segunda-feira, 3 de agosto de 2020

HOME-OFFICE E A LEGISLAÇÃO DO TRABALHO: QUANDO A JUSTA CAUSA NÃO SERÁ ADMITIDA.

Foi ao ar ontem (02/08) pela Rede Vida o tradicional programa Motivação e Sucesso[1] em que o conhecidíssimo Prof. Marins[2] tratou das relações éticas envolvendo o home-office.


Ao mesmo tempo em que aquele consultor empresarial reconhecia drásticas e incontornáveis mudanças nas formas de prestação do trabalho, também afirmou que em muitos casos e/ou cidades do interior do Brasil estaria havendo forte pressão pelo retorno ao trabalho presencial, seja pela falta de infraestrutura de comunicação/internet, pela inexistência de congestionamentos ou necessidade de restabelecimento da convivência social nos locais de trabalho.  


Foi relevante a sua abordagem sobre a necessidade de comprometimento ético nas relações do trabalho home-office, quando também apontou aquilo que poderia ser reconhecido como conduta antiética, destacando uma suposta ausência de regulamentação de tais relações. Segundo o palestrante[3]:

 

 “Muitos já estão sendo desligados por confundir trabalho remoto com semi-férias, não cumprindo sequer com as horas de uma jornada semanal de trabalho.”.

 

É que até o mês de julho estava em vigor a Medida Provisória nº 927, que instituiu “medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19)”. Quanto ao home-office, regulamentou a matéria da seguinte forma:

 

“Art. 4º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

§ 1º  Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.

§ 2º  A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.

§ 3º  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.

§ 4º  Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:

I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou

II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

§ 5º  O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

Art. 5º  Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes, nos termos do disposto neste Capítulo.”


Não obstante a regulamentação proposta, a MP nº 927 perdeu a sua validade. Assim, ao que nos parece, os ajustes formalizados entre empregados e patrões durante a sua vigência permanecem válidos. Mas as situações ocorridas após a “caducidade” da MP deverão ser interpretadas e resolvidas à luz da CLT.


Ao que nos parece, a regulamentação do home-office pela MP nº 927 pretendeu tão e somente alterar o local da prestação de serviços, nada influindo/alterando quanto às obrigações de ambas as partes.


Voltando ao Prof. Marins, o tema que nos pareceu realmente preocupante (conforme referido acima, causas de muitas demissões nesse período de grave crise econômica) dizia respeito ao “excesso de flexibilização” do (des)cumprimento da jornada de trabalho. Para ele, muitas empresas já estariam percebendo abusos, funcionários que sequer estariam cumprindo a jornada contratual de trabalho.


Está certo o Prof. Marins! Se configurado o descumprimento reiterado de obrigações contratuais pelo empregado, a empresa poderia até aplicar o art. 482 da CLT, que prescreve:

“Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

(...)

e) desídia no desempenho das respectivas funções[4];

f) embriaguez habitual ou em serviço;

(...)

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;


Certamente, em tempos de pandemia, empresas bem estruturada optarão por rescindir o contrato de trabalho sem justa causa a fim de evitar discussões judiciais. Todavia, certamente estão demitindo o trabalhador por fatos configuradores da justa causa.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

LEI FEDERAL Nº 14.016/20, O CASO DAS MARMITAS ENVENENADAS E O MEDO DE AJUDAR QUEM PRECISA.

Lei recentemente aprovada traz segurança jurídica à atividade solidária.


É notícia no rádio, TV e internet o caso de moradores de rua (e a sua pet) mortos após ingerirem comida envenenada por chumbinho, substância usada como raticida e considerada clandestina pela ANVISA[1] porque derivada de venenos agrícolas (agrotóxicos) de uso exclusivo na lavoura e/ou campo. Em resumo, o ocorrido[2]:


“Laudo apontou que chumbinho foi usado para envenenar ratos foi misturada à comida doada a moradores de rua mortos na madrugada do último dia 22, em um posto de combustíveis desativado em IItapevi (Grande SP), diz a polícia. Um garoto de 11 anos, que também comeu o alimento de uma das marmitas, permanece internado, sem previsão de alta.”


Tempos de incerteza, em que a realidade atual tem sido mais violenta com os vulneráveis, e quando a solidariedade e a generosidade devem e precisam ser estimuladas e verdadeiramente praticadas por muitos.


Mas diante de notícia tão cruel, qual doador de alimentos não terá medo de tornar-se suspeito de causar uma tragédia semelhante? A lei protege o voluntariado de boa índole que atue no combate à fome, principalmente da população de rua.


A legislação aprovada recentemente pelo Congresso Nacional durante a atual pandemia prescreve normas que, exceto no caso de dolo (vontade livre e consciente de provocar resultado danoso) geram segurança jurídica para a prática da solidariedade e da generosidade para com os semelhantes. Trata-se da Lei Federal n. 14.016/2020, que instituiu normas de “combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano.” e prescreve:


“Art. 1º Os estabelecimentos dedicados à produção e ao fornecimento de alimentos, incluídos alimentos in natura, produtos industrializados e refeições prontas para o consumo, ficam autorizados a doar os excedentes não comercializados e ainda próprios para o consumo humano que atendam aos seguintes critérios:

I – estejam dentro do prazo de validade e nas condições de conservação especificadas pelo fabricante, quando aplicáveis;

II – não tenham comprometidas sua integridade e a segurança sanitária, mesmo que haja danos à sua embalagem;

III – tenham mantidas suas propriedades nutricionais e a segurança sanitária, ainda que tenham sofrido dano parcial ou apresentem aspecto comercialmente indesejável.

§ 1º O disposto no caput deste artigo abrange empresas, hospitais, supermercados, cooperativas, restaurantes, lanchonetes e todos os demais estabelecimentos que forneçam alimentos preparados prontos para o consumo de trabalhadores, de empregados, de colaboradores, de parceiros, de pacientes e de clientes em geral.

§ 2º A doação de que trata o caput deste artigo poderá ser feita diretamente, em colaboração com o poder público, ou por meio de bancos de alimentos, de outras entidades beneficentes de assistência social certificadas na forma da lei ou de entidades religiosas.

(...)

Art. 2º Os beneficiários da doação autorizada por esta Lei serão pessoas, famílias ou grupos em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar ou nutricional.

Parágrafo único. A doação a que se refere esta Lei em nenhuma hipótese configurará relação de consumo.

Art. 3º O doador e o intermediário somente responderão nas esferas civil e administrativa por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo.

§ 1º A responsabilidade do doador encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao intermediário ou, no caso de doação direta, ao beneficiário final.

§ 2º A responsabilidade do intermediário encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao beneficiário final.

§ 3º Entende-se por primeira entrega o primeiro desfazimento do objeto doado pelo doador ao intermediário ou ao beneficiário final, ou pelo intermediário ao beneficiário final.

Art. 4º Doadores e eventuais intermediários serão responsabilizados na esfera penal somente se comprovado, no momento da primeira entrega, ainda que esta não seja feita ao consumidor final, o dolo específico de causar danos à saúde de outrem."


A citada lei autoriza a doação daquilo que seja excedente não consumido. Assim, parece afastar de sua regulamentação a atividade principal de produção para doação. A produção voltada à doação, parece-nos, estaria fora do alcance protetivo da lei. 


O art. 4º a lei trata da responsabilidade penal, que somente ocorrerá nos casos em que haja dolo (vontade consciente de agir e produzir resultado) de provocar dano à saúde de pessoa, ainda que não se trate de consumidor final. Aqui surge aparente incongruência.


E ao mesmo tempo em que a lei nega a existência de uma relação de consumo  entre doador e recebedor do alimento (art. 3º, Parágrafo Único) para fins cíveis e administrativos, refere à figura do consumidor final nos casos de responsabilização penal, citada acima (art. 4º).


Apesar de aparentes incongruências,  a legislação trouxe mais segurança jurídica para ajudar também aqueles que se dedicam a olhar caridosamente o seu semelhante. Deus e os homens lhes paguem!!!

quarta-feira, 29 de abril de 2020

POR QUÊ? POR QUÊ? POR QUÊ?

O fato.
Afinal, o Presidente da República pode ou não pode “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal?

Foi bastante ruidosa a saída do ex-Juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Fernando Moro, do Ministério da Justiça. O assunto provocou forte discussão social (imprensa escrita e falada, redes sociais, pessoas comuns e até entre profissionais do Direito).

De acordo com “Bolsonaro”, se a sua “caneta” pode nomear ou demitir um ministro de Estado, também poderia nomear diretamente servidores hierarquicamente vinculados à Administração Federal.

Teria razão o Presidente da República?
Teria razão o ex-Juiz Sérgio Moro?

Há também no meio jurídico opiniões favoráveis ao Senhor Presidente da República. Alguns posicionamentos partem, tão e somente, da leitura do art. 2º-C, da Lei Federal nº 9.266/96, com as alterações promovidas pela Lei Federal nº 13.047/2014. Outras avaliações também muito consistentes, ao nosso sentir, buscam equiparar situações em prol de favoritismos partidários. Não pode ser assim, contudo.

A resposta franca e objetiva depende de interpretar os dispositivos legais à luz do que dispõe a Constituição Federal, lei de regência de todo o ordenamento jurídico e de toda a atividade do Estado.

Em situação de normalidade não haveria dúvida a respeito da competência do Presidente da República para “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal. Mas há um dado político-social relevante, que impacta diretamente esta situação.

É que ninguém ignora que a atuação do “Juiz da Lavajato” trouxe à sociedade brasileira - ainda que pairem substanciosas discussões sobre os métodos processuais, a validade dos atos e dos processos criminais por ele conduzidos - um sentimento de evolução das práticas políticas, de necessidade de aprimoramento da gestão da coisa pública.

Então, por qual razão o Senhor Presidente discordava tanto do seu Ministro da Justiça? Por qual motivo o Senhor Presidente desejava trocar o Diretor-Geral da PF? Por que indicar um Delegado que aparecia em fotos com familiares do Senhor Presidente, principalmente em vista da existência de investigações em curso contra pessoas próximas de si?

Em situação de absoluta normalidade, novamente, a discussão inexistiria. Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito

A jornalista Eliane Cantanhêde, em artigo[1], indagou: “Por quê? Por quê? Por quê?”. Por que contrapor-se à figura do ex-Juiz Sérgio Moro?


A interpretação do fato diante da Constituição Federal e da legislação federal.
De início, citemos o art. 84 da Constituição Federal:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
(...)
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.”

Por oportuno, o art. 85 da mesma CF/88:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;”

E quanto à atribuição dos Ministros de Estado, o art. 87:
“Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;
II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;
IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

Poderia o Presidente da República “passar por cima” do Ministro de Estado da Justiça e nomear diretamente o Diretor-Geral da PF? Sim, poderia!

Mas este poder, na hipótese de absoluta normalidade, seria situação demasiadamente embaraçosa e exporia uma incontestável inabilidade e desarmonia política e gerencial. Neste particular, citamos Jose Affonso da Silva sobre o referendo ministerial (art. 87, I da CF/88):
3. REFERENDO MINISTERIAL. O referendo ministerial, que é de pouca importância, consiste na subscrição das leis, medidas provisórias e decretos do chefe do Executivo que dizem respeito à sua Pasta.
Não interfere na validade do ato, mas empenha a responsabilidade do ministro conexa com a do Presidente da República, sendo mesmo de praxe ordenar a publicação dos atos e só depois colher a assinatura dos ministros que devem subscrevê-los. Se ele não assinar, nem por isso o ato deixa de valer e ter eficácia. O máximo que pode acontecer - e deve acontecer – é que a discordância do ministro implique a sua exoneração, a pedido ou não.”[2]

É que a Lei Federal nº 9.266/96, com a redação que lhe deu a de nº 13.047/2014, previu o seguinte:
“Art. 2o-A. A Polícia Federal, órgão permanente de Estado, organizado e mantido pela União, para o exercício de suas competências previstas no § 1º do art. 144 da Constituição Federal, fundada na hierarquia e disciplina, é integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça. 
(...)
Art. 2o-C. O cargo de Diretor-Geral, nomeado pelo Presidente da República, é privativo de delegado de Polícia Federal integrante da classe especial. (Redação dada pela Lei nº 13.047. de 2014)”

Ao que nos parece o Presidente da República poderia “passar por cima” do Ministro de Estado; poderia, sim, “trocar” o Diretor-Geral da Polícia Federal enquanto o Ministro de Estado continuasse no cargo.

Mas há circunstâncias relevantes que permeiam o fato propriamente dito.

É que os fatos, como estão postos, atraem a observância do art. 37 da Constituição Federal, que fixa os princípios aplicáveis à Administração Pública:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”  

         Ademais, a Lei Federal nº 9.784/99, determina:
“Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;(...)”.

São demasiadamente relevantes os princípios da impessoalidade e da moralidade, os quais, segundo Jose dos Santos Carvalho Filho[3] referem-se:
“A referência a este princípio no texto constitucional, no que toca ao termo impessoalidade, constituiu uma surpresa para os estudiosos, que não o empregavam em seus trabalhos. Impessoal é ‘o que não pertence a uma pessoa em especial’ ou seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas. O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontram em idêntica situação jurídica. (...) Por outro lado, para que haja a verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se em consequência , seja favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para o favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.(...)”

Ademais, a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 4.717/65) prevê o seguinte:
“Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.”

Não fosse a peculiaridade da situação, não haveria maiores preocupações e tampouco o Poder Judiciário se imiscuiria na seara do Poder Executivo no que concerne à competência para nomear integrantes da Alta Administração Federal. No entanto, os fatos como estão postos sinalizam que pode haver algo que confronte os princípios da finalidade, motivação, , moralidade, interesse público e da eficiência.

Assim, seria melhor que o Senhor Presidente houvesse evitado a discussão, que sendo extremamente relevante, impactará negativamente a sua capacidade de exercer a sua competência constitucional livre de controles por parte de outros Poderes (Judiciário e/ou Legislativo).

Atualização.
A presente resenha foi elaborada às 09:00h de hoje, 29/04/2020. Às  11h:19m desta mesma quarta-feira constva no site do STF que decisão do ministro Alexandre de Moraes havia suspendido (não houve anulação judicial) a nomeação de Diretor-Geral pelo Presidente da República. Horas depois a imprensa noticiava que o Senhor Presidente havia revogado a nomeação objeto da decisão judicial.

Cumpre ainda destacar que às 15h:16m o site Conjur publicou artigo do Professo Lênio Streck[4] com o seguinte título: “Judiciário decide quem pode ser ministro ou diretor-geral da PF?”, no qual o Jurista opinou na seguinte direção:
“Afinal, quem pode ser ministro ou quem pode ocupar um cargo que é de livre nomeação do presidente da República? Quem pode dizer que um nome é bom ou é ruim?
(...)
Pois bem. Dentre as atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, uma delas é a de nomear o diretor da Polícia Federal. Exigência: o nomeado ser delegado de classe especial.
(...)
Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando tentaram barrar a nomeação de Moreira Franco, fui contra, por coerência, do mesmo modo. Quando da nomeação da ministra do Trabalho, Cristiane Brasil, protestei. Quando o atual ministro do Meio Ambiente foi barrado, protestei. Aliás, o juiz usou doutrina de minha lavra para restabelecer a nomeação.”

Vejamos que o art. 5º, caput, da CF/88 dispõe que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A lei vale para todos, sem distinção! Poderes ilimitados valem para todos os presidentes ou só para este ou para aquele/a? Valem para aquele/a, não para este? Valem para este, não para aquele/a?

Veja aqui a decisão do STF e aqui o requerimento de suspensão feito ao STF..


[2] Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed; atual. E.C 70/2011. Malheiros Editores. São Paulo, p. 505.
[3] Manual de Direito Administrativo. 22ª ed. rev. ampl. e atual. Ed. Lumem Juris, Rio de Janeiro,  pp. 19-20.

segunda-feira, 2 de março de 2020

REFORMA PREVIDENCIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO: APÓS VOTAÇÃO APERTADÍSSIMA NA ALESP, DEPUTADO VAI AO TJ-SP IMPUGNAR PEC 18/2019.

Continua polêmica a tramitação da PEC 18/2019, relativa ao texto-base da Reforma Previdenciária dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo. Após decisão do TJ-SP suspendendo a tramitação na ALESP, o Supremo Tribunal Federal liberou a discussão no legislativo estadual.

A aprovação da PEC da Reforma Previdenciária paulista (02/2020) teve votação apertada e a sua aprovação contou com o precioso e valioso apoio – acredite se puder! – de grande número deputados oriundos do serviço público, mais precisamente do magistério, da polícia civil e da polícia militar.

E uma vez aprovado o texto-base, deputados contrários à PEC recorrem novamente ao TJ-SP para discutir a constitucionalidade da tramitação. Conforme o Conjur (01/03/2020) o deputado estadual Campos Machado postulou junto ao Poder Judiciário um Mandado de Segurança com Pedido de Liminar impugnando a recusa de apreciação de “Questão de Ordem” suscitada pelo parlamentar.

Em síntese, o deputado fundamentou a medida judicial no seguinte argumento: “Os parlamentares são possuidores de legítimo interesse para o ajuizamento de mandado de segurança em defesa do direito líquido e certo de somente participarem de um processo legislativo constitucional e legal, em conformidade com as normas da Constituição Federal.”. O Deputado Campos Machado alegou que o ato da ALESP se configura "ato coator omissivo e ilegal", ocorrendo violação a "direito líquido e certo", indicando "impossibilidade de convocação de qualquer sessão para a votação em segundo turno da PEC 18/2019 em razão de se encontrarem sub judice questões de inquestionável relevância, e que, se reconhecidas, podem viciar a constitucionalidade da emenda constitucional desde o seu nascimento".

Para o impetrante "Se faria necessário aguardar o julgamento do mérito daqueles mandamus para, com segurança, iniciar o segundo turno da votação da PEC", porque "Estar-se-á diante da possibilidade de verdadeira desordem social e de perigosa insegurança jurídica".

Haveria grave risco, pois a ALESP teria que refazer todo o procedimento de apreciação da PEC sob "fortíssima pressão interna e externa". De tal sorte, requereu a concessão de liminar para suspender a votação em segundo turno da reforma da previdência paulista até o julgamento do mérito do mandado de segurança, que a presidência da ALESP aprecie sua questão de ordem sobre a votação.

Processo de Referência: 2273599-90.2019.8.26.0000 – Órgão Especial do TJ-SP.

Assista ao debate sobre a PEC 18/2019:


PRECATÓRIOS DO ESTADO: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 2ª REGIÃO DEFINE CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DA LEI ESTADUAL 17.205/2019.


Conforme já informado nesta página (veja aqui) deputados estaduais paulistas aprovaram, em 15/11/2019, a Lei Estadual 17.205/2019, que reduziu a R$ 11,6 mil os valores de dívidas estaduais que poderão ser pagos por meio de OPV/RPV.

É certo que haverá grande debate, notadamente perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sobre o momento em que a tal lei passa a valer, considerando processos já em fase final de conclusão e apuração de valores.

Apesar disso, o TRTSP – Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (Capital, região metropolitana e litoral sul) antecipou-se ao debate (e necessidade de conclusão de processos) e definiu que a redução de valores aplicáveis a precatórios será aplicável somente aos casos transitados em julgados posteriores à Lei Estadual.

Trata-se de medida assinada pela presidente do TRTSP, a desembargadora Rilma Aparecida Hemetério, e que dispõe sobre a modulação dos efeitos da legislação para fins de requisição direta à Fazenda Pública do Estado de São Paulo.

Ou seja, modular significa definir criteriosamente os efeitos da lei que reduziu o valor do teto dos precatórios das chamadas Obrigações de Pequeno Valor (OPVs) de 1.135,2885 UFESPs (equivalente a R$ 31.345,31) para 440,214851 UFESPs (R$ 12.154,33). A OAB São Paulo, a Associação dos Advogados de São Paulo, a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo e o Sindicato dos Advogados de São Paulo questionaram a norma no TRT-2.
Na exposição de motivos, as associações afirmam que a medida impacta não apenas os credores das chamadas OPVs, como também as preferências dos credores idosos e doentes graves. “Sem falar, ainda, no drástico aumento no número de precatórios que, como se sabe, estão sendo pagos a conta-gotas, com atraso quase surreal de 17 anos”, justifica o pedido enviado ao Tribunal. 

As instituições reforçam que, enquanto não se obtém provimento judicial para a inconstitucionalidade da Lei 17.205/19, os credores da administração pública estadual se veem na contingência de buscar em seus processos individuais o resguardo do direito adquirido.

O pedido das associações de advogados foi atendido pelo TRT-2 com a edição do ato assinado pela presidente. 

Em nossa avaliação preliminar, o TJ-SP, por questão de isonomia (todos são iguais perante a lei), enquanto não decidida a inconstitucionalidade da nova lei, deveria seguir a mesma tendência inaugurada pelo TRTSP.

Assim que o ato for publicado será disponibilizado neste canal.

Ref.: OAB/SP, AASP, Conjur, TRTSP.