sábado, 20 de agosto de 2011

Tempo à disposição do "patrão" é cosiderado como jornada de trabalho

Horas extras e as formas de impedir o pagamento são questionadas na Justiça
Não há praticamente dúvidas sobre qual seja a jornada de trabalho do empregado. Na maioria dos casos, a resposta é simples: trabalha-se a partir do momento em que se passa o cartão de ponto na entrada e deixa-se de trabalhar quando se passa o cartão de ponto na saída. Essa é a noção predominante. Mas há situações em que o horário pode ser alterado para antes e para depois de “bater o cartão”. São as situações em que há a necessidade de tempo para a troca de uniforme e os casos das horas “in itinere”.

No primeiro caso, o trabalhador era obrigado a usar uniforme. O tempo gasto para vesti-lo (na entrada) e para se despir dele (na saída) pode ser considerado tempo à disposição do patrão.

Na outra situação, o tempo gasto no trajeto, na condução, é contado com hora de trabalho. Mas não são em todos os casos; há um detalhe bem explicado nas decisões do Tribunal Regional da 4ª Região/Rio Grande do Sul.

Acórdão do processo 0183200-14.2008.5.04.0771 (RO)
"EMENTA: TROCA DE UNIFORME. Tempo destinado à troca de uniforme configura como à disposição do empregador e integrante da jornada legal para todos os efeitos.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Lajeado, sendo recorrentes PERDIGÃO S.A. E ROSANE MARIA DOS SANTOS e recorridos OS MESMOS.

A ré interpõe recurso ordinário às fls. 262-9 pretendendo a reforma da sentença prolatada pelo Juiz do Trabalho Rogério Donizete Fernandes quanto às diferenças de horas extras, tempo destinado à troca de uniforme e FGTS.

A autora interpõe recurso adesivo às fls. 276-81 quanto à base de cálculo do adicional de insalubridade e honorários advocatícios.

Há contrarrazões da ré ao recurso adesivo às fls. 284-90.

Conclusos para julgamento.

É o relatório.

ISTO POSTO:
1. DO RECURSO DA RÉ.
1.1 DAS DIFERENÇAS DE HORAS EXTRAS.
A sentença condena a ré ao pagamento das horas em que não foi observada a tolerância legal de cinco minutos antes e após a jornada, bem como das horas supostamente destinadas ao banco de horas, pois ausente qualquer documento demonstrando quando e quantas horas foram compensadas.

Entende a ré que o sistema é valido e produtor de todos os seus efeitos. Invoca o teor da Súmula nº 85 do TST e jurisprudência sobre o tema. E, ainda, também a desconsideração de poucos minutos destinados à marcação de ponto, conforme disposição das normas coletivas da categoria.

Em que pesem as razões do recurso, a inconformidade não prospera, visto que não há normatização coletiva autorizando jornada compensatória do tipo banco de horas. E a compensação semanal já foi validada pelo Juízo na sentença.

Não havendo norma coletiva autorizando a adoção do banco de horas, como é o caso dos autos, há inviabilidade de qualquer pretensão de reforma.

No que concerne à aplicação da Súmula nº 85 do TST, o recurso resta sem qualquer objeto, porque deferido apenas o adicional extraordinário relativamente ao período não autorizado por norma coletiva para compensação da jornada. E, ainda, a ré não ataca qualquer dos fundamentos da sentença quando esta discrimina a existência de horas extras com base nos registros de ponto e recibos de pagamento.

No que tange à dedução da tolerância na marcação do ponto, a transação efetuada entre as categorias profissional e econômica sobre a matéria ora examinada somente é possível em relação ao período anterior à edição da Lei nº 10.243, de 19.JUN.2001, que acrescentou o § 1º ao artigo 58, da CLT, determinando que Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

No período posterior à edição da supracitada lei, é obrigatória a observância do critério estabelecido no artigo 58, § 1º, da CLT, porquanto se trata de disposição atinente à saúde do trabalhador, restando inválida a sua flexibilização por meio de negociação coletiva que vise a reduzir o direito legalmente assegurado, estando correta a sentença.

Nada a deferir.

1.2 DO TEMPO DESTINADO À TROCA DE UNIFORME.
A ré insurge-se contra o deferimento de vinte minutos diários pela troca de uniforme. Aduz que nesse tempo o empregado não está trabalhando para a empresa e que a utilização de uniforme é determinação do Serviço de Inspeção Federal. Invoca o artigo 4º da CLT.

Por óbvio que o tempo gasto para a troca de uniforme, por exigência obrigatória da empresa, ainda que decorrente de determinação de norma técnica sanitária, é tempo à disposição do empregador e, como tal, deve ser remunerado. Não há dúvida de que este tempo deveria estar registrado no cartão-ponto - antes e após a troca - como forma de viabilizar concretamente esse período de tempo.

Não há razão para que esse tempo seja desconsiderado da jornada legal de trabalho, dado que a empresa exige obrigatoriamente o uso do uniforme. Por óbvio, a previsão normativa de desconsideração do tempo destinado à marcação do registro de ponto não pode se confundir com a de troca de uniforme, que é matéria diversa.

E, tendo o Juízo deferido tempo razoável como necessário às trocas de uniforme, não há razão para alteração do decidido.

Nada a prover.

1.3 DO FGTS.
Mantida a sentença que condena a ré ao pagamento de parcelas de natureza remuneratória, remanesce o deferimento do FGTS, por mero acessório.

Nada a prover.

2. RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO AUTOR.
2.1 DA BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.
Insurge-se a autora contra a definição do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, pretendendo a utilização do salário contratual ou, sucessivamente, do salário normativo.

Estabelece a Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal:

Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial

O TST, através da Resolução nº 148/2008, publicada no DJ dos dias 08, 09 e 10.07.2008, altera a redação de sua Súmula nº 228, a qual passou a contar com a seguinte redação:

A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.

Em decisão liminar, nos autos do processo nº Rcl/6266, o STF suspendeu a aplicação da Súmula nº 228 do TST, o que autoriza a conclusão de que o entendimento expressamente manifestado pelo STF é no sentido de afastar a possibilidade de substituição da base de cálculo do adicional de insalubridade por meio de decisão judicial, deixando a critério das entidades sindicais e poder legislativo

Assim, entende-se, na esteira da sentença, que é incidente a Súmula Vinculante nº 4 do Eg. STF, devendo ser apurado o adicional de insalubridade com base no salário mínimo até que a lei ou norma coletiva modifiquem essa base de cálculo.

No caso, as normas coletivas proíbem a utilização do piso salarial normativo como salário profissional ou substitutivo do salário mínimo.

Portanto, o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário mínimo e, sendo incontroverso que o autor já recebia desta forma, não há diferenças a serem satisfeitas.

Nada a prover.

2.2 DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Pretende a autora o deferimento de honorários advocatícios, com base no artigo 133 da Constituição Federal, sendo desnecessária a credencial sindical.

Não merece reparo a sentença, que está calcada no entendimento jurisprudencial dominante, consubstanciado nas Súmulas nos 219 e 329 do TST, com o qual se compartilha.

Nada a prover.

Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário da ré. Por maioria de votos, vencido em parte o Juiz Convocado Raul Zoratto Sanvicente, negar provimento ao recurso ordinário da autora.
Intimem-se.

Porto Alegre, 17 de março de 2010 (quarta-feira).
VANIA MATTOS
Relatora"

Acórdão do processo 0134500-41.2008.5.04.0404 (RO)
"EMENTA: HORAS EXTRAS IN ITINERE. O tempo em que o empregado aguarda a condução fornecida pela empregadora, em horário não atendido por transporte público, deve ser considerado como horas in itinere. Provimento negado ao recurso da reclamada.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, sendo recorrentes PENASUL ALIMENTOS LTDA. E DARBI JORGE MALLMANN e recorridos OS MESMOS.

Contra a sentença das fls. 205-8, as partes apresentam recurso ordinário.

A reclamada (fls. 220-7) pretende a reforma do julgado quanto a horas extras (in itinere e tempo à disposição) e honorários advocatícios.

O reclamante (fls. 238-40) requer a alteração da sentença quanto à base de cálculo do adicional de insalubridade. Apresenta contrarrazões às fls. 234-7.

A reclamada apresenta contrarrazões às fls. 244-9.

Os autos são remetidos ao Tribunal para julgamento.

É o relatório.

ISSO POSTO:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA
1 HORAS EXTRAS IN ITINERE
A sentença entendeu que o tempo em que o reclamante permanecia aguardando o ônibus fornecido pela reclamada, que o conduzia para casa no final da jornada, é considerado como horário in itinere, sendo que o período deve ser considerado na jornada.

A reclamada alega que a pretensão era de horas à disposição pelo tempo de espera e não horas in itinere. Sustenta que não está situada em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, não sendo aplicáveis a Súmula 90 do TST e o art. 58, § 2º, da CLT. Afirma que o período em que esperava o ônibus não pode ser considerado tempo à disposição, pois não estava prestando trabalho. Cita a cláusula 17 das normas coletivas.

Examina-se.

É incontroverso que o reclamante utilizava o transporte fornecido pela reclamada ao final da jornada, e para tanto tinha de esperar a saída do ônibus.

Embora alegue, a reclamada não comprova que existisse transporte público no horário de saída do reclamante. Aliás, a presunção é de que efetivamente não havia, já que a empresa precisava fornecer condução aos seus empregados.

A prova testemunhal (fl. 203) revela que o ônibus saía da empresa à 1h30min da madrugada, sendo que a jornada de trabalho do autor em grande parte do contrato terminava às 0h18min (registros das fls. 117-60).

Portanto, aplica-se ao caso o § 2º do art. 58 da CLT, visto que o período em que o empregado aguarda a condução fornecida pela empresa deve ser computado na jornada, mesmo que não haja prestação de serviço nesse período. É razoável equiparar o tempo de aguardo na empresa ao tempo de deslocamento, pois o efeito prático é o mesmo: enquanto o empregado aguardava a condução fornecida pelo empregador ele estava em situação análoga à do empregado que está em deslocamento, especialmente porque o ônibus fornecido pela empresa era o único meio de transporte disponível no seu horário de saída. Assim, ainda que a reclamada não esteja situada em local de difícil acesso, isso não representa impeditivo para o acolhimento das horas de itinerário.

Há previsão na norma coletiva (exemplo, cláusula 17, fl. 35) no sentido de que as horas de deslocamento não integrariam a jornada dos empregados. No entanto, tais disposições normativas são inválidas por não afinadas com as hipóteses do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da CF que abrem espaço para a negociação coletiva impor restrições a direito fundamental. As cláusulas normativas revelam-se abusivas, pois constituem intervenção desmedida no núcleo do direito à contraprestação pelo trabalho realizado, colidindo com o princípio constitucional do valor social do trabalho (arts. 1º, IV, e 170 da CF/88). A interpretação do art. 7º, XXVI, da CF tem de ser feita sistematicamente. O reconhecimento das convenções e acordos coletivos não confere carta branca aos interessados para estipularem o que bem entenderem. A restrição alusiva à extensão de jornada além das 8 horas diárias e 44 horas semanais, inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal só diz com compensação; não com desconsideração de tempo de trabalho, por sinal regulado no art. 58, § 2º, da CLT.

Não se verifica violação aos artigos 7º, XXVI, e 5º, II, ambos da Constituição Federal e ao artigo 444 da CLT.

Provimento negado.

2 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A reclamada alega que, sendo reformada a sentença, devem ser excluídos os honorários advocatícios.

Analisa-se.
Mantida a condenação ao pagamento de horas de deslocamento, deve ser mantida a condenação da reclamada ao pagamento de honorários, até porque a reforma da sentença foi o único argumento invocado pela recorrente nesse sentido.

Provimento negado.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE
BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
A sentença entende que o adicional de insalubridade deve ser calculado com base no salário mínimo, enquanto não for editada lei ou conste em norma coletiva a fixação de outra base de cálculo.

O reclamante requer que o adicional de insalubridade seja calculado sobre o salário contratual. Cita jurisprudências.

Com razão.
A base de cálculo do adicional de insalubridade é o salário recebido, pois a Constituição Federal fixou ser de natureza remuneratória o adicional em apreço. A adoção do salário mínimo como base de cálculo não encontra respaldo constitucional. Destaca-se também que nenhum dos adicionais que a Constituição prevê em seu art. 7º tem base distinta do salário. Assim, a fixação de base diversa do salário para o adicional de insalubridade não se harmoniza com a interpretação conforme a integralidade das normas constitucionais e infraconstitucionais alusivas aos direitos dos trabalhadores.

Dá-se provimento ao recurso do reclamante condenar a reclamada ao pagamento de diferenças do adicional de insalubridade pela consideração do salário básico como base de calculo, com reflexos em férias, 13º salários, FGTS e horas extras.

Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada. Por unanimidade, dar provimento ao recurso do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de diferenças do adicional de insalubridade pela consideração do salário básico como base de calculo, com reflexos em férias, 13º salários, FGTS e horas extras.

Valor da causa que se acresce em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Custas proporcionalmente acrescidas em R$ 100,00 (cem reais).

Intimem-se.
Porto Alegre, 28 de abril de 2010 (quarta-feira).
José Felipe Ledur
Relator"

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
As decisões são claras e muito bem explicativas.
O que se percebe é que os trabalhadores precisavam chegar mais cedo para vestir-se, mas marcar o ponto do horário somente após colocar o uniforme. Ao final, deveriam passar o ponto antes de despirem-se dos uniformes. Certamente, pelo menos vinte minutos diários dentro do ambiente de trabalho...

Quanto ao uniforme, se a empresa impõe o seu uso, o tempo gasto para vesti-lo e tirá-lo deve ser considerado tempo de trabalho.

Quanto ao uso do coletivo da empresa, a decisão foi igualmente justa. Raras são as vezes em que as empresas oferecem transporte sem nada em troca. Por vezes deixam de efetuar os descontos de vale-transporte, eis que se o transporte fosse custeado ainda que parcialmente pelos empregados, estes certamente optariam por se deslocar com mais liberdade de locomoção.

Pensamos que somente o fato de oferecer o transporte diferenciado (para captar a preferência do empregado) já é fator reconhecer as horas “in itinere”. Afinal, existe alguma dúvida de que, a partir do embarque na condução o trabalhador não esteja em ambiente de trabalho, rodeado pelos colegas?
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