TETO SALARIAL DO FUNCIONALISMO NÃO SE APLICA PARA QUEM OCUPAR DOIS CARGOS PÚBLICOS.
Há muita agitação, principalmente na
imprensa, quando vaza a notícia de que uma autoridade tem vencimentos acima da
quantia definida como sendo o teto do funcionalismo. Recentemente, o ex-Senador
Eduardo Suplicy foi convidado a assumir uma Secretaria na Prefeitura de São
Paulo. Somando-se os valores de sua aposentadoria de ex-congressista com os
vencimentos de Secretário Municipal os rendimentos mensais atingiriam o
montante de R$ 50.000,00. O valor é bem superior ao do teto imposto
literalmente pela Constituição Federal, e por este motivo ele afirmou que
doaria o valor excedente ao do teto.
A Constituição Federal dispõe:
“Artigo 37 Art.
37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
XI - a remuneração e o subsídio
dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta,
autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato
eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens
pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal,
em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como
limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito
Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o
subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e
o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa
inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie,
dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável
este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos
Defensores Públicos;
XII - os vencimentos dos cargos do Poder
Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo
Poder Executivo;”
O atual vencimento de Ministro do STF é
de R$ 33.700,00. De forma literal, nem um servidor poderia, em tese, ganhar
mais do que R$ 33.700,00.
O fato é que existem muitos servidores
que há muito tempo são titulares de dois cargos públicos (com
vários adicionais por tempo de serviço, por exemplo) e que contam com
vencimentos individuais (de cada cargo) bem generosos. Com a soma, os valores
superarão o “teto”. Como fica, então, a situação desse servidor que ocupa dois
cargos e recebe acima do “teto”? Trabalhará em dois cargos públicos recebendo
parcialmente? Ou abrirá mão de um dos cargos?
O melhor é que a Constituição Federal
fosse bem explícita e proibisse a acumulação de cargos; que vedasse a
acumulação que pudesse ocasionar a sobreposição de vencimentos que fossem
capazes de superar o teto. Se não foi possível acumular cargos, não haverá a
acumulação de rendimentos. No entanto, a Constituição foi simplista e previu
somente a acumulação de vencimentos que superassem o teto. Mas quem trabalha em
dois cargos não pode trabalhar de graça. Eis o erro!
Não seria melhor proibir a acumulação
de cargos, em vez de proibir a acumulação de vencimentos?
Seria! Mas como a Constituição Federal não proibiu, também soa estranho
simplesmente permitir que se trabalhe em dois cargos para receber somente por
uma única função.
O Poder Judiciário do Estado de São Paulo,
em diversos processos, vem derrubando o teto quando o servidor acumule cargos
no funcionalismo. A decisão proferida pela 12ª Vara da Fazenda Pública em um
Mandado de Segurança foi extremamente didática ao explicar o fundamento para a
derrubada do teto para dois servidores públicos do Estado de São Paulo. Veja
uma parte do argumento:
“No caso em
comento, verifica-se que a autoridade coatora, ao proceder ao somatório dos vencimentos auferidos para calcular o teto remuneratório dos impetrantes, limitou-se à interpretação gramatical do
artigo 37, XI, da Constituição Federal, pugnando que todo o tipo de remuneração deve ser submetido a um único teto. Fundamentou-se, também, nos termos do Parecer PA
06/2013, elaborado pela Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
(…)
A questão posta
nos autos deve ser analisada à luz da interpretação
lógico-sistemática das normas constitucionais, em consonância com a realidade em que
estão inseridas, não sendo correta a aplicação do teto remuneratório à
somatória dos rendimentos auferidos pelos cargos públicos.
(…)
A referida
limitação fere o direito fundamental do trabalho, estabelecido
pelos artigos 1º, IV e 7º, da Constituição Federal, vez que impede o trabalhador de auferir a remuneração que lhe seria devida, desvalorizando o profissional
titular de outro cargo público, desencorajando o exercício de outros cargos,
opção possível nos termos constitucionais, tendo em vista que os
rendimentos decorrem de cargos distintos.
(…)
A limitação
também promoveria a configuração do enriquecimento ilícito
por parte da Administração Pública, a qual se beneficiaria pela prestação de serviços, arcando com os custos da remuneração somente até o referido teto remuneratório, o que
configuraria também total afronta ao princípio da tão alegada moralidade administrativa.”
Ao permitir a acmulação de cargos a Constituição
não tinha como proibir a superação do teto. O “teto”, para quem ocupa dois
cargos, vale somente para o cargo considerado individualmente.