sexta-feira, 17 de junho de 2011

Concurso Publlico. Quando a impessoalidade cede lugar ao fisiologismo.

O artigo abaixo reproduzido nos parece (é opinião pessoal) seja o testemunho ocular de fatos reprováveis. Vale a leitura atenta e a compreensão do que nele se contém.

"Condescendência no Poder Judiciário: Alguém responde? Quem responsabiliza?
Antônio Conselheiro Guimarães*

Entende-se por condescendência o ato pelo qual:
a) Embora competente, deixe o funcionário público de responsabilizar o infrator;
b) Não sendo competente, deixe de levar a notícia da infração à autoridade competente.

O ato disciplinar é vinculado, deixando a lei pequenas margens de discricionariedade à Administração, que não pode aplicar ou deixar de aplicar quaisquer penalidades contrárias à lei, ou em desconformidade com suas disposições.

Tomando-se, por exemplo, eventual configuração da infração do art. 117, XVII, da lei 8.112/90 (clique aqui): 'cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias', deverá ser aplicada a respectiva penalidade, nos termos do art. 130, da lei 8.112/90, sob pena de responsabilização criminal e administrativa do superior hierárquico desidioso (STJ -MS 15.437/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 26/11/2010).

Houve-se com propriedade Hely Lopes Meirelles, ao expor sua opinião a respeito da inflição de penalidade:
'A responsabilização dos servidores públicos é dever genérico da Administração e específico de todo chefe, em relação a seus subordinados. No campo do Direito Administrativo esse dever de responsabilização foi erigido em obrigação legal, e, mais que isso, em crime funcional, quando relegado pelo superior hierárquico, assumindo a forma de condescendência criminosa (CP, art. 320). E sobejam razões para esse rigor, uma vez que tanto lesa a Administração a infração do subordinado como a tolerância do chefe pela falta cometida, o que é um estímulo para o cometimento de novas infrações". (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Ed. Malheiros, 20ª ed, 1995, p. 416).

Segundo orientação fixada pelo Excelso STF por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.367 e mais recentemente no Mandado de Segurança 27.148/DF, ambos da lavra do ministro Celso de Mello, de que o Conselho Nacional de Justiça – embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário – qualifica-se como órgão de caráter eminentemente administrativo, cabendo-lhe o controle da atuação administrativa e financeira o Poder Judiciário, vale dizer, suas decisões não são jurisdicionais, são eminentemente ADMINISTRATIVAS.

Colhendo-se a matéria fática para demonstração, no dia 27 de maio último, o Presidente do C. TST constituiu uma comissão de servidores para realizar estudos e propor medidas destinadas ao aperfeiçoamento do modelo de gestão de pessoas do Tribunal Superior do Trabalho.

A comissão é composta dos seguintes servidores:
I — Anne Floriane da Escóssia Lima, Secretária da Secretaria de Gestão de Pessoas, que a presidirá;
II — Edvanja Alessandra Rodrigues Herr da Silveira, Coordenadora de Desenvolvimento de Pessoas;
III — Nabege Alves de Souza, Chefe de Divisão de Legislação de Pessoas;
IV — Cláudio Gomes de Oliveira, Assessor-Chefe de Planejamento Estratégico do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho;
V — Alex Nascimento, Analista Judiciário da Secretaria-Geral Judiciária;
VI — Rosa Amélia de Sousa Casado, Assessora-Chefe de Gestão de Pessoas do Conselho Superior da Justiça do Trabalho;
VII — Mariana Maciel de Alencastro de Lacerda, Assessora de Ministro.

Segundo consta no portal do C. Tribunal Superior do Trabalho, a servidora que preside a referida comissão (detentora do cargo comissionado (CJ-3) da Secretaria de Gestão de Pessoas) é titular do cargo efetivo de Técnico Administrativo, de nível médio.

Note-se, a propósito, que a lei 11.416/06 (clique aqui), regulamentada pela Portaria 3 do STF e Tribunais Superiores e pelo ato 193/2008 do próprio CSJT, disciplina que o cargo de técnico administrativo não possui competência nem atribuições de direção, chefia ou assessoramento, mas tão somente de "tarefas" de suporte técnico e administrativo, obviamente, compatíveis com os conhecimentos "médios" do cargo para o qual foi aprovada em concurso público.

Nesse caso, conforme orientação de observação vinculada, porquanto fixada pelo plenário do Excelso STF, tratando-se de infração administrativa, seguramente é o CNJ a instância competente para uma eventual responsabilização da autoridade que lhe conferira atribuições estranhas ao seu cargo.

No entanto, é cediço que dentre os Conselheiros do CNJ, pelo menos um é juiz do trabalho da primeira instância. Indagar-se-ia, portanto, se poderia esse juiz responsabilizar um magistrado integrante do Tribunal Superior a que pertence? Ou se a responsabilização é atribuição específica do Corregedor Nacional de Justiça.

Para o CNJ não. De fato, recentemente foi levado àquele Conselho o conhecimento da prática, pelo TJ/DF, da adoção do procedimento de SELEÇÃO INTERNA para designação de funções e cargos comissionados a servidores.

Foi demonstrado que esse procedimento reiteradamente propiciou e propicia a designação de vários servidores para o exercício de funções e cargos comissionados com atribuições estranhas aos seus respectivos cargos efetivos, em descompasso com a proibição legal.

Distribuído o feito à Conselheira Morgana Richa, juíza do trabalho, ela decidiu que, embora se tratassem de atribuições estranhas aos cargos efetivos, os servidores designados possuíam curso universitário, logo, detinham competência para o exercício das correspondentes atribuições.

Vale dizer, apesar da vedação legal à promiscuidade das atribuições dos cargos públicos, segundo o voto da Conselheira Morgana Richa, o único requisito necessário é o ingresso por concurso público, não importa se o cargo é de ensino básico, médio ou superior.

Depois da nomeação, as atribuições devem corresponder à formação pessoal do servidor, e não ao cargo para o qual foi aprovado.

Em um país cujas Autoridades se movem pelo loteamento de cargos e empregos públicos, a única forma meritocrática legítima e constitucional de arregimentar pessoas é o concurso público.

A necessidade de aperfeiçoar o instituto não autoriza o administrador a desconsiderar a garantia constitucional do concurso público, muito menos descumprir a legislação.

A propósito, a crítica à meritocracia no serviço público não tem qualquer sentido quando tem origem exatamente nos próprios atores responsáveis pelo paternalismo no trato da coisa pública, com seu cortejo patológico de apadrinhamentos, nepotismo e fisiologismo que conduz a falência da atual administração pública.

Realmente, justiça seja feita, como revelado pela Conselheira Morgana Richa, o sistema do concurso público no Brasil só funciona até o ato de nomeação.

Daí por diante o que vale é o fisiologismo, a referência pessoal, o paternalismo, o nepotismo.

Eis aí a diferença entre a mediocridade e a notabilidade.

Dos vários instrumentos de burla do sistema constitucional, pela amplitude do manejo, citamos o procedimento seletivo interno para provimento de função pública e cargos comissionados.

Não que seja irregular o procedimento em si, mas o uso que dele se faz.

Com efeito, não se nega a sua utilidade quanto se observa a correspondência entre a natureza das atribuições da função que se pretende preencher e o conteúdo ocupacional do cargo cujos titulares estão aptos a ocupá-la.

No entanto, é flagrantemente inconstitucional e ilegal, além de ofender o princípio da isonomia, a submissão de servidores já aprovados pelo requisito constitucional, a novo concurso, ainda que denominado de seleção interna, para o exercício das atribuições próprias de seu próprio cargo, com servidores titulares de cargos que não são da mesma carreira e do mesmo grupo ocupacional.

Igualdade de desempenho sim, mas dentro do conteúdo ocupacional das respectivas carreiras, sob pena de caracterização do DESVIO DE FUNÇÃO, expressamente vedado pela legislação.

Art. 117. Ao Servidor é proibido:
(....)
XVII – cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias.

Não somos contra a efetivação de sistemas de mérito no serviço público, só não consentimos com a extrapolação dos parâmetros legais.

Não por outra razão as normas do próprio RICNJ reiteradamente ressaltam esse limite, senão vejamos:

Das Atribuições do Presidente
Art. 6º (omissis);
(....)
XXIX - requisitar servidores do Poder Judiciário, delegando-lhes atribuições, observados os limites legais;

Das Atribuições do Corregedor Nacional de Justiça
Art. 8º (omissis)
(....)
VI - requisitar magistrados para auxílio à Corregedoria Nacional de Justiça, delegando lhes atribuições, observados os limites legais;

Enfim, o servidor tem o direito constitucional objetivo de desempenhar as funções que propiciem executar as atribuições de seu cargo sem estar sujeito a arbitrariedades e discriminações injustas.

Servidor Público é quem exerce cargo, emprego ou função pública.

O responsável pela reparação da ordem jurídica é o Ministério Público.
__________________
*Analista Judiciário da 5ª região."

Fonte: Migalhas, 2.654,acessado em 17/06/2011.
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