POR QUÊ? POR QUÊ? POR QUÊ?
O fato.
Afinal,
o Presidente da República pode ou não pode “trocar” o Diretor-Geral da Polícia
Federal?
Foi
bastante ruidosa a saída do ex-Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio
Fernando Moro, do Ministério da Justiça. O assunto provocou forte discussão social (imprensa
escrita e falada, redes sociais, pessoas comuns e até entre profissionais do
Direito).
De
acordo com “Bolsonaro”, se a sua “caneta” pode nomear ou demitir um ministro de
Estado, também poderia nomear diretamente servidores hierarquicamente
vinculados à Administração Federal.
Teria
razão o Presidente da República?
Teria
razão o ex-Juiz Sérgio Moro?
Há
também no meio jurídico opiniões favoráveis ao Senhor Presidente da República.
Alguns posicionamentos partem, tão e somente, da leitura do art. 2º-C, da
Lei Federal nº 9.266/96, com as alterações promovidas pela Lei Federal nº
13.047/2014. Outras avaliações também muito consistentes, ao nosso sentir, buscam
equiparar situações em prol de favoritismos partidários. Não pode ser assim,
contudo.
A resposta franca e objetiva depende de interpretar os dispositivos legais à luz
do que dispõe a Constituição Federal, lei de regência de todo o
ordenamento jurídico e de toda a atividade do Estado.
Em situação
de normalidade não haveria dúvida a respeito da competência do
Presidente da República para “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal. Mas há um dado político-social relevante,
que impacta diretamente esta situação.
É que ninguém ignora que a atuação do “Juiz da
Lavajato” trouxe à sociedade brasileira - ainda
que pairem substanciosas discussões sobre os métodos processuais, a validade
dos atos e dos processos criminais por ele conduzidos - um sentimento
de evolução das práticas políticas, de necessidade de aprimoramento da gestão
da coisa pública.
Então, por
qual razão o Senhor Presidente discordava tanto do seu Ministro da
Justiça? Por qual motivo o
Senhor Presidente desejava trocar o Diretor-Geral da PF? Por que indicar um Delegado que aparecia em fotos com familiares
do Senhor Presidente, principalmente em vista da existência de investigações em
curso contra pessoas próximas de si?
Em situação de absoluta normalidade, novamente, a
discussão inexistiria. Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato
propriamente dito
A jornalista Eliane Cantanhêde, em artigo[1],
indagou: “Por quê? Por quê? Por quê?”.
Por que contrapor-se à figura do ex-Juiz Sérgio Moro?
A interpretação do fato diante da
Constituição Federal e da legislação federal.
De início, citemos o art. 84 da Constituição
Federal:
III - iniciar o processo legislativo,
na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
Parágrafo único. O
Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos
VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da
República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas
respectivas delegações.”
“Art. 85. São crimes de
responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra:
II - o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
V - a probidade na administração;”
E quanto à atribuição dos Ministros de Estado, o
art. 87:
“Art. 87. Os Ministros de Estado serão
escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos
direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições
estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e
entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os
atos e decretos assinados pelo Presidente da República;
IV - praticar os atos pertinentes às
atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.”
Poderia o Presidente da República “passar por cima”
do Ministro de Estado da Justiça e nomear diretamente o Diretor-Geral da PF? Sim, poderia!
Mas este poder, na hipótese de absoluta
normalidade, seria situação demasiadamente
embaraçosa e exporia uma incontestável inabilidade e desarmonia política e
gerencial. Neste particular, citamos Jose Affonso da Silva sobre o
referendo ministerial (art. 87, I da CF/88):
“3.
REFERENDO MINISTERIAL. O referendo ministerial, que é de pouca importância,
consiste na subscrição das leis, medidas provisórias e decretos do chefe do
Executivo que dizem respeito à sua Pasta.
Não interfere na validade do ato, mas empenha a responsabilidade do
ministro conexa com a do Presidente da República, sendo mesmo de praxe
ordenar a publicação dos atos e só depois colher a assinatura dos ministros que
devem subscrevê-los. Se ele não assinar, nem por isso o ato deixa de valer e
ter eficácia. O máximo que pode acontecer - e deve acontecer – é que a
discordância do ministro implique a sua exoneração, a pedido ou não.”[2]
É que a Lei Federal nº 9.266/96, com a redação que
lhe deu a de nº 13.047/2014, previu o seguinte:
“Art. 2o-A. A Polícia Federal,
órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício
de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição
Federal, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica
do Ministério da Justiça.
(...)
Art. 2o-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República,
é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial.
(Redação dada pela Lei nº 13.047. de 2014)”
Ao que nos parece o Presidente da República poderia
“passar por cima” do Ministro de Estado; poderia, sim, “trocar” o Diretor-Geral
da Polícia Federal enquanto o Ministro de Estado continuasse no cargo.
Mas há
circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito.
É que os fatos, como estão postos, atraem a
observância do art. 37 da Constituição Federal, que fixa os princípios
aplicáveis à Administração Pública:
“Art. 37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
Ademais,
a Lei Federal nº 9.784/99, determina:
“Art. 2o A Administração Pública obedecerá,
dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos
serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento
a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou
competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse
público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação
segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;(...)”.
São demasiadamente relevantes os princípios da
impessoalidade e da moralidade, os quais, segundo Jose dos Santos Carvalho Filho[3]
referem-se:
“A referência a este princípio no texto constitucional,
no que toca ao termo impessoalidade,
constituiu uma surpresa para os estudiosos, que não o empregavam em seus
trabalhos. Impessoal é ‘o que
não pertence a uma pessoa em especial’ ou
seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas. O
princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar
aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica. (...) Por outro
lado, para que haja a verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se
exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se em consequência
, seja favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados
alguns para o favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio
da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o
qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e
não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular,
porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.(...)”
Ademais, a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº
4.717/65) prevê o seguinte:
“Art. 2º São
nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo
anterior, nos casos de:
a) a incompetência fica
caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que
o praticou;
b) o vício de forma consiste
na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades
indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto
ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou
outro ato normativo;
d) a inexistência dos
motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se
fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao
resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato
visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra
de competência.”
Não fosse a peculiaridade da situação, não haveria
maiores preocupações e tampouco o Poder Judiciário se imiscuiria na seara do
Poder Executivo no que concerne à competência para nomear integrantes da Alta
Administração Federal. No entanto, os fatos como estão postos sinalizam que pode haver algo que confronte os
princípios da finalidade, motivação, ,
moralidade, interesse público e da eficiência.
Assim, seria melhor que o Senhor Presidente
houvesse evitado a discussão, que sendo extremamente relevante, impactará
negativamente a sua capacidade de exercer a sua competência constitucional
livre de controles por parte de outros Poderes (Judiciário e/ou Legislativo).
Atualização.
A presente resenha foi elaborada às 09:00h de hoje,
29/04/2020. Às 11h:19m desta mesma
quarta-feira constva no site do STF
que decisão do ministro Alexandre de Moraes havia suspendido (não houve
anulação judicial) a nomeação de Diretor-Geral pelo Presidente da República.
Horas depois a imprensa noticiava que
o Senhor Presidente havia revogado a nomeação objeto da decisão judicial.
Cumpre ainda destacar que às 15h:16m o site Conjur publicou artigo do Professo
Lênio Streck[4] com o seguinte título: “Judiciário decide quem pode ser ministro ou
diretor-geral da PF?”, no qual o Jurista opinou na seguinte direção:
“Afinal, quem
pode ser ministro ou quem pode ocupar um cargo que é de livre nomeação do
presidente da República? Quem pode dizer que um nome é bom ou é ruim?
(...)
Pois bem. Dentre
as atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil,
uma delas é a de nomear o diretor da Polícia Federal. Exigência: o nomeado ser
delegado de classe especial.
(...)
Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei;
quando tentaram barrar a nomeação de Moreira Franco, fui contra, por coerência,
do mesmo modo. Quando da nomeação da ministra do Trabalho, Cristiane Brasil,
protestei. Quando o atual ministro do Meio Ambiente foi barrado, protestei.
Aliás, o juiz usou doutrina de minha lavra para restabelecer a nomeação.”
Vejamos que o art. 5º, caput, da CF/88 dispõe que “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A lei vale
para todos, sem distinção! Poderes ilimitados valem para todos os presidentes
ou só para este ou para aquele/a? Valem para aquele/a, não para este? Valem para
este, não para aquele/a?
Veja aqui
a decisão do STF e aqui o requerimento de suspensão feito ao STF..
[1]https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,por-que-por-que-por-que,70003285180,
acessado em 28/04/2020.
[2]
Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed;
atual. E.C 70/2011. Malheiros Editores. São Paulo, p. 505.
[3]
Manual de Direito Administrativo. 22ª ed. rev.
ampl. e atual. Ed. Lumem Juris, Rio de Janeiro, pp. 19-20.
[4] https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/streck-judiciario-decide-quem-ministro-ou-diretor-pf,
acessado em 29/04/2020.
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