AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO E MERITOCRACIA: VERDADES E MITOS.
IMPERATIVO
DA EFICIÊNCIA
É necessário
proteger servidor ético das perseguições políticas
Anos integrando os quadros públicos,
debaixo do título efetivo, fomentaram-me reflexões acerca da eficiência.
É possível preencher um corpo
funcional, público ou privado, só com funcionários do quilate da Sra. Deborah
Ford, que trabalhou 44 anos na mesma empresa sem faltar um dia sequer? Ou do
Sr. Walter Orthmann, que completou 75 anos, de seus 90 vividos, como
funcionário da mesma empresa, onde galgou posições diversas?[1] Não, não é. Faticamente é
impraticável, e nenhuma norma, por mais
excelsa que seja, mostrou-se capaz de compelir à virtude total[2]. A integridade é algo que acompanha
o ser bem desde antanho da sua investidura pública. O que as normas podem e
devem fazer é fomentar a virtude. Afinal, gerir as coisas públicas é atuar com
base no mais alto interesse. E a eficiência implacável, embora utópica, sempre
deve ser um objetivo a perseguir.
Outra inquietação respeita ao áspero
tema de como distinguir o funcionário apetente do desidioso. Como discernir
entre o servidor probo, dedicado, e aquele que não corresponde fielmente à
investidura recebida? Aquele que defrauda silenciosamente a confiança do
público, que resiste às boas práticas, é refratário a mudanças, indiferente às
finalidades públicas.
Tenho que seja via a consagração de
um binômio, meritocracia e responsabilidades. Mora aí a premissa do bom
serviço, eficiente. O melhor desempenho deve ser mais bem recompensado. Os bons
são incentivados a permanecer, aprimorar-se, e ascender. Os disfuncionais devem
ser removidos do quadro. Como dissemos acima, a integridade é valorativa, mas a
excelência funcional pode e deve ser buscada. E sua representação mais atual é
a meritocracia. A experiência já demonstrou serem inconcebíveis ambientes
funcionalmente eficientes que não trabalhem sob pautas de metas,
responsabilidades pessoais, e ascensão pelo mérito. Ambientes verdadeiramente
eficientes só podem ser assim reconhecidos via medição de qualidade.
Eis o busílis. A resistência à aferição do mérito é intensa. E possível de ser medida
pelo grau de acomodação observada nos quadros públicos. Quer-se, mais que tudo,
a isonomia salarial. A refratariedade emana especialmente das entidades
classistas, e de todos aqueles que, em geral, nunca foram avaliados
tecnicamente. Nesses nichos em que não se incentiva o mérito,
invariavelmente não se apena o demérito. A ineficiência é sistêmica. E é
sintomático: o bem geral fica obliterado, enquanto o benefício
em causa própria avulta[3]. Do que decorre um aspecto muito
deletério desse estado de coisas: a culpa das ineficiências é de todos, e de
ninguém em especial. E numa inversão de todos os sentidos legais, que protegem
a sociedade do inepto, é este quem acaba protegido quando não se afere o grau
de perfeição funcional.
Bom, o sistema da meritocracia existe
nas normas[4] e conta com órgãos responsáveis
pela sua implementação[5]. Também é reconhecido empiricamente
como capaz de expressar ganho em eficiência. Precisa ser amplificado, portanto.
Em recente entrevista, o Presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho
e Competitividade[6], e também renomado empresário, Sr.
Jorge Gerdau Johannpeter, declarou que: (...) no Brasil, só tem quatro
ou cinco instituições em que essa estrutura de meritocracia e profissionalismo
funcionam. (...) Lógico que a direção desses organismos obedece a uma
orientação política. Mas elas são profissionalizadas. O sistema privado todo
trabalha em cima da meritocracia. As promoções são feitas por avaliações de
competência. ... E tem aí gente altamente capaz. Mas a cabeça ainda não
funciona[7].
Pois bem. O tema é daqueles fáceis de
exaltar a importância, e complicados de materializar, inesgotáveis, até. A
reflexão sobre a ordem lógica das coisas auxilia. Assim é que o incremento do
sistema da meritocracia pode passar por alguma das seguintes providências,
sejam delas destinatárias a massa servidora, seja o próprio mecanismo administrativo:
Emprestar rigor ao estágio
dito probatório, que desemboca na situação
qualificada da estabilidade funcional. Nele, tem-se o instante próprio para a
identificação do funcionário descomprometido com o serviço. Aquele que se ligou
ao quadro estatal em ordem a eternizar a máxima de subtrair-se da iniciativa,
enquadrando-se nas hipóteses certas da literatura ocupacional sobre a
inconveniência de efetivar colaboradores: não supre as expectativas, não sabe
lidar com mudanças, falta entusiasmo e não se encaixa na cultura da empresa.
Estabelecimento de pautas
comportamentais[8]. Via
as quais se obtém o monitoramento da correspondência entre aquilo que se
planejou e os indicadores factuais atingidos (ex. quer-se a educação contínua;
o esforço para economizar e investir). Mas não só. Servem como instrumento de
aferição da competência, possibilitando a progressão racional de carreira em
função da consecução de metas. Legitimam-se as cobranças dos agentes, e
autoriza-se responder às demandas sindicais com suporte em dados objetivos. Na
medida em que atendidas as pautas, podem e devem ser alargados os espaços
decisórios confiados aos agentes, sofisticando também as responsabilidades
pessoais. Cria-se a cultura organizacional.
Estabelecimento de
protocolos claros para o serviço. Como
as burocracias arruínam a eficiência e frustram as iniciativas capazes de
avançar o estado da técnica, propomos resgatar o sentido genuíno dos ritos e
procedimentos, protocolos capazes de avançar o mero formalismo. E onde tem
morada a ineficiência? Em espaços nos quais: [a] superabundam os regramentos, a
ampla maioria insustentável à luz da razão; [b] as fórmulas vêm das priscas
eras e se transmitem por tradição; [c] as chancelas cartorárias são
infindáveis; [d] as burocracias tormentosas desencorajam a efetivação de
tarefas simples; [e] às mesmas se acrescem vícios e obstáculos criados ao
talante dos agentes, extraindo autoridade de si próprios; [f] não há
racionalização do serviço, as jornadas e atividades se sobrepõem, todos se
concentram na mesma hora e no mesmo lugar, uns estorvam outros; [g] simples
procedimentos levam muito tempo, tudo é dificultoso; [h] retrabalho se faz
presente; [i] o encadeamento de atos não favorece/exige que o antecedente se
preocupe com o operador seguinte, cada um trata do seu; [j] o direito parece
favor, e para se conseguir o favorecimento o cidadão é remetido a
facilitadores; [k] os agentes, malgrado sejam qualificados educacionalmente,
não sabem informar, informam mal, ou procedem a encaminhamentos infinitos; [l]
as responsabilidades funcionais não são assumidas, são transferidas; [m]
inexiste postura ativa, ninguém se desvia um milímetro sequer de suas
incumbências; [n] o quadro permite nomeações exógenas, é inchado; [o] o sistema
da meritocracia não existe; [p] dos agentes não se exige qualquer atualização
profissional; [q] a desídia persiste e não sofre reprimenda. Pois bem. Será
importante o resgate do sentido genuíno dos ritos e procedimentos, os quais
poderiam conduzir a ambientes eficientes, aqueles pensados para funcionar a
longo prazo, aniquilando-se operações desimportantes à finalidade para as quais
foram criados; neles, os ritos são concebidos sobre causas genuínas, e
programados para suas consequências lógicas; são tão poucos quanto possível;
são prontamente eliminados/rearranjados quando se demonstram insuficientes; não
se exige do destinatário do procedimento uma informação que, por qualquer meio,
já esteja na posse da entidade; não se produzem múltiplos autuados se um apenas
é capaz de atingir a finalidade do rito. Diminuem-se a complexidade e a
passagem por n estruturas. O emergencial será efetivamente emergencial. A ordem
existe e é feita observar. A informação é ampla. Todos os setores se
intercomunicam. Os prazos existem e são cumpridos. Tarefas e hierarquias são
adrede concebidas. A estrutura do serviço é profissionalizada e dinâmica,
nota-se plena segurança procedimental.
Investir em aprimoramento. São exigidas revisões constantes das categorias ocupacionais,
formação continuada dos profissionais, bem como adaptabilidade ao novo,
criatividade, autonomia, comunicação, iniciativa, cooperação. Necessitam-se
profissionais que combinem imaginação e ação.
Consagrar mecanismos
premiais capazes de valorizar e motivar,
sem o que não há espaço para o bom serviço. Deve haver desafios na carreira,
para que a paixão não se vá. Deve haver espaço para crescimento. Deve haver
valorização. E, claro, satisfação salarial.
Consagrar o império da
responsabilidade pessoal, exclusiva e intransferível. A difusão de responsabilidades, a responsabilização de entes
abstratos, e a indulgência com as responsabilidades pessoais, tudo isso, a
rigor, implica pura e simples ausência de responsabilidades, não satisfaz bases
da razão nem consulta ao bem geral. Em níveis extremos, cria-se o império
do suposto (no qual, por mais chapada que seja a situação, e cabal
seja a autoria, está-se sempre a transitar a via da irresponsabilidade).
Outra providência importante, de
estatura institucional, moraria na abolição das nomeações livres,de
caráter estritamente político, criando o nicho para a inclusão de pessoas de
rasa qualificação nos quadros públicos. A
modernização gerencial do Estado passa necessariamente por aí. A nomeação livre
consulta ao poder político, e não ao interesse público. Desmotiva o quadro
técnico, que passa a ser dirigido justamente pelo amador. As injunções não
técnicas, no domínio do serviço profissional, nada dizem com o interesse
público. E quanto mais o conceito de meritocracia estiver enraizado em uma
sociedade, menos provável será que a população aceite pessoas ineptas para
ocupar funções executivas.
Agora a providência que consideramos
a primeira a ser adotada se se almeja, efetivamente, o império do mérito: blindar
o servidor reto.
Os servidores que cumprem os deveres
éticos, que agem inspirados unicamente pela realização do interesse público, e
da lei, têm de estar protegidos das nefandas influências políticas, assim de
perseguições superiores, nomeados de forma exógena.
A metodologia da meritocracia deve
deixar clara a distinção entre os profissionais que ascendem desprestigiando as
posições de colegas, locupletando-se, extraindo apenas os bônus de qualquer
situação, os que permitem a interferência de compadrios e amizades na relação
profissional, daqueles que primam por justiça, decência e integridade, sem
temor de separar o certo do errado, dispondo de consciência do dever, e senso
de retidão, além de apresentar zelo e esforço para as demandas públicas.
[1] http://www.infomoney.com.br/carreira/noticia/2669772/mulher-trabalhou-por-anos-mesma-empresa-sem-faltar-dia e http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2013/01/catarinense-de-90-anos-completa-75-de-trabalho-em-uma-unica-empresa.html
[2] Neste
sentido o Decreto 1.171, de 22 jun. 1994, ao aprovar o Código de Ética
Profissional do Servidor Público Federal. XIV - São deveres
fundamentais do servidor público: c) ser probo, reto, leal e justo,
demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando
estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem
comum; f) ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios
éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos;
[3] Grécia
vai cortar ‘licença computador’ paga a funcionários públicos. Benefício é pago
há mais de 20 anos a todos os funcionários públicos que trabalham mais de 5
horas por dia no computador; ministro considera privilégio ‘anacrônico’ http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,grecia-vai-cortar-licenca-computador-paga-a-funcionarios-publicos,164717,0.htm
[4] Política
Nacional de Desenvolvimento de Pessoalhttp://www.servidor.gov.br/PNDP/PNDP_INDEX.HTM;
Alta Conduta da Administração Federal
[5] No
âmbito federal, confira Secretaria que cuida da gestão pública federal (SEGEP)http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=162&sec=6;
Controladoria e regras de responsabilidade funcional http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/index.asp;
Escola Nacional de Administração Pública http://www.enap.gov.br/
[7] http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/03/15/leia-a-transcricao-da-entrevista-de-jorge-gerdau-a-folha-e-ao-uol.htm
[8] No
ambiente federal, uma espécie de avaliação de desempenho foi modelada pelo
Ministério de Planejamento em dois âmbitos: (a) o institucional (cada órgão
estabelece metas e indicadores gerais) e (b) o individual, do que resulta uma gratificação
de desempenho variável também conforme o órgão, fruto da soma das
avaliações individuais (representando 20% do total) com a pontuação atribuída à
avaliação institucional (80%). Estes os critérios de avaliação dos servidores:
RELACIONAMENTO. Relacionamento Interpessoal: possui habilidade no trato
interpessoal, demonstrando cordialidade e respeito. Receptividade: aceita
críticas e sugestões e é capaz de mudar seu comportamento em função delas.
Cooperação: apresenta disponibilidade para ajudar a equipe em caso de
sobrecarga de trabalho. Compartilhamento: disposição para transmitir
conhecimentos e ideias os demais colegas. I N I C I AT I VA. Proatividade:
capacidade de iniciar ações para solução de problemas imediatos ou futuros.
Inovação: propõe novas formas de executar o trabalho visando simplificar
procedimentos e agilizar a realização das atividades. Visão sistêmica:
demonstra capacidade e disposição para perceber e analisar a relação e o
impacto de suas ações nas atividades da instituição. Autonomia: executa as
tarefas que lhe são conferidas, sem necessidade constante de fiscalização.
COMPROMISSO COM O TRABALHO. Continuidade: em casos de afastamentos transfere
antecipadamente suas atividades e informações aos colegas da equipe, de modo a
não prejudicar o andamento do setor. Cumprimento de horário: cumpre o horário
programado na unidade, comunicando possíveis atrasos ou ausências. Cumprimento
de prazos: cumpre regularmente os prazos determinados para a execução das
tarefas. Organização: estabelece prioridades para a execução das tarefas e
racionaliza o tempo. COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS. Alcance dos objetivos: realiza
todas as tarefas que lhe são confiadas, contribuindo para o atingimento dos
resultados da unidade. Qualidade do trabalho: realiza suas tarefas com cuidado
e precisão, evitando retrabalho. Domínio operacional: utiliza os conhecimentos
técnicos e ferramentas de Responsabilidade: assume e enfrenta as consequências
de suas decisões e atitudes. CONSCIÊNCIA SOCIOAMBIENTAL. Respeito aos recursos
públicos: apresenta cuidado no trato com o patrimônio da organização.
Responsabilidade socioambiental: realiza as suas atividades considerando os
reflexos sobre as pessoas e o ambiente. Estímulo ao cumprimento da agenda
ambiental: multiplica e difunde os conhecimentos que visem à consciência
ambiental entre os servidores. Economia: utiliza racionalmente o material de
expediente, água, energia elétrica e demais recursos, combatendo o desperdício
e promovendo a redução.
Fábio Cristiano
Woerner Galle é advogado da União.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
(Conjur), acessada em 24/10/2013.
**Comentários do Advogado
Eduardo Figueredo de Oliveira.
O artigo aborda assunto
relevantíssimo, e também, muito interessante.
Se o mundo do ser (a realidade tal como ela é vivida)
correspondesse ao mundo do “dever ser” (a realidade determinada, prescrita, o "mundo ideal"), certamente não haveria espaço para a elaboração do artigo que ora é
comentado.
Valores, ética, moralidade, senso de
Justiça (Justiça não é a mesma coisa que justiçamento) são atributos que
acompanham o homem decentemente criado, educado e habituado às boas práticas durante toda a sua vida. A lei, para o homem de bem, ousamos dizer, não lhe serve para nada em termos de orientação comportamental.
Seu comportamento reto (direito!) independe de lei, que no entanto lhe será útil em termos
de proteção contra as aspirações dos desviados, dos desprovidos de caráter. Para o homem de bem, a lei deveria ser uma proteção contra abusos de terceiros, uma couraça. Em uma sociedade evoluída funcionaria dessa forma: a Lei protegendo os bons! Mas quando certa sociedade é
adepta do “jeitinho”, aí não adiantam leis. Leis proibindo isso, leis
concedendo direitos para aquilo...
O artigo trata da eficiência e da meritocracia
do serviço público como se todos os servidores fossem omissos, desidiosos,
etc. O artigo leva o leitor a imaginar que os servidores desprovidos de cargos de confiança
seriam acomodados; que servidores demitidos durante o estágio probatório seriam
inservíveis, despreparados. Seria tudo isso verdade? Absolutamente, não!
Um dos grandes problemas nos
processos de avaliação de desempenho e de aferição de (suposta) meritocracia é
que, em verdade, na grande parcela dos casos ocorre uma subversão das
providências administrativas. Em vez de constatar aptidões, são utilizados como instrumentos de vingança, perseguição. Quanto tempo se espera para obter aprovação em concurso? Dois, três, quatro anos? Para ser ILEGALMENTE dispensado não precisa de muito tempo, não. Há um proporção inversa.
Não são raras as vezes em que o ocupante
de cargo de confiança (cargos de chefia, assessoramento preenchidos por servidores concursados ou não, e que rendem remuneração diferenciada) atende muito mais aos anseios de “quem manda”, ignorando o
interesse público primário; esquece os princípios da legalidade, da moralidade,
da impessoalidade e da publicidade. Para ser e se manter nomeado ele subverte as regras, as quais seriam praticamente desnecessárias.
É
certo que os acomodados, os desidiosos e relapsos se fazem presentes no serviço
público, tal como ocorre em vários outros setores da atividade humana. No
entanto, acreditar que a avaliação de desempenho representa uma verdade
inquestionável significa desconhecimento da realidade do serviço público ou,
ainda, compreensão parcial de uma realidade apresentada. Processos de confirmação no cargo ou de avaliação de desempenho podem, sim, ser usados com objetivos ilegítimos e prejudicar quem lutou arduamente para ingressar no serviço público.