ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O GESTOR DA INICIATIVA PRIVADA: DOIS MUNDOS MUITO DIFERENTES.
O Sr. Jair Messias
Bolsonaro tomou posse como Presidente da República aos 01/01/2019. Discurso e
promessas marcados por apelos de renovação das práticas administrativas, dentre
as quais a desburocratização,
a redução dos custos e do tamanho do
Estado e a necessidade de eficiência administrativa. Também se comprometeu
a observar a Constituição Federal.
Em 2016 o
ex-Prefeito João Dória (2017-2018) venceu a eleição municipal com 53,29% dos
votos válidos; a única vitória em primeiro turno desde 1992[i]. Após
abandonar a Prefeitura de São Paulo em 2018 ele foi eleito para o cargo de
Governador do estado de São Paulo (2018-2022) com votos majoritariamente do
interior. Dória, em todas as suas campanhas, autodenominou-se gestor e destacou o seu papel de agente da
iniciativa privada, enfatizando a necessidade de desburocratização, redução dos custos e do tamanho do Estado e a
necessidade de eficiência administrativa.
Recentemente João
Dória Jr. foi sentenciado pela 11ª Vara de Fazenda Pública em razão do reconhecimento do cometimento de ato de
improbidade administrativa[ii].
O Juízo declarou ter havido o
uso e a vinculação indevidos de símbolos estatais e de propaganda institucional
à imagem pessoal do então Prefeito. Tratava-se do slogan “SP Cidade Linda”.
Pouco tempo atrás um
ex-secretário estadual do Meio-Ambiente foi processado e condenado por improbidade administrativa,
conforme decisão da 5ª Vara de Fazenda Pública da Capital. Segundo dados
repercutidos pela mídia “o Ministério
Público denunciou Ricardo Salles por improbidade administrativa. Segundo o MP,
Salles favoreceu empresas de mineração filiadas à Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP) ao altear mapas de zoneamento do plano de manejo da
Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Tietê (APAVRT) quando era secretário de
Meio Ambiente de São Paulo.”. Conforme o site O Eco, o caso de interferência
em processo administrativo deu-se quando “A Justiça entendeu também a acusação do MP de que Ricardo Salles teria interceptado o processo da
APA do Rio Tietê, que deveria ter
seguido diretamente para o Conselho Estadual de Meio Ambiente
(Consema). Na ação, o MP afirma ainda que ‘enquanto o Ministério Público colhia
depoimentos nos inquéritos civis, o secretário (...) instaurou uma sindicância
presidida pelo secretário adjunto, que tinha por escopo perseguir os servidores
públicos que prestaram depoimentos no MP’, declara o Ministério Público no
processo. No inquérito, o Ministério Público (MP) apurou as seguintes
ilegalidades: a) a modificação de mapas elaborados pela Universidade de São
Paulo; b) alteração da minuta do decreto do plano de manejo; c) perseguição aos
funcionários da Fundação Florestal.
Prosseguindo, o site o Eco tratou daquilo que denominou
de Anulação do plano de manejo:
“‘A anulação do processo SMA 7.324/2013 a
partir de 17 de fevereiro de 2016 é de rigor, uma vez que os vícios ocorridos
desde que o feito passou a tramitar exclusiva e irregularmente no gabinete do
secretário comprometem os atos posteriores e, assim, as máculas não se
convalidaram com a deliberação do plenário do CONSEMA (...)’”. As decisões
ainda são passíveis de revisão ou confirmação pelo Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.
No início de
dezembro de 2018 a imprensa já noticiava que Dória, mesmo antes da posse no
cargo de Governador, havia definido o nome do futuro Diretor da Fundação Procon/SP[iii]. Nesta
primeira semana de 2019, todavia, os atos relativos à nomeação do Diretor da
Fundação Procon/SP foram obrigatoriamente revistos, porque não observados os trâmites legais, previstos no §1º, do art.
13 da Lei Estadual nº.
9.192/95[iv][v].
Em resumo:
as urnas mandaram um inequívoco recado aos políticos recentemente eleitos! Há
um anseio talvez jamais sentido antes; o Povo
deseja governantes probos, legalistas, honestos e comprometidos com a
eficiência administrativa e a economicidade do Estado.
E para cumprir as promessas e atender ao desejo
popular não basta ser egresso da iniciativa privada, muito menos ser considerado
bom “gestor” de sua empresa ou por seus pares. A atuação na administração pública exige ESPECIALIZAÇÃO
e PROFISSIONALIZAÇÃO diferenciadas. A eficiência e a economicidade são
objetivos planamente possíveis de serem alcançados com a estrita observância da
legislação vigente. Trata-se de obrigação juridicamente imposta aos políticos
profissionais ou aos gestores privados que se aventuram no setor público.
Neste sentido, a
Constituição Federal prescreve:
“Art. 37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
§ 1º A
publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos
públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social,
dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção
pessoal de autoridades ou servidores públicos.
(...)
§ 4º Os atos
de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao
erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”.
E a Lei de
Improbidade Administrativa (Lei Federal nº. 8.429/92) fixa:
“Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são
obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são
afetos.
(...)
Art. 11.
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes
da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração,
fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração
pública com entidades privadas.
X - transferir recurso a entidade privada, em
razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de
contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único
do art.
24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. “
A conclusão é óbvia:
quem estiver habituado com a “praticidade” e a “informalidade” da iniciativa
privada terá de estudar e preparar-se para ocupar um cargo público, seja na
condição de eleito ou de nomeado em confiança. Boas intenções serão insuficientes
para justificar o descumprimento do art. 37, caput, da CF ou a incidência nas hipóteses do art. 11 da Lei de Improbidade.
Os casos referidos nas
matérias citadas se conectam por um ponto em comum: talvez em busca da “eficiência”
foram ignorados ritos essenciais. Como pode o eleito ainda não empossado
(Dória, no cargo de Governador) indicar como futuro Diretor do Procon/SP um
nome que sequer foi objeto de consideração e devido acolhimento pelo Conselho
Curador do órgão?!
Como se justifica o ato
de “interceptar” processo administrativo para fazer “justiça administrativa”
com as próprias mãos?!
E o desvio de
finalidade na instauração de processos e sindicâncias administrativos?!
Eficiência administrativa será obtida pelo rigoroso
controle de ritos e prazos. Todos os atos e condutas administrativas são
regidos por formalidades e prazos, que devem ser devidamente obedecidos e
exigidos por servidores e respectivas chefias.
E atos e processos
administrativos devem perseguir um só objetivo: o interesse público geral.
Quem, da iniciativa
privada, ingressar no setor público sem a devida compreensão, o preparo
antecipado, o conhecimento e o estudo sobre o modo de funcionamento da
Administração Pública terá grandes chances a responder por ato de improbidade
administrativa.
Ser gestor e
eficiente na iniciativa privada é muito mais fácil do que ser gestor e eficiente
na Administração Pública. A res publica
não é para aventureiros.
[i]Conforme
o Portal G1, disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/eleicoes/2016/noticia/2016/10/joao-doria-do-psdb-e-eleito-prefeito-de-sao-paulo.html,
acessado em 03/01/2019.
[iii]
Disponível em https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,doria-anuncia-presidente-do-secovi-na-habitacao-e-novos-tucanos-no-governo,70002632738,
acessado em 03/01/2019.
[iv] Artigo 13 - A Diretoria,
órgão executivo da Fundação, será integrada pelo Diretor-Executivo e por 6
(seis) Diretorias Adjuntas, cujas atribuições serão fixadas nos estatutos da
Fundação.
§ 1.º - O Diretor-Executivo será escolhido pelo Governador do Estado para um mandato de 2 (dois) anos, entre os membros de uma lista tríplice que deverá ser encaminhada pelo Conselho Curador, composta por pessoas de notório conhecimento na área de defesa do consumidor e de reputação ilibada.
§ 1.º - O Diretor-Executivo será escolhido pelo Governador do Estado para um mandato de 2 (dois) anos, entre os membros de uma lista tríplice que deverá ser encaminhada pelo Conselho Curador, composta por pessoas de notório conhecimento na área de defesa do consumidor e de reputação ilibada.
[v]
Disponível em https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,doria-demite-aliados-no-2-dia-de-governo-apos-nomeacoes-irregulares,70002665078,
acessado em 03/01/2019.