sexta-feira, 31 de julho de 2020

LEI FEDERAL Nº 14.016/20, O CASO DAS MARMITAS ENVENENADAS E O MEDO DE AJUDAR QUEM PRECISA.

Lei recentemente aprovada traz segurança jurídica à atividade solidária.


É notícia no rádio, TV e internet o caso de moradores de rua (e a sua pet) mortos após ingerirem comida envenenada por chumbinho, substância usada como raticida e considerada clandestina pela ANVISA[1] porque derivada de venenos agrícolas (agrotóxicos) de uso exclusivo na lavoura e/ou campo. Em resumo, o ocorrido[2]:


“Laudo apontou que chumbinho foi usado para envenenar ratos foi misturada à comida doada a moradores de rua mortos na madrugada do último dia 22, em um posto de combustíveis desativado em IItapevi (Grande SP), diz a polícia. Um garoto de 11 anos, que também comeu o alimento de uma das marmitas, permanece internado, sem previsão de alta.”


Tempos de incerteza, em que a realidade atual tem sido mais violenta com os vulneráveis, e quando a solidariedade e a generosidade devem e precisam ser estimuladas e verdadeiramente praticadas por muitos.


Mas diante de notícia tão cruel, qual doador de alimentos não terá medo de tornar-se suspeito de causar uma tragédia semelhante? A lei protege o voluntariado de boa índole que atue no combate à fome, principalmente da população de rua.


A legislação aprovada recentemente pelo Congresso Nacional durante a atual pandemia prescreve normas que, exceto no caso de dolo (vontade livre e consciente de provocar resultado danoso) geram segurança jurídica para a prática da solidariedade e da generosidade para com os semelhantes. Trata-se da Lei Federal n. 14.016/2020, que instituiu normas de “combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano.” e prescreve:


“Art. 1º Os estabelecimentos dedicados à produção e ao fornecimento de alimentos, incluídos alimentos in natura, produtos industrializados e refeições prontas para o consumo, ficam autorizados a doar os excedentes não comercializados e ainda próprios para o consumo humano que atendam aos seguintes critérios:

I – estejam dentro do prazo de validade e nas condições de conservação especificadas pelo fabricante, quando aplicáveis;

II – não tenham comprometidas sua integridade e a segurança sanitária, mesmo que haja danos à sua embalagem;

III – tenham mantidas suas propriedades nutricionais e a segurança sanitária, ainda que tenham sofrido dano parcial ou apresentem aspecto comercialmente indesejável.

§ 1º O disposto no caput deste artigo abrange empresas, hospitais, supermercados, cooperativas, restaurantes, lanchonetes e todos os demais estabelecimentos que forneçam alimentos preparados prontos para o consumo de trabalhadores, de empregados, de colaboradores, de parceiros, de pacientes e de clientes em geral.

§ 2º A doação de que trata o caput deste artigo poderá ser feita diretamente, em colaboração com o poder público, ou por meio de bancos de alimentos, de outras entidades beneficentes de assistência social certificadas na forma da lei ou de entidades religiosas.

(...)

Art. 2º Os beneficiários da doação autorizada por esta Lei serão pessoas, famílias ou grupos em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar ou nutricional.

Parágrafo único. A doação a que se refere esta Lei em nenhuma hipótese configurará relação de consumo.

Art. 3º O doador e o intermediário somente responderão nas esferas civil e administrativa por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo.

§ 1º A responsabilidade do doador encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao intermediário ou, no caso de doação direta, ao beneficiário final.

§ 2º A responsabilidade do intermediário encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao beneficiário final.

§ 3º Entende-se por primeira entrega o primeiro desfazimento do objeto doado pelo doador ao intermediário ou ao beneficiário final, ou pelo intermediário ao beneficiário final.

Art. 4º Doadores e eventuais intermediários serão responsabilizados na esfera penal somente se comprovado, no momento da primeira entrega, ainda que esta não seja feita ao consumidor final, o dolo específico de causar danos à saúde de outrem."


A citada lei autoriza a doação daquilo que seja excedente não consumido. Assim, parece afastar de sua regulamentação a atividade principal de produção para doação. A produção voltada à doação, parece-nos, estaria fora do alcance protetivo da lei. 


O art. 4º a lei trata da responsabilidade penal, que somente ocorrerá nos casos em que haja dolo (vontade consciente de agir e produzir resultado) de provocar dano à saúde de pessoa, ainda que não se trate de consumidor final. Aqui surge aparente incongruência.


E ao mesmo tempo em que a lei nega a existência de uma relação de consumo  entre doador e recebedor do alimento (art. 3º, Parágrafo Único) para fins cíveis e administrativos, refere à figura do consumidor final nos casos de responsabilização penal, citada acima (art. 4º).


Apesar de aparentes incongruências,  a legislação trouxe mais segurança jurídica para ajudar também aqueles que se dedicam a olhar caridosamente o seu semelhante. Deus e os homens lhes paguem!!!

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