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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

EDITORIAL "O ESTADO DE SÃO PAULO": IPTU.

"O IPTU e a tarifa de ônibus
É natural e mesmo recomendável que a atual administração de São Paulo proponha à Câmara Municipal uma atualização da Planta Genérica de Valores (PGV) dos imóveis da cidade - base de cálculo para o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) -, já que a última revisão data de 2009. Mas não é nem natural nem recomendável que isso seja feito para obter recursos destinados, ainda que em parte, a garantir o congelamento da tarifa de ônibus, de R$ 3, no ano que vem, como quer o prefeito Fernando Haddad. São coisas diferentes que não podem e não devem ser misturadas.

Estima a Prefeitura que 1,385 milhão de imóveis pagarão o teto do aumento do IPTU, decorrente da atualização da PGV. Desses, 986 mil imóveis residenciais pagarão o teto de 30% e 399 mil estabelecimentos comerciais e industriais arcarão com o aumento de 45%, que é o teto para essa categoria. As áreas mais valorizadas e os grandes contribuintes serão os mais afetados, como era de prever.

Dentro desse critério, segundo reportagem do Estado, podem ser identificadas três zonas fiscais. Na primeira, estão o centro e bairros nobres e de classe média e média alta, como Jardins, Pinheiros, Moema e Perdizes. A segunda é composta por regiões próximas do centro, como o bairro da Mooca, e por bairros como Limão e Casa Verde. Na terceira estão as áreas mais carentes da periferia. Dessa maneira, dos dez bairros em que os imóveis terão maior aumento médio do IPTU, cinco ficam na região central - Santa Cecília, Brás, Sé, Liberdade e República. Quanto aos dez bairros cujos imóveis pagarão menos, nove são da zona leste - Itaim Paulista, Jardim Helena, Iguatemi, Ermelino Matarazzo, São Rafael, São Miguel, Vila Jacuí, Cidade Líder e Parque do Carmo.

São Paulo é sabidamente uma cidade em que as transformações ocorrem muito rapidamente, em especial no setor imobiliário. Desde a revisão da PGV feita em 2009, muita coisa mudou. Há bairros em que os preços dos imóveis mais do que dobraram desde então. Isso fez, por exemplo, com que nesse período dois bairros - Santana e Jardim Anália Franco - passassem a integrar o grupo dos considerados nobres e de classe média alta. Outro aspecto do problema é apontado pelo secretário municipal de Finanças, Marcos Cruz: "Se você tinha uma residência de 100 m² construída em Itaquera ou em Pinheiros, no mesmo padrão, tinha (nos dois casos) a mesma base de cálculo. A gente entende que isso não reflete mais a realidade do mercado".

As mudanças acarretadas pela atualização da PGV devem ser, portanto, as impostas pela realidade, como outras se imporão, daqui a quatro anos, quando ela deverá ser novamente revista. Acertos e correções no projeto do Executivo cabe à Camara fazer.

Independentemente disso, é da maior importância esclarecer até que ponto as mudanças propostas foram determinadas por razões técnicas ou pela ânsia do prefeito de encontrar recursos para bancar o congelamento da tarifa de ônibus. E quem misturou essas coisas com a maior sem-cerimônia, como se não percebesse a gravidade do que estava fazendo, foi Haddad: "Um dos destinos (do dinheiro vindo do aumento do IPTU) é o subsídio dos transportes, que sai de R$ 600 milhões para R$ 1,6 bilhão".

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que os R$ 600 milhões previstos estavam claramente subestimados, já que no ano passado aquele subsídio ficou perto de R$ 1 bilhão.

Não faz o menor sentido aumentar o IPTU para conseguir cobrir, ainda que em parte, os restantes R$ 600 milhões do subsídio que vai garantir a passagem de ônibus a R$ 3. Fazer isso é viciar a PGV, alterando seus valores por motivos estranhos aos das mudanças no mercado imobiliário. Ela tem de refletir esse mercado e não ser usada como instrumento para cobrir buracos abertos por fatos imprevistos como as grandes manifestações de junho, que forçaram a Prefeitura e o governo do Estado a cancelar o aumento da tarifa dos vários meios de transporte coletivo, que retornou ao valor de R$ 3.

Resta esperar que os vereadores mantenham a atualização da PGV dentro de estritos critérios técnicos.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira.
O DEBATE.
Uma das atividades públicas que talvez mais desperte a reflexão, a livre expressão e o inconformismo dos cidadãos é a ação tributária/fiscal dos governos (União/Federal, Estados e Municípios).

Em junho deste ano fomos espectadores e protagonistas de um dos mais importantes episódios de manifestação cívica-popular dos últimos trinta anos. Ouvimos falar, do passado, sobre as “Diretas Já” e o Impeachment de Collor, mas em 2013 vimos de muito perto as manifestações populares reclamando muito mais do que R$ 0,20... As multidões nas ruas (se foram realmente populares ou não, se foram apartidárias ou não isso é outra história) conseguiram congelar o preço das tarifas de ônibus. Em São Paulo, elas se mantiveram em R$ 3,00. Mas quem pagará a conta dos R$ 0,20? Já consideramos que anualmente há revisão salarial? Por mais que o diesel combustível não sofra aumentos anuais, há a necessidade de manutenção, renovação da frota, etc. Não somos a favor do aumento puro e simples. Somos contrários ao aumento sem o devido investimento. Passagem cara deve representar transporte em quantidade e qualidade aceitáveis. Aumento sem reinvestimento é estelionato!

Recentemente, a Prefeitura de São Paulo encaminhou Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para o ano de 2014. Segundo setores da sociedade, o IPTU sofrerá aumento de dois dígitos, podendo atingir o teto de 45% em relação aos imóveis comerciais. O Prefeito Fernando Haddad argumenta que a revisão da Planta Genérica de Valores deve acompanhar a evolução do valor comercial dos imóveis, e diz que a receita obtida com a elevação do imposto bancará a manutenção da tarifa de ônibus em R$ 3,00.

A Imprensa dá como certo o aumento. Já haveria um consenso entre os vereadores (representantes dos munícipes?) sobre a necessidade da revisão, mas não do aumento/percentual proposto. Em vez do teto de 45% (comerciais) e 35% (residenciais), um aumento de 35% e 25%, respectivamente. Os nossos “representantes”, na verdade, fazem uma encenação...

E aí surgem as contestações. A Prefeitura atrela a necessidade do IPTU ao custeio do transporte público por ônibus (subsídios) e defende a necessidade do aumento do imposto; a mídia pondera que a inflação imobiliária não é real, nem racional; os donos de carro - que também pagam IPTU - dizem que não podem custear mais uma vez o transporte público por ônibus, pois já pagam IPVA e apesar disso não têm como rodar pela cidade; os donos de imóveis em regiões menos favorecidas por serviços públicos reclamam que o imposto pago não é revertido para a região; os moradores de bairros que sofrerão os maiores aumentos pedem que os recursos do IPTU pago sejam todos aplicados na região dos pagantes.

CONCEITOS E CONFUSÕES.
Observando toda essa confusão de opiniões (e das melhores razões!) constatamos que a força do gigante (que despertou em junho), DE FATO, não representa muito (ou representa NADA!) em termos de EFETIVA e QUALIFICADA "evolução social". 

A nossa sociedade padece do mal do “jeitinho brasileiro.” E se isso não fosse o bastante, ela também é bem desinformada. 

Há uma demanda crescente por serviços e prestações públicas (ensino, saúde, segurança e transporte gratuitos) exigindo o aumento da estrutura governamental (criação de repartições e empregos públicos, alguns poucos muitíssimo bem remunerados). De outro lado, a oferta de crédito financeiro gerou a especulação imobiliária. Imóveis que em 2009 custavam R$ 60 / 70 mil, agora são negociados por no mínimo R$ 240 mil. Além disso, quem financia (empresta dinheiro do banco) R$ 240 mil devolverá ao banco o dobro do valor. Também é fácil encontrar (agora, a apresentação do “jeitinho brasileiro”) imóveis em “terrenos da Prefeitura”, em “comunidades”,  tentando ser negociados por R$ 100 mil... Isso não é uma bolha? Há seriedade/realidade em tudo -isso-que-está-aí?

IMPOSTOS, TAXAS, CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA E TARIFAS.
De modo geral, impostos, taxas, contribuições de melhoria e tarifas são popularmente consideradas uma coisa só: tudo é tributo, tudo é “imposto”. Mas há diferenças entre uns e outros... Impostos, taxas, contribuições de melhoria e tarifas não são a mesma coisa.  

É a Constituição Federal a “lei” que limita a criação de tributos. E segundo o artigo 145 hoje são possíveis apenas seguintes tributos:
“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
I - impostos;
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.”

A chamada tarifa está prevista no artigo 175 da Constituição, que determina:
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

E o artigo 5º do Código Tributário Nacional, seguindo a Constituição Federal, diz:
“Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.”

O mesmo Código Tributário Nacional fornece a definição e aponta a destinação dos tributos, nos seguintes dizeres:
“Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
(...)
Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
(...)
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.
Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel.
Parágrafo único. Na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade.
Art. 34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
(...)
Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
(...)
Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:
I - utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;
II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas;
III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.
(...)
Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
(...)
§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.”.

CONCLUSÃO.
Os impostos (assim definidos pela legislação) são a principal fonte de recursos gerais para as atividades governamentais. São recolhidas de todos os cidadãos e destinadas, podemos dizer, ao custeio de todos os tipos de necessidades da sociedade (educação, saúde, segurança, investimentos, pagamento de salários, obras públicas, etc).

Não há (e nem pode haver!) uma vinculação entre a receita e uma destinação específica dos IMPOSTOS antes de seu pagamento. Impostos são recolhidos de TODOS e destinados a TODOS conforme a necessidade eleita pelo governante e DETERMINADA PELA SOCIEDADE. Quem paga IPTU no Pacaembu, poderá ter o valor de seu imposto aplicado em Itaquera. Quem paga IPVA e circula em Perdizes terá o valor do imposto aplicado em saúde, em casas populares e em creches no Capão Redondo. Na teoria, tem de ser assim. 

Mas quem usa ônibus (serviço público individualmente fruível) na Cidade Tiradentes pagará (ou deveria pagar!) quase integralmente o custo desse transporte. É que se o transporte for gratuito, toda a sociedade bancará o serviço pelos impostos; quem usa e quem não usas pagará a conta! Quem precisa de transporte para cuidar da saúde e quem usa o ônibus para passear terão o mesmo serviço financiando por quem não pode sair, ou prefere ficar em casa ou, ainda, utiliza transporte individual (carro, moto e até bicicleta).

As taxas são tributos pagos somente por quem utilize (de forma efetiva ou potencial) um determinado serviço público. A taxa de esgoto, por exemplo, será cobrada conforme o volume de água consumido (utilização efetiva), mas se não houver consumo há uma a taxa mínima (utilização potencial, presumida). E é assim pois ser humano algum vive sem o consumo mínimo de água. 

As contribuições de melhoria são tributos pagos uma única vez em razão de melhorias decorrentes de obras públicas. A existência de uma estação do metrô próxima da residência, um terminal de ônibus, etc, determina a cobrança de contribuição de melhoria uma única vez por quem foi beneficiado (benefício individual) pela obra custeada pelos impostos gerais (pagamento de todos). 

Tarifa (que deve ter valor baixo e acessível) é a remuneração pela utilização de um serviço público prestado direta ou indiretamente pelo Poder Público; os serviços de ônibus são remunerados por tarifas, que podem ser suficientes para custear o serviço ou não. Se não forem suficientes, o prestador dos serviços não sofrerá prejuízo (aliás, alguém se submeteria a trabalhar, prestar serviço público para ficar “no vermelho”?), pois haverá subsídio público.

Dessa forma, a alegação de que o aumento do IPTU servirá para bancar o transporte coletivo não é séria, nem legal. Os impostos (IPTU, ISS e outros) entram para o “caixa geral” e devem servir para todas as necessidades da sociedade. Os demais “tributos” podem e devem ser vinculados ao serviço/benefício gerado. Dependendo da circunstância, o “caixa geral” (de impostos) poderá fornecer recursos para outras atividades “deficitárias”, mas os impostos não podem estar vinculados a uma única atividade. Dizer que o aumento do IPTU bancará (somente) a passagem de ônibus é ato de irresponsabilidade ou de incompetência governamental, pois os impostos (IPTU, ISS) se destinam a todos; não devem ser totalmente destinados somente a quem paga tais impostos, mas também não podem deixar de servir àquela parcela de cidadãos pagantes. 

Quanto ao IPTU, é necessário salientar que valor venal talvez não corresponda aos parâmetros da inflação imobiliária. E se a "bolha" estourar, vai haver revisão para menos? Importante, contudo, é ter em mente que a tributação por impostos deve, na medida do possível, observar a CAPACIDADE CONTRIBUTIVA do pagador. Valor venal tem a ver com o "valor da venda", mas e quem não quer vender seu imóvel? Quem não quer vender seu apartamento, sua casa, tem a sua renda, quando muito, corrigida pelo índice da inflação; o índice da especulação imobiliária não corrige salários e nem aposentadorias.

Qual o cidadão-contribuinte-padrão (trabalhador com registro em carteira ou servidor público de médio escalão) teve reajuste superior a 10% no ano de 2012 ou 2013?

E imposto excessivo deixa de ser contribuição da sociedade e se torna confisco. O cidadão que não se conformar com o aumento abusivo tem o direito de pleitear a reavaliação e, se ela não for adequada, recorrer ao Poder Judiciário.