CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA DE SERVIDOR PÚBLICO É MATÉRIA DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Muito se fala, por exemplo, da aposentadoria
compulsória de membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, que são
concedidas após a constatação de desvios funcionas de tais agentes.
O
entendimento do cidadão comum considera que a aposentadoria compulsória seria
uma premiação, em vez de efetiva punição.
Esse raciocínio NÃO leva em consideração todas as
particularidades envolvidas em discussões sobre o tema, e de certa forma é
dominada pela mesma passividade que questiona o direito do familiar de pessoa,
que contribuído para o INSS, haja sido presa e em razão da privação da sua
liberdade, seus familiares tenham o direito de pleitear auxílio-reclusão.
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário destinado
à família de pessoa presa, mas DESDE QUE O APENADO tenha sido contribuinte-pagante
da Previdência Social. Ou seja, somente o familiar do preso que tenha recolhido
contribuições ao INSS poderá pleitear auxílio-reclusão. E, cá para nós: você
conhece algum marginal profissional que contribua para o INSS?
Certamente, não. Isso significa que o auxílio-reclusão socorre a família de
alguém que, não sendo “marginal profissional”, cometeu algum deslize na vida...
Se houve o pagamento para o INSS, nada mais justo.
Ao contrário do que ocorre com os membros do Poder
Judiciário e do Ministério Público, aos demais servidores civis (União, Estados
e Municípios) que sejam punidos por desvios funcionais graves é aplicada a pena
de demissão e, quando já aposentado (às vezes, até para evitar a demissão), a
pena de cassação da aposentadoria.
A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal do Brasil ingressou, em 11/2012, com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI nº. 4882).
Após discorrer sobre a história do sistema de
previdência social (surgimento e evolução até o momento), a ANFIP analisa a
questão no texto da CF/1998 e as reformas implantadas pelas EC nº. 20/98 e
41/2003, quando foram criados os requisitos de tempo de serviço, idade e de
contribuição. Ao final, a ANFIP pleiteia a declaração de inconstitucionalidade
dos artigos 127, IV e 134 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União.
O fundamento do pedido é o caráter contributivo da
previdência do servidor púbico, e a necessidade de proteção do ato jurídico
perfeito.
O objetivo é proteger as aposentadorias já concedidas.
Em nosso entender, todavia, haveria a necessidade de proteção jurídica aos que tiveram
negadas as aposentadorias. Afinal, segundo o artigo 5º da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza,(...).”.
No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo a questão teve desfecho recente, quando foi proferida decisão no Mandado de Segurança nº. ° 0237774-66.2012.8.26.0000 e que contou com a seguinte ementa:
“MANDADO DE SEGURANÇA -
Cassação de aposentadoria de Delegado de Polícia pronunciada pelo Governador do
Estado - Hipótese em que incumbe ao Judiciário, no controle de legalidade, a
verificação dos antecedentes de fato e sua congruência com as justificativas
que determinaram a decisão administrativa, ou seja, o exame dos motivos que a
ensejaram - Disciplina punitiva que deve subordinar-se ao princípio da
proporcionalidade em sentido amplo, no qual se contêm a razoabilidade,
impondo-se então a equivalência entre a infração e a sanção aplicável — Ato administrativo
impugnado que contém indicação plausível dos motivos que conduziram a autoridade
apontada como coatora ao entendimento de que os fatos atribuídos ao impetrante
poderiam ser tomados como de natureza grave a ponto de lhe ser aplicada a pena máxima,
mostrando-se então legítima a opção adotada - Insubsistência do ato, no entanto, pela manifesta incompatibilidade das
leis que preconizam a cassação de aposentadoria como sanção disciplinar com a
nova ordem constitucional, estabelecida a partir da promulgação das ECs n°s.
03/93 e 20/98 - Aposentadoria que não mais representa um prêmio ao servidor,
constituindo um seguro, ou seja, um direito de caráter retributivo face ao
binômio custeio/beneficio - Pena de cassação de aposentadoria que importa, ademais,
em violação aos princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa
humana - Ordem concedida.”
O “placar” no julgamento desse Mandado de Segurança
foi - podemos dizer - apertado. Houve pronunciamentos favoráveis ao reconhecimento
da inconstitucionalidade da cassação de aposentadoria, mas houve elogiosa (igualmente consistente) defesa da medida. Em seu voto divergente, o Des. Cauduro Padin, por exemplo,
ressaltou ausência de tratamento igualitário (citada por nós logo acima antes
mesmo da leitura da presente decisão), ponderando que:
“(...) A pena de cassação de
aposentadoria eqüivale à de demissão, de modo não se pode admitir que um
servidor que praticou falta grave, quando na ativa, a ensejar pena de demissão,
seja premiado com a impunidade pelo advento da aposentadoria.
Vista de outra maneira, a
questão acabaria por resolver-se no seguinte: celeridade exacerbada (e talvez
tumulto) do procedimento administrativo, inclusive com possibilidade de afronta
ao devido processo legal, para que a Administração pudesse punir a tempo
servidor que, tendo praticado falta grave, está em vias de se aposentar.
Com efeito, a aposentadoria
previamente à decisão no procedimento disciplinar ensejaria verdadeira afronta
à isonomia, afinal, o servidor da ativa seria punido com pena de demissão e o
servidor que acabara de se aposentar, tendo praticado fato idêntico, não seria
punido; pior, se fossem co-autores - um é demitido e o outro, não. Há afronta à
isonomia. (...)”.
Importante acentuar que os TJ/SP apontou a
congruência entre a gravidade do desvio funcional e a proporcionalidade da pena
aplicada, destacando violações perpetradas, em certo momento do processamento
disciplinar, contra o direito ao devido processo legal.
A decisão reconheceu a gravidade da
ação/omissão do servidor punido, mas por força da alteração do sistema previdenciário do
servidor público (que passou a exigir a contrapartida para a concessão da
aposentadoria futura) não seria mais possível admitir a anulação da concessão da
aposentadoria como forma de punição, sob o risco de enriquecimento indevido do
Estado.
Certamente, o assunto ainda demandará maiores
debates. De fato, nada impede que o servidor público demitido possa pleitear a
(limitada) aposentadoria do INSS.
Entretanto, é certo que os recolhimentos efetuados
pelo servidor foram realizados com foco na concessão da aposentadoria integral
e paritária, algo impossível pelo regime do INSS. Neste contexto, de direito, a
cassação ou a negação de aposentadoria representa violação jurídica praticada
pela Administração Pública. Além disso, os demitidos antes da aposentadoria (ou que tiveram a aposentadoria negada), embora excluídos dos questionamentos formulados, têm o mesmo direito de reclamar igualdade de tratamento. Afinal, se quem é demitido de empresa privada não é excluído do regime do INSS, quem é desligado do serviço público, igualmente, não perde o vínculo estabelecido com a carteira previdenciária para a qual contribuiu.
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