VENDA CASADA: JUSTIÇA ANULA ATOS DA CEF.
** Comentários do
Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
As notícias abaixo
foram obtidas junto aos canais de informação do MPF em São Paulo, e o texto da
sentença foi obtido mediante acesso ao processo em questão.
Não é novidade que
bancos, quando em situação privilegiada, tentam subjugar o consumidor. Com a
CAIXA, responsável pela concessão de financiamentos operados pelo manejo de
depósitos do FGTS (o Fundo de Garantia é uma poupança forçada que pertence ao
trabalhador) ocorre o mesmo. O mesmo, não! Pior! Como pretender constranger aquele
que é, de fato e em última instância, o próprio dono do dinheiro utilizado para
o financiamento imobiliário?
A Justiça Federal
declarou a nulidade das vendas casadas, e ainda determinou à CEF promover o chamamento
público para a restituição dos valores indevidamente cobrados.
Entenda os fatos e
confira, ao final, a sentença.
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Caixa é condenada por venda casada em financiamentos
O juiz federal da 3ª
vara em Franca, Marcelo Duarte da Silva, acatou pedido do Ministério Público
Federal e concedeu tutela antecipada para impedir a Caixa Econômica Federal de
exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários
a aquisição de outros produtos e serviços do banco, como seguro de vida e
título de capitalização.
O inquérito civil para
apurar a prática de venda casada na Caixa foi instaurado no ano passado pelo
MPF, a partir de uma representação de um cidadão por meio do Digi-Denúncia,
disponível no site da PR/SP na internet. Durante
a apuração dos fatos, o órgão constatou diversas situações em que a Caixa
condicionou o empréstimo financeiro para a aquisição de imóvel à contratação de
outros serviços da instituição, o que tira a liberdade de escolha do
consumidor.
Para o MPF, esse ato é
caracterizado como venda casada e além de infringir os direitos garantidos no
Código de Defesa do Consumidor, também ofende o direito de acesso à informação,
uma vez que o cliente é levado a crer que a liberação do financiamento está
ligada à compra de outros produtos.
Para divulgar esses
esclarecimentos aos seus clientes, a Caixa deverá fixar cartazes em todas as
agências presentes nos municípios de Franca, Aramina, Buritizal, Cristais
Paulistas, Guará, Igarapava, Ipuã, Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Patrocínio
Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina e São José da Bela
Vista, além de publicar notícia em pelo menos dois jornais de grande circulação
dessa região.
Duarte declarou ainda a anulabilidade de todas as vendas casadas
de produtos e serviços oferecidos pela instituição. Já os consumidores
prejudicados, com contratos de financiamento firmados a partir de 14 de outubro
de 2008, deverão ser notificados por meio de carta sobre a possibilidade de
devolução, com correção monetária e juros de mora legais, notificando o valor
pago pelos serviços indesejados.
Para reivindicar a devolução, os clientes deverão comparecer, em
um prazo de 90 dias, à agência onde firmaram contrato de financiamento de
imóvel e protocolar requerimento. O dinheiro deverá ser devolvido em 30 dias
pela Caixa, sob pena de multa diária de R$ 100.
Para cada dia de
atraso, a Caixa terá que pagar multa diária de R$ 100 mil na providência das
determinações de tutela antecipada, e para cada contrato em que se verificar
descumprimento da decisão, a multa será de R$ 10 mil. Além disso, para o
pagamento de prestações do financiamento imobiliário, o banco somente poderá
exigir abertura de conta corrente que contenha serviços básicos e gratuitos.
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MPF em Franca ajuíza ação para impedir Caixa de fazer “venda
casada” nos contratos de financiamento imobiliário
Ação pede devolução em dobro de valores
pagos, como determina o Código de Defesa do Consumidor para cobranças indevidas
O Ministério Público Federal em Franca
ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Caixa Econômica
Federal (CEF) deixe de exigir, sugerir ou impor a aquisição de outros produtos
e serviços da instituição para a confirmação de contrato de financiamento
imobiliário.
Liminarmente, o MPF pede, também, que a
Caixa deixe de exigir dos consumidores que eles abram conta corrente na agência
na qual financiam o imóvel para o pagamento das parcelas do financiamento (que
pode ser realizada através de boleto bancário); que sejam suspensos, caso
solicitado pelos consumidores, os pagamentos das próximas parcelas de serviços
indesejados paralelamente adquiridos; e que a CEF divulgue esclarecimentos aos
seus clientes, por meio de correspondência e por cartazes afixados nas
agências, sobre a não obrigatoriedade da compra de produtos para liberação do
contrato de financiamento imobiliário.
Por meio de inquérito civil público, o
MPF em Franca constatou diversas situações em que a Caixa condicionou o
empréstimo financeiro para a aquisição de imóvel à contratação de outros
serviços ou produtos da instituição financeira. Para o MPF, esse procedimento
caracteriza a “odiosa prática de venda casada”, prevalecendo-se a instituição
financeira, por vezes, da fraqueza ou ignorância do consumidor para
impingir-lhe seus produtos e serviços”.
No entendimento do MPF, a Caixa viola
expressamente dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e ofende o direito
de acesso à informação – fazendo o cliente acreditar que a liberação do
financiamento está realmente atrelada à compra de produtos diversos, retirando
do consumidor seu direito de livre escolha.
DEVOLUÇÃO EM DOBRO. A
procuradora da República Sabrina Menegário, autora da ação, defende que é
cabível impor à Caixa “o pagamento em dobro dos valores indevidos que lhe foram
pagos por conta de sua prática abusiva”, como “sanção pedagógica e preventiva
revertida em favor dos consumidores lesados”. Além dos pedidos em caráter
liminar, portanto, o MPF ainda pede que, caso seja condenada, a CEF devolva, em
dobro, tudo o que foi pago indevidamente pelos consumidores a título de
contratação de produtos indesejados nos últimos cinco anos. A solicitação
deverá partir do consumidor.
O inquérito civil público para apurar a
prática de venda casada na Caixa foi instaurado a partir de uma representação
de um cidadão por meio do Digi-Denúncia, disponível no site da PR/SP na
internet. Outros clientes foram ouvidos pelo MPF, e a procuradora Sabrina
Menegário constatou que “a grande maioria das pessoas ouvidas relatou que em
uma das etapas da pactuação sentiram-se coagidas a adquirir novos produtos além
do financiamento, pois, caso contrário, o Comitê de Avaliação responsável pela
análise do financiamento não aprovaria o negócio”.
Mesmo o banco tendo demonstrado que em
seus contratos de financiamento não há cláusula que obrigue a contratação de
produtos ou serviços, a instituição financeira vale-se do desconhecimento de
seus clientes e repassa a informação de que, para a efetivação de seus pedidos,
é indispensável a aquisição de diversos produtos da CEF.
“SELEÇÃO”.
Sabrina Menegário observa, ainda, que a indução da Caixa é feita seletivamente
entre pessoas “humildes, de baixa renda e idosos”. “Por vezes, até mesmo
aquelas que aderem ao 'Minha Casa Minha Vida', programa do Governo Federal que
oferece facilidade às famílias de baixa renda na obtenção da casa própria”, destaca.
A CEF é empresa pública federal e deve ser pautada por premissas de ordem
pública e interesse social, sob pena de faltar com sua finalidade. A habitação,
por sua vez, está entre as necessidades básicas do ser humano, e o
financiamento imobiliário existe para proporcionar esse direito sobretudo a
famílias de baixa renda.
A Caixa exige que, na assinatura do
contrato, o fiduciante abra uma conta corrente na agência para fazer os
pagamentos das parcelas, ignorando o direito do consumidor de escolher como quer
pagar suas parcelas e fazendo com que o consumidor arque com tarifas de
movimentação da conta. Com a justificativa de que o banco precisa que sejam
cobertos os custos de serviços cartorários e demais despesas e da efetivação do
financiamento, o banco exige, também, o depósito inicial de cerca de 5% do
valor do financiamento. Porém, esse valor muitas vezes não é totalmente usado
para esse propósito, mas sim, para cobrir os custos dos serviços e/ou produtos
paralelamente adquiridos, impedindo que o valor restante seja gasto pelos
consumidores da maneira que quiserem.
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A SENTENÇA
“Vistos. Cuida-se
de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da Caixa
Econômica Federal, com a qual pretende a imposição de obrigação de não fazer,
consistente na abstenção de exigir, sugerir ou impor a aquisição de outros
produtos e/ou serviços da instituição financeira aos fiduciantes dos contratos
de financiamento imobiliário; que a Caixa se abstenha de exigir que os
fiduciantes abram conta corrente na instituição com o único fim de facilitar o
pagamento das prestações; aos fiduciantes que assim solicitarem, a imediata
suspensão dos produtos e/ou serviços paralelos e o envio de correspondência a
todos os clientes a afixação de cartazes esclarecendo sobre a não
obrigatoriedade desses produtos e/ou serviços como medida condicionante de
liberação de financiamentos.
Afirma o
Ministério Público Federal que a Caixa Econômica tem praticado a chamada
"venda casada" de produtos e/ou serviços, como seguros e abertura de
conta corrente para a facilitação do pagamento de suas prestações como
condicionante à liberação de financiamentos imobiliários. Juntou documentos,
basicamente os autos do inquérito civil público n. 1.34.005.000248/2012-39, da
Procuradoria da República no Município de Franca e requereu a antecipação de
tutela (fls. 02/25 e anexos).
Este Juízo, antes
de apreciar o pedido liminar, determinou se aguardasse a manifestação da ré
(fls. 28).Às fls. 32/64 o Ministério Público Federal juntou novos
documentos.Citada à fl. 31, a Caixa Econômica Federal contestou o pedido
formulado pelo autor, alegando a tempestividade da contestação; a ilegitimidade
ativa do Ministério Público Federal; a inadequação da via eleita; a
disponibilidade do direito discutido na lide; a natureza individual do direito
discutido na lide; a vedação de pedido genérico; a litispendência com outras
ações civis públicas e o alcance das decisões.
Quanto ao mérito,
a CEF sustentou não ter ocorrido venda casada e que suas práticas são
lastreadas na legislação e especialmente nas resoluções do Conselho Monetário
Nacional; que oferece licitamente taxas de juros menores para clientes com
relacionamento mais estreito; que não condiciona a aprovação de qualquer
financiamento à aquisição de outros produtos e serviços, como seguros em geral,
títulos de capitalização, planos de previdência privada, apenas oferecendo como
todo e qualquer banco comercial faz.Por derradeiro, contesta os pedidos de
antecipação de tutela, indenização em dobro e aplicação de multa em caso de
descumprimento, juntando documentos (fls. 69/173). Decisão que indeferiu o
pedido antecipatório às fls. 175, dando-se vista ao MPF para réplica, que não
se manifestou (fls. 175 verso e 176).
É o relatório do
essencial. Passo a decidir.
Conheço
diretamente do pedido nos termos do artigo 330, II, do Código de Processo
Civil. Inicialmente, cumpre-me verificar que a contestação apresentada pela Caixa
Econômica Federal é intempestiva, uma vez que o aviso de recebimento da carta
citatória foi juntado em 14/10/2013 (fls. 31), e não no dia 17/10/2013 como
mencionado às fls. 69. Tanto o AR de citação quanto a petição do MPF,
protocolada em 10/10/2013, foram juntados na mesma data, ou seja, 14/10/2013.
No dia 15/10/2013 foi juntada a petição da CEF protocolada em 14/10/2013,
anexando procuração e substabelecimento.
No mesmo dia
15/10/2013 o processo saiu em carga para o advogado da Caixa, que o devolveu no
dia seguinte, ou seja, em 16/10/2013 (fls. 68), de maneira que a alegação de
que fora juntado no dia 17/10/2013 não tem o menor cabimento. Portanto, o prazo
para o protocolo da contestação era o dia 29/10/2013, sendo que a mesma foi
protocolada apenas no dia 30/10/2013 (fls. 69), do que decorre a sua
intempestividade. Decorrido o prazo, precluiu a oportunidade da Caixa de se
defender (art. 183, CPC), presumindo-se verdadeiros os fatos afirmados pelo
autor (art. 319, CPC), observado que se trata de direitos disponíveis (art.
320, II, CPC). A aplicação dos efeitos da revelia, contudo, não exime o
julgador de apreciar as questões prejudiciais ao mérito. Da ilegitimidade ativa
do MPF, da disponibilidade e da natureza individual do direito discutido na
lide Inicialmente, verifico que os interesses patrocinados pelo Ministério
Público Federal nesta demanda são individuais homogêneos e disponíveis, o que
não se enquadraria - a uma primeira vista - na legitimação do Parquet. Ocorre
que são interesses decorrentes de relação de consumo massificada, apresentando
relevância social por essas duas características.
Com efeito, a
chamada venda casada in casu é atribuída indistintamente aos contratos de
financiamento para aquisição de imóvel para moradia, de maneira que pode
alcançar todos os consumidores que pretendam adquirir um imóvel para moradia mas que podem se ver obrigados ou coagidos a
adquirir outros produtos da Caixa Econômica Federal a fim de que seus pedidos
de financiamento sejam aprovados. Embora cada um dos mutuários possa defender o
seu direito individualmente, a larga escala de situações semelhantes acabam por
trazer um sério risco para o direito à moradia, eminentemente social, a
justificar a legitimação do Ministério Público em Juízo.
É notório que a Caixa Econômica Federal é a instituição
financeira mais atuante nesse mercado, sobretudo em relação a financiamentos a
pessoas de baixa renda, como o programa do Governo Federal intitulado Minha
Casa Minha Vida, onde há, inclusive, subsídios em dinheiro. Como a própria
Caixa diz em sua contestação, é parceira do Governo Federal na consecução de
políticas públicas (fl. 125), entre elas a concessão de linhas de
financiamentos que viabilizem a aquisição da casa própria por uma parcela menos
abonada da sociedade. Ora, se a Caixa Econômica Federal é o principal agente
financeiro da política habitacional do Governo Federal, a massa de
financiamentos imobiliários passa a influir direta e significativamente no
direito social à habitação. Logo, eventual prática abusiva nessa seara
interessa a toda a sociedade, justificando e reclamando a atuação do Ministério
Público, legitimando-o a atuar em Juízo por meio da ação civil pública,
conforme tem se manifestado a jurisprudência pátria, inclusive do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (grifos meus): Ementa
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DISPONÍVEIS. LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRECEDENTES. 1. O Ministério Público possui
legitimidade para propor ação civil coletiva em defesa de interesses
individuais homogêneos de relevante caráter social, ainda que o objeto da
demanda seja referente a direitos disponíveis (RE 500.879-AgR, rel. Min. Cármen
Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-AgR, rel. Min. Celso De
Mello, Segunda Turma, DJe de 29-08-2008). 2. Agravo regimental a que se nega
provimento. Decisão A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Senhor
Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 04.06.2013. (Processo RE-AgR 401482; Relator
Min. Teori Zavascki) Ementa RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE
ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS
PREPARATÓRIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. VIOLAÇÃO DO
ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. Inexiste violação ao arts. 535 do CPC
quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma
suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não
está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte quando os
fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. A
relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e
a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor,
consoante decidido pela Suprema Corte na ADI 2591. 3. No caso em julgamento, o
Ministério Público estadual propôs ação cautelar para exibição de documentos
bancários (listagem de correntistas da agência bancária e cópias dos contratos
celebrados entre as partes), de modo a constatar a ocorrência de alegada
prática abusiva quanto à imposição para aquisição de produtos bancários
("venda casada"), com vistas a eventual ajuizamento de ação civil
pública. 4. O contingente de inúmeros correntistas, clientes da ré,
possivelmente compelidos a adquirir produtos agregados quando buscam abertura
de contas-correntes, pedidos de empréstimos ou outros serviços bancários,
denota a origem comum dos direitos individuais e a relevância social da
demanda, exsurgindo a legitimidade ativa do Parquet também para a ação
cautelar. 5. Recurso especial não provido. (Processo RESP 200702129660; Relator
Min. Luis Felipe Salomão; STJ; Órgão julgador Quarta Turma; Fonte DJE Data: 01/02/2012)
Ademais, a Lei n. 7.347/85, em seu artigo 1º, inciso II, dispõe que
"regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao
consumidor". Já o seu artigo 21 dispõe que "aplicam-se à defesa dos
direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os
dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".
Os artigos 81 e
82 do CDC permitem que o Ministério Público promova a defesa coletiva dos
interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes
de origem comum. Por fim, vejo que o artigo 91 do CDC estende a legitimação do
Ministério Público para propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou
seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos
individualmente sofridos. Em outras palavras, em se tratando de interesses ou
direitos relativos ao consumidor, o Ministério Público tem ampla legitimação
para defendê-los, inclusive quando se trate de interesses e direitos
individuais homogêneos e disponíveis, de modo que rejeito tal preliminar. Da
inadequação da via eleita Diz o artigo 83 do CDC que "para a defesa dos direitos
e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de
ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela". Já o artigo 84
do mesmo diploma legal reza que "na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento". Mais não precisa ser dito para se
afastar a preliminar argüida. Da vedação de pedido genérico Diz o artigo 95 do
CDC que "em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica,
fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados". Já o artigo 97 do
mesmo diploma legal dispõe que "a liquidação e a execução de sentença
poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos
legitimados de que trata o art. 82". Logo, a ação civil pública para a
defesa de interesses e direitos do consumidor possui regramento processual
próprio sobre o assunto, não se aplicando as regras do Código de Processo Civil
no particular. Mais não precisa ser dito para se afastar a preliminar argüida.
Da litispendência e do alcance das decisões
Como a própria
Caixa Econômica Federal menciona em sua contestação (fls. 96), o artigo 16 da
Lei da Ação Civil Pública diz que "a sentença civil fará coisa julgada
erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se
o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova". Assim, não há que se falar em litispendência se
nenhuma das ações apontadas pela ré tramitam na 3ª. Região. Ademais, extrai-se
da petição inicial (embora o pedido seja omisso quanto a esse ponto) que a pretensão
limita-se às cidades que compõem a Subseção Judiciária de Franca, uma vez que
as investigações empreendidas no inquérito civil público correspondente
limitaram-se a esta localidade. Portanto, rejeito a alegação de litispendência
e acolho o pedido de limitação dos efeitos da sentença à Subseção Judiciária de
Franca-SP.
Superadas as
questões prejudiciais, passo ao exame do mérito. Nada obstante a presunção de
veracidade dos fatos alegados pelo autor, que incide no presente caso por força
do quanto dispõe o artigo 319 do Código de Processo Civil, a importância do
assunto tratado nestes autos reclama uma incursão na matéria fática, a fim de
melhor ser compreendido o correspondente desfecho jurídico. O próprio interesse
transindividual e social não se contentaria com a simples afirmação da regra de
imposição dos efeitos da revelia. Como é cediço, o Ministério Público Federal
teceu algumas afirmações na petição inicial que não se verificaram nem mesmo
pela prova coligida pelo próprio Parquet.
A primeira delas
se refere à ação seletiva ao induzir, de modo prevalecente, pessoas humildes,
de baixa renda e idosos. Observando os depoimentos tomados na sede da
Procuradoria da República em Franca-SP, vejo que nenhum dos mutuários era
idoso. Pelo contrário, a grande maioria dos ouvidos era de jovens e aparentavam
estar abaixo dos 40 anos de idade. De outro lado, a observação dos mutuários
ouvidos permite inferir que havia pessoas mais cultas e menos
intelectualizadas, fator que não foi determinante para se empreender ou não a
atitude maliciosa descrita na petição inicial. Esclareço.
Há pessoas
nitidamente com um grau cultural e intelectual superior a outras. Algumas delas
foram vítimas da conduta lesiva e outras não. Exemplifico. Das pessoas que
demonstraram um maior poder de articulação, que, em princípio não seriam
vítimas fáceis da conduta lesiva, posso citar Aline Salmazo Lopes Correa,
Anderson Richard Diniz, Douglas Lemos Damasceno, Gabriela S. Coelho Silva,
Melanie de Melo Almeida, Simone Batalha Velten, Walber Charles de Souza e
Weslei Rodrigues e Ana Paula. Outros mutuários, igualmente articulados, não
foram e nem se sentiram constrangidos ou pressionados para adquirir outros
produtos quando da concessão do financiamento. Dentre eles, posso citar: Danilo
Augusto Serafim, Giovanni Aurélio de Brito, Michelle de Andrade Benedito, Paulo
Leandro Borges, Rodolfo Bassi Filho, Roque Dalcin, Sabrina da Silva Gualberto
Pereira e Zênite Marques da Silva. Vê-se,
portanto, um equilíbrio entre as pessoas aparentemente mais cultas que foram
vítima da pressão ou coação dos funcionários da Caixa e as que não sentiram
vitimizadas por esse tipo de assédio. Note-se, porém, que mesmo entre aqueles
mais cultos que não se sentiram coagidos ou constrangidos, houve relatos de
oferecimento dos produtos no momento de conclusão do contrato de financiamento
e praticamente todos confirmaram a exigência da abertura de conta-corrente para
o pagamento das prestações mensais do financiamento.
Entre os demais
mutuários ouvidos, também houve quem se sentisse pressionado ou não a adquirir
outros produtos como condicionante para a aprovação do financiamento ou pelo
menos a sua agilização. Dessa forma, tenho que a alegação do Parquet de que a
Caixa seleciona as potenciais vítimas da conduta lesiva pelos critérios da
baixa renda, humildade (aqui entendida como pouca instrução) ou idade, não tem
repercussão na prova colhida. No entanto, a conclusão óbvia que parte dessa
observação é que existe, de fato, uma política mais ou menos generalizada de
tentar empurrar produtos como seguro de vida, seguro residencial, título de
capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis,
exatamente no momento de entrega da documentação para ser encaminhada ao setor
de aprovação dos financiamentos ou no momento imediatamente anterior à
assinatura do contrato de mútuo. Houve quem mencionasse com clareza absoluta
tal prática, a qual leva, realmente, a boa parte dos consumidores se sentirem
coagidos, pressionados ou ao menos induzidos a adquirir tais produtos com o justo
receio de não ter o seu financiamento aprovado ou, no mínimo, retardado. Embora
não conste nos contratos essa condição, muitas vezes cria-se um ambiente
propício para que o mutuário se sinta vulnerável e, na dúvida de ver o seu
financiamento rejeitado ou postergado, acabe por aceitar a contragosto
contratar outros produtos que não têm a menor relação com o financiamento
pleiteado. Dos 27 depoimentos tomados pelo Ministério Público Federal, em 14
deles ficou bem claro que a Caixa se aproveitou do momento de vulnerabilidade
dos consumidores (repita-se: tanto os mais ou os menos cultos) para
empurrar-lhes produtos não desejados, sentindo-se pressionados - quando não
coagidos - a tais aquisições para ver seus financiamentos aprovados. São
depoimentos eloqüentes, críveis, tomados em inquérito civil público, por
representante do Ministério Público Federal, os quais devem ser recebidos como
prova firme, seja pelo efeito clássico da revelia, seja pela sua própria
eloqüência. Nesse sentido, posso destacar a suma de alguns depoimentos: Aline
Salmazo Lopes Correa: não foi dito expressamente que a aquisição de 3 produtos
era condição para a aprovação do financiamento, mas receou que assim fosse,
restando subentendido que seria parte do financiamento, pois foi aproveitada a
sobra do depósito para as despesas com documentação. Anderson Richard Diniz: se
sentiu revoltado, pois já foi vendedor e tinha conhecimento dessa prática por
experiência própria. Mencionou que foi obrigado a engolir a aquisição de um
seguro e não aceitou pagar a taxa de manutenção da conta-corrente. Celso Augusto Fernandes de Castro: já
sabia, por intermédio de um amigo, que os funcionários do banco empurrariam
seguro de vida, residencial e plano de previdência privada. Também
mencionou a utilização da sobra do depósito para as despesas com documentação.
Cristina Alves de Lima: não chegou a questionar o procedimento, porquanto veio
tudo pronto para assinar: o contrato de financiamento e um título de
capitalização, entendendo que fazia parte do financiamento e que não tinha
outra opção. Divina de Fátima Tanja Gomes: sentiu que teve que comprar um
título de capitalização XCap e seguro de casa, achando que também teve que
adquirir um seguro de vida, pois fazia parte do financiamento. Douglas Lemos Damasceno: ficou claro para
esse mutuário que se não adquirisse o seguro residencial o seu financiamento
não seria liberado. O mutuário chegou a advertir o funcionário da Caixa de que
aquela conduta era ilegal e recebeu como resposta que estavam seguindo orientações
superiores. O valor do seguro foi
tirado da sobra do depósito para as despesas com documentação. Fabíola Carla da
Silva: o funcionário que a atendeu disse que era preciso fazer o seguro e o
plano de previdência para aprovar o financiamento, mesmo sem condições
financeiras para tanto, vindo a aceitar tal condição porque precisava adquirir
o imóvel. Gabriela S. Coelho Silva: os
funcionários da Caixa disseram que ela precisaria fechar três produtos, ou
seja, seguro de vida, título de capitalização e seguro de casa. Sua amiga já havia dito que dela exigiram a
aquisição de dois produtos, pelo que a depoente acabou questionando o por quê
da diferença entre elas. No entanto, acabou aceitando porque queria a casa.
O valor dos produtos foi tirado da sobra do depósito para as despesas com
documentação. Luzia Aparecida da Silva: quando foi assinar o contrato de
financiamento, disseram que ela tinha que fazer vários seguros. Perguntou se
podia não fazê-los, sendo-lhe respondido que não. Fizeram o seguro de vida e pagaram
na hora R$ 900,00 com a sobra do depósito para as despesas com documentação.
Melanie de Melo Almeida: entendeu que houve insinuação de que o seu
financiamento não seria aprovado se não adquirisse outros produtos. Mencionou
que a funcionária lhe disse textualmente: "A Caixa ajuda quem ajuda a
gente". Acabou fazendo seguro de vida e previdência privada. O valor dos
produtos foi tirado da sobra do depósito para as despesas com documentação.
Teve que abrir uma conta corrente e pagar taxa de manutenção mensal de R$
24,00. Pedro Luis Miras Garcia: teve que
pagar um seguro contra incêndio, além da obrigatoriedade de abrir uma conta
corrente e pagar taxa de manutenção mensal de R$ 25,00. Simone Batalha
Velten: fez relato longo e detalhado, descrevendo que existe uma pressão, mas
não se recordava de que fora uma condicionante. É uma forma de indução. O
gerente disse que seria bom ter esses produtos, mas não disse para quê. Fez um
depósito para as despesas com documentação. Depois que tinha assinado o
contrato, perguntou se tinha mais alguma coisa que seria debitada daquele
depósito, pois estava apertada e precisaria se organizar. A moça viu o extrato
e disse-lhe: "mas você ainda não fez o pacote? O que você quer?". A
mutuária disse que não queria e perguntou o que precisava comprar. A moça
respondeu: "não, mas uma parte desse dinheiro é para você comprar algum
produto". A mutuária se sentiu induzida, perguntou qual era o valor
mínimo, fez o seguro de vida e se sentiu confusa. Quando chegou em casa, verificou
no contrato que não havia tal obrigatoriedade e depois voltou para cancelar o
seguro, quando percebeu que não tinha obrigação nenhuma de ter adquirido tal
produto. Se sentiu pressionada, ainda
que tenha ocorrido após a assinatura do contrato. Mencionou que amigos lhe
disseram ter vivido a mesma situação. Walber Charles de Souza: eles
colocaram um monte de contratos para assinar e teve que fazer título de
capitalização, seguro de vida, cartão de crédito e abertura de conta corrente
com cheque especial. Eles sacaram do depósito para as despesas com
documentação. Só fez porque tinha que fazer. Weslei Rodrigues e Ana Paula: eles
não obrigam, mas deixem entender que se não comprar não sai o financiamento.
Eles dizem que precisa ter um vínculo para ser aprovado. Só quando foram levar
os documentos é que souberam que teriam que fazer um consórcio de automóveis,
que aí seria certeza que seria aprovado. Eles não deixaram os mutuários optarem
por um plano de previdência, dizendo que tinha que ser um consórcio de
automóvel. Além disso, tiveram que abrir uma conta. Quem assiste aos
depoimentos não fica com dúvida da conduta maliciosa, insidiosa,
constrangedora, capaz de vencer até mesmo aqueles consumidores que se mostraram
mais articulados e claramente contrários a tal procedimento, como Anderson
Richard Diniz, Douglas Lemos Damasceno, Gabriela S. Coelho Silva, Melanie de
Melo Almeida e Weslei Rodrigues e Ana Paula. Outros casos semelhantes foram
retratados por denúncias feitas ao PROCON de Franca, conforme os documentos de
fls. 33/64, inclusive cópia de contratos de seguros de vida efetivamente
adquiridos e pagos. Ainda quanto aos fatos, vejo que os contratos que instruem
o inquérito civil público anexo não trazem cláusula expressa de que o mutuário
tem outras opções de forma de pagamento que não o débito em conta corrente e o
desconto em folha de pagamento. Todavia, há cláusula que permite tal
interpretação: "O encerramento da conta corrente bem como o cancelamento
do débito dos encargos em conta corrente implica na perda definitiva do
redutor" (p.ex. cláusula 4ª, 11º, fls. 569).
Ora, se o
cancelamento do débito ou encerramento da conta implica somente a perda do
redutor da taxa de juros do financiamento, subtende-se que o financiamento
poderá prosseguir, com a taxa "normal" por meio de boletos, carnês,
Internet banking, terminais de autoatendimento, etc. Essa é a posição firmada
pela Caixa em contestação, de modo que este Juízo reputa possível a cobrança
das prestações mensais de resgate do mútuo por essas outras formas. Logo, se os
depoimentos mostram que é exigido do pleiteante a abertura de conta-corrente,
então existe a condicionante negada pela Caixa.
De igual modo, se
praticamente todos os contratos que instruem o inquérito civil público trazem
como forma de pagamento o "débito em conta corrente", sendo que
somente dois trazem a expressão "débito em conta" (fls. 331 e 522),
forçosa é a conclusão de que a abertura de conta corrente junto à Caixa é, de
fato, condicionante para a aprovação do financiamento. Os contratos que instruem
o inquérito civil público deixam bem claro que se o mutuário tiver, até a data
da assinatura do contrato de financiamento, conta corrente com cheque especial,
cartão de crédito desbloqueado, conta-salário aberta na Caixa e débito dos
encargos mensais vinculados ao financiamento em conta corrente na Caixa, é
concedido um redutor à taxa de juros. Estes são os fatos. Passo ao exame
jurídico.
Conforme já dito,
a revelia da Caixa induz à presunção de veracidade das alegações do Ministério
Público Federal quanto aos fatos, muitos deles também comprovados pelos
documentos juntados à inicial, sobretudo os depoimentos tomados no inquérito
civil público. Primeiramente, concluo que se a esmagadora maioria dos contratos
que instruem o inquérito civil público traz como forma de pagamento o débito em
conta corrente, a Caixa tem cumprido a cláusula que reduz a taxa de juros se o
mutuário opta por essa forma. Vejo que a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho
Monetário Nacional impede a cobrança de tarifas pela prestação de serviços
bancários essenciais a pessoas naturais na seguinte forma:Art. 2º É vedada às
instituições mencionadas no art. 1º a cobrança de tarifas pela prestação de
serviços bancários essenciais a pessoas naturais, assim considerados aqueles
relativos a:I - conta de depósitos à vista: a) fornecimento de cartão com
função débito; b) fornecimento de segunda via do cartão referido na alínea
"a", exceto nos casos de pedidos de reposição formulados pelo
correntista decorrentes de perda, roubo, furto, danificação e outros motivos
não imputáveis à instituição emitente; c) realização de até quatro saques, por
mês, em guichê de caixa, inclusive por meio de cheque ou de cheque avulso, ou
em terminal de autoatendimento; d) realização de até duas transferências de
recursos entre contas na própria instituição, por mês, em guichê de caixa, em
terminal de autoatendimento e/ou pela internet; e) fornecimento de até dois
extratos, por mês, contendo a movimentação dos últimos trinta dias por meio de
guichê de caixa e/ou de terminal de autoatendimento; f) realização de consultas
mediante utilização da internet; g) fornecimento do extrato de que trata o art.
19;h) compensação de cheques; i) fornecimento de até dez folhas de cheques por
mês, desde que o correntista reúna os requisitos necessários à utilização de
cheques, de acordo com a regulamentação em vigor e as condições pactuadas; e j)
prestação de qualquer serviço por meios eletrônicos, no caso de contas cujos
contratos prevejam utilizar exclusivamente meios eletrônicos; Como existe essa
vedação, forçoso é concluir que a simples exigência de abertura de conta
corrente na Caixa não pode ser considerada venda casada, porquanto a prestação
do serviço de manutenção de conta corrente pode ser gratuita. Como é cediço, a
venda casada pressupõe que ambos os produtos ou serviços sejam cobrados. Se um
deles é gratuito e, no caso, traz facilidades para a instituição bancária e
comodidade para o consumidor, não posso ver tal prática como abusiva ou ilegal.
O que não pode
acontecer é a cobrança das tarifas da cesta ou pacote de serviços opcionais sem
a anuência do consumidor. De outro lado, nada mais natural que o banco conceda
o redutor de juros somente aos clientes que consintam em abrir uma conta
corrente com a cesta ou pacotes de serviços opcionais. Nesse sentido, a
contestação da Caixa é convincente, inclusive quanto à economia em casos onde o
valor da prestação atinge os patamares das hipóteses colocadas às fls. 134/136.
Ocorre que os contratos que instruem o inquérito civil público trazem, no geral,
prestações bem menores, onde se imagina que a diferença entre as prestações
debitadas e as lançadas por boletos provavelmente não seja maior que a taxa de
manutenção da conta corrente. Portanto, fica ainda mais reforçada a conclusão
supra: a exigência de abertura de conta corrente, pura e simplesmente, não
caracteriza venda casada se não for cobrada nenhuma tarifa. Se houver cobrança,
caracterizada estará a venda casada.
No tocante à
venda casada de outros produtos, tais como seguro de vida, seguro residencial,
título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de
automóveis, no contexto de aprovação de financiamento de imóveis, nada obstante
os efeitos da revelia, a prova trazida pelo Ministério Público Federal é
eloqüente. Com efeito, o teor dos depoimentos tomados no inquérito civil
público deixa claro que é prática comum a insinuação, o constrangimento, a
pressão - geralmente de modo velado - para que o pretendente ao financiamento
adquira - onerosamente - outros produtos como condição para a respectiva
aprovação ou, ao menos, a agilização do procedimento de aprovação. Pouquíssimos
mutuários afirmaram que os funcionários da Caixa exigiram, peremptoriamente, a
aquisição de outros produtos para a aprovação do financiamento. No entanto,
vários consumidores ouvidos relataram de modo convincente, preciso, detalhado,
que se sentiram pressionados, constrangidos, induzidos a adquirirem outros
produtos a fim de não ver frustrado o financiamento de seus imóveis. O receio demonstrado por tais consumidores
não denota ignorância ou erro de avaliação, como quer fazer crer a Caixa em sua
contestação. O receio era justo e o ambiente era propício a que os consumidores
se sentissem vulneráveis a ponto de aceitar tais aquisições desnecessárias ou
indesejadas naquele momento. É de todo evidente que a pequena amostragem do
inquérito civil público não permite a conclusão de que tal prática abusiva
ocorra com todos, com a maioria ou com determinada porcentagem dos casos. No
entanto, é significativo o número de situações semelhantes, o que
ultrapassa aquela sensação de constituírem casos esporádicos ou excepcionais,
gerados possivelmente da atuação individual e infeliz de um ou outro
funcionário da CEF. Pelo contrário, deixa a impressão muito forte de que se
trata de prática comum, recorrente, talvez por supostas pressões superiores
para o atingimento de metas de desempenho comercial, atropelando-se direitos
dos consumidores que se vêem, ao menos momentaneamente, em situação de
vulnerabilidade. Como é cediço, são direitos básicos do consumidor, entre
outros, a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e
serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações,
bem como a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusiva ou
impostas no fornecimento de produtos e serviços (cfe. art. 6º, incisos II e IV,
CDC).
As práticas aqui
descritas caracterizam inegavelmente a chamada "venda casada" e são
consideradas abusivas nos termos do artigo 39, incisos I, IV e V do CDC:Art.
39. É vedado ao fornecedor de produtos
ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884,
de 11.6.1994) I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites
quantitativos; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor,
tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem
manifestamente excessiva; Concluindo e sumulando, a prática recorrente de venda
casada aqui observada é considerada abusiva e, por isso, vedada pelo Código de
Defesa do Consumidor, devendo a Caixa Econômica Federal evitar novas condutas
semelhantes, além de reparar as lesões já perpetradas. Assim, procede o pedido
de expedição de ordem de não fazer à Caixa Econômica Federal, proibindo-a de
exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos
imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa. A mera
sugestão, desde que acompanhada da clara desnecessidade de aquisição para a
aprovação do financiamento não pode ser obstada, dado o caráter privado da
atividade da ré. As astreintes sugeridas na petição inicial devem ser impostas
de maneira diversa, ou seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato onde
se verificar a infringência a esta decisão. Quanto ao pedido de obstar a Caixa
de exigir a abertura de conta corrente para facilitar o pagamento das
prestações deve ser atendido parcialmente, ou seja, o que não se pode exigir é
a cobrança de taxa de manutenção sem a aquiescência do cliente. Se for
oferecida a conta corrente com os serviços básicos e gratuitos de que trata a
Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional, nada impede que a Caixa
estabeleça essa obrigatoriedade em função das facilidades para o próprio
consumidor e a economia gerada com a ausência de impressão de boletos e entrega
via Correios, por exemplo. Improcede, de outro lado, o pedido de condenação à
devolução, em dobro, dos valores pagos indevidamente a título de contratação de
produtos ou serviços indesejados, nos termos do parágrafo único do artigo 42 do
CDC.
Com efeito, o
referido dispositivo legal é claro quanto ao seu propósito: evitar
constrangimentos no momento da cobrança. No presente caso, o constrangimento
ocorreu, na verdade, no momento da contratação e não na posterior cobrança dos
débitos correspondentes. Assim, o remédio é anulação do contrato, com a
restituição dos contratantes aos status quo ante, ou seja, com o desfazimento
do negócio e a devolução, com correção monetária e juros de mora legais, do
quanto foi pago pelo negócio indesejado. A devolução em dobro significaria
ressarcimento pelo eventual dano moral sofrido pelos consumidores, o que,
todavia, não foi cogitado na petição inicial. À toda evidência que o
desfazimento dos contratos referidos não atinge aqueles que o seu objeto foi
cumprido sem prejuízo do consumidor. Portanto, se o seguro de vida ou
residencial foi utilizado, ou seja, se a seguradora pagou por algum sinistro
verificado em valor superior ao prêmio corrigido e acrescidos de juros de mora
legais, o contrato inicialmente empurrado acabou por beneficiar o consumidor enganado,
não havendo lesão propriamente dita.
No caso de plano
de previdência privada ou título de capitalização, se o valor resgatado for
igual ou superior ao valor investido e acrescido de correção monetária e juros
de mora legais, não haverá lesão e, portanto, não caberá o ressarcimento. Se
inferior ou inexistente, a Caixa deverá ressarcir a diferença ou o valor total,
conforme o caso. No caso de consórcio, se não houve contemplação, deve ser
ressarcido o valor integral. Se houve a contemplação e a utilização do bem,
eventual ressarcimento deve ser liquidado por artigos, uma vez que deverão ser
considerados fatores como a utilização do bem, sua desvalorização, entre
outros.
Há que se
respeitar o prazo prescricional de que trata o artigo 27 do Código de Defesa do
Consumidor, de modo que estão prescritas as pretensões quanto aos contratos
indesejados firmados antes de 14/10/2008, ou seja, cinco anos antes da citação
da Caixa Econômica Federal. Além disso, há que se respeitar o prazo decadencial
de 90 dias, a contar da publicação de edital em jornais (pelo menos dois) de
grande circulação nesta Subseção, dando ampla divulgação ao conteúdo desta
sentença, tudo após o respectivo trânsito em julgado. Essa publicação não
prejudica a obrigação de notificações individuais a todos os mutuários de
financiamentos de imóveis com contrato assinado a partir de 14/10/2008, por
meio de carta com aviso de recebimento ou por cartório extrajudicial.
Diante dos
fundamentos expostos, suficientes para firmar minha convicção e resolver a
lide, ACOLHO PARCIALMENTE, COM RESOLUÇÃO
DE MÉRITO, nos termos do artigo 269 do CPC, o pedido formulado pelo
Ministério Público Federal para condenar
a Caixa Econômica Federal a abster-se de exigir, pressionar, constranger ou
impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários a aquisição de outros
produtos e serviços da Caixa, tais como seguro de vida, seguro residencial,
título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de
automóveis, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato
onde se verificar a infringência a esta decisão. Declaro que a Caixa Econômica
Federal somente poderá exigir a abertura de conta corrente para o pagamento
dessas prestações com os serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução
n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional. Declaro a anulabilidade de todas
as vendas de produtos e serviços contratados ao tempo da celebração de
financiamentos de imóveis das quais resultou prejuízo aos respectivos
consumidores, declarando, ainda a possibilidade dos consumidores lesados, com
contratos de financiamento firmados a partir de 14/10/2008, pleitearem
individualmente a devolução, com correção monetária e juros de mora legais, do
quanto foi pago pelo(s) negócio(s) indesejado(s) e aqui caracterizados como
vendas casadas. Para tanto, deverão comparecer, no prazo de 90 dias, à agência
onde firmaram o contrato de financiamento de imóvel (caso tenha sido fechada,
na agência central de Franca) e protocolar requerimento simples para a
devolução do seu dinheiro, que deverá ser pago em 30 dias, sob pena de multa
diária de R$ 100,00 (cem reais). Condeno a Caixa Econômica Federal a publicar
editais em pelo menos dois jornais de grande circulação nesta Subseção,
notificando os mutuários de financiamentos de imóveis com contrato assinado a
partir de 14/10/2008, por meio de carta com aviso de recebimento ou por
cartório extrajudicial, de que terão o prazo de 90 dias para protocolarem o
requerimento de devolução dos valores relativos aos negócios indesejados, cujo pagamento
deverá ser efetuado em 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem
reais). Sem condenação em custas processuais e honorários advocatícios nos
termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85.A presente sentença não está sujeita ao
reexame necessário. Reconhecido o direito do autor - muito mais do que a
verossimilhança da alegação - vejo que é justo o receio de dano de difícil
reparação das centenas (ou mesmo milhares) de consumidores que pretendam manter
a mesma relação jurídica com a CEF, na Subseção de Franca, que tenham que
esperar pelo trânsito em julgado desta sentença. Assim, reunidas as condições
do art. 273 do Código de Processo Civil, antecipo parcialmente os efeitos da
tutela, para determinar, desde já, que a Caixa Econômica Federal se abstenha de
exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos
imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa, tais como
seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de
previdência privada e consórcio de automóveis, sob pena de multa de R$
10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato onde se verificar a infringência a
esta decisão. A partir deste momento, a Caixa Econômica Federal somente poderá
exigir a abertura de conta corrente para o pagamento dessas prestações com os
serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho
Monetário Nacional. Para tanto, deverá publicar notícia em pelo menos dois
jornais de grande circulação nesta Subseção e afixar cartazes em todas as suas
agências nesta Subseção com a suma desta decisão (mínimo de 30 em cada uma), no
prazo de 20 dias a contar da intimação desta sentença, conforme modelo anexo,
mantendo-os enquanto tramitar a presente demanda, o que poderá ser objeto de
fiscalização pelo próprio Ministério Público Federal. Ainda que se possa
caracterizar redundância, tendo em vista a excepcionalidade do efeito
suspensivo ao recurso contra esta decisão (art. 14 da Lei 7.347/85), deixo
claro que a presente sentença, nos tópicos antecipados, produzirá seus efeitos
assim que publicada, conferindo-se o pra zo de 20 dias para as referidas
providências, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Tendo
em vista a abrangência local da presente sentença, oficie-se, com cópia desta,
os MM. Juízos Federais desta Subseção Judiciária, para conhecimento, com as
nossas homenagens. P.R.I.C. Franca, 22 de abril de 2014. Marcelo Duarte da
Silva - Juiz Federal. ANEXO: Modelo com texto mínimo para editais e cartazes
para o cumprimento da tutela antecipada"A Caixa Econômica Federal vem à
público informar que, por decisão da 3ª. Vara da Justiça Federal em Franca-SP
nos autos n. 0002564-67.2013.403.6113, todos os pretendentes a financiamento de
imóvel na Subseção de Franca (Municípios de Franca, Aramina, Buritizal, Cristais
Paulista, Guará, Igarapava, Ipuã, Itirapuã, Ituverava, Jeriquara, Patrocínio
Paulista, Pedregulho, Restinga, Ribeirão Corrente, Rifaina e São José da Bela
Vista) devem ser informados de que a abertura de conta corrente somente pode
ser exigida pela Caixa se contar com os serviços básicos e gratuitos de que
trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional. De acordo com a
referida decisão judicial a Caixa Econômica Federal está proibida de exigir,
pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos
imobiliários, a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa, tais como
seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de
previdência privada e consórcio de automóveis. Se e quando esta decisão se
tornar definitiva, a Caixa Econômica Federal publicará novo edital comunicando
os direitos dos consumidores lesados, ou seja, que contrataram financiamento de
imóveis em agências localizadas nos municípios acima mencionados a partir de
14/10/2008 e que foram vítimas da referida venda casada de produtos e
serviços".