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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

JUSTIÇA DE SP CONDENA PREFEITURA DE ITU POR ASSÉDIO MORAL (OU TRANSFERÊNCIAS ABUSIVAS E A NECESSIDADE DE DEMONSTRAR A ILEGALIDADE DO ATO).

A configuração fática do assédio moral no serviço público.
Em 27/09/2019 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) divulgou relevante decisão[1] sobre a condenação do município de Itu por assédio moral sofrido por servidora pública que se demitiu do cargo, ao que tudo indica também em razão do assédio moral.

Trata-se de Acórdão da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo que teria “corrigido” o valor de indenização concedida à servidora prejudicada, Assistente Social do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Itu. Segundo a notícia veiculada no site do TJ-SP o dano indenizável foi arbitrado em R$ 8 mil.

A fim de compreender os motivos da demanda analisamos a íntegra do processo. Segundo relatou, enquanto esteve na ativa a trabalhadora passou a ser coordenada por superiora hierárquica que teria abusado dos poderes administrativos, agindo com desvio de finalidade. Constou que a organização da rotina imposta pela gestora afetou severamente a normalidade do atendimento pelos assistentes sociais, acarretando prejuízos à dignidade e à qualidade dos serviços oferecidos ao público-alvo. Houve numerosas queixas dos usuários; os servidores subordinados à gestora passaram enfrentar dificuldades laborais diariamente.

Em certo momento, por inequívoca manifestação de pessoalidade, a autora passou a ser perseguida pela sua gestora. Alegou que as formas de assédio moral consistiam em: interromper atendimentos sigilosos prestados aos usuários; insistência em não retomar a normalidade da organização do trabalho; adoção de determinações autoritárias, tais como a exigência de comparecimentos imediatos à sala da supervisora, impondo interrupções no atendimento ao público; cobranças desproporcionais e insistentemente irônicas, exigindo a elaboração de trabalhos e procedimentos desnecessários, inservíveis e descabidos; constrangimento perante o público, mediante reprimendas desnecessárias e vexatórias; adoção de linguagem e expressão grosseira e ríspida; difamação profissional da autora; impedimento ao devido desempenho da atividade profissional regulamentada, bem como a contestação sistemática à decisões e à autonomia profissional da servidora; ameaças invocando a autoridade de outros escalões hierárquicos; distorção de acontecimentos; elaboração de relatórios que não retratavam a realidade dos fatos; transferência arbitrária e com desvio de finalidade.

A municipalidade defendeu-se dizendo que houve a instauração de processo investigatório (sindicância ou PAD), mas nada de irregular foi constatado. Todavia, em sede judicial foram ouvidas as testemunhas, que comprovaram os fatos narrados no processo. Registre-se que indenização pleiteada pela autora era de R$ 20.000,00.

A sentença de primeira instância, na ausência de legislação municipal sobre a configuração de assédio moral, valeu-se da aplicação analógica (art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) da Lei Estadual 12.250/06[2], notadamente do art. 2º que tipifica as condutas caracterizadoras de assédio moral no serviço público, e destacou o depoimento de uma das testemunhas ouvidas:
“A nova coordenadora retirou o agendamento e os usuários passaram a ser atendidos conforme iam chegando. Esse novo método ocasionou muita demora e espera por parte dos usuários, que chegavam a aguardar 4 ou 5 horas na fila para serem atendidos, resultando em inúmeras reclamações, que eram repassadas à coordenadora. (...), então, começou a perseguir (...). (...) cobrava relatórios; adentrava na sala de (....) durante o atendimento, sem qualquer aviso, cobrando agilidade ou solicitando algum documento ou relatório que não era relacionado ao atendimento; questionava as decisões de (...) e a ameaçava dizendo que iria falar com a Secretária; exigia que (...) inserisse dados inverídicos nos relatórios sociais; falava em voz alta e sem qualquer educação. (...) fazia isso com toda a equipe, de forma frequente, falando sempre de forma grosseira e ríspida. Posteriormente, (...) foi transferida por (...) para outro CRAS, mesmo contra sua vontade, e atualmente trabalha na Prefeitura de Sorocaba. (...) não deixava a depoente e outras estagiárias participarem das reuniões da equipe técnica.”

Mesmo considerando a veracidade e a gravidade dos fatos, o Juízo de Primeira Instância afirmou que o valor pretendido a título de indenização seria exagerado; condenou o Município de Itu em módicos R$ 5.000,00. As partes apelaram, e em segunda instância a indenização de R$ 5.000,00 foi corrigida ainda de forma irrisória: R$ 8.000,00.

Transferência abusiva é forma de assédio moral de difícil comprovação ou de comprovação não reconhecida.
A decisão de segunda instância (5ª Câmara de Direito Público), embora tenha aumentado o valor da indenização, levou ao conhecimento do público que uma específica forma de assédio moral é de difícil comprovação; trata-se do ato de transferência sabidamente arbitrária. Segundo a decisão do TJ/SP:
“Em relação à transferência da autora para outra CRAS, o evento não pode ser considerado para fins de assédio moral, uma vez que compete à discricionariedade da Administração Pública a alocação de seus servidores.”

É bom que se diga que a discricionariedade não é um “curinga” que possa justificar todo e qualquer tipo de desmando. Com efeito, a título de exemplo citamos a Lei Estadual 10.177/98, que regula a prática de atos e de processos administrativos no âmbito da Administração Pública estadual. Diz a lei:
Artigo 4.º - A Administração Pública atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público e motivação dos atos administrativos.
(...)
Artigo 8.º - São inválidos os atos administrativos que desatendam os pressupostos legais e regulamentares de sua edição, ou os princípios da Administração, especialmente nos casos de:
I - incompetência da pessoa jurídica, órgão ou agente de que emane;
II - omissão de formalidades ou procedimentos essenciais;
III - impropriedade do objeto;
IV - inexistência ou impropriedade do motivo de fato ou de direito;
V - desvio de poder;
VI - falta ou insuficiência de motivação.
Parágrafo único - Nos atos discricionários, será razão de invalidade a falta de correlação lógica entre o motivo e o conteúdo do ato, tendo em vista sua finalidade.
Artigo 9.º - A motivação indicará as razões que justifiquem a edição do ato, especialmente a regra de competência, os fundamentos de fato e de direito e a finalidade objetivada.”

E no caso do assédio moral, o ato é praticado com abuso e/ou desvio de poder, portanto nulo nos termos do art. 3º da Lei Estadual 10.250/2006: Artigo 3º - Todo ato resultante de assédio moral é nulo de pleno direito.”.
Estamos atuando em caso de transferência abusiva e arbitrária de servidor público de autarquia estadual. E com a mais plena certeza podemos afirmar que a Administração Pública, por intermédio de seus servidores comissionados/de confiança se empenham para comprovar os desvios administrativos. Não há o mínimo constrangimento perante o colega prejudicado!

E em se tratando de transferências abusivas configuradoras de assedio moral, é indispensável uma atuação previamente ordenada a comprovar a desnecessidade da alteração do local de trabalho, para apontar a inexistência ou a inaplicabilidade da discricionariedade administrativa. Aliás, o administrativista José dos Santos Carvalho Filho[3] já esclarece que:
“Diversamente sucede nos atos discricionários. Nestes é a própria lei que autoriza o agente a proceder a uma avaliação de conduta, obviamente tomando em consideração a inafastável finalidade do ato. A valoração incidirá sobre o motivo e o objeto do ato, de modo que este na atividade discricionária, resulta essencialmente da liberdade de escolha entre alternativas igualmente justas, traduzindo, portanto, um certo grau de subjetivismo.
Salienta, todavia, moderna doutrina, que os atos discricionários não estampam uma liberdade absoluta de agir para o administrador. A avaliação que ser permite ao administrador fazer tem que estar em conformidade com o fim legalm ou seja, aquele alvo que a lei, expressa ou implicitamente, busca alcançar. Não havendo tal conformidade , o ato não é licitamente produzido, pois que estará vulnerando o princípio da legalidade, hoje erigido à categoria de princípio administrativo (art. 37, CF).”


[1] Apelação nº 1006665-40.2017.8.26.0286, conforme link disponível em https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=58966, acessado em 01/10/2019.
[2]Artigo 2º - Considera-se assédio moral para os fins da presente lei, toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado, ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público e ao próprio usuário, bem como à evolução, à carreira e à estabilidade funcionais do servidor, especialmente:
I - determinando o cumprimento de atribuições estranhas ou de atividades incompatíveis com o cargo que ocupa, ou em condições e prazos inexeqüíveis;
II - designando para o exercício de funções triviais o exercente de funções técnicas, especializadas, ou aquelas para as quais, de qualquer forma, exijam treinamento e conhecimento específicos;
III - apropriando-se do crédito de idéias, propostas, projetos ou de qualquer trabalho de outrem.
Parágrafo único - Considera-se também assédio moral as ações, gestos e palavras que impliquem:
1 - em desprezo, ignorância ou humilhação ao servidor, que o isolem de contatos com seus superiores hierárquicos e com outros servidores, sujeitando-o a receber informações, atribuições, tarefas e outras atividades somente através de terceiros;
2 - na sonegação de informações que sejam necessárias ao desempenho de suas funções ou úteis a sua vida funcional;
3 - na divulgação de rumores e comentários maliciosos, bem como na prática de críticas reiteradas ou na de subestimação de esforços, que atinjam a dignidade do servidor;
4 - na exposição do servidor a efeitos físicos ou mentais adversos, em prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e profissional.”.
[3] “Manual de Direito Administrativo”, 22ª ed. Lumem Juris Editora, 2009, p. 125.

sábado, 5 de maio de 2012

TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO: ATO ADMINISTRATIVO DEVE SER MOTIVADO.

É praticamente aceito por todos que o servidor público poderá ser transferido para desempenhar suas funções em outros locais desde que haja ato administrativo válido (que obedeça formalidades legais, contenha motivo e motivação e seja praticado por agente competente) e a transferência seja destinada à satisfação do interesse público.
Contudo, não é sempre assim. Por vezes o servidor é transferido com base em ato administrativo imotivado, e em outras vezes a transferência tem como pressuposto uma “falsa motivação”. Falsa porque a pretexto de atender interesse público, ampara  atuações ilegais, impessoais ou imorais.
Em julgado proferido pelo TJ/SP, o Tribunal reconheceu a nulidade da transferência pela ausência de motivação.
Veja o teor do acórdão proferido pela 2ª Câmara de Direito Público, nos autos do MS nº. 637.352.5/4-00, disponível em:

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO E CONSOLIDAÇÃO DE SITUAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO.

A legalidade dos servidores não concursados no Pará
Por André Leão Rocha
É possível que o Poder Judiciário, sob o pretexto de aplicar e fazer valer a legalidade, ignore situações que o próprio decurso do tempo consolidou? A pergunta não é inédita, sendo recorrente no meio jurídico. Todavia, recentemente vem ganhando destaque por conta de uma realidade vivida no estado do Pará. Isso porque, principalmente no início da década 1990-2000, a Administração Pública contratou servidores de forma direta, isso é, sem concurso público, para atendimento de necessidades temporárias. Esse tipo de contratação tinha prazo determinado de seis meses, prorrogável uma única vez e, no máximo, pelo mesmo período, era previsto na lei estadual nº. 5.389/87 e, posteriormente, nas leis complementares estaduais nº 07/91, 11/93, 19/94, 30/95 e 36/98. Muitos desses servidores jamais foram exonerados, tendo permanecido durante, aproximadamente, os últimos 20 anos no serviço público, executando, de boa-fé, suas atividades diárias da mesma forma como seus colegas efetivos (concursados) ou mesmo os ocupantes de cargos comissionados.

Agora, anos depois do ingresso desses servidores, fala-se de forma reiterada na necessidade de exonerar, demitir ou distratar esses servidores temporários, a bem da aplicação da lei, pelo ingresso somente via concurso público.
Nesse contexto é que se retoma a questão inicial: até que ponto é legítima a intervenção do Judiciário para desfazer situações consolidadas pelo tempo? Os defensores da exoneração dos servidores temporários sustentam que a Constituição Federal trouxe a regra absoluta do concurso público como ingresso no serviço (art. 37, II). Isso, aliás, não é apenas um argumento, mas um fato, pois, depois de 1988, não há exceção legal que permita o ingresso no serviço sem concurso público - salvo a nomeação para cargo em comissão.
Entretanto, ao que parece, a questão é maior do que a simples aplicação da letra da lei. Não que a lei seja norma a ser relativizada sempre, a qualquer tempo e sob qualquer pretexto. Não, porque isso é nocivo à segurança jurídica, que não se alinha com instabilidades. Todavia, o mesmo princípio da segurança jurídica impõe uma reflexão ponderada da legalidade em casos específicos, nos quais, em nossa opinião, insere-se a situação de alguns dos servidores temporários.
Para justificar essa ponderação, cabe ressaltar que a legalidade é um princípio e, como tal espécie de norma jurídica, não é, em abstrato, superior a nenhum outro princípio. Em outras palavras, princípios, entre si, não têm hierarquia, de modo que, quando houver colisão entre eles, é no caso concreto que se aplicará um ou outro, por meio do juízo de ponderação. Não se pode predeterminar que a legalidade é superior, por exemplo, aos princípios da segurança jurídica, da proteção à confiança e da boa-fé objetiva.
Pois bem. Posicionando a discussão a partir dessa premissa (não há hierarquia entre princípios), cabe destacar algumas situações decorrentes desses anos de serviço público prestados pelos temporários: (i) os que ainda estão no cargo, por certo, fizeram por merecer; do contrário, já teriam sido penalizados ou mesmo demitidos; (ii) a cada ano de inércia da Administração Pública, crescia a expectativa de que, em termos de previdência e seguridade, algum efeito aquele labor prestado ao serviço público surgiria; (iii) o Estado beneficiou-se da contribuição previdenciária, quer para INSS ou para o regime próprio de previdência.
Assim, é absolutamente verossímil afirmar que, ante a inércia do Poder Público, alguma confiança de que aquela situação não mais se alteraria surgiu, pois não é característico da vida humana a convivência sob constante instabilidade, bem como porque a Administração sempre teve o poder de desfazer a ilegalidade, sem, entretanto, efetivamente fazê-lo. Além disso, o fato de permanecerem tanto tempo no serviço público consolidou, objetivamente, a vida profissional e familiar desses servidores, que destinaram uma parcela significativa de suas vidas ao serviço público.
É aí que a confiança, que é valor protegido pelo direito, desponta como justificativa para a permanência desses servidores no cargo público. Embora tivesse o poder para tanto, a Administração Pública não os exonerou no prazo inicialmente previsto, prorrogando, indefinidamente, o vínculo dos servidores que só podiam pressupor a legalidade de suas situações. Acresça-se, ainda, que é ilógico afirmar, sob a ótica da segurança jurídica, que a relação do Estado com esses servidores esteve e sempre estará em risco, pois a instabilidade não é comum à ideia de justiça e direito; em algum momento desses longos anos de serviço, há que se admitir que houve a estabilização desses servidores.
Nesse ponto, é fácil verificar que a situação dos temporários representa o conflito direto entre os princípios da legalidade e do amplo acesso aos cargos públicos com os princípios da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa-fé objetiva. Daí, numa análise crítica, ponderando os princípios envolvidos, é possível compreender que a repercussão social será expressivamente mais negativa e prejudicial caso simplesmente haja a desconsideração da estabilização dos servidores e sua exoneração do serviço público. Esses, que por vontade da Administração Pública permaneceram tantos anos no serviço público, deparar-se-ão, do dia para a noite, com a necessidade de se reinserir no mercado de trabalho, após anos exercendo apenas uma atividade: o serviço público.
Quem sofrerá maior prejuízo? Aqueles que têm mera expectativa de tentar ingressar no serviço público, caso seja mantida a situação funcional dos temporários, ou estes últimos, que efetivamente já estão há anos no serviço público, caso não lhes seja reconhecida a estabilização de sua situação funcional e haja sua exoneração?
Acolhendo grande parte dos argumentos aqui expendidos, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, analisando o recurso em mandado de segurança nº. 29.970/PA, reconheceu, por unanimidade, o direito de uma servidora temporária permanecer no serviço público, ante a estabilização de sua situação funcional após 15 anos de serviço público.
Esse caso citado ainda deverá ser julgado, novamente, pelo próprio STJ e, também, pelo STF, caso o estado do Pará, que é parte recorrida no processo, provoque a atuação da Corte Maior. Além disso, muita discussão judicial ainda é aguardada sobre a questão dos temporários. Entretanto, fato é que não se está diante, simplesmente, de uma hipótese de se aplicar literalmente a lei, ignorando princípios que também são normas jurídicas e são afetos à própria ideia de justiça.

FONTE: Conjur, acessado em 17/11/2011.



sábado, 20 de agosto de 2011

Agiotagem e execução. STJ abre caminho para os bancos...

Agiotagem não implica nulidade da execução de contrato de empréstimo
O reconhecimento da prática de agiotagem, por si só, não implica a nulidade de contrato de empréstimo que embasou execução. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que é possível a anulação da cobrança de juros abusivos com a redução da execução ao que permite a lei. O entendimento seguiu voto do relator do recurso, ministro Sidnei Beneti.

O recurso julgado diz respeito a um empresário, tomador de empréstimo, que contestou a execução promovida com base em três notas promissórias. Ele afirmou que os documentos seriam nulos porque contêm juros superiores àqueles legalmente permitidos, o que caracterizaria agiotagem.

Em primeira e segunda instâncias, a prática da agiotagem foi reconhecida, mas a execução foi mantida com a readequação dos juros aplicados à dívida. Para o Tribunal de Justiça do Paraná, ainda que a agiotagem esteja caracterizada, não há necessidade de decretação de nulidade da execução, pois é possível a anulação apenas da cobrança de juros usurários com a redução da execução ao nível permitido por lei.

O empresário recorreu, então, ao STJ. Insistiu na tese de que a execução seria nula e que, por isso, não poderia ter prosseguimento sequer pelo valor real da dívida, com a exclusão dos juros abusivos. Para o empresário, o ato jurídico deveria ser considerado 'nulo de pleno direito', uma vez que seu objeto seria ilícito.

Ao decidir a questão, o ministro Beneti concordou que tanto o Código Civil de 1916, vigente para o caso, quanto o CC atual, estabelecem que 'é nulo o ato jurídico (lato sensu) quando ilícito for o seu objeto'. No entanto, o ministro ressalvou que a ordem jurídica 'não fulmina completamente atos que lhe são desconformes em qualquer extensão'.

Beneti esclareceu que o CC tem vários dispositivos que celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. E essa orientação já existia no CC/16: o artigo 153 afirmava que 'a nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável'. 'Sempre que possível, deve-se evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o aos parâmetros da legalidade', ressaltou o ministro.

Sendo assim, no julgamento do caso, o relator entendeu que deve ser aplicada a regra do CC que autoriza a redução dos juros pactuados em excesso, independentemente do que teriam as partes convencionado se soubessem da ilegalidade do contrato. 'Essa é a razão por que se admite a revisão de contratos de mútuo bancário para redução de encargos abusivos', explicou.

Além disso, o ministro citou artigo 11 da Lei da Usura (Decreto 22.626/33), segundo o qual, nos contrato nulos, fica assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a maior. 'Se ao devedor é assegurada a repetição do que houver pago a mais é porque o que o foi corretamente, dentro do que autorizado na norma, não deve ser repetido. E se não deve ser repetido é porque deve ser mantido', concluiu.

Fonte: STJ, acessado em 20/08/2011.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O caso merecia maior análise pelo STJ, a não ser que seja o prenúncio do entendimento que Corte adotará daqui para adiante.
O processo de execução exige um título executivo (um cheque ou um contrato, por exemplo) e que a dívida seja líquida, certa e exigível. Ou seja, a dívida deve estar calculada, vencida e não contestada. No caso, mesmo havendo um título supostamente executivo (nota promissória) ela não era certa nem exigível, porque foi comprovada a agiotagem. A cobrança somente seria possível por ação ordinária, e somente depois uma ação de execução ou execução no processo de origem. Até lá, não poderia haver protesto, inclusão no SPC/Serasa etc.
Mas com uma execução mesmo indevida os efeitos do SPC e do Serasa são imediatos. Evidente o dano patrimonial e o dano moral. Mas o STJ disse que a execução poderia existir. Mesmo com um título incerto e inexigível, pois o valor era incerto?
Esperamos estar equivocados, mas abrem-se as portas para execuções indevidas e excessivas por parte dos bancos. E os efeitos serão os mais desastrosos possíveis.

sábado, 7 de agosto de 2010

Quando a Administração Pública comente ilegaldiade, o maior prejudicado é sempre o cidadão!

Por volta do mês de novembro do ano de 2009 fomos incumbidos de dar tratamento ao seguinte problema jurídico: um servidor público da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo foi injustamente demitido. Entenda o motivo.

No início da década de 90, o Governo do Estado promoveu um processo seletivo público (verdadeiro concurso) para a admissão de servidores a certo cargo "comissionado". Pela atual sistemática legal, os cargos comissionados não necessitam de concurso ou de seleção pública para serem preenchidos; basta a nomeação do indicado pelo agente competente. A exoneração também não exige processo administrativo, porque se trata da chamada exoneração ad nuntum (a critério de conveniência e da oportunidade), mas esse não era o caso do servidor.

Este cidadão se submeteu a verdadeiro concurso público, tendo disputado as vagas com centenas e centenas de outros pretendentes. Por ter sido aprovado, o cidadão foi nomeado.
Ocorre que a Secretaria da Fazenda criou os tais cargos "comissionados" há mais de dez anos, mas ainda hoje as sua atribuições são típicas às de um cargo efetivo. A administração criou o cargo  com o designativo "comissionado", mas de comissionado o cargo não tinha nada. Um verdadeiro cargo público, com as atribuições típicas dos cargos de provimento efetivo e providos por disputa pública.

Esse servidor exerceu as suas atribuições por mais de dez anos e, após resistir a violento assédio moral foi irregularmente "exonerado ad nuntun". Houve a necessidade de garantir os seus direitos! Após ajuizar uma ação, por liminar, o servidor retornou ao cargo. No entanto, a sentença foi de improcedência (reconhecimento da possibilidade de “demissão” ad nuntum), mas antes mesmo da decisão de última instância a Secretaria da Fazenda (em procedimento reprovável), optou por novamente "demitir" o funcionário público. 

Em verdade, o juiz de primeira instância não compreendeu a real situação dos fatos e decidiu pela inexistência do direito de o servidor permanecer no cargo conquistado por concurso público, mas indevidamente nominado de “cargo comissionado”.
Houve um recurso por parte do servidor e com o recurso, a necessidade de se aguardar o pronunciamento da segunda instância. Mesmo assim, a Secretaria da Fazenda decidiu "demitir" o servidor antes da decisão final.

Foi quando, então, chegaram às nossas mãos os documentos do servidor N.O. Após analisada a questão,  houve a impetração de um Mandado de Segurança contra o Governador do Estado de São Paulo. Subscrevemos a ação judicial e às vésperas do Natal de 2009, em decisão liminar do Presidente do TJ/SP, o servidor foi novamente reintegrado. Atualmente, ele aguarda o julgamento do seu recurso e a decisão definitiva do Mandado de Segurança.

Quando a Administração Pública comete ilegalidades, o prejudicado é sempre o indivíduo, o cidadão, seja ele funcionário público ou não!
Veja mais aqui.
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Atualização para 04/05/2014.
Com base nos argumentos jurídicos por nós articulados na ação de Mandado de Segurança, os fatos foram apresentados em sustentação oral perante o TJ/SP durante o julgamento do recurso de Apelação. E a Apelação do servidor foi vencedora. E tendo sido a ação revertida para decretar o direito do servidor, o Mandando de Segurança foi arquivado.

No ano de 2012 outros três servidores em idêntica situação (participaram do mesmo concurso público para o preenchimento de “cargos em comissão”) buscaram orientação jurídica sobre seus casos. De pronto, preparamos ação judicial que teve concedida a liminar impedindo as exonerações. Houve decisões de procedência, em primeira e segunda instância, confirmando o direito dos três servidores de serem mantidos nos seus cargos, com todas garantias dos demais servidores estáveis.