Concurso Publlico. Quando a impessoalidade cede lugar ao fisiologismo.
O artigo abaixo
reproduzido nos parece (é opinião pessoal) seja o testemunho ocular
de fatos reprováveis. Vale a leitura atenta e a compreensão do que nele se
contém.
"Condescendência no
Poder Judiciário: Alguém responde? Quem responsabiliza?
Antônio Conselheiro
Guimarães*
Entende-se por
condescendência o ato pelo qual:
a) Embora competente,
deixe o funcionário público de responsabilizar o infrator;
b) Não sendo competente,
deixe de levar a notícia da infração à autoridade competente.
O ato disciplinar é
vinculado, deixando a lei pequenas margens de discricionariedade à
Administração, que não pode aplicar ou deixar de aplicar quaisquer penalidades
contrárias à lei, ou em desconformidade com suas disposições.
Tomando-se, por exemplo,
eventual configuração da infração do art. 117, XVII, da lei 8.112/90 (clique
aqui): 'cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa,
exceto em situações de emergência e transitórias', deverá ser aplicada a
respectiva penalidade, nos termos do art. 130, da lei 8.112/90, sob pena de
responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso
(STJ -MS 15.437/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe
26/11/2010).
Houve-se com propriedade
Hely Lopes Meirelles, ao expor sua opinião a respeito da inflição de
penalidade:
'A responsabilização dos
servidores públicos é dever genérico da Administração e específico de todo
chefe, em relação a seus subordinados. No campo do Direito Administrativo esse
dever de responsabilização foi erigido em obrigação legal, e, mais que isso, em
crime funcional, quando relegado pelo superior hierárquico, assumindo a forma
de condescendência criminosa (CP, art. 320). E sobejam razões para esse rigor,
uma vez que tanto lesa a Administração a infração do subordinado como a
tolerância do chefe pela falta cometida, o que é um estímulo para o cometimento
de novas infrações". (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Ed.
Malheiros, 20ª ed, 1995, p. 416).
Segundo orientação fixada
pelo Excelso STF por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.367 e
mais recentemente no Mandado de Segurança 27.148/DF, ambos da lavra do ministro
Celso de Mello, de que o Conselho Nacional de Justiça – embora incluído na
estrutura constitucional do Poder Judiciário – qualifica-se como órgão de
caráter eminentemente administrativo, cabendo-lhe o controle da atuação
administrativa e financeira o Poder Judiciário, vale dizer, suas decisões não
são jurisdicionais, são eminentemente ADMINISTRATIVAS.
Colhendo-se a matéria
fática para demonstração, no dia 27 de maio último, o Presidente do C. TST
constituiu uma comissão de servidores para realizar estudos e propor medidas
destinadas ao aperfeiçoamento do modelo de gestão de pessoas do Tribunal
Superior do Trabalho.
A comissão é composta dos
seguintes servidores:
I — Anne Floriane da
Escóssia Lima, Secretária da Secretaria de Gestão de Pessoas, que a presidirá;
II — Edvanja Alessandra
Rodrigues Herr da Silveira, Coordenadora de Desenvolvimento de Pessoas;
III — Nabege Alves de
Souza, Chefe de Divisão de Legislação de Pessoas;
IV — Cláudio Gomes de
Oliveira, Assessor-Chefe de Planejamento Estratégico do Tribunal Superior do
Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho;
V — Alex Nascimento,
Analista Judiciário da Secretaria-Geral Judiciária;
VI — Rosa Amélia de Sousa
Casado, Assessora-Chefe de Gestão de Pessoas do Conselho Superior da Justiça do
Trabalho;
VII — Mariana Maciel de
Alencastro de Lacerda, Assessora de Ministro.
Segundo consta no portal
do C. Tribunal Superior do Trabalho, a servidora que preside a referida
comissão (detentora do cargo comissionado (CJ-3) da Secretaria de Gestão de
Pessoas) é titular do cargo efetivo de Técnico Administrativo, de nível médio.
Note-se, a propósito, que
a lei 11.416/06 (clique aqui), regulamentada pela Portaria 3 do STF e Tribunais
Superiores e pelo ato 193/2008 do próprio CSJT, disciplina que o cargo de
técnico administrativo não possui competência nem atribuições de direção,
chefia ou assessoramento, mas tão somente de "tarefas" de suporte
técnico e administrativo, obviamente, compatíveis com os conhecimentos
"médios" do cargo para o qual foi aprovada em concurso público.
Nesse caso, conforme
orientação de observação vinculada, porquanto fixada pelo plenário do Excelso
STF, tratando-se de infração administrativa, seguramente é o CNJ a instância
competente para uma eventual responsabilização da autoridade que lhe conferira
atribuições estranhas ao seu cargo.
No entanto, é cediço que
dentre os Conselheiros do CNJ, pelo menos um é juiz do trabalho da primeira
instância. Indagar-se-ia, portanto, se poderia esse juiz responsabilizar um
magistrado integrante do Tribunal Superior a que pertence? Ou se a
responsabilização é atribuição específica do Corregedor Nacional de Justiça.
Para o CNJ não. De fato,
recentemente foi levado àquele Conselho o conhecimento da prática, pelo TJ/DF,
da adoção do procedimento de SELEÇÃO INTERNA para designação de funções e
cargos comissionados a servidores.
Foi demonstrado que esse
procedimento reiteradamente propiciou e propicia a designação de vários
servidores para o exercício de funções e cargos comissionados com atribuições
estranhas aos seus respectivos cargos efetivos, em descompasso com a proibição
legal.
Distribuído o feito à
Conselheira Morgana Richa, juíza do trabalho, ela decidiu que, embora se
tratassem de atribuições estranhas aos cargos efetivos, os servidores
designados possuíam curso universitário, logo, detinham competência para o
exercício das correspondentes atribuições.
Vale dizer, apesar da
vedação legal à promiscuidade das atribuições dos cargos públicos, segundo o
voto da Conselheira Morgana Richa, o único requisito necessário é o ingresso
por concurso público, não importa se o cargo é de ensino básico, médio ou
superior.
Depois da nomeação, as
atribuições devem corresponder à formação pessoal do servidor, e não ao cargo
para o qual foi aprovado.
Em um país cujas Autoridades
se movem pelo loteamento de cargos e empregos públicos, a única forma
meritocrática legítima e constitucional de arregimentar pessoas é o concurso
público.
A necessidade de
aperfeiçoar o instituto não autoriza o administrador a desconsiderar a garantia
constitucional do concurso público, muito menos descumprir a legislação.
A propósito, a crítica à
meritocracia no serviço público não tem qualquer sentido quando tem origem
exatamente nos próprios atores responsáveis pelo paternalismo no trato da coisa
pública, com seu cortejo patológico de apadrinhamentos, nepotismo e
fisiologismo que conduz a falência da atual administração pública.
Realmente, justiça seja
feita, como revelado pela Conselheira Morgana Richa, o sistema do concurso público no Brasil só funciona até o
ato de nomeação.
Daí por diante o que vale
é o fisiologismo, a referência pessoal, o paternalismo, o nepotismo.
Eis aí a diferença entre
a mediocridade e a notabilidade.
Dos vários instrumentos de
burla do sistema constitucional, pela amplitude do manejo, citamos o
procedimento seletivo interno para provimento de função pública e cargos
comissionados.
Não que seja irregular o
procedimento em si, mas o uso que dele se faz.
Com efeito, não se nega a
sua utilidade quanto se observa a correspondência entre a natureza das
atribuições da função que se pretende preencher e o conteúdo ocupacional do
cargo cujos titulares estão aptos a ocupá-la.
No entanto, é
flagrantemente inconstitucional e ilegal, além de ofender o princípio da
isonomia, a submissão de servidores já aprovados pelo requisito constitucional,
a novo concurso, ainda que denominado de seleção interna, para o exercício das
atribuições próprias de seu próprio cargo, com servidores titulares de cargos
que não são da mesma carreira e do mesmo grupo ocupacional.
Igualdade de desempenho
sim, mas dentro do conteúdo ocupacional das respectivas carreiras, sob pena de
caracterização do DESVIO DE FUNÇÃO, expressamente vedado pela legislação.
Art. 117. Ao Servidor é
proibido:
(....)
XVII – cometer a outro
servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de
emergência e transitórias.
Não somos contra a
efetivação de sistemas de mérito no serviço público, só não consentimos com a
extrapolação dos parâmetros legais.
Não por outra razão as
normas do próprio RICNJ reiteradamente ressaltam esse limite, senão vejamos:
Das Atribuições do
Presidente
Art. 6º (omissis);
(....)
XXIX - requisitar
servidores do Poder Judiciário, delegando-lhes atribuições, observados os
limites legais;
Das Atribuições do
Corregedor Nacional de Justiça
Art. 8º (omissis)
(....)
VI - requisitar
magistrados para auxílio à Corregedoria Nacional de Justiça, delegando lhes
atribuições, observados os limites legais;
Enfim, o servidor tem o
direito constitucional objetivo de desempenhar as funções que propiciem
executar as atribuições de seu cargo sem estar sujeito a arbitrariedades e
discriminações injustas.
Servidor Público é quem
exerce cargo, emprego ou função pública.
O responsável pela
reparação da ordem jurídica é o Ministério Público.
__________________
*Analista Judiciário da
5ª região."
Fonte: Migalhas,
2.654,acessado em 17/06/2011.