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quarta-feira, 29 de abril de 2020

POR QUÊ? POR QUÊ? POR QUÊ?

O fato.
Afinal, o Presidente da República pode ou não pode “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal?

Foi bastante ruidosa a saída do ex-Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Fernando Moro, do Ministério da Justiça. O assunto provocou forte discussão social (imprensa escrita e falada, redes sociais, pessoas comuns e até entre profissionais do Direito).

De acordo com “Bolsonaro”, se a sua “caneta” pode nomear ou demitir um ministro de Estado, também poderia nomear diretamente servidores hierarquicamente vinculados à Administração Federal.

Teria razão o Presidente da República?
Teria razão o ex-Juiz Sérgio Moro?

Há também no meio jurídico opiniões favoráveis ao Senhor Presidente da República. Alguns posicionamentos partem, tão e somente, da leitura do art. 2º-C, da Lei Federal nº 9.266/96, com as alterações promovidas pela Lei Federal nº 13.047/2014. Outras avaliações também muito consistentes, ao nosso sentir, buscam equiparar situações em prol de favoritismos partidários. Não pode ser assim, contudo.

A resposta franca e objetiva depende de interpretar os dispositivos legais à luz do que dispõe a Constituição Federal, lei de regência de todo o ordenamento jurídico e de toda a atividade do Estado.

Em situação de normalidade não haveria dúvida a respeito da competência do Presidente da República para “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal. Mas há um dado político-social relevante, que impacta diretamente esta situação.

É que ninguém ignora que a atuação do “Juiz da Lavajato” trouxe à sociedade brasileira - ainda que pairem substanciosas discussões sobre os métodos processuais, a validade dos atos e dos processos criminais por ele conduzidos - um sentimento de evolução das práticas políticas, de necessidade de aprimoramento da gestão da coisa pública.

Então, por qual razão o Senhor Presidente discordava tanto do seu Ministro da Justiça? Por qual motivo o Senhor Presidente desejava trocar o Diretor-Geral da PF? Por que indicar um Delegado que aparecia em fotos com familiares do Senhor Presidente, principalmente em vista da existência de investigações em curso contra pessoas próximas de si?

Em situação de absoluta normalidade, novamente, a discussão inexistiria. Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito

A jornalista Eliane Cantanhêde, em artigo[1], indagou: “Por quê? Por quê? Por quê?”. Por que contrapor-se à figura do ex-Juiz Sérgio Moro?


A interpretação do fato diante da Constituição Federal e da legislação federal.
De início, citemos o art. 84 da Constituição Federal:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.”

Por oportuno, o art. 85 da mesma CF/88:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;”

E quanto à atribuição dos Ministros de Estado, o art. 87:
“Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;
II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;
IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

Poderia o Presidente da República “passar por cima” do Ministro de Estado da Justiça e nomear diretamente o Diretor-Geral da PF? Sim, poderia!

Mas este poder, na hipótese de absoluta normalidade, seria situação demasiadamente embaraçosa e exporia uma incontestável inabilidade e desarmonia política e gerencial. Neste particular, citamos Jose Affonso da Silva sobre o referendo ministerial (art. 87, I da CF/88):
3. REFERENDO MINISTERIAL. O referendo ministerial, que é de pouca importância, consiste na subscrição das leis, medidas provisórias e decretos do chefe do Executivo que dizem respeito à sua Pasta.
Não interfere na validade do ato, mas empenha a responsabilidade do ministro conexa com a do Presidente da República, sendo mesmo de praxe ordenar a publicação dos atos e só depois colher a assinatura dos ministros que devem subscrevê-los. Se ele não assinar, nem por isso o ato deixa de valer e ter eficácia. O máximo que pode acontecer - e deve acontecer – é que a discordância do ministro implique a sua exoneração, a pedido ou não.”[2]

É que a Lei Federal nº 9.266/96, com a redação que lhe deu a de nº 13.047/2014, previu o seguinte:
“Art. 2o-A. A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça. 
(...)
Art. 2o-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial. (Redação dada pela Lei nº 13.047. de 2014)”

Ao que nos parece o Presidente da República poderia “passar por cima” do Ministro de Estado; poderia, sim, “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal enquanto o Ministro de Estado continuasse no cargo.

Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito.

É que os fatos, como estão postos, atraem a observância do art. 37 da Constituição Federal, que fixa os princípios aplicáveis à Administração Pública:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”  

         Ademais, a Lei Federal nº 9.784/99, determina:
“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;(...)”.

São demasiadamente relevantes os princípios da impessoalidade e da moralidade, os quais, segundo Jose dos Santos Carvalho Filho[3] referem-se:
“A referência a este princípio no texto constitucional, no que toca ao termo impessoalidade, constituiu uma surpresa para os estudiosos, que não o empregavam em seus trabalhos. Impessoal é ‘o que não pertence a uma pessoa em especial’ ou seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas. O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica. (...) Por outro lado, para que haja a verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se em consequência , seja favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para o favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.(...)”

Ademais, a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 4.717/65) prevê o seguinte:
“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”

Não fosse a peculiaridade da situação, não haveria maiores preocupações e tampouco o Poder Judiciário se imiscuiria na seara do Poder Executivo no que concerne à competência para nomear integrantes da Alta Administração Federal. No entanto, os fatos como estão postos sinalizam que pode haver algo que confronte os princípios da finalidade, motivação, , moralidade, interesse público e da eficiência.

Assim, seria melhor que o Senhor Presidente houvesse evitado a discussão, que sendo extremamente relevante, impactará negativamente a sua capacidade de exercer a sua competência constitucional livre de controles por parte de outros Poderes (Judiciário e/ou Legislativo).

Atualização.
A presente resenha foi elaborada às 09:00h de hoje, 29/04/2020. Às  11h:19m desta mesma quarta-feira constva no site do STF que decisão do ministro Alexandre de Moraes havia suspendido (não houve anulação judicial) a nomeação de Diretor-Geral pelo Presidente da República. Horas depois a imprensa noticiava que o Senhor Presidente havia revogado a nomeação objeto da decisão judicial.

Cumpre ainda destacar que às 15h:16m o site Conjur publicou artigo do Professo Lênio Streck[4] com o seguinte título: “Judiciário decide quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?”, no qual o Jurista opinou na seguinte direção:
“Afinal, quem pode ser ministro ou quem pode ocupar um cargo que é de livre nomeação do presidente da República? Quem pode dizer que um nome é bom ou é ruim?
(...)
Pois bem. Dentre as atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, uma delas é a de nomear o diretor da Polícia Federal. Exigência: o nomeado ser delegado de classe especial.
(...)
Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando tentaram barrar a nomeação de Moreira Franco, fui contra, por coerência, do mesmo modo. Quando da nomeação da ministra do Trabalho, Cristiane Brasil, protestei. Quando o atual ministro do Meio Ambiente foi barrado, protestei. Aliás, o juiz usou doutrina de minha lavra para restabelecer a nomeação.”

Vejamos que o art. 5º, caput, da CF/88 dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A lei vale para todos, sem distinção! Poderes ilimitados valem para todos os presidentes ou só para este ou para aquele/a? Valem para aquele/a, não para este? Valem para este, não para aquele/a?

Veja aqui a decisão do STF e aqui o requerimento de suspensão feito ao STF..


[2] Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed; atual. E.C 70/2011. Malheiros Editores. São Paulo, p. 505.
[3] Manual de Direito Administrativo. 22ª ed. rev. ampl. e atual. Ed. Lumem Juris, Rio de Janeiro,  pp. 19-20.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CONCURSO PÚBLICO E CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS: STF DECIDIRÁ SOBRE (DIREITO A ?) NOMEAÇÃO.

O plenário (virtual) do STF reconheceu a existência de repercussão geral (reconhece que julgamento tem importância que vai além do interesse das partes envolvidas na causa) no Recurso Extraordinário nº. 837.311, no qual se discute o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital de concurso público no caso de surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame.

O caso trata de candidatos ao cargo de Defensor Público de Piauí, que não foram classificados dentro do número de vagas (total de 30) oferecidas pelo edital de chamamento e consideram inconstitucional a abertura de novo concurso, que foi anunciada durante a vigência de concurso precedente.

Segundo o Mandado de Segurança o concurso, com validade de dois anos, foi prorrogado por igual período e ao final da prorrogação, sem que os classificados fossem chamados, o Estado reconheceu a necessidade de preencher vagas de Defensores Públicos e anunciou a futura abertura de novo concurso público. Durante a tramitação da ação, todos os classificados não convocados foram chamados a integrar o processo, pois o interesse deles seria afetado por decisão judicial que viesse a ser proferida.

Peculiaridades
O artigo 37, incisos III e IV da Constituição Federal dispõe que o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual períodoe que “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira”.

O impasse jurídico surgiu a partir da constatação de alguns fatos: a) o concurso ofereceu ao público somente trinta (30) vagas; b) durante a prorrogação do concurso, foram abertas outras vagas diversas daquelas não preenchidas e oferecidas no concurso; c) havia candidatos aguardando convocação; d) o Estado reconheceu a necessidade de mais Defensores e anunciou um novo concurso imediatamente após a expiração da prorrogação.

A questão jurídica é realmente interessante e relevante.

O Estado ofereceu apenas trinta vagas de Defensor, sem mencionar a formação de cadastro-reserva, tampouco a possibilidade de aproveitamento de candidatos para outras vagas que viesses a surgir durante o prazo de fluência. O concurso e a lista de espera se destinavam a preencher somente as vagas oferecidas.

O impasse pode ser assim esclarecido: digamos que os quadros da Defensoria, por exemplo, são compostos por 180 (cento e oitenta) vagas classificadas de forma ordinal entre 1ª a 180ª. O concurso ofereceu expressamente da 1ª a 30ª vaga. Pode o candidato reivindicar o preenchimentos de claros relativos às vagas 31ª, 32ª, 33ª... ? Desde que fosse respeitada a oferta de trinta vagas e não houvesse desistência para estas mesmas vagas, um candidato aprovado em 50ª, 70ª, 90ª poderia ser convocado para ocupar as primeiras trinta vagas?  O Estado está obrigado a convocar candidatos classificados muito além da 50ª posição, quando teve a intenção de oferecer somente três dezenas de vagas e aproveitar, teoricamente, os trinta melhores?

Vejamos o disposto na cabeça do artigo 37 da Constituição Federal:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

É sabido que, em tese, os concursos públicos buscam garantir a impessoalidade e a seleção dos melhores candidatos. Neste contexto, se o concurso oferece trinta vagas, os trinta melhores candidatos seriam absorvidos pelas nomeações das vagas oferecidas.
Se houvesse a desistência dos mais bem classificados a “fila andaria” e os demais, conforme o desempenho obtido individualmente, seriam convocados posteriormente, obedecido o número de vagas inicialmente ofertadas.

Então, surge uma questão. Os classificados além da 30ª vaga seriam os mais aptos e preparados? Os classificados além da 70ª posição seriam os mais aptos e preparados? Os classificados além das 120ª posição seriam os mais aptos e preparados? E se acaso houvesse um novo concurso no qual se oferecessem doze vagas, o Estado não poderia selecionar, novamente, os doze candidatos mais bem preparados? Os candidatos classificados além da 30ª posição, embora ainda não convocados, poderiam ser rotulados de ineptos? Eles poderiam ser considerados piores que os primeiros, principalmente quando alguns foram depois nomeados, via concurso público, ao cargo de Juiz? Por qual motivo abrir um novo concurso e consumir recursos públicos quando há a possibilidade de aproveitar candidatos que não foram excluídos?

Há uma clara colisão acerca de interpretações do princípio da eficiência e a sua harmonização com o princípio da impessoalidade, da legalidade, economicidade...

Eis aqui, para uma melhor compreensão da questão jurídica, das premissas lançadas no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para determinar a nomeação e a posse dos candidatos classificados além da 30ª posição:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATOS CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO ESTABELECIDO NO EDITAL. ANÚNCIO DE NOVO CONCURSO DURANTE A VIGÊNCIA DO ANTERIOR. DEMONSTRADA PELA ADMINISTRAÇÃO A NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. DISCRICIONARIEDADE. INEXISTÊNCIA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO DA EXPECTATIVA EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS IMPETRANTES. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME.
1.         A discricionariedade do Poder Público de nomear candidatos classificados fora do número previsto no edital, deixa de existir a partir do momento em que a Administração pratica atos no intuito de preencher as vagas surgidas e demonstra expressa a sua necessidade de pessoal.
2.         Não é licito à Administração, dentro do prazo de validade do concurso público, nomear candidatos além do número inicialmente previsto no edital em detrimento de outros em igual situação.
3.         No momento em que a Administração expressamente manifesta a intenção de fazer novas contratações por necessidade de Defensor Público em todo o Estado do Piauí; anuncia a realização de novo concurso dentro do prazo de validade do certame anterior e nomeia candidatos aprovados fora da ordem de classificatória e do limite de vagas inicialmente ofertadas no edital, o ato de nomeação dos impetrantes deixa de ser discricionário para tornar-se vinculado, convertendo-se a mera expectativa em direito líquido e certo. Precedentes.
4.         Ordem concedida. Unânime. “.

A partir do futuro pronunciamento do STF haverá um maior rigor com a oferta de vagas. Os editais serão mais claros, menos propensos a interpretações. As vagas ofertadas também serão em menor número. E, na nossa avaliação, desde que se prestigie literalmente o princípio da eficiência e da seleção dos mais preparados, poderá haver uma efetiva restrição quanto à oferta de vagas. De outro lado, a interpretação pode abrir brechas para burlar a impessoalidade, pois basta a realização de novo concurso para deixar de respeitar a fila formada pelo concurso precedente. 

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

PROCESSO DISCIPLINAR E IMPESSOALIDADE: STJ CONSIDERA NECESSÁRIA A PROVA DA PERSEGUIÇÃO.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Não é segredo para os servidores públicos de carreira o fato de que, em certos casos, Processos Administrativos Disciplinares, Sindicâncias ou procedimentos do gênero estampam motivos supostamente legítimos e legais para serem instaurados em desfavor de funcionários, mas de fato escondem motivos escusos, a realidade, as verdadeiras razões, as causas reprováveis que determinaram a abertura de um processo disciplinar.

Servidores que não concordam com medidas indevidas, servidores que não cumprem ordens ilegítimas, que não prejudicam colegas ou que não fazem “olho de vidro” ou vistas grossas a determinadas situações são os alvos mais constantes das perseguições “via PAD ou Sindicâncias”. Por outro lado, servidores “parceiros” dos altos escalões, mesmo sendo fortemente processados, conseguem se safar de seus desvios, sendo absolvidos em Processos Administrativos ou ficando livre das penas mais rígidas...

Não nos deixemos enganar: cargos de relevância (cargos “políticos”), no serviço público, são majoritariamente ocupados por pessoas indicadas pelos governantes de passagem (Prefeitos, Governadores). E eles são verdadeiros representantes, porta-vozes de quem os nomeou / indicou. Em tempos de política rasteira não importa a competência. Aliás, se competência fosse algo abundante, estaríamos vivendo dias tão difíceis? Não!

E governantes (Prefeitos, Governadores, Presidentes) desejam perto de si representantes (Secretários, Assessores etc) que afastem problemas. Como “afastar” não significa resolver, estes representantes (Secretários, Assessores etc), de seu modo, buscam nomear para os postos-chave os servidores de carreira capazes de maquiar situações. Os problemas devem ser “afastados”, não resolvidos.

E quando um servidor de carreira comprometido opta por cumprir o seu dever, não demora muito para que ele seja alvo de um PAD ou, então, perca o cargo e as vantagens a ele inerentes.

Ora, mas precisavam de um servidor competente e comprometido (para apontar problemas e ajudar a resolvê-los) ou de um mágico (para fazer desaparecer problemas, sem que eles sejam resolvidos)?

Muitos processos e sindicâncias são instaurados como vingança pessoal. O STJ decidiu que a alegação de impessoalidade na instauração e na condução de PAD deve ser demonstrada de modo convincente, sob o risco de a punição-vingança ser concretizada.

Os servidores devem estar atentos. Muitos PADs parecem ser legais, mas não são. Nestes casos, a prova da impessoalidade de impõe, além de outras circunstâncias.
Veja a notícia abaixo:
A alegação de suspeição em um Processo Administrativo Disciplinar requer a comprovação prévia e evidente da existência de elementos/informações capazes de comprometer o princípio da impessoalidade. O entendimento, consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, foi aplicado pela 2ª Turma da corte para negar recurso em Mandado de Segurança de um servidor público capixaba, acusado de receber salários sem trabalhar.

Ele recorria contra acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo que reconheceu a competência das corregedorias para os processos administrativos disciplinares junto às secretarias estaduais (no caso, a Secretaria de Saúde). Para tanto, o TJ-ES baseou-se em leis estaduais que tratam do assunto (LC 382/2005 e LC 46/1994).
Quanto a um dos pontos contestados pelo servidor — falta de assinatura de um dos membros da comissão nas atas de audiência —, o TJ-ES considerou que, se não houve prejuízo, não há nulidade.

Sem provas
No STJ, o servidor alega que a atuação da corregedoria em alguns momentos teria maculado o processo disciplinar, uma vez que usurparia a competência da comissão processante. Por isso, pedia que fossem anulados a penalidade e o processo administrativo.

Ao julgar o recurso do servidor, o relator, ministro Humberto Martins, afirmou que a alegação de suspeição requer comprovação prévia e evidente de que vínculos pessoais ensejariam a violação do princípio da impessoalidade, o que não é o caso dos autos, no qual tais provas não foram juntadas.
O ministro também concluiu, a partir da apreciação da legislação local, que a corregedoria tem atribuição para colaborar no processamento dos feitos disciplinares.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ) acessado em 14/02/2014.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

CONCURSOS PÚBLICOS E CONVOCAÇÃO INDEVIDA: JUSTIÇA NEGA RAZÃO A QUEM SE BENEFICIOU.

Empresa paga indenização por contratar concursado pior classificado
A Companhia de Seguros do Estado de São Paulo – Cosesp foi condenada a pagar indenização por dano moral, no valor de R$ 90 mil, a um ex-funcionário concursado que foi dispensado, em decorrência de ter sido admitido irregularmente, por culpa da própria empresa. Inconformada com a condenação, a Cosesp recorreu, mas a Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento ao seu agravo de instrumento.
O empregado havia sido aprovado em concurso público e admitido na companhia em novembro de 1994, mas teve o contrato anulado em maio de 1995, após o Tribunal de Contas do Estado ter constatado irregularidade no concurso, que admitiu candidatos em classificação inferior a outros mais bem classificados.
Inconformado, o trabalhador ajuizou reclamação, pedindo retorno ao emprego e reparação por danos morais. A sentença indeferiu a reintegração, mas deferiu-lhe a indenização de R$ 90 mil que representa algo em torno de três anos de salário. O juízo manifestou que o empregado deixou de "contar de uma hora para outra – e por culpa da empresa, com um emprego seguro, sem ter contribuído para a irregularidade que redundou na anulação do seu contrato de trabalho". Na reclamação, o empregado contou que sofria de doença grave no coração e estava com câncer.
Ao negar provimento a recurso da empresa, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) informou que embora a demissão do empregado fosse matéria de ordem pública, considerando a extensão do dano causado, cabia-lhe "reclamar os danos sofridos pela má gestão, sendo a empresa a única culpada pela irregularidade, já que não comprovado que o autor tenha participado em conluio para se beneficiar ilicitamente da nomeação".

A empresa recorreu ao TST, sustentando não haver cometido qualquer ato que justificasse reparação pelo dano moral aludido, uma vez que se limitou a cumprir determinação do Tribunal de Contas do Estado. Alegou ainda que o empregado não era detentor de estabilidade e que ela tinha o direito potestativo de despedir o empregado sem justa causa.
O agravo de instrumento da empresa foi examinado na Quarta Turma do TST sob a relatoria do ministro Fernando Eizo Ono. O relator negou provimento ao recurso, em razão de não ter atendido aos requisitos do art. 896 da CLT. Assim ficou mantido o despacho do Tribunal Regional que negou seguimento ao recurso de revista da empresa, em que se insurgia contra a condenação ao pagamento da indenização pelo dano moral causado ao empregado.
O voto do relator foi seguido por unanimidade.
Processo: 97000-23.2007.5.02.0018
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, TST, acessado em 26/06/2012.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O caso revela um problema fácil de ser constatado em todos os níveis governamentais, recorrente for dos grandes centros.
Muitas pessoas prestam concurso e ficam aguardando o chamado.
A entidade contratante convoca uma parcela dos candidatos aprovados, e suspende novas contratações. Passados alguns anos (porque muitos não ficam acompanhando o andamento do concurso), reabrem-se as convocações, mas convocam candidatos do final da fila, ignorando a ordem de classificação. 

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Concurso Publlico. Quando a impessoalidade cede lugar ao fisiologismo.

O artigo abaixo reproduzido nos parece (é opinião pessoal) seja o testemunho ocular de fatos reprováveis. Vale a leitura atenta e a compreensão do que nele se contém.

"Condescendência no Poder Judiciário: Alguém responde? Quem responsabiliza?
Antônio Conselheiro Guimarães*

Entende-se por condescendência o ato pelo qual:
a) Embora competente, deixe o funcionário público de responsabilizar o infrator;
b) Não sendo competente, deixe de levar a notícia da infração à autoridade competente.

O ato disciplinar é vinculado, deixando a lei pequenas margens de discricionariedade à Administração, que não pode aplicar ou deixar de aplicar quaisquer penalidades contrárias à lei, ou em desconformidade com suas disposições.

Tomando-se, por exemplo, eventual configuração da infração do art. 117, XVII, da lei 8.112/90 (clique aqui): 'cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias', deverá ser aplicada a respectiva penalidade, nos termos do art. 130, da lei 8.112/90, sob pena de responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso (STJ -MS 15.437/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 26/11/2010).

Houve-se com propriedade Hely Lopes Meirelles, ao expor sua opinião a respeito da inflição de penalidade:
'A responsabilização dos servidores públicos é dever genérico da Administração e específico de todo chefe, em relação a seus subordinados. No campo do Direito Administrativo esse dever de responsabilização foi erigido em obrigação legal, e, mais que isso, em crime funcional, quando relegado pelo superior hierárquico, assumindo a forma de condescendência criminosa (CP, art. 320). E sobejam razões para esse rigor, uma vez que tanto lesa a Administração a infração do subordinado como a tolerância do chefe pela falta cometida, o que é um estímulo para o cometimento de novas infrações". (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Ed. Malheiros, 20ª ed, 1995, p. 416).

Segundo orientação fixada pelo Excelso STF por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.367 e mais recentemente no Mandado de Segurança 27.148/DF, ambos da lavra do ministro Celso de Mello, de que o Conselho Nacional de Justiça – embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário – qualifica-se como órgão de caráter eminentemente administrativo, cabendo-lhe o controle da atuação administrativa e financeira o Poder Judiciário, vale dizer, suas decisões não são jurisdicionais, são eminentemente ADMINISTRATIVAS.

Colhendo-se a matéria fática para demonstração, no dia 27 de maio último, o Presidente do C. TST constituiu uma comissão de servidores para realizar estudos e propor medidas destinadas ao aperfeiçoamento do modelo de gestão de pessoas do Tribunal Superior do Trabalho.

A comissão é composta dos seguintes servidores:
I — Anne Floriane da Escóssia Lima, Secretária da Secretaria de Gestão de Pessoas, que a presidirá;
II — Edvanja Alessandra Rodrigues Herr da Silveira, Coordenadora de Desenvolvimento de Pessoas;
III — Nabege Alves de Souza, Chefe de Divisão de Legislação de Pessoas;
IV — Cláudio Gomes de Oliveira, Assessor-Chefe de Planejamento Estratégico do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho;
V — Alex Nascimento, Analista Judiciário da Secretaria-Geral Judiciária;
VI — Rosa Amélia de Sousa Casado, Assessora-Chefe de Gestão de Pessoas do Conselho Superior da Justiça do Trabalho;
VII — Mariana Maciel de Alencastro de Lacerda, Assessora de Ministro.

Segundo consta no portal do C. Tribunal Superior do Trabalho, a servidora que preside a referida comissão (detentora do cargo comissionado (CJ-3) da Secretaria de Gestão de Pessoas) é titular do cargo efetivo de Técnico Administrativo, de nível médio.

Note-se, a propósito, que a lei 11.416/06 (clique aqui), regulamentada pela Portaria 3 do STF e Tribunais Superiores e pelo ato 193/2008 do próprio CSJT, disciplina que o cargo de técnico administrativo não possui competência nem atribuições de direção, chefia ou assessoramento, mas tão somente de "tarefas" de suporte técnico e administrativo, obviamente, compatíveis com os conhecimentos "médios" do cargo para o qual foi aprovada em concurso público.

Nesse caso, conforme orientação de observação vinculada, porquanto fixada pelo plenário do Excelso STF, tratando-se de infração administrativa, seguramente é o CNJ a instância competente para uma eventual responsabilização da autoridade que lhe conferira atribuições estranhas ao seu cargo.

No entanto, é cediço que dentre os Conselheiros do CNJ, pelo menos um é juiz do trabalho da primeira instância. Indagar-se-ia, portanto, se poderia esse juiz responsabilizar um magistrado integrante do Tribunal Superior a que pertence? Ou se a responsabilização é atribuição específica do Corregedor Nacional de Justiça.

Para o CNJ não. De fato, recentemente foi levado àquele Conselho o conhecimento da prática, pelo TJ/DF, da adoção do procedimento de SELEÇÃO INTERNA para designação de funções e cargos comissionados a servidores.

Foi demonstrado que esse procedimento reiteradamente propiciou e propicia a designação de vários servidores para o exercício de funções e cargos comissionados com atribuições estranhas aos seus respectivos cargos efetivos, em descompasso com a proibição legal.

Distribuído o feito à Conselheira Morgana Richa, juíza do trabalho, ela decidiu que, embora se tratassem de atribuições estranhas aos cargos efetivos, os servidores designados possuíam curso universitário, logo, detinham competência para o exercício das correspondentes atribuições.

Vale dizer, apesar da vedação legal à promiscuidade das atribuições dos cargos públicos, segundo o voto da Conselheira Morgana Richa, o único requisito necessário é o ingresso por concurso público, não importa se o cargo é de ensino básico, médio ou superior.

Depois da nomeação, as atribuições devem corresponder à formação pessoal do servidor, e não ao cargo para o qual foi aprovado.

Em um país cujas Autoridades se movem pelo loteamento de cargos e empregos públicos, a única forma meritocrática legítima e constitucional de arregimentar pessoas é o concurso público.

A necessidade de aperfeiçoar o instituto não autoriza o administrador a desconsiderar a garantia constitucional do concurso público, muito menos descumprir a legislação.

A propósito, a crítica à meritocracia no serviço público não tem qualquer sentido quando tem origem exatamente nos próprios atores responsáveis pelo paternalismo no trato da coisa pública, com seu cortejo patológico de apadrinhamentos, nepotismo e fisiologismo que conduz a falência da atual administração pública.

Realmente, justiça seja feita, como revelado pela Conselheira Morgana Richa, o sistema do concurso público no Brasil só funciona até o ato de nomeação.

Daí por diante o que vale é o fisiologismo, a referência pessoal, o paternalismo, o nepotismo.

Eis aí a diferença entre a mediocridade e a notabilidade.

Dos vários instrumentos de burla do sistema constitucional, pela amplitude do manejo, citamos o procedimento seletivo interno para provimento de função pública e cargos comissionados.

Não que seja irregular o procedimento em si, mas o uso que dele se faz.

Com efeito, não se nega a sua utilidade quanto se observa a correspondência entre a natureza das atribuições da função que se pretende preencher e o conteúdo ocupacional do cargo cujos titulares estão aptos a ocupá-la.

No entanto, é flagrantemente inconstitucional e ilegal, além de ofender o princípio da isonomia, a submissão de servidores já aprovados pelo requisito constitucional, a novo concurso, ainda que denominado de seleção interna, para o exercício das atribuições próprias de seu próprio cargo, com servidores titulares de cargos que não são da mesma carreira e do mesmo grupo ocupacional.

Igualdade de desempenho sim, mas dentro do conteúdo ocupacional das respectivas carreiras, sob pena de caracterização do DESVIO DE FUNÇÃO, expressamente vedado pela legislação.

Art. 117. Ao Servidor é proibido:
(....)
XVII – cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias.

Não somos contra a efetivação de sistemas de mérito no serviço público, só não consentimos com a extrapolação dos parâmetros legais.

Não por outra razão as normas do próprio RICNJ reiteradamente ressaltam esse limite, senão vejamos:

Das Atribuições do Presidente
Art. 6º (omissis);
(....)
XXIX - requisitar servidores do Poder Judiciário, delegando-lhes atribuições, observados os limites legais;

Das Atribuições do Corregedor Nacional de Justiça
Art. 8º (omissis)
(....)
VI - requisitar magistrados para auxílio à Corregedoria Nacional de Justiça, delegando lhes atribuições, observados os limites legais;

Enfim, o servidor tem o direito constitucional objetivo de desempenhar as funções que propiciem executar as atribuições de seu cargo sem estar sujeito a arbitrariedades e discriminações injustas.

Servidor Público é quem exerce cargo, emprego ou função pública.

O responsável pela reparação da ordem jurídica é o Ministério Público.
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*Analista Judiciário da 5ª região."

Fonte: Migalhas, 2.654,acessado em 17/06/2011.