quinta-feira, 24 de outubro de 2013

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO E MERITOCRACIA: VERDADES E MITOS.

IMPERATIVO DA EFICIÊNCIA
É necessário proteger servidor ético das perseguições políticas
Anos integrando os quadros públicos, debaixo do título efetivo, fomentaram-me reflexões acerca da eficiência.
É possível preencher um corpo funcional, público ou privado, só com funcionários do quilate da Sra. Deborah Ford, que trabalhou 44 anos na mesma empresa sem faltar um dia sequer? Ou do Sr. Walter Orthmann, que completou 75 anos, de seus 90 vividos, como funcionário da mesma empresa, onde galgou posições diversas?[1] Não, não é. Faticamente é impraticável, e nenhuma norma, por mais excelsa que seja, mostrou-se capaz de compelir à virtude total[2]. A integridade é algo que acompanha o ser bem desde antanho da sua investidura pública. O que as normas podem e devem fazer é fomentar a virtude. Afinal, gerir as coisas públicas é atuar com base no mais alto interesse. E a eficiência implacável, embora utópica, sempre deve ser um objetivo a perseguir.

Outra inquietação respeita ao áspero tema de como distinguir o funcionário apetente do desidioso. Como discernir entre o servidor probo, dedicado, e aquele que não corresponde fielmente à investidura recebida? Aquele que defrauda silenciosamente a confiança do público, que resiste às boas práticas, é refratário a mudanças, indiferente às finalidades públicas.

Tenho que seja via a consagração de um binômio, meritocracia e responsabilidades. Mora aí a premissa do bom serviço, eficiente. O melhor desempenho deve ser mais bem recompensado. Os bons são incentivados a permanecer, aprimorar-se, e ascender. Os disfuncionais devem ser removidos do quadro. Como dissemos acima, a integridade é valorativa, mas a excelência funcional pode e deve ser buscada. E sua representação mais atual é a meritocracia. A experiência já demonstrou serem inconcebíveis ambientes funcionalmente eficientes que não trabalhem sob pautas de metas, responsabilidades pessoais, e ascensão pelo mérito. Ambientes verdadeiramente eficientes só podem ser assim reconhecidos via medição de qualidade.

Eis o busílis. A resistência à aferição do mérito é intensa. E possível de ser medida pelo grau de acomodação observada nos quadros públicos. Quer-se, mais que tudo, a isonomia salarial. A refratariedade emana especialmente das entidades classistas, e de todos aqueles que, em geral, nunca foram avaliados tecnicamente. Nesses nichos em que não se incentiva o mérito, invariavelmente não se apena o demérito. A ineficiência é sistêmica. E é sintomático: o bem geral fica obliterado, enquanto o benefício em causa própria avulta[3]. Do que decorre um aspecto muito deletério desse estado de coisas: a culpa das ineficiências é de todos, e de ninguém em especial. E numa inversão de todos os sentidos legais, que protegem a sociedade do inepto, é este quem acaba protegido quando não se afere o grau de perfeição funcional.

Bom, o sistema da meritocracia existe nas normas[4] e conta com órgãos responsáveis pela sua implementação[5]. Também é reconhecido empiricamente como capaz de expressar ganho em eficiência. Precisa ser amplificado, portanto. Em recente entrevista, o Presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade[6], e também renomado empresário, Sr. Jorge Gerdau Johannpeter, declarou que: (...) no Brasil, só tem quatro ou cinco instituições em que essa estrutura de meritocracia e profissionalismo funcionam. (...) Lógico que a direção desses organismos obedece a uma orientação política. Mas elas são profissionalizadas. O sistema privado todo trabalha em cima da meritocracia. As promoções são feitas por avaliações de competência. ... E tem aí gente altamente capaz. Mas a cabeça ainda não funciona[7].

Pois bem. O tema é daqueles fáceis de exaltar a importância, e complicados de materializar, inesgotáveis, até. A reflexão sobre a ordem lógica das coisas auxilia. Assim é que o incremento do sistema da meritocracia pode passar por alguma das seguintes providências, sejam delas destinatárias a massa servidora, seja o próprio mecanismo administrativo:
Emprestar rigor ao estágio dito probatório, que desemboca na situação qualificada da estabilidade funcional. Nele, tem-se o instante próprio para a identificação do funcionário descomprometido com o serviço. Aquele que se ligou ao quadro estatal em ordem a eternizar a máxima de subtrair-se da iniciativa, enquadrando-se nas hipóteses certas da literatura ocupacional sobre a inconveniência de efetivar colaboradores: não supre as expectativas, não sabe lidar com mudanças, falta entusiasmo e não se encaixa na cultura da empresa.

Estabelecimento de pautas comportamentais[8]. Via as quais se obtém o monitoramento da correspondência entre aquilo que se planejou e os indicadores factuais atingidos (ex. quer-se a educação contínua; o esforço para economizar e investir). Mas não só. Servem como instrumento de aferição da competência, possibilitando a progressão racional de carreira em função da consecução de metas. Legitimam-se as cobranças dos agentes, e autoriza-se responder às demandas sindicais com suporte em dados objetivos. Na medida em que atendidas as pautas, podem e devem ser alargados os espaços decisórios confiados aos agentes, sofisticando também as responsabilidades pessoais. Cria-se a cultura organizacional.

Estabelecimento de protocolos claros para o serviço. Como as burocracias arruínam a eficiência e frustram as iniciativas capazes de avançar o estado da técnica, propomos resgatar o sentido genuíno dos ritos e procedimentos, protocolos capazes de avançar o mero formalismo. E onde tem morada a ineficiência? Em espaços nos quais: [a] superabundam os regramentos, a ampla maioria insustentável à luz da razão; [b] as fórmulas vêm das priscas eras e se transmitem por tradição; [c] as chancelas cartorárias são infindáveis; [d] as burocracias tormentosas desencorajam a efetivação de tarefas simples; [e] às mesmas se acrescem vícios e obstáculos criados ao talante dos agentes, extraindo autoridade de si próprios; [f] não há racionalização do serviço, as jornadas e atividades se sobrepõem, todos se concentram na mesma hora e no mesmo lugar, uns estorvam outros; [g] simples procedimentos levam muito tempo, tudo é dificultoso; [h] retrabalho se faz presente; [i] o encadeamento de atos não favorece/exige que o antecedente se preocupe com o operador seguinte, cada um trata do seu; [j] o direito parece favor, e para se conseguir o favorecimento o cidadão é remetido a facilitadores; [k] os agentes, malgrado sejam qualificados educacionalmente, não sabem informar, informam mal, ou procedem a encaminhamentos infinitos; [l] as responsabilidades funcionais não são assumidas, são transferidas; [m] inexiste postura ativa, ninguém se desvia um milímetro sequer de suas incumbências; [n] o quadro permite nomeações exógenas, é inchado; [o] o sistema da meritocracia não existe; [p] dos agentes não se exige qualquer atualização profissional; [q] a desídia persiste e não sofre reprimenda. Pois bem. Será importante o resgate do sentido genuíno dos ritos e procedimentos, os quais poderiam conduzir a ambientes eficientes, aqueles pensados para funcionar a longo prazo, aniquilando-se operações desimportantes à finalidade para as quais foram criados; neles, os ritos são concebidos sobre causas genuínas, e programados para suas consequências lógicas; são tão poucos quanto possível; são prontamente eliminados/rearranjados quando se demonstram insuficientes; não se exige do destinatário do procedimento uma informação que, por qualquer meio, já esteja na posse da entidade; não se produzem múltiplos autuados se um apenas é capaz de atingir a finalidade do rito. Diminuem-se a complexidade e a passagem por n estruturas. O emergencial será efetivamente emergencial. A ordem existe e é feita observar. A informação é ampla. Todos os setores se intercomunicam. Os prazos existem e são cumpridos. Tarefas e hierarquias são adrede concebidas. A estrutura do serviço é profissionalizada e dinâmica, nota-se plena segurança procedimental.

Investir em aprimoramento. São exigidas revisões constantes das categorias ocupacionais, formação continuada dos profissionais, bem como adaptabilidade ao novo, criatividade, autonomia, comunicação, iniciativa, cooperação. Necessitam-se profissionais que combinem imaginação e ação.

Consagrar mecanismos premiais capazes de valorizar e motivar, sem o que não há espaço para o bom serviço. Deve haver desafios na carreira, para que a paixão não se vá. Deve haver espaço para crescimento. Deve haver valorização. E, claro, satisfação salarial.

Consagrar o império da responsabilidade pessoal, exclusiva  e intransferível. A difusão de responsabilidades, a responsabilização de entes abstratos, e a indulgência com as responsabilidades pessoais, tudo isso, a rigor, implica pura e simples ausência de responsabilidades, não satisfaz bases da razão nem consulta ao bem geral. Em níveis extremos, cria-se o império do suposto (no qual, por mais chapada que seja a situação, e cabal seja a autoria, está-se sempre a transitar a via da irresponsabilidade).
Outra providência importante, de estatura institucional, moraria na abolição das nomeações livres,de caráter estritamente político, criando o nicho para a inclusão de pessoas de rasa qualificação nos quadros públicos. A modernização gerencial do Estado passa necessariamente por aí. A nomeação livre consulta ao poder político, e não ao interesse público. Desmotiva o quadro técnico, que passa a ser dirigido justamente pelo amador. As injunções não técnicas, no domínio do serviço profissional, nada dizem com o interesse público. E quanto mais o conceito de meritocracia estiver enraizado em uma sociedade, menos provável será que a população aceite pessoas ineptas para ocupar funções executivas.
Agora a providência que consideramos a primeira a ser adotada se se almeja, efetivamente, o império do mérito: blindar o servidor reto.
Os servidores que cumprem os deveres éticos, que agem inspirados unicamente pela realização do interesse público, e da lei, têm de estar protegidos das nefandas influências políticas, assim de perseguições superiores, nomeados de forma exógena.
A metodologia da meritocracia deve deixar clara a distinção entre os profissionais que ascendem desprestigiando as posições de colegas, locupletando-se, extraindo apenas os bônus de qualquer situação, os que permitem a interferência de compadrios e amizades na relação profissional, daqueles que primam por justiça, decência e integridade, sem temor de separar o certo do errado, dispondo de consciência do dever, e senso de retidão, além de apresentar zelo e esforço para as demandas públicas.


[2] Neste sentido o Decreto 1.171, de 22 jun. 1994, ao aprovar o Código de Ética Profissional do Servidor Público Federal. XIV - São deveres fundamentais do servidor público: c) ser probo, reto, leal e justo, demonstrando toda a integridade do seu caráter, escolhendo sempre, quando estiver diante de duas opções, a melhor e a mais vantajosa para o bem comum;  f) ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos que se materializam na adequada prestação dos serviços públicos;
[3] Grécia vai cortar ‘licença computador’ paga a funcionários públicos. Benefício é pago há mais de 20 anos a todos os funcionários públicos que trabalham mais de 5 horas por dia no computador; ministro considera privilégio ‘anacrônico’ http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,grecia-vai-cortar-licenca-computador-paga-a-funcionarios-publicos,164717,0.htm
[4] Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoalhttp://www.servidor.gov.br/PNDP/PNDP_INDEX.HTM; Alta Conduta da Administração Federal
[5] No âmbito federal, confira Secretaria que cuida da gestão pública federal (SEGEP)http://www.planejamento.gov.br/secretaria.asp?cat=162&sec=6; Controladoria e regras de responsabilidade funcional http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/index.asp; Escola Nacional de Administração Pública http://www.enap.gov.br/
[6] Integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
[8] No ambiente federal, uma espécie de avaliação de desempenho foi modelada pelo Ministério de Planejamento em dois âmbitos: (a) o institucional (cada órgão estabelece metas e indicadores gerais) e (b) o individual, do que resulta uma gratificação de desempenho variável também conforme o órgão, fruto da soma das avaliações individuais (representando 20% do total) com a pontuação atribuída à avaliação institucional (80%). Estes os critérios de avaliação dos servidores: RELACIONAMENTO. Relacionamento Interpessoal: possui habilidade no trato interpessoal, demonstrando cordialidade e respeito. Receptividade: aceita críticas e sugestões e é capaz de mudar seu comportamento em função delas. Cooperação: apresenta disponibilidade para ajudar a equipe em caso de sobrecarga de trabalho. Compartilhamento: disposição para transmitir conhecimentos e ideias os demais colegas. I N I C I AT I VA. Proatividade: capacidade de iniciar ações para solução de problemas imediatos ou futuros. Inovação: propõe novas formas de executar o trabalho visando simplificar procedimentos e agilizar a realização das atividades. Visão sistêmica: demonstra capacidade e disposição para perceber e analisar a relação e o impacto de suas ações nas atividades da instituição. Autonomia: executa as tarefas que lhe são conferidas, sem necessidade constante de fiscalização. COMPROMISSO COM O TRABALHO. Continuidade: em casos de afastamentos transfere antecipadamente suas atividades e informações aos colegas da equipe, de modo a não prejudicar o andamento do setor. Cumprimento de horário: cumpre o horário programado na unidade, comunicando possíveis atrasos ou ausências. Cumprimento de prazos: cumpre regularmente os prazos determinados para a execução das tarefas. Organização: estabelece prioridades para a execução das tarefas e racionaliza o tempo. COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS. Alcance dos objetivos: realiza todas as tarefas que lhe são confiadas, contribuindo para o atingimento dos resultados da unidade. Qualidade do trabalho: realiza suas tarefas com cuidado e precisão, evitando retrabalho. Domínio operacional: utiliza os conhecimentos técnicos e ferramentas de Responsabilidade: assume e enfrenta as consequências de suas decisões e atitudes. CONSCIÊNCIA SOCIOAMBIENTAL. Respeito aos recursos públicos: apresenta cuidado no trato com o patrimônio da organização. Responsabilidade socioambiental: realiza as suas atividades considerando os reflexos sobre as pessoas e o ambiente. Estímulo ao cumprimento da agenda ambiental: multiplica e difunde os conhecimentos que visem à consciência ambiental entre os servidores. Economia: utiliza racionalmente o material de expediente, água, energia elétrica e demais recursos, combatendo o desperdício e promovendo a redução.
Fábio Cristiano Woerner Galle é advogado da União.
Fonte: Revista Consultor Jurídico (Conjur), acessada em 24/10/2013.

**Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira.
O artigo aborda assunto relevantíssimo, e também, muito interessante.
Se o mundo do ser (a realidade tal como ela é vivida) correspondesse ao mundo do “dever ser” (a realidade determinada, prescrita, o "mundo ideal"), certamente não haveria espaço para a elaboração do artigo que ora é comentado.

Valores, ética, moralidade, senso de Justiça (Justiça não é a mesma coisa que justiçamento) são atributos que acompanham o homem decentemente criado, educado e habituado às boas práticas durante toda a sua vida. A lei, para o homem de bem, ousamos dizer, não lhe serve para nada em termos de orientação comportamental. Seu comportamento reto (direito!) independe de lei, que no entanto lhe será útil em termos de proteção contra as aspirações dos desviados, dos desprovidos de caráter. Para o homem de bem, a lei deveria ser uma proteção contra abusos de terceiros, uma couraça. Em uma sociedade evoluída funcionaria dessa forma: a Lei protegendo os bons! Mas quando certa sociedade é adepta do “jeitinho”, aí não adiantam leis. Leis proibindo isso, leis concedendo direitos para aquilo...

O artigo trata da eficiência e da meritocracia do serviço público como se todos os servidores fossem omissos, desidiosos, etc. O artigo leva o leitor a imaginar que os servidores desprovidos de cargos de confiança seriam acomodados; que servidores demitidos durante o estágio probatório seriam inservíveis, despreparados. Seria tudo isso verdade? Absolutamente, não! 

Um dos grandes problemas nos processos de avaliação de desempenho e de aferição de (suposta) meritocracia é que, em verdade, na grande parcela dos casos ocorre uma subversão das providências administrativas. Em vez de constatar aptidões, são utilizados como instrumentos de vingança, perseguição. Quanto tempo se espera para obter aprovação em concurso? Dois, três, quatro anos? Para ser ILEGALMENTE dispensado não precisa de muito tempo, não. Há um proporção inversa. 

Não são raras as vezes em que o ocupante de cargo de confiança (cargos de chefia, assessoramento preenchidos por servidores concursados ou não, e que rendem remuneração diferenciada) atende muito mais aos anseios de “quem manda”, ignorando o interesse público primário; esquece os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da publicidade.  Para ser e se manter nomeado ele subverte as regras, as quais seriam praticamente desnecessárias. 

É certo que os acomodados, os desidiosos e relapsos se fazem presentes no serviço público, tal como ocorre em vários outros setores da atividade humana. No entanto, acreditar que a avaliação de desempenho representa uma verdade inquestionável significa desconhecimento da realidade do serviço público ou, ainda, compreensão parcial de uma realidade apresentada. Processos de confirmação no cargo ou de avaliação de desempenho podem, sim, ser usados com objetivos ilegítimos e prejudicar quem lutou arduamente para ingressar no serviço público.
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