SERVIDORES ESTADUAIS E INDENIZAÇÃO DE LICENÇA-PRÊMIO: O TRATAMENTO – DIFERENCIADO – DISPENSADO A SERVIDORES DO LEGISLATIVO E DO EXECUTIVO.
I - INTRODUÇÃO.
Recentemente
foi editada a Resolução-Alesp nº. 889,
de 13 de junho de 2013 dispondo sobre a instituição de vale-refeição e a
concessão de licença-prêmio aos servidores da Casa.
Na
realidade, a citada Resolução-Alesp não trata de disciplinar a concessão da
licença-prêmio (direito previsto em lei), mas sim de tornar possível a indenização da referida licença.
Até
então, podia-se dizer que somente os servidores do magistério e da segurança
pública (policiais civis, militares e agentes penitenciários) tinham assegurados
o direito de converter em dinheiro parte da licença-prêmio. De fato, muito
embora os setores administrativos acabem subvertendo a interpretação das Leis
Complementares nº. 989/2006, 1.015/2007 e 1.051/2008 e os seus respectivos decretos
regulamentadores, o certo é que as respectivas leis não deixam dúvida: os servidores do magistério e da segurança
pública têm o direito líquido e certo de converter em pecúnia as
licenças-prêmio, observando-se as disposições referidas nos diplomas regedores da matéria.
Com a
edição da Resolução-Alesp, os servidores da Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo também “passaram a ter o direito de converter em pecúnia a licença-prêmio”.
E como ficam os demais servidores estaduais que ainda não tem o direito
regulado por lei? Como isso é possível? Não são todos iguais perante a lei? Uns
podem ser beneficiados e outros, sem poder gozar a licença durante o período
ativo, aposentam-se privados do direito?
II - LEI E LICENÇA-PRÊMIO.
Realmente,
todos são iguais perante a lei, conforme o artigo 5º da Constituição Federal. E
a lei pode fazer algumas diferenciações conforme se trate de casos
especialíssimos, como na situação dos professores e dos servidores da segurança
pública. A lei, desde que haja razão suficiente, pode tratar (des)iguais de
forma desigual. A possibilidade de conversão da licença para alguns servidores
é plenamente justificável, e até seria muito justo que outras leis pudessem
disciplinar igual direito em situações excepcionais.
Para
os servidores estaduais, foi mantido o direito à licença-prêmio. Os servidores
federais, no entanto, tiveram abolida a licença de premiação, período que foi
transformado em licença para capacitação. Veja a antiga e a atual redação do
artigo 87 da Lei Federal 8.212/90:
“Art.
87. Após cada qüinqüênio ininterrupto de exercício, o servidor fará jus a 3 (três) meses de licença,
a título de prêmio por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo.” (Texto revogado)
“Art.
87. Após cada qüinqüênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da
Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva
remuneração, por até três meses,
para participar de curso de capacitação profissional.” (Redação
vigente)
A
Constituição do Estado de São Paulo nos artigos 19, 21, 23 e 24 trata do
processo legislativo (do processo de
elaboração de leis e outros atos normativos) nos seguintes termos:
Artigo
19 - Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre
todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no
art. 20, e especialmente sobre:
(...)
III
- criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado
o que estabelece o art. 47, XIX, “b”;
(...)
Artigo 20 - Compete exclusivamente à
Assembléia Legislativa:
(...)
II - elaborar seu Regimento Interno;
III- dispor sobre a organização de sua
Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos
cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação
da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de
diretrizes orçamentárias;
(...)
IX
- sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder
regulamentar;
X
- fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive os da
administração descentralizada;
(...)
XIII
- suspender, no todo ou em parte, a execução de lei ou ato normativo declarado
inconstitucional em decisão irrecorrível do Tribunal de Justiça;
(...)
XXI
- zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição
normativa de outros Poderes;
(...)
XXIV
- solicitar ao Governador, na forma do Regimento Interno, informações sobre
atos de sua competência privativa;
XXV
- receber a denúncia e promover o respectivo processo, no caso de crime de
responsabilidade do Governador do Estado;
(...)
Artigo
21 - O processo legislativo compreende a elaboração de:
I
- emenda à Constituição;
II
- lei complementar;
III
- lei ordinária;
IV
- decreto legislativo;
V - resolução.
Artigo
23 - As leis complementares serão
aprovadas pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa,
observados os demais termos da votação das leis ordinárias.
Parágrafo
único - Para os fins deste artigo consideram-se
complementares:
(...)
10 - os Estatutos dos Servidores Civis
e dos Militares;
(...)
Artigo
24 - A iniciativa das leis
complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da
Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao
Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§1º
- Compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa a iniciativa das leis que
disponham sobre:
(...)
§2º - Compete, exclusivamente, ao
Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
4 - servidores públicos do Estado, seu
regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;
5 - militares, seu regime jurídico,
provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e
transferência para inatividade, bem como fixação ou alteração do efetivo da
Polícia Militar;”.
Pois
bem. Qualquer lei que trate de servidores
públicos deve ser de iniciativa, a proposta deve partir de ato do Governador do
Estado e a Assembleia Legislativa tem o papel constitucional de deliberar
sobre o projeto encaminhado. A licença-prêmio é benefício concedido aos
servidores públicos civis e militares. Os servidores civis têm como estatuto
funcional a Lei Estadual nº. 10.261/68
que, conforme o seu art. 1º aplica-se
aos servidores dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Os servidores da Polícia Militar também têm o
direito à Licença-Prêmio.
III - RESOLUÇÃO E LICENÇA-PRÊMIO.
Temos
que a edição de Resolução Legislativa para possibilitar a conversão da licença em
pecúnia, somente para os servidores da Assembléia Legislativa, seria
inconstitucional. Primeiro, por colocar
em situação de desigualdade prejudicial todos os demais servidores civis não
integrantes do Legislativo. Segundo, porque o “direito de conversão” foi
deferido por ato normativo que não é lei. A Constituição Estadual determinou
que servidores públicos é matéria disciplinada por lei de iniciativa do
Governador do Estado. Todavia, a Assembleia Legislativa, por ato que não é lei,
criou tratamento diferenciado entre servidores públicos; uns têm mais direito
que outros.
A
Resolução Alesp não está disciplinando o
gozo da licença-prêmio, mas sim tornando possível o pagamento de indenização. Além do salário do mês, o servidor será indenizado por –
supostamente - não poder gozar do período de dispensa. É o que consta do
artigo 2º da Resolução nº. 889:
“(...)
Artigo
2° – Os artigos 4°, 5° e 5°-A da Resolução n° 859, de 16 de dezembro de 2008,
passam a vigorar com a seguinte redação:
“Artigo
4° – O servidor poderá requerer
anualmente a indenização de 30 (trinta) dias de licença-prêmio a que tenha
direito.
§
1° – O pagamento da indenização de que trata o ‘caput’ deste artigo observará o
seguinte:
1
– o requerimento de indenização deverá ser apresentado pelo servidor com
antecedência mínima de 30 (trinta) dias corridos anteriormente à data de seu
aniversário;
2
– ..........................................................................
3
– ..........................................................................
§
2° – A perda do prazo de que trata o item 1 do § 1° impede, no mesmo ano, a
indenização de licença-prêmio referente a qualquer período aquisitivo, mas não
obsta sua fruição.
§
3° – Caso o servidor faça jus a mais de uma licença-prêmio, a indenização de
que trata este artigo observará o seguinte:
1
– referir-se-á à primeira licença-prêmio adquirida e não inteiramente
usufruída;
2
– somente será processado o requerimento de indenização de que trata o item 1
do § 1°, de licença-prêmio relativa a período diverso daquele já indenizado,
quando não houver saldo de dias remanescentes registrados no prontuário do
servidor; (...)”.
Não
se discute que a Resolução é espécie normativa, mas é uma norma que não é lei. A Resolução tem aplicação prevista tanto
na Constituição Federal como na Constituição Estadual. Sobre as resoluções legislativas,
ensina José Afonso da Silva[1]:
“Os
projetos de resolução visam a regulamentar matéria de interesse interno
(político ou administrativo) de ambas as Casas em conjunto ou de cada uma delas
em particular. O Regimento Interno da Câmara dos deputados exemplifica as
hipóteses em que a Câmara tenha que se pronunciar em casos concretos como:
perda de mandato de Deputado; criação de Comissões Parlamentares de Inquérito;
conclusões de Comissões Parlamentares de Inquérito (estes últimos casos não
estão de acordo com a Constituição); conclusões de Comissão Permanente sobre
proposta de fiscalização e controle; conclusões sobre as petições,
representações ou reclamações da sociedade civil, matéria de natureza
regimental; e, finalmente, assuntos de sua economia interna e dos serviços administrativos
(art. 109, III).”
Sobre
a Resolução, também citamos Manoel Gonçalves
Ferreira Filho[2]:
“Se, com boa vontade, ainda se pode dizer
que a inclusão do decreto legislativo no ‘processo normativo’ apresenta um
tênue fundamento, bem mais difícil é admiti-lo em relação às resoluções, também
incluída pelo art. 59 no ‘processo legislativo’.
(...)
A
distinção de domínio entre a resolução e o decreto legislativo pelo critério
formal é fácil. O decreto é elaborado pelo processo previsto para a elaboração
de leis, a resolução, por processo diferente. Essa solução, contudo, só cabe a posteriore. Como discriminar a prior que
deliberações do Congresso deverão a seguir o cominho do decreto, quais o da
resolução é o problema que perdura. A nossos ver, a solução está em observar-se
a tradição. Decreto legislativo e resolução essencialmente ditam normas
individuais, no que se confundem; mas no nosso direito anterior enquanto a resolução
não era constitucionalizada, sempre se entendeu que a disposição relativa à
matéria de competência privativa do Congresso Nacional se manifestava pelo decreto
legislativo. Não há razão para mudar, mesmo porque essas matérias são todas da
mais alta relevância, o que justifica a adoção de um processo rígido para a sua
apreciação. Destarte, o campo do decreto legislativo, na atual Constituição, é
o das matérias mencionadas no art. 49, sem exceções. Fora daí, e fora do campo
específico da lei, é que cabe a resolução.
Do que se expôs, claramente se infere
que a resolução não tem por que ser incluída no processo normativo strictu
sensu.”. Grifamos.
E a
razão de se estranhar a garantia de conversão de licença-prêmio em pecúnia aos
servidores do Legislativo por Resolução é a flagrante impossibilidade de se
utilizar a tal norma para criar essa disparidade de tratamento entre servidores
públicos. Servidores em geral, servidores do magistério e da segurança pública
dependem de lei, mas os servidores do Legislativo não precisam dela?
Basta
analisar o que diz o artigo 27 da Constituição Estadual e contrapô-lo aos já
mencionados artigos 19, 21, 23 e 24; vejamos a redação do artigo 27:
“Artigo
27 - O Regimento Interno da Assembléia
Legislativa disciplinará os casos de decreto legislativo e de resolução cuja elaboração, redação,
alteração e consolidação serão feitas com observância das mesmas normas
técnicas relativas às leis.”. Grifamos.
O
artigo 145 do Regimento Interno da Alesp trata da espécie normativa Resolução
da seguinte forma:
“Artigo 145 – A Assembleia exerce a sua
função legislativa por via de projetos de lei, de decreto legislativo ou de
resolução.
§ 1º – Os projetos de lei são
destinados a regular as matérias de competência do Legislativo, com a sanção do
Governador do Estado.
§
2º – Os projetos de decreto legislativo visam a regular as matérias de
privativa competência do Legislativo, sem a sanção do Governador do Estado.
§ 3º – Os projetos de resolução
destinam-se a regular, com eficácia de lei ordinária, matéria de competência
exclusiva da Assembleia Legislativa, de caráter político, processual,
legislativo ou administrativo, ou quando deva a Assembleia pronunciar-se em
casos concretos, tais como:
1. perda de mandato de Deputada ou
Deputado;
2. qualquer matéria de natureza
regimental;
3. todo e qualquer assunto de sua
economia interna que não se compreenda nos limites de simples ato
administrativo, a cujo respeito se proverá no Regulamento dos seus serviços.”
Tem-se,
portanto, que matéria relativa a servidores públicos há de ser disciplinada por
Lei Complementar Estadual de iniciativa do Governador do Estado, ao passo que a
Resolução tem caráter de lei ordinária e não tem alcance limita aos objetos descritos
no § 3º do artigo 145. A criação de tratamento diferenciado entre servidos do
Legislativo e os demais servidores não poderia ser levada a efeito por
Resolução.
IV – CONCLUSÃO.
Muito
embora aos servidores da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo se
possibilite, pela Resolução-Alesp nº. 889, a conversão em pecúnia da licença-prêmio,
a instituição dessa possibilidade se mostra em desconformidade com os preceitos
da Constituição Federal a da Constituição Estadual. A Resolução-Alesp nº. 889
invade o âmbito de atuação de Lei Complementar Estadual e cria uma diferença - injustificável
- de tratamento concedido a servidores públicos civis.