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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

COVID-19 E DIREITOS TRABALHISTAS: EMPRESA QUE FECHA DEVE GARANTIR ESTABILIDADE A TRABALHADOR.

Além dos danos à saúde da população, a pandemia de COVID-19 tem provocado catástrofes econômicas. Estabelecimentos comerciais (lojas, restaurantes), de serviços (salões de beleza) e industriais (fábricas) tiveram de seguir as necessárias medidas de distanciamento e isolamento social, reduzindo quase totalmente o seu funcionamento.

E apesar das medidas de retorno gradual das atividades econômicas, a população está receosa porque ninguém tem condição de adivinhar como o seu organismo reagirá à doença. Será só uma ‘gripezinha” ou correrá o risco de enfrentar uma UTI, com sério risco para a sua vida?

E apesar do esforço de todos, certamente haverá casos em que o empresário preferirá encerrar as suas atividades ou, por não ter mais condição de prosseguir, será obrigado a fechar o seu estabelecimento. Em muitos casos, sem quitar todos os direitos de seus empregados. Isso pode se dar por impossibilidade econômica ou por mera “esperteza” do empregador, que preferirá barganhar um bom acordo na Justiça do Trabalho.

Mas imagine que ao fechar a empresa, haja empregados que tenham o direito à estabilidade. Neste caso, recentemente, a Justiça do Trabalho reconheceu que o “Fechamento da empresa não afasta direito de empregado à estabilidade por acidente de trabalho”.  O acidente de trabalho é uma das causas de estabilidade no emprego, mas há outras situações de estabilidade, como no caso de empregada gestante, ocupante de certas funções sindicais, etc.

Veja os detalhes da decisão proferida pelo TST – Tribunal Superior do Trabalho[1]:

“A garantia provisória do emprego, nesse caso, tem caráter social.

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou à Ferglass Indústria Comércio de Ferragens Ltda., de Cambuci (SP), já extinta, o pagamento de indenização substitutiva referente ao período de estabilidade de um empregado. Segundo o colegiado, no caso de extinção da empresa, o empregado com estabilidade decorrente de acidade de trabalho tem direito à indenização correspondente ao mesmo período.

 Acidente

Na reclamação trabalhista, o empregado explicou que, em dezembro de 2015, sofreu acidente a caminho do trabalho, quando sua motocicleta foi atingida por outro veículo. Em decorrência do rompimento de um tendão, teve de fazer cirurgia e fisioterapia. Ao ser dispensado, três meses depois de voltar ao trabalho, pediu o reconhecimento do direito à estabilidade acidentária, que asseguraria a manutenção do contrato de trabalho por no mínimo 12 meses.

 Fim das atividades

Na contestação, a Ferglass sustentou que, em junho de 2016, encerrou suas atividades e rescindiu o contrato de todos os empregados, entre eles o autor da ação. Argumentou, ainda, que o afastamento se dera por auxílio-doença, e não auxílio-doença acidentário, e que o acidente não se caracterizava como acidente de trabalho.

 Estabilidade provisória

O pedido foi julgado improcedente pelo juízo da 87ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP), que concluiu que o INSS não havia reconhecido o episódio como acidente de trabalho. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), embora reconhecesse que se tratou de acidente de trajeto, entendeu que a estabilidade somente é devida enquanto a empresa estiver ativa. ”Nessa hipótese, a dispensa não se caracteriza como ato ilícito do empregador, mas apenas consequência de conjunturas econômicas que impediram o prosseguimento da atividade”, registrou o TRT.

 

Caráter social

A relatora do recurso de revista do empregado, ministra Delaíde Miranda Arantes, explicou que a estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho tem caráter social, de modo que, com o encerramento da empresa, é devida a indenização correspondente ao período.”

Veja aqui a decisão.

Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira: Para a dispensas lícita do empregado, mesmo diante do encerramento de suas atividades, o empregador deveria incluir no pagamento das verbas rescisórias o valor relativo ao período de estabilidade legalmente assegurada ao empregado. Mas quando se iniciaria o período de estabilidade? Quando o empregado estaria apto a retornar às suas atividades? Nem sempre é possível prever...

Mas apesar do recente julgado do TST, já houve (e certamente ainda há!) decisões contrárias em casos semelhantes, principalmente nas instâncias inferiores, conforme notícia publicada em 04/2019[2] sobre esta decisão. Ora, e como fica o caput do art. 5º da CF/88, que determina “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”?!


[1] https://www.tst.jus.br/web/guest/-/fechamento-da-empresa-n%C3%A3o-afasta-direito-de-empregado-%C3%A0-estabilidade-por-acidente-de-trabalho, acessado em 05/08/2020.

[2]https://www.migalhas.com.br/quentes/299683/nao-ha-estabilidade-de-emprego-de-gestante-se-empresa-fechou-por-despejo#:~:text=N%C3%A3o%20h%C3%A1%20estabilidade%20de%20emprego%20de%20gestante%20se%20empresa%20fechou%20por%20despejo,-0&text=Por%C3%A9m%2C%20o%20sentido%20da%20norma,de%20seu%20poder%20de%20disposi%C3%A7%C3%A3o.%E2%80%9D, acessado em 05/08/2020.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

HOME-OFFICE E A LEGISLAÇÃO DO TRABALHO: QUANDO A JUSTA CAUSA NÃO SERÁ ADMITIDA.

Foi ao ar ontem (02/08) pela Rede Vida o tradicional programa Motivação e Sucesso[1] em que o conhecidíssimo Prof. Marins[2] tratou das relações éticas envolvendo o home-office.


Ao mesmo tempo em que aquele consultor empresarial reconhecia drásticas e incontornáveis mudanças nas formas de prestação do trabalho, também afirmou que em muitos casos e/ou cidades do interior do Brasil estaria havendo forte pressão pelo retorno ao trabalho presencial, seja pela falta de infraestrutura de comunicação/internet, pela inexistência de congestionamentos ou necessidade de restabelecimento da convivência social nos locais de trabalho.  


Foi relevante a sua abordagem sobre a necessidade de comprometimento ético nas relações do trabalho home-office, quando também apontou aquilo que poderia ser reconhecido como conduta antiética, destacando uma suposta ausência de regulamentação de tais relações. Segundo o palestrante[3]:

 

 “Muitos já estão sendo desligados por confundir trabalho remoto com semi-férias, não cumprindo sequer com as horas de uma jornada semanal de trabalho.”.

 

É que até o mês de julho estava em vigor a Medida Provisória nº 927, que instituiu “medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19)”. Quanto ao home-office, regulamentou a matéria da seguinte forma:

 

“Art. 4º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

§ 1º  Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.

§ 2º  A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.

§ 3º  As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.

§ 4º  Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:

I - o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou

II - na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.

§ 5º  O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.

Art. 5º  Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes, nos termos do disposto neste Capítulo.”


Não obstante a regulamentação proposta, a MP nº 927 perdeu a sua validade. Assim, ao que nos parece, os ajustes formalizados entre empregados e patrões durante a sua vigência permanecem válidos. Mas as situações ocorridas após a “caducidade” da MP deverão ser interpretadas e resolvidas à luz da CLT.


Ao que nos parece, a regulamentação do home-office pela MP nº 927 pretendeu tão e somente alterar o local da prestação de serviços, nada influindo/alterando quanto às obrigações de ambas as partes.


Voltando ao Prof. Marins, o tema que nos pareceu realmente preocupante (conforme referido acima, causas de muitas demissões nesse período de grave crise econômica) dizia respeito ao “excesso de flexibilização” do (des)cumprimento da jornada de trabalho. Para ele, muitas empresas já estariam percebendo abusos, funcionários que sequer estariam cumprindo a jornada contratual de trabalho.


Está certo o Prof. Marins! Se configurado o descumprimento reiterado de obrigações contratuais pelo empregado, a empresa poderia até aplicar o art. 482 da CLT, que prescreve:

“Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

(...)

e) desídia no desempenho das respectivas funções[4];

f) embriaguez habitual ou em serviço;

(...)

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;


Certamente, em tempos de pandemia, empresas bem estruturada optarão por rescindir o contrato de trabalho sem justa causa a fim de evitar discussões judiciais. Todavia, certamente estão demitindo o trabalhador por fatos configuradores da justa causa.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

UBER, TRABALHO INTERMITENTE E VÍNCULO EMPREGATÍCIO


Publicado hoje, 29/12, artigo do magistrado Pedro Paulo Teixeira Manus, ministro aposentado do TST e ex-integrante do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo.

Em sua coluna no site Conjur ele abordou a recente decisão do TRT que descaracterizou, como empregatício (patrão e empregado), o vínculo entre o UBER e um motorista do aplicativo. Ao final, seguirão as nossas considerações.

“Reflexões Trabalhistas
O transporte de passageiros pela Uber e a questão do vínculo de emprego
Todos sabemos que só existe contrato individual de trabalho quando estão presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. E, mais do que isso, uma vez configurada a relação de trabalho com tais características, há contrato de trabalho a despeito da vontade expressa das partes contratantes, como dispõe o artigo 442 da CLT, ao afirmar que o contrato individual de trabalho corresponde à relação de emprego.
Por consequência, igualmente em sentido contrário, não adianta o prestador de serviços pretender o reconhecimento da existência de contrato de trabalho se sua atividade for prestada com autonomia, que é a antítese da subordinação hierárquica, característica essencial ao contrato de trabalho, já que “o empregador admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”, conforme o artigo 2º da CLT.
Nesse sentido, há de se esclarecer que todas as atividades podem ser desenvolvidas por empregados ou por profissionais autônomos, distinguindo-se o tipo prestação de serviço exatamente pelas características do vínculo desenvolvido entre prestador e tomador de serviços.

Assim, caso tomador e prestador pretendam celebrar um contrato de trabalho válido, é necessário que cuidem para que no desenvolvimento da relação profissional caracterizem-se os requisitos legais necessários. Ao contrário, caso não desejem um contrato de trabalho, mas uma relação autônoma de trabalho, igualmente será necessário cuidar para que não se verifiquem os requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, como a subordinação hierárquica, por exemplo, sob pena de caracterizar-se o vínculo, a despeito da vontade das partes.

É fato que certas atividades são preponderantemente desenvolvidas por empregados, enquanto que outras, por prestadores autônomos. Neste último caso, encontram-se os médicos, advogados, corretores, exemplificativamente, enquanto que comerciários e industriários normalmente prestam serviços como empregados. Não obstante, todas essas atividades podem ser desenvolvidas por empregados ou autônomos, dependendo da forma como o trabalho for prestado.
O que importa para a caracterização da atividade do prestador de serviços, como empregado ou autônomo, à luz do Direito do Trabalho, é o modo pelo qual o trabalho é desenvolvido e não a simples forma escolhida pelos contratantes, como já vimos.
Assim, embora identifiquemos certas atividades como típicas de empregados e outras como típicas de autônomo, para o correto enquadramento jurídico será sempre necessário o exame das características da prestação, como já referido.

Exemplo concreto desse fato encontramos no recente acórdão da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Processo 10015742520165020026), como noticia o site da corte.
A notícia revela que um motorista que trabalhava para a empresa Uber em São Paulo teve seu pedido de vínculo empregatício negado em decisão de 2º grau do TRT-2. O acórdão, proferido pelos magistrados da 8ª Turma, foi o primeiro envolvendo o aplicativo de transporte privado nessa jurisdição.
A notícia revela ainda que o reclamante havia recorrido da sentença de 1º grau por ter tido seu pedido negado. No acórdão, de relatoria da desembargadora Sueli Tomé da Ponte, o colegiado confirmou a decisão de origem, por unanimidade de votos, negando provimento ao pedido do trabalhador.
Assevera a notícia que afirmou a fundamentação da decisão ‘com base nos depoimentos do trabalhador e das testemunhas de ambas as partes no processo, foram afastadas a subordinação, a pessoalidade e a habitualidade no caso em questão. Isso ficou claro pelo fato de o motorista não ser obrigado a cumprir jornada mínima, poder recusar viagens sem sofrer penalidades, poder cadastrar outra pessoa para dirigir seu veículo, entre outros itens. Dessa forma, foi considerado trabalhador autônomo’.
Como afirmado, o essencial para a fixar a natureza do vínculo entre prestador e tomador de serviços são as características da prestação de serviço, que, no exemplo acima, resultou pela prestação autônoma de serviços, excluindo a existência de contrato individual de trabalho.
O exemplo é esclarecedor, pois demonstra que a conclusão de que houve trabalho autônomo não decorreu da atividade em si desenvolvida, mas do modo como o serviço foi prestado.
Nada obsta, contudo, que em outro processo venhamos a ter outro motorista da Uber que demonstre trabalhar de forma subordinada e com a presença dos requisitos que configuram o contrato de trabalho, hipótese em que este será reconhecido.” Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-dez-29/reflexoes-trabalhistas-transporte-passageiros-uber-vinculo-emprego, acessado em 29/12/2017.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O artigo apontou, acertadamente, que a decisão baseou-se, ao que tudo indica preponderamentemente, nos depoimentos (explicações verbais do autor e da ré) e nos testemunhos apresentados por autor e ré.

Aqui, vai uma análise um tanto cética quanto aos testemunhos no processo do trabalho: muito do inconformismo dos empresários em relação à atuação da Justiça do Trabalho (e que acabou por impulsionar a Reforma Trabalhista) reside na extrema facilidade com que a Justiça do Trabalho acolhe testemunhos (declarações de testemunhas indicadas) inidôneos. Em muitos casos testemunhas trocam favores entre si para obterem resultado positivo em seus processos. É óbvio que a Jurisprudência (entendimento dos tribunais sobre certo assunto) não reconhece a ilegitimidade de testemunhas que tenham processo contra um mesmo empregador. Este entendimento é sábio, daí ser igualmente justo.

No entanto, apesar disso, é(era) muito comum a troca de favores entre testemunhas. Em muitos casos, os advogados de empregadores deveriam antecipar-se para captar, em audiência, os testemunhos inverídicos.

Primeiro parêtese: Já tivemos a oportunidade de constatar, em um certo processo trabalhista, que um suposto empregado indicou duas testemunhas para confirmar a sua versão. As suas testemunhas disseram que haviam trabalhado com o autor do processo. As mesmas testemunhas também processaram a mesma empresa. Então seriam três processos de pessoas conhecidas ente si, contra a mesma empresa.

Na audiência de um dos processos houve alguma incongruência em relação às datas indicadas pelo autor e suas testemunhas. No entanto, a armação foi revelada quando o Juiz, devidamente advertido, pediu a CTPS da primeira testemunha e constatou que ela estava empregado e registrado por outra empresa fazia um bom tempo. Como a testemunha poderia ser empregada de uma segunda empresa? Como a testemunha poderia estar em dois lugares diferentes e distantes no mesmo horário de trabalho?

Na mesma ocasião, o Juiz do Trabalho pediu a CTPS da segunda testemunha e constatou que ela havia saído de outra empresa dias antes. Como era possível a segunda testemunha trabalhar para duas empresas e cumprir o mesmo horário de trabalho em locais diferentes? Os processos das três pessoas, por questão de Justiça, caíram por terra.

Segundo parêntese: Das mesma forma em que empregados tentam combinar versões com as suas testemunhas, empregadores (empresas e patrões) também atuam para que as suas testemunhas (normalmente, atuais empregados) falem ao Juiz exatamente aquilo que lhes interessa.

Muitos antigos “colegas de trabalho” simplesmente se transformam em audiências trabalhista, fazendo afirmações totalmente inverossímeis, dizendo inverdades; alegam que viram aquilo que nunca enxergaram; negam realidades que sempre vivenciaram. Não é digno, mas é compreensível. 

Outros simplesmente dizem que nada viram, nada sabem. Menos mal.

Há também casos em que os antigos “colegas de trabalho” se tornam verdadeiros cúmplices dos mau empregadores. Não é digno, tampouco compreensível. Mas a vida é assim.

Na situação relatada, envolvendo o UBER, foram ouvidos o autor, o representante da empresa e uma testemunha de cada parte. Autor disse sobre a sua realidade de trabalho, que é a conhecida por todos. O representante do UBER, “colaborador” da empresa, sustentou perante o Juiz a visão empresarial da relação, enaltecendo os aspectos que mais atraem os motoristas para o “app”: autonomia, horários alternativos etc.

A testemunha do autor, embora crível, não foi considerada testemunha porque entre ela e a empresa de aplicativo havia um grande conflito. A testemunha deixou de merecer a credibilidade devida e foi considerada apenas “informante do Juízo”. Já a testemunha do “app” acabou confirmando a versão da empresa.

Enfim, todos nós sabemos qual é a realidade daqueles que dirigem para aplicativos.

As empresas vendem um padrão, vendem um produto e os “parceiros” devem entregar exatamente o produto, tal como divulgado.

Os motoristas não podem escolher passageiros, eles têm trajeto determinado, valor fechado. Podem optar por não ligarem o aplicativo, mas uma vez “logados”, não podem permanecer inativos por "períodos extensos”. Todos sabem disso, mas os testemunhos privilegiaram uma versão.

É sabido que outros muitos motoristas tentam filtrar corridas, aumentar margens de ganho, burlar controles. Para estes, a autonomia deve ser reconhecida. Não há vínculo de emprego.

Segundo o articulista:
“Como afirmado, o essencial para a fixar a natureza do vínculo entre prestador e tomador de serviços são as características da prestação de serviço, que, no exemplo acima, resultou pela prestação autônoma de serviços, excluindo a existência de contrato individual de trabalho.
O exemplo é esclarecedor, pois demonstra que a conclusão de que houve trabalho autônomo não decorreu da atividade em si desenvolvida, mas do modo como o serviço foi prestado.”

Então, parece adequada a sua ponderação quanto a dize que:
“Nada obsta, contudo, que em outro processo venhamos a ter outro motorista da Uber que demonstre trabalhar de forma subordinada e com a presença dos requisitos que configuram o contrato de trabalho, hipótese em que este será reconhecido.”

A atual redação da CLT (pós-reforma trabalhista) trata da figura do trabalho intermitente, nos seguintes termos:
“Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.   
(...)
§ 3o  Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. 
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
(...)
Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente será celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e conterá:   (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
I - identificação, assinatura e domicílio ou sede das partes; (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
II - valor da hora ou do dia de trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado o disposto no § 12; e (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
III - o local e o prazo para o pagamento da remuneração.  (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
§ 1o  O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 2º  Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vinte e quatro horas para responder ao chamado, presumida, no silêncio, a recusa. (Redação dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
§ 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente(Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
(...)
Art. 452-B. É facultado às partes convencionar por meio do contrato de trabalho intermitente:    (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
I - locais de prestação de serviços;   (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
II - turnos para os quais o empregado será convocado para prestar serviços;   (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
III - formas e instrumentos de convocação e de resposta para a prestação de serviços;    (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
IV - formato de reparação recíproca na hipótese de cancelamento de serviços previamente agendados nos termos dos § 1º e § 2º do art. 452-A.   (Incluído pela Medida Provisória nº 808, de 2017)”.

A nós, assim parece, a vinculação entre o UBER e os seus “parceiros” se assemelha muito aos parâmetros do trabalho intermitente.
          
Terceiro parêntese: O atual cenário, econômico e social, demonstra que até mesmo no âmbito do Poder Judiciário há muitos usuários dos serviços por “app”. Entre a população geral, principalmente o UBER, a modalidade por "app" tornou-se uma comodidade indispensável.

Mesmo na Justiça do Trabalho há muitos de seus funcionários e servidores que são clientes dos “apps” de mobilidade. Embora, tudo indica, não desejem para si trabalharem sob a realidade dos “apps”, esses cidadãos são clientes cativos dos ditos aplicativos.

Portanto, exceto casos excepcionais, tudo indica que a caracterização do vínculo empregatício entre o UBER e os seus “parceiros” será cada vez mais difícil, e exigirá prova exaustiva e robusta; testemunhos críveis e um intenso trabalho para combater as alegações e as provas, principalmente testemunhais, apresentadas pela empresa de “app”. 


Veja a decisão do TRT/SP.
Veja a decisão de Vara do Trabalho de Minas Gerais que já reconheceu o vínculo empregatício com o UBER. 
Veja a decisão do TRT/MG que reformou a decisão da Vara do Trabalho de Minas Gerais sobre o vínculo empregatício com o UBER.