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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O GESTOR DA INICIATIVA PRIVADA: DOIS MUNDOS MUITO DIFERENTES.


O Sr. Jair Messias Bolsonaro tomou posse como Presidente da República aos 01/01/2019. Discurso e promessas marcados por apelos de renovação das práticas administrativas, dentre as quais a desburocratização, a redução dos custos e do tamanho do Estado e a necessidade de eficiência administrativa. Também se comprometeu a observar a Constituição Federal.

Em 2016 o ex-Prefeito João Dória (2017-2018) venceu a eleição municipal com 53,29% dos votos válidos; a única vitória em primeiro turno desde 1992[i]. Após abandonar a Prefeitura de São Paulo em 2018 ele foi eleito para o cargo de Governador do estado de São Paulo (2018-2022) com votos majoritariamente do interior. Dória, em todas as suas campanhas, autodenominou-se gestor e destacou o seu papel de agente da iniciativa privada, enfatizando a necessidade de desburocratização, redução dos custos e do tamanho do Estado e a necessidade de eficiência administrativa.

Recentemente João Dória Jr. foi sentenciado pela 11ª Vara de Fazenda Pública em razão do reconhecimento do cometimento de ato de improbidade administrativa[ii].  O Juízo declarou ter havido o uso e a vinculação indevidos de símbolos estatais e de propaganda institucional à imagem pessoal do então Prefeito. Tratava-se do slogan “SP Cidade Linda”.

Pouco tempo atrás um ex-secretário estadual do Meio-Ambiente foi processado e condenado por improbidade administrativa, conforme decisão da 5ª Vara de Fazenda Pública da Capital. Segundo dados repercutidos pela mídia “o Ministério Público denunciou Ricardo Salles por improbidade administrativa. Segundo o MP, Salles favoreceu empresas de mineração filiadas à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) ao altear mapas de zoneamento do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Tietê (APAVRT) quando era secretário de Meio Ambiente de São Paulo.”. Conforme o site O Eco, o caso de interferência em processo administrativo deu-se quando “A Justiça entendeu também a acusação do MP de que Ricardo Salles teria interceptado o processo da APA do Rio Tietê, que deveria ter seguido diretamente para o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). Na ação, o MP afirma ainda que ‘enquanto o Ministério Público colhia depoimentos nos inquéritos civis, o secretário (...) instaurou uma sindicância presidida pelo secretário adjunto, que tinha por escopo perseguir os servidores públicos que prestaram depoimentos no MP’, declara o Ministério Público no processo. No inquérito, o Ministério Público (MP) apurou as seguintes ilegalidades: a) a modificação de mapas elaborados pela Universidade de São Paulo; b) alteração da minuta do decreto do plano de manejo; c) perseguição aos funcionários da Fundação Florestal.

Prosseguindo, o site o Eco tratou daquilo que denominou de Anulação do plano de manejo: “‘A anulação do processo SMA 7.324/2013 a partir de 17 de fevereiro de 2016 é de rigor, uma vez que os vícios ocorridos desde que o feito passou a tramitar exclusiva e irregularmente no gabinete do secretário comprometem os atos posteriores e, assim, as máculas não se convalidaram com a deliberação do plenário do CONSEMA (...)’”. As decisões ainda são passíveis de revisão ou confirmação pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

No início de dezembro de 2018 a imprensa já noticiava que Dória, mesmo antes da posse no cargo de Governador, havia definido o nome do futuro Diretor da Fundação Procon/SP[iii]. Nesta primeira semana de 2019, todavia, os atos relativos à nomeação do Diretor da Fundação Procon/SP foram obrigatoriamente revistos, porque não observados os trâmites legais, previstos no §1º, do art. 13 da Lei Estadual nº. 9.192/95[iv][v].

Em resumo: as urnas mandaram um inequívoco recado aos políticos recentemente eleitos! Há um anseio talvez jamais sentido antes; o Povo deseja governantes probos, legalistas, honestos e comprometidos com a eficiência administrativa e a economicidade do Estado.

E para cumprir as promessas e atender ao desejo popular não basta ser egresso da iniciativa privada, muito menos ser considerado bom “gestor” de sua empresa ou por seus pares. A  atuação na administração pública exige ESPECIALIZAÇÃO e PROFISSIONALIZAÇÃO diferenciadas. A eficiência e a economicidade são objetivos planamente possíveis de serem alcançados com a estrita observância da legislação vigente. Trata-se de obrigação juridicamente imposta aos políticos profissionais ou aos gestores privados que se aventuram no setor público.

Neste sentido, a Constituição Federal prescreve:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
(...)
§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”.

E a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº. 8.429/92) fixa:
Art. 4° Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
(...)
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.
IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação. 
 X - transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. “

A conclusão é óbvia: quem estiver habituado com a “praticidade” e a “informalidade” da iniciativa privada terá de estudar e preparar-se para ocupar um cargo público, seja na condição de eleito ou de nomeado em confiança. Boas intenções serão insuficientes para justificar o descumprimento do art. 37, caput, da CF ou a incidência nas hipóteses do art. 11 da Lei de Improbidade.

Os casos referidos nas matérias citadas se conectam por um ponto em comum: talvez em busca da “eficiência” foram ignorados ritos essenciais. Como pode o eleito ainda não empossado (Dória, no cargo de Governador) indicar como futuro Diretor do Procon/SP um nome que sequer foi objeto de consideração e devido acolhimento pelo Conselho Curador do órgão?!

Como se justifica o ato de “interceptar” processo administrativo para fazer “justiça administrativa” com as próprias mãos?!

E o desvio de finalidade na instauração de processos e sindicâncias administrativos?!

Eficiência administrativa será obtida pelo rigoroso controle de ritos e prazos. Todos os atos e condutas administrativas são regidos por formalidades e prazos, que devem ser devidamente obedecidos e exigidos por servidores e respectivas chefias.

E atos e processos administrativos devem perseguir um só objetivo: o interesse público geral.

Quem, da iniciativa privada, ingressar no setor público sem a devida compreensão, o preparo antecipado, o conhecimento e o estudo sobre o modo de funcionamento da Administração Pública terá grandes chances a responder por ato de improbidade administrativa.

Ser gestor e eficiente na iniciativa privada é muito mais fácil do que ser gestor e eficiente na Administração Pública. A res publica não é para aventureiros.



[ii] Veja a sentença disponível aqui.
[iv] Artigo 13A Diretoria, órgão executivo da Fundação, será integrada pelo Diretor-Executivo e por 6 (seis) Diretorias Adjuntas, cujas atribuições serão fixadas nos estatutos da Fundação.
§ 1.º - O Diretor-Executivo será escolhido pelo Governador do Estado para um mandato de 2 (dois) anos, entre os membros de uma lista tríplice que deverá ser encaminhada pelo Conselho Curador, composta por pessoas de notório conhecimento na área de defesa do consumidor e de reputação ilibada.


segunda-feira, 6 de junho de 2016

"A TODOS, NO ÂMBITO JUDICIAL E ADMINISTRATIVO, SÃO ASSEGURADOS A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E OS MEIOS QUE GARANTAM A CELERIDADE DE SUA TRAMITAÇÃO."


Jens Galschiøt

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

CONCURSO PÚBLICO E CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS: STF DECIDIRÁ SOBRE (DIREITO A ?) NOMEAÇÃO.

O plenário (virtual) do STF reconheceu a existência de repercussão geral (reconhece que julgamento tem importância que vai além do interesse das partes envolvidas na causa) no Recurso Extraordinário nº. 837.311, no qual se discute o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital de concurso público no caso de surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame.

O caso trata de candidatos ao cargo de Defensor Público de Piauí, que não foram classificados dentro do número de vagas (total de 30) oferecidas pelo edital de chamamento e consideram inconstitucional a abertura de novo concurso, que foi anunciada durante a vigência de concurso precedente.

Segundo o Mandado de Segurança o concurso, com validade de dois anos, foi prorrogado por igual período e ao final da prorrogação, sem que os classificados fossem chamados, o Estado reconheceu a necessidade de preencher vagas de Defensores Públicos e anunciou a futura abertura de novo concurso público. Durante a tramitação da ação, todos os classificados não convocados foram chamados a integrar o processo, pois o interesse deles seria afetado por decisão judicial que viesse a ser proferida.

Peculiaridades
O artigo 37, incisos III e IV da Constituição Federal dispõe que o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual períodoe que “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira”.

O impasse jurídico surgiu a partir da constatação de alguns fatos: a) o concurso ofereceu ao público somente trinta (30) vagas; b) durante a prorrogação do concurso, foram abertas outras vagas diversas daquelas não preenchidas e oferecidas no concurso; c) havia candidatos aguardando convocação; d) o Estado reconheceu a necessidade de mais Defensores e anunciou um novo concurso imediatamente após a expiração da prorrogação.

A questão jurídica é realmente interessante e relevante.

O Estado ofereceu apenas trinta vagas de Defensor, sem mencionar a formação de cadastro-reserva, tampouco a possibilidade de aproveitamento de candidatos para outras vagas que viesses a surgir durante o prazo de fluência. O concurso e a lista de espera se destinavam a preencher somente as vagas oferecidas.

O impasse pode ser assim esclarecido: digamos que os quadros da Defensoria, por exemplo, são compostos por 180 (cento e oitenta) vagas classificadas de forma ordinal entre 1ª a 180ª. O concurso ofereceu expressamente da 1ª a 30ª vaga. Pode o candidato reivindicar o preenchimentos de claros relativos às vagas 31ª, 32ª, 33ª... ? Desde que fosse respeitada a oferta de trinta vagas e não houvesse desistência para estas mesmas vagas, um candidato aprovado em 50ª, 70ª, 90ª poderia ser convocado para ocupar as primeiras trinta vagas?  O Estado está obrigado a convocar candidatos classificados muito além da 50ª posição, quando teve a intenção de oferecer somente três dezenas de vagas e aproveitar, teoricamente, os trinta melhores?

Vejamos o disposto na cabeça do artigo 37 da Constituição Federal:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

É sabido que, em tese, os concursos públicos buscam garantir a impessoalidade e a seleção dos melhores candidatos. Neste contexto, se o concurso oferece trinta vagas, os trinta melhores candidatos seriam absorvidos pelas nomeações das vagas oferecidas.
Se houvesse a desistência dos mais bem classificados a “fila andaria” e os demais, conforme o desempenho obtido individualmente, seriam convocados posteriormente, obedecido o número de vagas inicialmente ofertadas.

Então, surge uma questão. Os classificados além da 30ª vaga seriam os mais aptos e preparados? Os classificados além da 70ª posição seriam os mais aptos e preparados? Os classificados além das 120ª posição seriam os mais aptos e preparados? E se acaso houvesse um novo concurso no qual se oferecessem doze vagas, o Estado não poderia selecionar, novamente, os doze candidatos mais bem preparados? Os candidatos classificados além da 30ª posição, embora ainda não convocados, poderiam ser rotulados de ineptos? Eles poderiam ser considerados piores que os primeiros, principalmente quando alguns foram depois nomeados, via concurso público, ao cargo de Juiz? Por qual motivo abrir um novo concurso e consumir recursos públicos quando há a possibilidade de aproveitar candidatos que não foram excluídos?

Há uma clara colisão acerca de interpretações do princípio da eficiência e a sua harmonização com o princípio da impessoalidade, da legalidade, economicidade...

Eis aqui, para uma melhor compreensão da questão jurídica, das premissas lançadas no acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para determinar a nomeação e a posse dos candidatos classificados além da 30ª posição:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATOS CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO ESTABELECIDO NO EDITAL. ANÚNCIO DE NOVO CONCURSO DURANTE A VIGÊNCIA DO ANTERIOR. DEMONSTRADA PELA ADMINISTRAÇÃO A NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. DISCRICIONARIEDADE. INEXISTÊNCIA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO DA EXPECTATIVA EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS IMPETRANTES. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME.
1.         A discricionariedade do Poder Público de nomear candidatos classificados fora do número previsto no edital, deixa de existir a partir do momento em que a Administração pratica atos no intuito de preencher as vagas surgidas e demonstra expressa a sua necessidade de pessoal.
2.         Não é licito à Administração, dentro do prazo de validade do concurso público, nomear candidatos além do número inicialmente previsto no edital em detrimento de outros em igual situação.
3.         No momento em que a Administração expressamente manifesta a intenção de fazer novas contratações por necessidade de Defensor Público em todo o Estado do Piauí; anuncia a realização de novo concurso dentro do prazo de validade do certame anterior e nomeia candidatos aprovados fora da ordem de classificatória e do limite de vagas inicialmente ofertadas no edital, o ato de nomeação dos impetrantes deixa de ser discricionário para tornar-se vinculado, convertendo-se a mera expectativa em direito líquido e certo. Precedentes.
4.         Ordem concedida. Unânime. “.

A partir do futuro pronunciamento do STF haverá um maior rigor com a oferta de vagas. Os editais serão mais claros, menos propensos a interpretações. As vagas ofertadas também serão em menor número. E, na nossa avaliação, desde que se prestigie literalmente o princípio da eficiência e da seleção dos mais preparados, poderá haver uma efetiva restrição quanto à oferta de vagas. De outro lado, a interpretação pode abrir brechas para burlar a impessoalidade, pois basta a realização de novo concurso para deixar de respeitar a fila formada pelo concurso precedente.