estabilizados pela CF/88 e CE/89, certamente após enfrentarem inúmeras incertezas durante a vida profissional na Administração Pública terão agora um tratamento diferenciado.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

ESTADO E OS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO RESPONDEM POR ABUSOS SENSACIONALISTAS.

Se já eram “sucesso de audiência” na programação de fim de tarde (Aqui Agora, Cidade Alerta), os programas policiais e sensacionalistas, hoje, são transmitidos desde o início das manhãs. Nas primeiras horas do dia, antes do nascer do sol já “entretêm” a população com pitadas de violência e sangue.

E nesses “shows de horrores” são cometidos abusos, diariamente.

“Corta pra mim!”
“Me ajuda aí, pô!”
“Aqui tem café no bule!”

Arbitrariedades não somente por emissoras de TV, tampouco somente pelo SBT, Record, Rede TV (antiga Manchete) e Bandeirantes. Os mais vividos lembram do episódio da “Escola Base”, amplamente explorado pela Rede Globo.

E quem nunca ouviu falar das manchetes do jornal “Notícias Populares”?

Os veículos de comunicação, em vez de informar e educar exploram as mazelas do ser humano.  Há um desvio, um afastamento da finalidade do direito de exploração dos meios de comunicação. Não é à toa que muito bem se fala das chamadas TVs públicas: TV Cultura (SP), TVE (RJ)...

Recentemente circulou um vídeo em que um preso, algemado, dispara um jato de saliva* contra um repórter. O repórter revida a “injusta agressão” com um soco na cara do homem... Algemado. 

Não, não estamos defendendo bandido! Que ele seja processado e fique preso, se assim determinar a lei. No entanto, ao pretender informar, jornalistas e veículos de comunicação não podem violar o direito de outras pessoas.

A revista Conjur abordou o tema. Entrevistou advogados criminalistas sobre o episódio e a constatação unânime foi a de que o Estado é responsável por preservar a imagem e a privacidade de um acusado. Estão absolutamente corretos!

Mas não só o Estado (e os seus agentes) responde pelos danos causados.

Os veículos de comunicação deverão ser igualmente responsabilizados pelos seus abusos, por abusos cometidos durante a atividade “jornalística”.

O direito de informar não se confunde com o direito de ridicularizar em rede de televisão.

Trata-se de consequência lógica do que determina a Constituição Federal:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
(...)
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
(...)
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
(...)
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”

A caracterização do abuso de direito inicia-se com a compreensão do disposto no art. 187 do Código Civil:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Outra vez: o direito de informar não se confunde com a liberdade de abusar. O Estado, por suas polícias, tem deveres, obrigação: dever de apurar as infrações penais e de preservar a integridade dos que estão ao seu alcance, sejam vítimas ou acusados.

Os veículos de comunicação, por sua vez, têm a obrigação de não extrapolar os limites de sua atividade “informativa”. O limite é a possibilidade de causar danos a terceiros. Aliás, a vítima de um estupro que seja “entrevistada” em rede nacional não terá a sua imagem abalada?

Abusos cometidos por programas policiais podem gerar o dever de indenizar por parte do Estado e dos veículos de comunicação: emissoras de rádio, televisão e jornais impressos.
Confira a matéria da revista Consultor Jurídico e o vídeo com o repórter “valentão”.

“Estado falho
Agressão de repórter a preso mostra violação de direitos do detento
Por Tadeu Rover
A Constituição Federal diz em seu artigo 5º que são invioláveis a intimidade a honra e a imagem das pessoas. O texto constitucional prevê ainda o direito à integridade física e moral. Além disso, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) prevê em seu artigo 41 que é direito do preso a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo.

Apesar disso, a violação dos direitos dos presos ganha destaque diariamente em programas jornalísticos que colocam repórteres na porta da cadeia para mostrar os detidos, sem qualquer pudor e quase sempre insultados pelos narradores.

O problema ficou ainda mais claro em um caso recente no Pará. Ao se dirigir a um rapaz algemado, que acabara de chegar à delegacia de Santarém, o repórter aponta o dedo na cara dele e o chama de ‘elemento cara de pau’. Recebeu, como resposta, uma cusparada, e revidou com um soco na cara do preso algemado, chamando-o de vagabundo (veja o vídeo ao final do texto).

A situação gerou críticas de advogados criminalistas. ‘Não há covardia maior do que ofender alguém algemado — o trabalho jornalístico é extrair informações e não humilhar e muito menos agredir quem se encontra sob custódia do Estado’, afirmou o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, do Bottini & Tamasauskas Advogados.

Já o criminalista Alberto Zacharias Toron, do Toron Advogados, diz até compreender o revide agressivo do repórter que levou uma cusparada, mas deixa claro que houve uma grave falha na escolta policial, que não deveria sequer deixar o repórter se aproximar do detento. ‘Ainda que tenham deixado o jornalista se aproximar, jamais os policiais poderiam ter permitido que ele tocasse no preso’, complementa. Para Toron, o Estado tem uma responsabilidade civil nesse caso e a omissão dos policiais deve ser apurada.

O criminalista lembra que esse tipo de programa, comum na televisão brasileira, viola o direito de imagem que o preso tem, expressamente previsto na Lei de Execução Penal. ‘O preso também direito à preservação de sua imagem e não deveriam ser mostrados como artigo de luxo do grande público. A polícia deveria preservá-lo’, diz.

Para Fabrício de Oliveira Campos, do Oliveira Campos & Giori Advogados, o caso acontecido no Pará é ‘uma maquete’ de como o brasileiro, na média, tem absorvido os limites e funções do Direito Penal, da democracia e da polícia. ‘O cidadão não tem absorvido, nem admitido, qualquer limite ao direito penal e à polícia, buscando nessa falta de limites o conceito de democracia’, explica.

Para Campos, esse tipo de jornalismo explora o fracasso de qualquer tentativa de fazer com que o cidadão compreenda que não se deveria exibir os acusados como se fossem animais capturados. ‘Alguns podem até lembrar que o Pacto São José da Costa Rica (artigo 5.2) fala que o detido deve ser tratado 'com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano', o que não inclui, nem incluirá, no tosco catecismo penal da mídia policial popular, o direito da edição das 18h de exibir os elementos em fila, à disposição da agressão verbal, antes de serem postos, como sempre gostam de lembrar esses jornalistas, 'à disposição da Justiça'.

De acordo com Fabrício Campos, esse espetáculo jornalístico vive de uma silenciosa interlocução com um público que espera justamente isso: ‘que o bandido seja chamado de 'cara de pau', depois de algemado e conduzido à delegacia, justamente porque, qualquer um que seja algemado e conduzido à delegacia é, no mínimo, um 'cara-de-pau', um 'vagabundo', um a-cidadão para quem os rigores da lei nada mais são do que um favor, pois, não fosse a mansidão do código penal, poderia muito bem ser triturado por cidadãos honestos e probos’.

Imagem no presídio
Em artigo publicado na ConJur, os advogados João Vieira Neto e Antonio Tide Tenório Godoi destacaram, em janeiro de 2015, que compete ao Estado também preservar o direito de imagem dos presos dentro dos presídios.

Na ocasião, os advogados criticaram uma reportagem que mostrou presos do complexo penitenciário do Curado, no Recife, utilizando celulares e facas. Para os advogados, nem mesmo essa situação justifica a exposição indevida.

‘Mesmo em casos como o noticiado, não se pode, à margem da legislação posta, vilipendiar direitos, que deveriam ser resguardados pelo próprio Estado, em prol, de, inevitavelmente, garantir divulgação de imagens intramuros de reclusos, em situação de extrema insegurança. Desse modo, a ordem de deveres é invertida ao tempo em que, o sensacionalismo e a exploração comercial perseguem apenas a venda de jornais ou pontos no Ibope’, afirmaram.

Para os autores do artigo, a limitação das matérias jornalísticas está no jus narrandi, ao passo que a divulgação da imagem vai além, toma outros horizontes e ultrapassa todas as fronteiras."
Veja o vídeo abaixo.


E o preso lançador de jatos de saliva*?

Sim, ele é criminalmente responsável pelo ato de disparar a cusparada contra o repórter. 
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* Sinônimo de cuspidor; cusparada. 

Atualização de 13/05/2016.
Revendo alguns jornais publicados no dia da votação do Impeachment, na Câmara dos Deputados (17/04), deparei-me com a coluna do jornalista Maurício Stycer. Segundo o articulista, o Ministério Público Federal ajuizou uma Ação Civil Pública contra a Rede Record por conta dos abusos supostamente cometidos por Marcelo Rezende no programa “Cidade Alerta”. Leia a coluna:
Discurso de ódio
Por 19 minutos e 33 segundos, na tarde de 23 de junho de 2015, uma terça-feira, o ‘Cidade Alerta’ (Record) exibiu cenas, captadas a partir de um helicóptero, de uma perseguição policial a dois homens em uma motocicleta, em São Paulo.
Narrando os acontecimentos, o apresentador Marcelo Rezende diz: ‘São dois ladrões numa moto. A Rocam [ronda ostensiva com apoio de motocicletas] já tá em cima. Lá vai sair tiro, hein. Vai sair tiro! Porque se é nos Estados Unidos, atira! O homem da Rocam quase cai (...). Atira, meu camarada, é bandido!’
Com os dois homens já caídos no chão, um policial se aproxima e atira neles. Rezende festeja: ‘Se ele atirou é porque o bandido estava armado. E ele fez muito bem'.
Escrevi a respeito na coluna ‘O horror, ao vivo’, publicada na Ilustrada em 28/6/2015. Em janeiro de 2016, o Ministério Público Federal, em São Paulo, informado pela ONG Intervozes, ajuizou uma ação civil pública contra a Record e a União.
O procurador Pedro Antonio de Oliveira Machado considera que a narração de Marcelo Rezende ‘ultrapassa os limites da mera descrição jornalística de fato cotidiano, atuando como elemento propulsor de incitação à violência em desfavor dos suspeitos’.
Machado vê ‘um discurso de ódio’ nas palavras do apresentador. Cita como exemplo essa passagem: ‘Eu espero, já de antemão, que não me venha com essa história de corregedoria pro policial, Comissão de Direitos Humanos, porque o policial, sozinho, contra dois bandidos, com tudo ao vivo...’
Questionada sobre o assunto antes que a ação fosse ajuizada, a Record argumentou que as imagens da perseguição foram transmitidas ao vivo e, por isso, não havia a possibilidade de edição ou conhecimento do desfecho.
O procurador rebate o argumento lembrando que Rezende pediu à produção que as imagens fossem reprisadas, o que ocorreu inúmeras vezes. ‘O caráter informativo foi abandonado e passou-se a tratar o triste episódio, violador de direito humano, como um entretenimento’, escreve Machado.
‘Fugindo totalmente do caráter supostamente jornalístico da programação, Marcelo Rezende, como que roteirista de uma atração ficcional, transforma a perseguição, o policial e os cidadãos em fuga em personagens da trama’, observa.
A Record argumentou também que estava apenas cumprindo seu dever constitucional de informar e prestar serviço jornalístico. E classifica a representação como ‘discordância profissional/ideológica’ entre o procurador e o apresentador.
Um aspecto interessante da ação é o esforço de Machado em classificar a União como corré. Na visão do procurador, o Ministério das Comunicações falhou em seu papel de fiscalização da programação. O governo refutou a acusação. Afirmou que tomou as medidas ao seu alcance e pediu para ser excluído da ação.
Em uma primeira decisão sobre o assunto, agora em abril, a juíza Renata Coelho Padilha determinou que a União esclareça o que fez, de fato, em relação ao ‘Cidade Alerta’ e deu prazo, também, para a Record se manifestar.
É um caso bem interessante para acompanhar, ainda mais porque Rezende considera ‘Cidade Alerta’ como ‘o programa da família brasileira’.


No final das contas, o agente público que se submete à exploração de programas sensacionalistas acaba sendo a maior vítima do show de horrores. Será processado criminalmente e ainda que seja absolvido, o seu futuro seguirá incerto até o desfecho do caso. Além disso, a depender das circunstâncias, poderá ser removido para localidades distantes, o que comprometerá a convivência com a sua família ou o desempenho de atividades paralelas que lhe garantam um ganho extra.