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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

STF ESTÁ DECIDINDO: DIADEMA PODE INSTITUIR SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA.


Os serviços de saúde pública são privativos da prefeitura municipal (em uma UBS, por exemplo)? Do governo estadual (nos hospitais de clínicas, por exemplo)? Do governo federal? E os serviços de assistência jurídica gratuita, são privativos/exclusivos da Defensoria Pública? Um município está proibido de criar um serviço que disponibilize advogados gratuitos à população local, aumentando a oferta de assistência jurídica?

 

Dispõe a Constituição Federal que:

“Art. 5º (...)

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;”

 

Por outro lado, há a Lei Complementar nº 80/1994, que prevê:

“Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.”

 

Um município está proibido de oferecer o serviço complementar de assistência jurídica gratuita para a sua população local? O município está proibido de oferecer advogados gratuitos às pessoas economicamente vulneráveis, a exemplo da cidade de Diadema?

 

Durante a tarde desta quarta-feira (03/11/2021), por enquanto (17h:46m) por maioria, o STF está julgando a ADPF 279 (veja aqui) e validando a lei municipal de Diadema que instituiu serviço de assistência jurídica gratuita aos moradores da cidade, e declarando improcedente um processo da PGR contra a lei de Diadema.

 

Aparentemente, tal como ocorre com os serviços de saúde e os serviços de educação infantil (creches), o STF está(rá) permitindo que os municípios possam também instituir serviços equivalentes aos de uma “defensoria municipal”. O argumento central é o de que a assistência jurídica integral e gratuita cabe ao Estado como um todo (União, estados e municípios), mas não é uma atividade exclusiva e privativa de um único órgão, no caso as defensorias públicas estaduais e federal. Em resumo: o pobre não é monopólio de uma corporação do Estado e cabe ao Estado garantir e tornar mais eficiente o amplo acesso à justiça. 

 

Hão de ser observados, contudo, quais os futuros desdobramentos deste julgamento. A permissão de serviços municipais valerá para todos os demais municípios do Brasil? As “defensorias municipais” de pequenas cidades serão totalmente independentes da Prefeitura? Poderão ajuizar processos contra a Prefeitura? Serão protegidas da utilização indevida por servidores públicos bem remunerados? Ao que tudo indica, haverá mais um benefício para população economicamente necessitada, vulnerável e em tempos de pobreza universalizada.

 

Mas o ideal seria que todos os brasileiros tivessem condição financeira (trabalho e salário dignos) para poderem escolher um serviço particular de sua confiança, sem  precisar depender, cada vez mais, de “favores” do Estado. 


Atualização às 18h:29m: ADPF julgada improcedente. Por maioria esmagadora, o STF decidiu que Diadema (e os municípios em geral) pode(m) instituir, criar serviços de atendimento jurídico a pessoas carentes (assistência jurídica gratuita) de forma a ampliar o acesso à justiça, sem que tal medida represente violação à autonomia das defensorias públicas.


terça-feira, 4 de agosto de 2020

COVID-19 E INDENIZAÇÃO A PROFISSIONAIS DA SAÚDE: PRESIDENTE BOLSONARO VETA A LEI. ENTENDA OS MOTIVOS.

É fato notório que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e afins) são os trabalhadores mais expostos e os mais infectados pelo COVID-19. Não por acaso, em razão da elevada carga viral a que são expostos em seus ambientes de trabalho, foram os primeiros a participarem dos testes finais das duas vacinas contra o COVID-19.


Daí ter sido proposto e aprovado pelo Poder Legislativo (deputados e senadores) o Projeto de Lei nº 1.826, de 2020 que, reconhecendo o COVID-19 como doença ocupacional dos profissionais de saúde, concedia-lhes reparações financeiras pelos prejuízos sofridos durante o desempenho das atividades de atendimento no combate à COVID-19, notadamente no SUS.


Mas aprovada a Lei pelos deputados e senadores (Poder Legislativo), o Presidente Jair Bolsonaro recusou-lhe a sanção (aprovação do PL) sob a justificativa de suposta contrariedade à Lei Complementar nº. 173/2020[1]. Constou do Veto Presidencial o seguinte:


“Apesar do mérito da propositura e a boa intenção do legislador em determinar o pagamento de indenização pela União para familiares de profissionais de saúde que atuam diretamente no combate à pandemia e venham a falecer, bem como para aqueles que ficaram incapacitados permanentemente para o trabalho, a proposta, ao impor o apoio financeiro na forma do projeto, contém os seguintes óbices jurídicos.

 

A proposta viola o art. 8º da recente Lei Complementar nº 173, de 2020, por se estar prevendo benefício indenizatório para agentes públicos e criando despesa continuada em período de calamidade no qual tais medidas estão vedadas.

O segundo óbice está na falta de apresentação de estimativa do impacto orçamentário e financeiro, em violação às regras do art. 113 do ADCT.

  

Ademais da violação ao art. 113 do ADCT, tendo em vista que o período do benefício supera o prazo de 31.12.2020 (Art. 1º do Decreto Legislativo nº 6 de 2020), revela-se incompatível com os arts. 15, 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja violação pode acarretar responsabilidade para o Presidente da República.

 

O terceiro problema é a inconstitucionalidade formal, por se criar benefício destinado a outros agentes públicos federais e a agentes públicos de outros entes federados por norma de iniciativa de parlamentar federal, a teor do art. 1º e art. 61 § 1º da Constituição.


Sobre a citada Lei Complementar nº 173/2020, eis o seu disciplinamento:


“Art. 7º A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 21. É nulo de pleno direito:

I - o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

a) às exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar e o disposto no inciso XIII do caput do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição Federal; e

b) ao limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo;

II - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;

III - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;

IV - a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando:

a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou

b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo.

 

Art. 8º Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:
I - conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública;

II - criar cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares;

V - realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso IV;

VI - criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade;

VII - criar despesa obrigatória de caráter continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;

VIII - adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição Federal;

IX - contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.
§ 1º O disposto nos incisos II, IV, VII e VIII do caput deste artigo não se aplica a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.
§ 2º O disposto no inciso VII do caput não se aplica em caso de prévia compensação mediante aumento de receita ou redução de despesa, observado que:

I - em se tratando de despesa obrigatória de caráter continuado, assim compreendida aquela que fixe para o ente a obrigação legal de sua execução por período superior a 2 (dois) exercícios, as medidas de compensação deverão ser permanentes; e

II - não implementada a prévia compensação, a lei ou o ato será ineficaz enquanto não regularizado o vício, sem prejuízo de eventual ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º A lei de diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual poderão conter dispositivos e autorizações que versem sobre as vedações previstas neste artigo, desde que seus efeitos somente sejam implementados após o fim do prazo fixado, sendo vedada qualquer cláusula de retroatividade.

§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao direito de opção assegurado na Lei nº 13.681, de 18 de junho de 2018, bem como aos respectivos atos de transposição e de enquadramento.

§ 5º O disposto no inciso VI do caput deste artigo não se aplica aos profissionais de saúde e de assistência social, desde que relacionado a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.

§ 6º (VETADO).

Art. 9º Ficam suspensos, na forma do regulamento, os pagamentos dos refinanciamentos de dívidas dos Municípios com a Previdência Social com vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.
§ 1º (VETADO).

§ 2º A suspensão de que trata este artigo se estende ao recolhimento das contribuições previdenciárias patronais dos Municípios devidas aos respectivos regimes próprios, desde que autorizada por lei municipal específica.

Art. 10. Ficam suspensos os prazos de validade dos concursos públicos já homologados na data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, em todo o território nacional, até o término da vigência do estado de calamidade pública estabelecido pela União.

§ 1º (VETADO).

§ 2º Os prazos suspensos voltam a correr a partir do término do período de calamidade pública.

§ 3º A suspensão dos prazos deverá ser publicada pelos organizadores dos concursos nos veículos oficiais previstos no edital do concurso público.”


Ao que tudo indica, apesar das justificativas jurídicas para o veto ao PL originado do Poder Legislativo, e acaso haja vontade política do Chefe do Executivo, os óbices poderão ser facilmente superados, mediante:

a) Elaboração de PL de iniciativa do Sr. Presidente da República;

b) Em conjunto com os ministérios da Economia e Planejamento, proceder ao levantamento dos impactos financeiros e fontes de financiamento, prevendo mecanismos de compensações para evitar a alegada incidência na LRF; e

c) Apesar de alegada violação a preceitos do art. 8º da LC nº 173//2020, as vedações ali contidas se aplicariam à criação de vantagens e/ou direitos que se assemelhem aos “penduricalhos”.


Certo contudo que o Poder Legislativo (deputados e senadores) pode derrubar o veto do Sr. Presidente da República. E uma vez derrubado o veto, o PL se transforma em lei, gerando todos os efeitos típicos. Se assim vier a ocorrer, restará ao Presidente da República recorrer ao STF para que seja decretada eventual inconstitucionalidade do ato. 


Veja aqui a mensagem de Veto do Presidente

quarta-feira, 29 de abril de 2020

POR QUÊ? POR QUÊ? POR QUÊ?

O fato.
Afinal, o Presidente da República pode ou não pode “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal?

Foi bastante ruidosa a saída do ex-Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Fernando Moro, do Ministério da Justiça. O assunto provocou forte discussão social (imprensa escrita e falada, redes sociais, pessoas comuns e até entre profissionais do Direito).

De acordo com “Bolsonaro”, se a sua “caneta” pode nomear ou demitir um ministro de Estado, também poderia nomear diretamente servidores hierarquicamente vinculados à Administração Federal.

Teria razão o Presidente da República?
Teria razão o ex-Juiz Sérgio Moro?

Há também no meio jurídico opiniões favoráveis ao Senhor Presidente da República. Alguns posicionamentos partem, tão e somente, da leitura do art. 2º-C, da Lei Federal nº 9.266/96, com as alterações promovidas pela Lei Federal nº 13.047/2014. Outras avaliações também muito consistentes, ao nosso sentir, buscam equiparar situações em prol de favoritismos partidários. Não pode ser assim, contudo.

A resposta franca e objetiva depende de interpretar os dispositivos legais à luz do que dispõe a Constituição Federal, lei de regência de todo o ordenamento jurídico e de toda a atividade do Estado.

Em situação de normalidade não haveria dúvida a respeito da competência do Presidente da República para “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal. Mas há um dado político-social relevante, que impacta diretamente esta situação.

É que ninguém ignora que a atuação do “Juiz da Lavajato” trouxe à sociedade brasileira - ainda que pairem substanciosas discussões sobre os métodos processuais, a validade dos atos e dos processos criminais por ele conduzidos - um sentimento de evolução das práticas políticas, de necessidade de aprimoramento da gestão da coisa pública.

Então, por qual razão o Senhor Presidente discordava tanto do seu Ministro da Justiça? Por qual motivo o Senhor Presidente desejava trocar o Diretor-Geral da PF? Por que indicar um Delegado que aparecia em fotos com familiares do Senhor Presidente, principalmente em vista da existência de investigações em curso contra pessoas próximas de si?

Em situação de absoluta normalidade, novamente, a discussão inexistiria. Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito

A jornalista Eliane Cantanhêde, em artigo[1], indagou: “Por quê? Por quê? Por quê?”. Por que contrapor-se à figura do ex-Juiz Sérgio Moro?


A interpretação do fato diante da Constituição Federal e da legislação federal.
De início, citemos o art. 84 da Constituição Federal:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.”

Por oportuno, o art. 85 da mesma CF/88:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;”

E quanto à atribuição dos Ministros de Estado, o art. 87:
“Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;
II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;
IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

Poderia o Presidente da República “passar por cima” do Ministro de Estado da Justiça e nomear diretamente o Diretor-Geral da PF? Sim, poderia!

Mas este poder, na hipótese de absoluta normalidade, seria situação demasiadamente embaraçosa e exporia uma incontestável inabilidade e desarmonia política e gerencial. Neste particular, citamos Jose Affonso da Silva sobre o referendo ministerial (art. 87, I da CF/88):
3. REFERENDO MINISTERIAL. O referendo ministerial, que é de pouca importância, consiste na subscrição das leis, medidas provisórias e decretos do chefe do Executivo que dizem respeito à sua Pasta.
Não interfere na validade do ato, mas empenha a responsabilidade do ministro conexa com a do Presidente da República, sendo mesmo de praxe ordenar a publicação dos atos e só depois colher a assinatura dos ministros que devem subscrevê-los. Se ele não assinar, nem por isso o ato deixa de valer e ter eficácia. O máximo que pode acontecer - e deve acontecer – é que a discordância do ministro implique a sua exoneração, a pedido ou não.”[2]

É que a Lei Federal nº 9.266/96, com a redação que lhe deu a de nº 13.047/2014, previu o seguinte:
“Art. 2o-A. A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça. 
(...)
Art. 2o-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial. (Redação dada pela Lei nº 13.047. de 2014)”

Ao que nos parece o Presidente da República poderia “passar por cima” do Ministro de Estado; poderia, sim, “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal enquanto o Ministro de Estado continuasse no cargo.

Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito.

É que os fatos, como estão postos, atraem a observância do art. 37 da Constituição Federal, que fixa os princípios aplicáveis à Administração Pública:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”  

         Ademais, a Lei Federal nº 9.784/99, determina:
“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;(...)”.

São demasiadamente relevantes os princípios da impessoalidade e da moralidade, os quais, segundo Jose dos Santos Carvalho Filho[3] referem-se:
“A referência a este princípio no texto constitucional, no que toca ao termo impessoalidade, constituiu uma surpresa para os estudiosos, que não o empregavam em seus trabalhos. Impessoal é ‘o que não pertence a uma pessoa em especial’ ou seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas. O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica. (...) Por outro lado, para que haja a verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se em consequência , seja favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para o favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.(...)”

Ademais, a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 4.717/65) prevê o seguinte:
“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”

Não fosse a peculiaridade da situação, não haveria maiores preocupações e tampouco o Poder Judiciário se imiscuiria na seara do Poder Executivo no que concerne à competência para nomear integrantes da Alta Administração Federal. No entanto, os fatos como estão postos sinalizam que pode haver algo que confronte os princípios da finalidade, motivação, , moralidade, interesse público e da eficiência.

Assim, seria melhor que o Senhor Presidente houvesse evitado a discussão, que sendo extremamente relevante, impactará negativamente a sua capacidade de exercer a sua competência constitucional livre de controles por parte de outros Poderes (Judiciário e/ou Legislativo).

Atualização.
A presente resenha foi elaborada às 09:00h de hoje, 29/04/2020. Às  11h:19m desta mesma quarta-feira constva no site do STF que decisão do ministro Alexandre de Moraes havia suspendido (não houve anulação judicial) a nomeação de Diretor-Geral pelo Presidente da República. Horas depois a imprensa noticiava que o Senhor Presidente havia revogado a nomeação objeto da decisão judicial.

Cumpre ainda destacar que às 15h:16m o site Conjur publicou artigo do Professo Lênio Streck[4] com o seguinte título: “Judiciário decide quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?”, no qual o Jurista opinou na seguinte direção:
“Afinal, quem pode ser ministro ou quem pode ocupar um cargo que é de livre nomeação do presidente da República? Quem pode dizer que um nome é bom ou é ruim?
(...)
Pois bem. Dentre as atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, uma delas é a de nomear o diretor da Polícia Federal. Exigência: o nomeado ser delegado de classe especial.
(...)
Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando tentaram barrar a nomeação de Moreira Franco, fui contra, por coerência, do mesmo modo. Quando da nomeação da ministra do Trabalho, Cristiane Brasil, protestei. Quando o atual ministro do Meio Ambiente foi barrado, protestei. Aliás, o juiz usou doutrina de minha lavra para restabelecer a nomeação.”

Vejamos que o art. 5º, caput, da CF/88 dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A lei vale para todos, sem distinção! Poderes ilimitados valem para todos os presidentes ou só para este ou para aquele/a? Valem para aquele/a, não para este? Valem para este, não para aquele/a?

Veja aqui a decisão do STF e aqui o requerimento de suspensão feito ao STF..


[2] Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed; atual. E.C 70/2011. Malheiros Editores. São Paulo, p. 505.
[3] Manual de Direito Administrativo. 22ª ed. rev. ampl. e atual. Ed. Lumem Juris, Rio de Janeiro,  pp. 19-20.

segunda-feira, 2 de março de 2020

PRECATÓRIOS DO ESTADO: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 2ª REGIÃO DEFINE CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DA LEI ESTADUAL 17.205/2019.


Conforme já informado nesta página (veja aqui) deputados estaduais paulistas aprovaram, em 15/11/2019, a Lei Estadual 17.205/2019, que reduziu a R$ 11,6 mil os valores de dívidas estaduais que poderão ser pagos por meio de OPV/RPV.

É certo que haverá grande debate, notadamente perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sobre o momento em que a tal lei passa a valer, considerando processos já em fase final de conclusão e apuração de valores.

Apesar disso, o TRTSP – Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (Capital, região metropolitana e litoral sul) antecipou-se ao debate (e necessidade de conclusão de processos) e definiu que a redução de valores aplicáveis a precatórios será aplicável somente aos casos transitados em julgados posteriores à Lei Estadual.

Trata-se de medida assinada pela presidente do TRTSP, a desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, e que dispõe sobre a modulação dos efeitos da legislação para fins de requisição direta à Fazenda Pública do Estado de São Paulo.

Ou seja, modular significa definir criteriosamente os efeitos da lei que reduziu o valor do teto dos precatórios das chamadas Obrigações de Pequeno Valor (OPVs) de 1.135,2885 UFESPs (equivalente a R$ 31.345,31) para 440,214851 UFESPs (R$ 12.154,33). A OAB São Paulo, a Associação dos Advogados de São Paulo, a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo e o Sindicato dos Advogados de São Paulo questionaram a norma no TRT-2.
Na exposição de motivos, as associações afirmam que a medida impacta não apenas os credores das chamadas OPVs, como também as preferências dos credores idosos e doentes graves. “Sem falar, ainda, no drástico aumento no número de precatórios que, como se sabe, estão sendo pagos a conta-gotas, com atraso quase surreal de 17 anos”, justifica o pedido enviado ao Tribunal. 

As instituições reforçam que, enquanto não se obtém provimento judicial para a inconstitucionalidade da Lei 17.205/19, os credores da administração pública estadual se veem na contingência de buscar em seus processos individuais o resguardo do direito adquirido.

O pedido das associações de advogados foi atendido pelo TRT-2 com a edição do ato assinado pela presidente. 

Em nossa avaliação preliminar, o TJ-SP, por questão de isonomia (todos são iguais perante a lei), enquanto não decidida a inconstitucionalidade da nova lei, deveria seguir a mesma tendência inaugurada pelo TRTSP.

Assim que o ato for publicado será disponibilizado neste canal.

Ref.: OAB/SP, AASP, Conjur, TRTSP. 


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

DEPUTADOS APROVAM A REDUÇÃO DO VALOR DE OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR: DÍVIDAS ACIMA DE R$ 11,6 MIL SERÃO PAGAS POR MEIO DE PRECATÓRIOS.

Uma requisição de pagamento que o Estado seja obrigado a fazer por meio de condenação judicial é chamada de precatório. De acordo com medida aprovada pelos parlamentares paulistas nesta terça-feira (5/11), o governo reduzirá o valor deste pagamento, as chamadas obrigações de pequeno valor. A votação da proposta no Plenário Juscelino Kubitschek foi acirrada e o placar marcou 41 votos favoráveis e 40 contrários. Nesta quarta-feira (6/11) as emendas ao projeto foram rejeitadas em votação simbólica.

Por lei, valores até R$ 30,1 mil devem ser pagos em no máximo um ano após a decisão judicial. Após a aprovação do  Projeto de Lei 899/2019, esse valor cairá para R$ 11,6 mil. Com isso, valores superiores a este seguirão para pagamento através de precatório.

O deputado Paulo Fiorilo (PT) expressou preocupação com a fila de pessoas aguardando receber os pagamentos. ‘Você atinge quem mais precisa, as pessoas que estão esperando e que se não receberem vão morrer sem poder usufruir. A ideia era tentar mexer nos valores maiores, que não têm tanta pressa para receber’, explicou o parlamentar.

O líder do governo na Alesp, deputado Carlão Pignatari (PSDB), explica que a iniciativa beneficiará anualmente mais de 120 mil servidores públicos. ‘Serão atendidas mais pessoas do que em 2018, e o valor pago será aumentado em aproximadamente R$ 240 milhões. Acho que a Assembleia fez direito aprovando um projeto dessa grandeza para melhorar a vida das pessoas que moram em São Paulo’.

Para o deputado Gil Diniz (PSL), a aprovação do projeto terá um impacto negativo para os funcionários públicos. ‘Quem mais vai sofrer no Estado de Paulo é o funcionário público, principalmente professores e policiais militares, que foi o que a gente tentou impedir no Plenário, sem sucesso’.

O projeto segue agora para sanção do governador.

Fonte: sítio da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, acessado em 06/11/2019.

Desnecessário dizer que a fila de precatórios aumentará significativamente, constrangendo pessoas que necessitam do pagamento a terem de negociar (conceder descontos desleais) com a Fazenda Pública.

Confira as listas (link Votação no Plenário) dos deputados estaduais que votaram (e como votaram) a respeito da legislação que reduziu o valor das Obrigações de Pequeno Valor. Abaixo, o resumo da votação: