segunda-feira, 22 de agosto de 2011

"Carta Aberta aos 'Terceirizados' e à Comunidade Jurídica": quando o Juiz compreende perfeitamente o papel do Direito e da Justiça na socidade da qual faz parte.


O texto abaixo foi escrito pelo Juiz do Trabalho do TRT de Campinas e Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Jorge Luiz Souto Maior. O Magistrado (com "M"!) já foi objeto de longa e depreciativa reportagem da revista Exame (Editora Abril), publicação voltada para o empresariado e com linha editorial marcada pela defesa aberta do capitalismo e exacerbado liberalismo econômico. A revista Exame até apelidou Souto Maior de "O juiz Robin Hood". Para entender os motivos, é imprescindível ler a excepcional Carta escrita por Souto Maior.

Carta Aberta aos “Terceirizados” e à Comunidade Jurídica

* Jorge Luiz Souto Maior


A sociedade brasileira está tendo a oportunidade de ver o que representa o processo de terceirização, sobretudo no setor público, a partir da realidade vivenciada – mais uma vez, infelizmente, na Universidade de São Paulo. Esta é uma situação muito triste, mas, ao mesmo tempo, grandiosa, ao menos por quatro aspectos: primeiro, porque os trabalhadores tercerizados estão tendo visibilidade (logo eles que estão por aí nos ambientes de trabalho como seres invisíveis); segundo, porque eles próprios estão se reconhecendo como cidadãos e estão demonstrando possuir, ainda, capacidade de indignação frente à injustiça; terceiro, porque os demais trabalhadores e cidadãos estão tendo a chance de exercitar um sentimento essencial da condição humana, a solidariedade; e, quarto, porque aos profissionais do direito está sendo conferido o momento para questionar os aspectos jurídicos que conduziram à presente situação. O fato é que a terceirização é, antes de tudo, um fenômeno criado pelo direito, tendo, portanto, o direito toda a responsabilidade quanto às injustiças que tal fenômeno produz.

A Universidade de São Paulo, como tantos outros entes públicos e privados, achou por bem contratar uma empresa para a realização dos serviços de limpeza no âmbito de suas unidades de ensino. E se assim fez é porque considerou que o direito lhe permitia fazê-lo. Tratando-se de um ente público a contratação se fez, por determinação legal, por meio de licitação.


Ocorre que, respeitando-se a lógica do procedimento em questão, quem sai vencedor da licitação é a empresa que oferece o menor preço – não sendo muito diferente o que se passa no âmbito das relações privadas.


Pois bem, o que se extrai desse contexto é a conseqüente lógica da precarização das garantias dos trabalhadores, pois há a transferência da responsabilidade de uma empresa economicamente sólida ou de um ente público para uma empresa que não possui, necessariamente, nenhum lastro econômico e cuja atividade não vai além de organizar a atividade de alguns trabalhadores e lhes repassar o valor que lhe seja pago pelo ente contratante dos serviços, o qual, ademais, não faz mesmo questão de saber se o valor pago vai, ou não, fragilizar o ganho dos trabalhadores, pois que vislumbra destes apenas o serviço prestado, sendo certo que considera, por óbvio, a utilidade de obter esse serviço pelo menor preço possível.


Do ponto de vista dos trabalhadores terceirizados as conseqüências dessa situação vão muito além da mera precarização das garantias do trabalho, significando mesmo uma forma de precarização da sua própria condição humana, vez que são desalojados do contexto da unidade em que prestam serviços. Os “terceirizados”, assim, tornam-se em objetos de contratos e do ponto de vista da realidade, transformam-se em seres invisíveis. E isso não é mera figura de retórica, pois a maior forma de alguém ver reduzida a sua condição de cidadão é lhe retirar a possibilidade concreta de lutar pelo seu direito e é isso, exatamente, o que faz a terceirização.


Vejamos esta afirmação a partir do exemplo da USP. O ente público contratou a empresa União, para uma prestação de serviços durante 05 (cinco) anos e o fez a partir do pressuposto do menor preço. Para extração de seu lucro, a empresa União, diante do valor que lhe era pago mensalmente, em diversas ocasiões deixou de cumprir os direitos dos trabalhadores e a Universidade de São Paulo bem sabia disso.


A situação em questão está documentada no Termo de Ajuste de Conduta n. 94, firmado pela referida empresa perante o Ministério Público do Trabalho (PRT – 2ª. Região), em 2007, pelo qual se comprometeu a fornecer vale-transporte aos trabalhadores, a efetivar os depósitos do FGTS e a recolher a contribuição previdenciária, assim como no Inquérito Civil, instaurado no âmbito do Ministério Público do Trabalho (PRT – 2ª. Região), em novembro de 2010, para apurar novas irregularidade cometidas pela empresa em questão com relação aos trabalhadores que executam seus serviços na USP, sobretudo no que tange denúncias de assédio moral, ameaças aos empregados e transferências com propósito de retaliação, seguindo, inclusive, reportagem elaborada no próprio “Jornal do Campus” e no Termo de Ajuste de Conduta n. 2.139, firmado também junto ao Ministério Público do Trabalho (PRT – 2ª. Região), em abril de 2011, desta feita para que a empresa União assumisse o compromisso de respeitar o intervalo legal de 11 (onze) horas entre duas jornadas de trabalho dos trabalhadores “terceirizados” em atividade na USP.


Ou seja, o que se passou a partir de 05 de abril de 2011, quando os trabalhadores da empresa União já estavam cumprindo aviso prévio, em razão do término do contrato de prestação de serviços entre dita empresa e a USP, vencido o prazo de 05 (cinco) anos, já era uma tragédia anunciada. Ora, como uma empresa que durante todo o curso do contrato de prestação de serviços se viu, de certo modo, “obrigada”, diante do valor do que lhe era repassado pela USP, nos termos do contrato, a eliminar direitos dos trabalhadores, tais como “vale-transporte”, teria condições financeiras de arcar com os custos legais do término de 400 relações de emprego? E olha que os exemplos apresentados de descumprimento da legislação não indicam as situações individualizadas, que de fato existem, de supressão de férias e exercício de trabalho em horas extraordinárias, fato que, ademais, é possível razoavelmente supor a partir do próprio conteúdo do Termo de Ajuste de Conduta, firmado em abril de 2011 (acima citado), pois para que haja supressão do intervalo de 11 horas, ou o empregado trabalhava além de oito horas por dia ou tem que se submeter a um revezamento de horário que pode lhe integrar a novo regime de limitação da jornada.


Cumpre esclarecer, ainda, que, segundo versão da Empreza Limpadora União, expressa em nota pública, a Universidade de São Paulo já estava lhe pagando apenas 70% da nota de serviços há quatro meses e, em março/11, já tinha obtido decisão judicial, de caráter liminar, conferindo-lhe o direito ao recebimento integral da fatura, o que não teria sido respeitado pela Universidade.


Pois bem, com todo esse imbróglio, o que se verifica, na seqüência, é a utilização do Direito para, enfim, acabar de fulminar com os terceirizados!


O fato é que a USP já sabia, há muito, por óbvio, que a situação financeira da empresa prestadora não lhe permitiria arcar com os custos das cerca de 400 rescisões. Então, alguns meses antes do término do contrato da prestação de serviços, por oportuno, “descobriu” que a empresa prestadora tinha dívida com a União Federal (inscrita no CADIN) e, assim, deixou de repassar parte (precisamente, 30%) da prestação mensal que devia à prestadora. Mas, o fez, certamente, como forma de argumentar, mais adiante, apegando-se no novo entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da terceirização no âmbito público, que não poderia ser responsabilizada subsidiariamente pelas dívidas de natureza rescisória dos empregados da Empreza União (e mesmo com relação a todos demais direitos que restassem pendentes, considerando a situação individualizada dos trabalhadores terceirizados), pois que teria agido com a devida atenção ao fiscalizar a atuação da empresa de terceirização, tanto que logo que soube de sua condição de inadimplente perante o Estado tratou de reter o pagamento que lhe era devido...


Ora, só não querendo enxergar para não perceber a estratégia jurídico-econômica estabelecida pela Administração da Universidade no caso, tanto que sequer se dispôs a dizer, publicamente, quando, afinal, fez essa grande “descoberta”. De todo modo, ainda que a descoberta tenha ocorrido, de fato, após a Universidade ter pago 70% da prestação à empresa prestadora, o fato concreto é que pelo próprio conteúdo do contrato é possível saber que lhe estava embutida uma lógica de supressão de direitos.


E, ademais, segundo versão da Empreza União, a Universidade vem adotando tal procedimento há quatro meses e, assim, mesmo com o conhecimento da dívida, tem pago 70% do valor da fatura. Mas, por que 70%? Qual a explicação jurídica para esse percentual?


Conforme os dados que vieram a público, a USP depositou em juízo 30% do valor da prestação mensal devida à empresa prestadora pelos serviços contratados de limpeza, que inclui mão-de-obra de cerca de 400 empregados e material de limpeza. Os 30% representaram, conforme consta do processo n. 0008336-48.2011.8.26.0053, com trâmite na 8ª. Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, no qual o depósito foi realizado, a importância de R$146.493,43. Isso significa dizer que o valor total da prestação mensal é de R$488.311,43, o que se demonstra totalmente insuficiente para o pagamento sequer dos cerca de 400 empregados, ainda mais se considerarmos que do pagamento em questão a empresa prestadora retira ainda valores necessários à compra de material de limpeza, tributos e, por óbvio, o seu lucro. A matemática é implacável: o salário desses trabalhadores é, em geral, o salário mínimo, qual seja, R$545,00 e segundo o professor da FEA/USP, José Pastore, “Em decorrência da legislação, as empresas pagam cerca de 102% sobre o valor do salário” (Emprego e encargos sociais, artigo publicado em O Jornal da Tarde, 09/02/1994), acrescentando, ainda, que “O custo da rescisão do contrato de trabalho é elevado, podendo chegar a 2 salários (em alguns casos, até mais).” (Idem, Relações de trabalho - flexibilizar para sobreviver, artigo publicado em A Folha de São Paulo, 21/04/1990). Assim, chegar-se-ia ao custo total mensal de R$440.360,00, a título exclusivo de mão-de-obra, isto sem considerar a custo do material de limpeza para 10 (dez) unidades, os tributos e o lucro da empresa prestadora, além do custo adicional das rescisões.


Resta claro, pois, que o desrespeito aos direitos trabalhistas está inserido no contexto da terceirização operada, o que, aliás, não é um privilégio da situação em exame. A precarização trata-se, como se verifica em diversas outras experiências, da própria lógica do fenômeno, proporcionando, até mesmo, o exercício, de forma natural, da perversidade, pois, afinal, como se verifica na situação em comento, não pode mesmo ser outro o sentimento que inspira a Administração da Universidade ao engendrar uma “saída” jurídica para mais adiante tentar se desvencilhar de qualquer obrigação perante os direitos dos trabalhadores terceirizados, não tendo, para tanto, a menor preocupação com o que se passará na vida dessas pessoas sem o concreto recebimento do salário e a perda do emprego seguida do não recebimento de verbas rescisórias. Se pessoas vão, de fato, passar necessidade isso não lhe importa; o que vale mesmo é defender o “interesse público” de sugar as forças de pessoas sem qualquer comprometimento jurídico ou humanístico.


Cumpre não olvidar que estamos falando de pessoas que recebem salário mínimo, cujo montante, portanto, é estritamente alimentar.


E sabem o que dirão os Administradores da USP? Dirão que estão agindo em conformidade e nos limites da lei e que não podem, “infelizmente”, por mais que compreendam os dilemas humanos dos “terceirizados”, fazer algo a respeito. Dirão, ainda, que o que podiam fazer já fizeram, que foi efetuar o pagamento do valor contratualmente fixado, mediante depósito judicial. A empresa prestadora, por sua vez, dirá que o problema não é seu, pois só não efetuou o pagamento do salário por conta do procedimento adotado pela Universidade...


No jogo de empurra, resta aos terceirizados esperar a boa vontade de alguém, que não virá! O final da história já se sabe: se receberem os salários, sabe-se lá quando, não receberão, por certo, a integralidade de suas verbas rescisórias e se verão obrigados a ingressar na Justiça para o recebimento de tais valores, o que, com otimismo, deve levar dois ou três anos, a não ser que aceitem receber menos do que tem direito mediante um “acordo”, no qual conferirão “quitação” de todos os seus demais eventuais direitos, até porque, como apregoa o Supremo Tribunal Federal, “conciliar é legal”. E tudo se acertará, sem muitos incômodos... Afinal, por que se preocupar tanto com direitos de terceirizados que já estão acostumados com essa situação?


Por oportuno, vale o registro de que alguns empregados terceirizados, que vivenciaram a mesma situação, em 2006, ao término do contrato de outra empresa de terceirização, não receberam até hoje os seus direitos, como se verifica no Processo nº 01654200501802000, com trâmite no TRT da 2ª. Região (18ª. Vara), no qual são partes: Reclamante: Érica Rodrigues da Silva e Reclamadas: Bioclean Serviços Ltda. e IPEN - Instituto de pesquisas Energéticas e Nucleares (Autarquia Estadual vinculada à USP). A reclamação trabalhista em questão, movida em 2005, ainda não resultou no recebimento de qualquer valor por parte da reclamante, embora a sentença lhe tenha sido favorável, sendo mantida pelo Tribunal Regional. Ocorre que o IPEN interpôs Recurso de Revista, seguido de Agravo de Instrumento, para tentar levar o processo ao Tribunal Superior do Trabalho, talvez na tentativa de se ver livre de qualquer obrigação perante à Sra. Érica Rodrigues da Silva, vislumbrando, até mesmo, no caso de insucesso, recorrer ao Supremo Tribunal Federal, seguindo a “moderna” jurisprudência daquela Corte a respeito do assunto. A propósito, só para constar: a empresa Bioclean Serviços Ltda. possui processo de Falência (n. 0834106-14.2007.8.26.0000/02 - 000.05.092909-7/00002), em trâmite na 2ª Vara de Falência e Recuperações Judiciais...


Assim, não se pode deixar de considerar que há um grande risco, na verdade, uma quase certeza, de que os trabalhadores terceirizados jamais receberão os seus direitos, pois segundo o entendimento de “vanguarda” do Supremo Tribunal Federal a respeito da questão, inexiste responsabilidade do ente público pelas dívidas trabalhistas das empresas prestadoras de serviço na terceirização, a não ser nas situações em que se consiga fixar, em concreto, a culpa do ente público no que tange ao inadimplemento das obrigações trabalhistas. Só que a considerar a estratégia utilizada pela USP, de depositar em juízo parte dos valores que devia repassar à empresa terceirizada, sob o argumento de que esta tinha dívidas com o Estado, não é difícil imaginar a dificuldade que os trabalhadores terão em apontar a culpa da Universidade.


É interessante perceber que esse efeito fático, de deixar os terceirizados literalmente na mão, provocado pela decisão do STF na já famosa ADC n. 16, tem sido encarado como uma “vitória” pelos entes públicos, como anuncia a nota da Procuradoria Geral do Distrito Federal: "A Procuradoria-Geral do Distrito Federal obteve vitória hoje à tarde, em julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, referente à Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, referente ao artigo 71, da Lei nº 8.666/93. A decisão afasta em definitivo a responsabilidade do Poder Público em relação a qualquer débito trabalhista e fiscal das empresas contratadas. Importa destacar que esta decisão implica a economia de milhões de reais para os cofres distritais, já que existem mais de 4 mil ações judiciais em quais o Distrito Federal foi condenado a arcar com dívidas de empresas que prestaram serviços ao ente federativo. A importância do tema se revela na medida em que todos os estados-membros, a União e diversos municípios se uniram à iniciativa pioneira do DF em propor a ADC."


Aliás, é mesmo impressionante a quantidade de entes públicos que interferiram como “amigos” do Distrito Federal na referida Ação Direta de Constitucionalidade acerca do art. 71, da Lei n. 8.666/93, quais sejam: Departamento de Trânsito do Estado do Pará; Município de Belo Horizonte, Município de Jundiaí/SP, Município de Arcoverde, Município do Rio de Janeiro, Município de São Paulo, Município de Juiz de Fora, Município de Santo André, Município de Goiânia, Município de Boa Vista, Município do Recife, Município de Belém, União Federal, Estados do Amazonas, Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rondônia, Sergipe, São Paulo e Tocantins).


Essa situação revela que, de fato, estão todos unidos contra os “terceirizados”, pois, afinal, segundo se quer acreditar, talvez seja a concessão de direitos aos terceirizados o que trava o desenvolvimento do país...


Não pode haver dúvida: o entendimento do Supremo será utilizado para enterrar, de vez, os direitos dos trabalhadores terceirizados. E se dirá: não há injustiça nenhuma nisso, pois tudo tem o respaldo do Direito!


O problema é que não tem.


Como dito pelo Ministro Peluso, na mesma Ação Direta de Constitucionalidade, a terceirização no serviço público não tem amparo constitucional. De fato, não há um dispositivo constitucional sequer a autorizar o ingresso na realização de serviços essenciais ao ente público se não for por meio de ingresso por concurso público, salvo em situações de excepcional interesse público em caráter temporário.


Dizem o art. 37 e seus incisos I e II da CF: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”


Têm-se, assim, expressamente, fixados na Constituição os requisitos antes mencionados, para a execução de serviços públicos: impessoalidade; publicidade; moralidade; acesso amplo; concurso público; tudo para evitar os defeitos por demais conhecidos do favorecimento, do nepotismo e da promiscuidade entre o público e camadas privilegiadas do setor privado.


Resulta desses dispositivos que a execução de tarefas pertinentes ao ente público deve ser precedida, necessariamente, de concurso público. Nestes termos, a contratação de pessoas, para prestarem serviços à Administração, por meio de licitação fere o princípio do acesso público. Assim, se, por exemplo, algum município quiser contratar um servidor, deverá fazê-lo mediante realização de concurso público de provas e títulos, que será acessível a todos os cidadãos, respeitados os requisitos pessoais exigidos em termos de qualificação profissional, por acaso existentes e justificados em razão do próprio serviço a ser realizado. Ao se entender que o mesmo município possa realizar esse mesmo serviço por meio de uma empresa interposta, estar-se-á, simplesmente, dando uma rasteira no requisito do concurso público e mais permitindo o favorecimento de uma pessoa jurídica, que, no fundo, estará recebendo dinheiro público, sem uma justificativa para tanto.


Claro, se poderá dizer que há previsão, também na Constituição, no inciso XXI, do mesmo artigo 37, no sentido de que o ente público poderá contratar serviços mediante processo de licitação: “XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”


É tão óbvio que a expressão “serviços” contida no inciso XXI não pode contrariar a regra fixada nos incisos I e II, que chega mesmo a ser agressivo tentar fundamentar o contrário. Ora, como já dito, se um ente público pudesse contratar qualquer trabalhador para lhe prestar serviços por meio de uma empresa interposta se teria como efeito a ineficácia plena dos incisos I e II, pois que ficaria na conveniência do administrador a escolha entre abrir o concurso ou contratar uma empresa para tanto, a qual se incumbiria de escolher, livremente, a partir dos postulados jurídicos de direito privado, as pessoas que executariam tais serviços.


O inciso XXI, evidentemente, não pode ter tal significação. Tomando o artigo 37 em seu conjunto e mesmo no contexto do inciso XXI, em que se insere, o termo “serviços” só pode ser entendido como algo que ocorra fora da dinâmica permanente da administração e que se requeira para atender exigência da própria administração, como por exemplo, a implementação de um sistema de computador, ou a preparação dos servidores para trabalhar com um novo equipamento. Para esses serviços, o ente público poderá contratar, por prazo certo, uma empresa especializada, valendo-se, necessariamente, de processo de licitação.


Não se pode entender, a partir da leitura do inciso XXI, que o ente público, para implementar uma atividade que lhe seja própria e permanente, possa contratar servidores por meio de empresa interposta, até porque, se pudesse, qual seria o limite para isto? Afinal, serviço é o que realizam todos os que trabalham no ente público. O que fazem os juízes, por exemplo, senão a prestação de serviços ao jurisdicionado?


Costuma-se dizer que a “execução de tarefas executivas” , como, por exemplo, os serviços de limpeza, podem ser executados por empresa interposta, baseado no que prevê um decreto de 1967, número 200 e em uma Lei de 1970, número 5.645. Em primeiro lugar, um decreto e uma lei ordinária não podem passar por cima da Constituição, ainda mais tendo sido editados há mais de 40 anos atrás. Segundo, a Constituição não faz qualquer distinção quanto aos serviços para fins da necessidade de concurso público. Mesmo a contratação por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, deve ser precedida de pelo menos um processo seletivo. E, terceiro, como justificar que os serviços de limpeza possam ser exercidos por uma empresa interposta e não o possam outros tipos de serviço realizados cotidianamente na dinâmica da administração, como os serviços burocráticos de secretaria e mesmo todos os demais?


Se nos “serviços” a que se refere o inciso XXI pudessem ser incluídos os serviços que se realizam no âmbito da administração de forma permanente não haveria como fazer uma distinção entre os diversos serviços que se executam, naturalmente, na dinâmica da administração, senão partindo do critério não declarado da discriminação. Mas, isto, como se sabe, ou se deveria saber, fere frontalmente os princípios constitucionais da não discriminação, da isonomia, da igualdade e da cidadania.


Vale a pena, por isto, relembrar alguns textos constitucionais que devem ter incidência neste assunto, pois não é somente um pretenso interesse do administrador que pode ser considerado:


Art. 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (....) III - a dignidade da pessoa humana;


Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (....) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (....) XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;


Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (....) XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;


Retomando, a normatividade interna e o aspecto da abrangência da expressão “serviços”, contida no inciso XXI, do art. 37, da Constituição, interessante verificar que a própria Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, que regula o processo de licitação, considera, para fins da referida lei, “Serviço - toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais” (inciso II, do art. 6o.), pressupondo o seu caráter temporário, conforme previsão do art. 8o.: “A execução das obras e dos serviços deve programar-se, sempre, em sua totalidade, previstos seus custos atual e final e considerados os prazos de sua execução.”


Verdade que na mesma lei, encontra-se o inciso II, do artigo 57, que ao dispor do limite da duração dos contratos firmados com a Administração por meio de processo licitatório faz menção, excepcionando a regra, “à prestação de serviços a serem executados de forma contínua” à Administração. Mas, em primeiro lugar, referido dispositivo foi inserido na Lei em 1998, alterando inovação do texto legal realizada, em 1994, talvez no sentido de legitimar algumas práticas de terceirização já existentes no setor público, só que, evidentemente, não há legitimação de uma situação fática que contrarie a Constituição. Como a Constituição, como visto, determina que os serviços atinentes à dinâmica da Administração sejam realizados por servidores concursados, não será uma lei ordinária que dirá, validamente, o contrário.


Assim, adotando-se o princípio da interpretação em conformidade com a Constituição, o serviço contínuo, referido no inciso II, do art. 57, da Lei n. 8.666/93, só pode ser entendido como um serviço que se preste à Administração, para atender uma necessidade cuja satisfação exija alta qualificação de caráter técnico, requerendo, portanto, por meio de processo licitatório, a contratação de uma empresa especializada e que, embora permanente sua execução, se inclua na lógica do contexto de sua dinâmica organizacional apenas esporadicamente, como, por exemplo: a manutenção de elevadores; o transporte de valores em vultuosa quantia... Para além disso ter-se-á uma flagrante inconstitucionalidade.


Verdade que o artigo 175, também da Constituição, fornece ao administrador a possibilidade de escolha no que se refere aos serviços públicos. Diz o referido texto constitucional: “ Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”


No entanto, não se há confundir os “serviços” mencionados no inciso XXI, com serviço público. O serviço público, como explica Celso Antônio Bandeira de Mello, “é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados” .


Os “serviços públicos”, mencionados no artigo 175, têm, portanto, natureza diversa dos “serviços” a que se referem o inciso XXI, do art. 37. Os serviços públicos são prestados aos administrados e não à própria administração. A execução desses serviços públicos pressupõe, por óbvio, a criação de uma estrutura que seja própria a consecução de seus fins e que requer, portanto, o exercício de alguma atividade de natureza empresarial, que o Estado pode realizar por si ou mediante outorga a um ente privado, mediante licitação. Não se concebe, pela regra do art. 175, que o Estado transfira para o particular um serviço atinente à sua própria organização interna ou mesmo um serviço que se destine à população, mas que não requeira nenhum tipo de organização de caráter empresarial, pois neste último caso, a interposição do ente privado se faria apenas para possibilitá-lo explorar, economicamente, a atividade pública, sem oferecer nada em troca. Esta última questão pode ser mais polêmica, concordo, mas de todo modo não pode haver dúvida de que o art. 175 não é fundamento para a mera terceirização de serviços no âmbito da administração pública.


Contra a “tese” que se está sustentando neste texto pode-se, ainda, mencionar o disposto no artigo 247 da Constituição: “As leis previstas no inciso III do § 1º do art. 41 e no § 7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado.”


Assim, segundo a própria Constituição haveria uma distinção entre as atividades desenvolvidas no âmbito da Administração, sendo algumas consideradas “atividades exclusivas de Estado” e, outras, conseqüentemente, não.


Sim, isto é inquestionável, diante dos inequívocos termos do dispositivo constitucional. No entanto, abstraindo a dificuldade do que seria, propriamente, atividade exclusiva de Estado, o fato é que a diferenciação feita pela Constituição diz respeito, unicamente, aos critérios específicos para a “perda do cargo”, não tendo, portanto, nenhuma influência no aspecto do ingresso no serviço público, do que se trata a questão posta em discussão. Aliás, é o próprio artigo 247 que acaba reforçando a idéia de que o ingresso de todos os servidores da Administração, independente da tarefa que exerçam, se dê por intermédio de concurso público, pois, do contrário, não haveria sentido em trazer a distinção quantos aos critérios para a perda do cargo.


Conclusivamente, não há em nosso ordenamento constitucional a remota possibilidade de que as tarefas permanentes e constantes que façam parte da dinâmica administrativa do ente público serem executadas por trabalhadores contratados por uma empresa interposta. A chamada terceirização, que nada mais é que uma colocação da força de trabalho de algumas pessoas a serviço de outras, por intermédio de um terceiro, ou seja, uma subcontratação da mão-de-obra, na esfera da Administração Pública, trata-se, portanto, de uma prática flagrantemente inconstitucional.


E aí é que mora a maior gravidade do presente assunto. Desrespeita-se, frontalmente, a Constituição ao se efetuar a contratação de trabalhadores, no setor público, por intermédio da terceirização e, depois, constatada a precarização dos direitos desses trabalhadores, que está na própria lógica do fenômeno, busca-se permitir ao ente público valer-se do “direito” para se eximir de responsabilidade, como se este fosse, de fato, o interesse público. Mas, o que sobressai não é a razão jurídica e sim a pura maldade, que tem, pesarosamente, adquirido inúmeros adeptos no mundo do “direito”.


Voltando ao caso da USP, sabem o que a Administração da Universidade promoveu no momento em que os trabalhadores terceirizados paralisaram suas atividades como forma política de pleitearem o recebimento de seus salários? A USP contratou, em caráter de urgência, outra empresa de prestação de serviços, demonstrando, claramente, como estava “preocupada” com a situação humana dos terceirizados! E as contradições, então, emergem ainda mais. Ora, se o argumento da terceirização dos serviços de limpeza parte do pressuposto de que a atividade de limpeza não é essencial à dinâmica da Universidade, como a Universidade não consegue prosseguir suas atividades, durante um só dia, sem o serviço de limpeza?


Cumpre observar que, em concreto, o que a Universidade fez foi frustrar o direito de greve dos trabalhadores terceirizados, sendo certo que a lei de greve impede a contratação de trabalhadores durante o período da paralisação dos serviços. Bem verdade que, do ponto de vista estritamente legal, os terceirizados não estavam, tecnicamente, em greve, vez que o movimento não foi deflagrado pelo sindicato que os representa. Isso, no entanto, não retira a legitimidade do movimento, pois, ademais, os terceirizados não estavam em busca de melhores condições de trabalho, que é o objeto de uma greve, e sim exercendo o direito de não cumprirem a sua obrigação contratual de prestar serviços enquanto as partes contrárias não cumprissem a parte que lhes cabia, que era a do pagamento do salário em face de um serviço já executado.


Resumo da ópera: os cerca de 400 trabalhadores terceirizados da USP não receberão seus salários e perderão seus empregos sem o conseqüente recebimento das verbas rescisórias, isto sem falar em outros direitos que possam não lhes ter sido pagos no curso das respectivas relações de emprego. Essa situação, que, ademais, representa a história de milhões de trabalhadores terceirzados brasileiros, não agride a consciência de ninguém que não se sinta inserido nela. Aliás, a perspectiva de análise sobre o tema em questão tem sido a do tomador dos serviços, unindo-se as inteligências nacionais a serviço da proteção do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) em face dos “ameaçadores” direitos dos terceirizados.


Talvez o que falta, para uma melhor análise jurídica do fenômeno, seja uma efetiva compreensão do que se passa na vida dessas pessoas e quem sabe a presente greve dos terceirizados da USP possa se constituir uma oportunidade para tanto. Com vistas a contribuir para essa reflexão, permitam-me fazer o relato da recente experiência que vivi em “meio dia como terceirizado”.


No dia 11 de abril, diante da notícia de que os trabalhadores terceirizados da USP haviam entrado em greve, compareci no Campus para compreender a situação. No local, fui convidado pelos trabalhadores para integrar uma comissão de 10 (dez) trabalhadores que queriam conversar com representantes da USP, para que lhes fosse passada uma posição a respeito de seus salários e demais direitos. A comissão restou formada por volta das 8h, quando, então, foi transmitida a informação aos representantes da Universidade o propósito da comissão. Pediram-nos, em resposta, que aguardássemos e assim fizemos...


Enquanto isso, fui conhecendo um pouco mais aquelas pessoas e as suas dificuldades. Muitos estavam mesmo desesperados, sem saber como fariam se os salários não lhes fossem pagos o quanto antes. Eles não se conformavam com a situação. Não entendiam como aquilo poderia estar ocorrendo dentro da maior Universidade do país. Sua indignação advinha, sobretudo, do fato de que eram constantemente assediados pelos supervisores, que lhes exigiam, com bastante rigor, a execução regular de suas tarefas e o cumprimento de horários e demais obrigações e, agora, os mesmos rigores não serviam ao seu empregador e à Administração da Universidade quanto ao respeito de seus direitos. Diziam, com freqüência: “Comparecemos aqui todos os dias a partir das 5h e 30’, cumprimos todas as nossas tarefas sob ameaças e coações de todo tipo, e, agora, eles simplesmente não pagam nossos salários nem aparecem para nos dar explicações!” Os supervisores, aliás, estavam por ali, passando as mesmas dificuldades dos demais...


Conheci histórias de diversos deles, relatando a supressão de direitos, como a que atingia alguns que se encontravam já há dois anos sem tirar férias, mas a de uma, em especial, me chamou a atenção. Esta trabalhadora (a Sra. Moura) estava atuando na USP, na condição de faxineira, há 17 (dezessete) anos, tendo passado por diversas empresas de prestação de serviços. Ela não se via, por óbvio, como empregada da empresa de prestação de serviços, que era plenamente transitória em sua relação com a USP e cujos proprietários sequer conhecia. O seu vínculo era com a Universidade, a qual conhece como poucos, conforme os relatos que me fez... Passei a perceber, então, que este era um sentimento comum. Em geral, eles consideravam que faziam parte da Universidade, com a peculiaridade marcante de que não se vinculavam a uma unidade específica, conhecendo a dinâmica de várias delas. Claro, a visão deles era periférica, já que não tinham, em quaisquer das unidades, uma reciprocidade. Em concreto, os servidores, professores e alunos dos vários locais onde trabalhavam não lhes conheciam. Seu contato era restrito com os responsáveis pelo serviço de limpeza.


A conversa ia bem, até que percebi que já estávamos há mais de três horas esperando. Dirigi-me, então, acompanhado dos membros da comissão, à entrada do prédio da Administração da Universidade e qual não foi minha surpresa ao ver a montagem de um forte aparato de proteção contra a nossa presença no local. Queríamos entrar para ficar na sala de espera até o momento de sermos atendidos, pois já estávamos cansados de ficar sentados no chão do lado de fora do prédio, mas as portas estavam fechadas para nós, mediante a presença de seguranças. Pouco adiantava eu dizer que aquele era um prédio público e que eu e “meus companheiros” tínhamos solicitado uma audiência. Os seguranças pouco se importavam. Tinham ordens expressas para impedir a nossa entrada e o fariam de forma violenta se fosse necessário, pelo que pude perceber quando ameacei forçar um pouco a barra...


Em meio a tudo isso, servidores da Unidade em questão entravam para trabalhar e sequer nos olhavam. Era como se não existíssemos e quando percebiam nossa presença sentiam-se incomodados. Lá pelas tantas, já um pouco cansado, indaguei a um servidor, que buscava entrar no prédio, se ele não se importava com o que estava se passando com os terceirizados. Ele disse-me, simplesmente, que “as pessoas hoje em dia estão muito individualistas...”


Depois de muita insistência, veio uma ordem lá de dentro no sentido de que eu poderia entrar. Quando me dirigi à entrada, junto com um trabalhador terceirizado que ainda estava comigo (o Sr. André), pois os demais já haviam desistido, fomos novamente barrados, sob alegação do segurança de que eu poderia entrar, mas o terceirizado não. Aquela discriminação doeu forte e decidimos não entrar...


Passadas mais de 05 (cinco) horas, resolveram nos atender. Exigiram, no entanto, uma redução do número dos membros da comissão para três e indicaram, estrategicamente, um local para tanto bastante distante daquele onde nos encontrávamos. Aceitamos assim mesmo e quando, enfim, fomos atendidos, as explicações foram aquelas já relatadas acima, as quais, duas horas depois, repassamos aos demais trabalhadores (e fui, pessoalmente, questionado, com certo veemência, pelos manifestantes, como se parte da culpa por aquela situação fosse minha...) Foram, assim, cerca de 07 (sete) horas de espera para ter informação sobre o problema e os esclarecimentos foram, traduzidos para o bom português, no sentido de que a Universidade não poderia fazer nada por eles. Não havia nenhuma perspectiva de que os seus salários fossem efetivamente pagos.


Enquanto isso, alguns alunos e professores de uma dada unidade começaram a se mobilizar para manter a Faculdade limpa para o devido funcionamento, buscando demonstrar que os meus companheiros não faziam falta. Eles percebiam isso e se incomodavam profundamente, como se incomodavam, também, ao ver outros trabalhadores chegando para ocuparem os seus lugares, mediante contratação da nova empresa de prestação de serviços que fora chamada, em regime de urgência, pela Universidade. Esse autêntico desprezo pela sua causa lhes doía ainda mais forte...


Extenuado, por volta das 17h, fui embora. Mas, cumpre perceber. Eu fui embora e meu “meio dia como terceirizado” teve fim. Cheguei em casa e almocei. Meus filhos já haviam almoçado e estavam cuidando dos seus interesses. Minha conta-corrente tinha saldo mais que suficiente para as minhas necessidades e da minha família. Ou seja, bastou que eu me sentisse cansado para que deixasse aquela realidade. Mas, e os terceirizados? Eles, simplesmente, não tinham condições de fazer o que eu fiz, vez que estavam condenados a continuar vivendo aquela que é, afinal, a sua vida, sem possibilidade concreta de fuga. No dia em que escrevo este texto, madrugada do dia 18 (segunda-feira), ou seja, uma semana depois, a situação daquelas pessoas só piorou e imagino como estejam se sentindo... Consigo visualizar a situação porque sei seus nomes, conheço seus rostos e um pouco de suas vidas, o que, ademais, tem me impedido de fingir que nada esteja se passando de muito grave com aquelas pessoas.


Mas, minha angústia aumenta ainda mais quando tenho que admitir que é, afinal, a forma como o Direito tem sido aplicado o que dá alimento para essa situação. Como defensor do Direito do Trabalho e das instituições jurídicas estatais, vendo essa realidade justificada pelo Direito, o que sinto é uma profunda tristeza e a minha única vontade é a de terminar esse texto abominando as estruturas estatais e me declarando “inimicus curiae” da ordem jurídica e de todos que a utilizam para o fim de justificar a situação pela qual passam os terceirizados. Mas, como se diz, sou brasileiro, e brasileiro não desiste nunca! Fora, ademais, mais essa lição que apreendi do contato que tenho tido com aquelas pessoas desde então...


Além disso, os meus amigos terceirizados merecem que me esforce para lhes dar uma resposta que possa constituir, de alguma forma, um alento para a situação a que foram submetidos.


Aos terceirizados, aos quais esse texto é dedicado, cumpre, então, dizer:


a) mantenham-se mobilizados, exercendo a sua capacidade de organização, advinda da indignação e do sentido de cidadania, que se alimenta pela luta por direitos;


b) nesta mobilização, atuem de forma pacífica, não cometendo nenhum ato de agressão do patrimônio alheio, isto para que não sofram ainda mais, na medida em que no primeiro deslize a espada da lei, que não pesou sobre quem não lhes pagou salários, será, por certo, debruçada sobre seus esqueletos;


c) não tenham esperança de que seus salários serão pagos em curto espaço de tempo e tampouco suas verbas rescisórias. Tudo se arranja para que vocês sejam forçados a ingressar com ações na Justiça do Trabalho, onde, depois de meses, lhes será proposto um acordo para recebimento de parte de seus direitos, em suaves parcelas, com quitação de todos os eventuais direitos que lhes possam ter sido suprimidos durante o curso da relação de emprego, isto se, seu empregador, a empresa prestadora de serviços, não pedir falência e nada lhe pagar, concretamente;


d) a Universidade de São Paulo em nenhum momento vai descer de seu pedestal para dialogar com vocês, reconhecer seus direitos e muito menos lhes pagar, diretamente, o que vocês tem direito;


e) diante do pressuposto jurídico, estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, e em conformidade com a estratégia jurídica já assumida pela Universidade, a possibilidade de se chegar à declaração da responsabilidade da USP pelo adimplemento de seus direitos, mesmo daqui há vários anos, é bastante restrita, o que lhes impõe sério risco de não receberem, agora ou depois, nenhuma verba de natureza estritamente trabalhista.


O que fazer, então? Primeiro, tentar por todos os meios, lícitos, sobreviver: arrumar novo emprego; manter os “bicos” em que geralmente se envolvem e organizar um fundo de greve, buscando atrair a solidariedade social para sua causa, o que, ademais, já se demonstra uma realidade, como demonstra o abaixo-assinado organizado por alunos da Faculdade de Direito da USP, com cerca de 500 assinaturas e um manifesto, subscrito por professores e servidores, em elaboração. E, segundo, persistir na luta pelos direitos, pela via judicial, mantendo-se a crença na estrutura judiciária trabalhista, só que com formulação jurídica em bases diversas daquela que tradicionalmente se apresentam para situação como tais.


Ora, os fatos acima, uma vez concretizados, embora ruins por um lado, porque põem em risco a sua sobrevivência, por outro lado, pela própria atrocidade que os caracteriza, dão ensejo a direitos que vão muito além do mero recebimento dos valores inadimplidos. Quem trabalha, cumprindo as obrigações fixadas na relação jurídica trabalhista, tem direito ao recebimento do salário. Quem não recebe o salário sofre um dano que não se supre pelo mero pagamento, em momento posterior, do salário. Em outras palavras, o não pagamento do salário constitui, por si, um fato jurídico que enseja efeito próprio, já que fere o direito fundamental à vida.


Concretamente, todo o sofrimento que vocês estão passando e que está registrado publicamente, proveniente das humilhações sofridas, identificadas, sobretudo, na constatação da forma fugidia que as entidades que ensejaram a situação tem adotado, tentando fugir da responsabilidade perante o grave problema da ausência de pagamento de salários e a perda do emprego sem o pagamento de verbas rescisórias, deve ter reparação específica, que se supõe seja, necessariamente, condizente com a dor experimentada, ou seja, milionária.


Esta indenização por dano moral, cujo montante cabe a cada um avaliar, não desafia o entendimento estampado na decisão do Supremo Tribunal Federal na referida ADC n. 16, vez que não se trata de recebimento de verbas de natureza trabalhista e sim de reparação por danos morais, sendo certo que os entes públicos são objetivamente responsáveis pelos atos praticados por seus prepostos perante terceiros.


Para se ter uma idéia, recentemente o Estado do Maranhão foi condenado a pagar R$33 mil de indenização por danos morais a três pessoas de uma mesma família – pai e dois filhos – por agressão verbal e física que lhes fora desferida por policiais militares na saída de um clube na Vila Maranhão, fato que ocorreu em maio de 2004. A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça manteve a condenação de primeira instância.


Já, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve condenação contra o Estado, que deverá pagar indenização por danos morais e materiais à esposa e ao filho (R$60 mil para cada, além de um salário mínimo por mês – a viúva receberá a pensão até a data em que o esposo completaria 65 anos e o filho, até atingir 24 anos, quando possivelmente já terá concluído os estudos superiores e estará apto a trabalhar.) de um detento assassinado na penitenciária. O homem cumpria pena no Complexo Penitenciário I de Hortolândia e foi morto por outro preso da mesma cela.


De acordo com o voto do relator, desembargador Oswaldo Luiz Palu, “a partir do momento em que o indivíduo é detido, este é posto sob a guarda e responsabilidade das autoridades policiais e (ou) penitenciárias, que se obrigam pelas medidas tendentes à preservação da integridade corporal daquele, protegendo-o de eventuais violências que possam ser contra ele praticadas, seja da parte de seus próprios agentes, seja por parte de outros detentos, seja por parte de terceiros” (Apelação nº 0201335-95.2008.8.26.0000).


A 20ª Câmara Cível do TJRJ, por sua vez, condenou o Estado do Rio de Janeiro a pagar R$30 mil de indenização, por danos morais, a uma pessoa que foi atingida por uma bala perdida em março de 2007, no bairro de Bonsucesso, nas imediações da Linha Amarela. Segundo o relator do processo, Desembargador Marco Antonio Ibrahim, "Nos dias de hoje parece despropositado o entendimento de que, numa cidade como o Rio de Janeiro, o Estado não deva ser responsabilizado pelos diários episódios de balas perdidas que têm levado à morte e à incapacidade física milhares de cidadãos inocentes. Não se pode olvidar que, sendo a segurança um dever imposto constitucionalmente ao Estado, não há qualquer poder discricionário do administrador quanto a isso. Há uma guerra não declarada, mas as autoridades públicas, aparentemente, ainda não perceberam a extensão e a gravidade da situação".


E acrescentou: "A verdade é que as decisões que deixam o Estado impune diante do grande descalabro que grassa na segurança pública de nosso Estado servem de efetivo estímulo para que a Administração permaneça se omitindo genericamente. Se o Estado não tem culpa, de quem será a culpa? Dizer que o Estado não é responsável equivale, na prática, a atribuir culpa à vítima. O dano sofrido é a sanção. Quando se multiplicarem as indenizações e os governos ficarem sem caixa para realizar obras e projetos que rendem votos, a situação se transformará drasticamente".


Como se vê, é improvável que a USP não seja responsabilizada, diretamente, pelo sofrimento experimentado pelos cidadãos brasileiros que ostentam a qualidade de empregados de empresas prestadoras de serviços, contratadas pela Universidade em processo licitatório estabelecido a partir da regra do menor preço, que impõe a precarização da vida dessas pessoas, conduzindo-as à condição de semi-escravidão e à “punição” de não verem respeitados os seus mais rudimentares direitos trabalhistas, que possuem, como se sabe, “status” de direitos fundamentais, além de caráter alimentar. Os terceirizados também são cidadãos brasileiros e se forem vitimados por uma prática irresponsável cometida por um preposto do Estado, com relação à qual a própria participação do Estado, ainda que indireta, não pode ser negada, é impossível negar-lhes a devida reparação pelo dano experimentado junto ao Estado.


Já passou da hora, ademais, de se reconhecer que as estratégias de supressão de direitos fundamentais constituem, por si, uma agressão jurídica que induz efeitos jurídicos próprios, que sejam, efetivamente, coercitivos, punitivos e desestimuladores.


Caros amigos terceirizados, documentem todo o sofrimento que estão passando e depois busquem a devida indenização reparatória e, claro, não abram mão de cobrar, também, o recebimento de seus direitos trabalhistas, buscando a responsabilização de todos que tenham se valido direta ou indiretamente do trabalho que vocês executaram.


À comunidade jurídica, o que resta dizer é: há de se reconhecer o quanto o fenômeno da terceirização desmonta a condição humana, sendo mais que urgente eliminá-la de nossa realidade, tanto na área pública quando no setor privado, mediante a proliferação de declarações da existência de vínculos jurídicos diretos com os tomadores de serviço, acompanhadas da responsabilização solidária dos entes envolvidos, com base nos artigos 932, 933 e 942 e seu parágrafo único do Código Civil, dentre outros, valendo lembrar que não há um só dispositivo jurídico a legitimar a terceirização a não ser os próprios entendimentos jurisprudenciais. Quanto ao vínculo direto com a Administração pública, importante lembrar que a ausência da realização de concurso público não pode ser invocada exatamente por aquele que descumpriu a Constituição, não sendo, portanto, obstáculo à configuração da relação de emprego, a qual, cumpre lembrar, tem sede constitucional no nível dos direitos fundamentais. A ausência do concurso pode ser invocada, unicamente, para vetar a aquisição do direito à estabilidade no emprego público, que está vinculada a este requisito. A esses efeitos deve se seguir a indenização por dano moral acima sugerida, que advém, na esfera pública, do próprio procedimento de se buscar o serviço de uma pessoa em desrespeito à sua condição de cidadão. O fato é que a terceirização nos põe diante de um dilema que nos obriga a escolher entre preservar a eficácia da ordem jurídica protetiva da dignidade humana ou aceitar a concreta ineficácia do direito e com isso satisfazer os interesses econômicos que estão envoltos em tal prática. O conhecimento da triste realidade a que são submetidos os terceirizados, sobretudo quando se está próximo ao final de cada contrato de prestação de serviços firmado entre as entidades tomadoras e prestadoras, não nos pode deixar dúvida quanto a que posição tomar, não sendo desculpa alguma o argumento da existência de um obstáculo criado pelo direito, o qual, de fato, não nos impõe uma resposta contrária à preservação da condição humana dos terceirizados, muito pelo contrário!


Assim, não há mesmo espaço para desânimo ou acomodação, como se estivéssemos marcados, como gados, pela inexorabilidade da injustiça social. Neste assunto, mais do que nunca, impõe-se uma luta vigilante e comprometida, mantendo-se, sempre, a esperança de que a vitória não será daqueles que não se importam com a vida alheia e com o respeito à ordem jurídica constitucional, cujo pilar é a preservação da dignidade humana.


A luta continua meus amigos... É como dito na belíssima canção de Ivan Lins e Vitor Martins:


Desesperar jamais


Aprendemos muito nesses anos


Afinal de contas não tem cabimento


Entregar o jogo no primeiro tempo


Nada de correr da raia


Nada de morrer na praia


Nada! Nada! Nada de esquecer


No balanço de perdas e danos


Já tivemos muitos desenganos


Já tivemos muito que chorar


Mas agora, acho que chegou a hora


De fazer Valer o dito popular


Desesperar jamais


Cutucou por baixo, o de cima cai


Desesperar jamais


Cutucou com jeito, não levanta mais


São Paulo, 18 de abril de 2011.
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sábado, 20 de agosto de 2011

Lei 9.503/97 - Código de Trênsito Brasileiro

Código de Trânsito Brasileiro – CTB. Eis a fonte de todos os direitos e deveres em matéria de trânsito.
 Lei Federal nº. 9.503/97:
Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.
§ 4º (VETADO)
§ 5º Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente."

Em caso de omissão, abuso ou desvio de conduta na atividade fiscalizadora de trânsito o Estado responde, independente de culpa, pelos danos causados.

Licença-Prêmio: TST nega pretensão de celetistas do Governo do Estado de São Paulo

Justiça trabalhista não concede licença-prêmio a celetistas
Servidoras públicas celetistas do estado de São Paulo, em contestação à sentença que julgou improcedente seu pedido, recorreram à instância superior para garantir o recebimento de licença-prêmio a que entendiam fazer jus. Mas a Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao analisar o recurso das servidoras, manteve a decisão regional e não lhes concedeu a licença-prêmio pretendida.

Em seu recurso, as reclamantes argumentaram que os empregados públicos regidos pela CLT são considerados pela legislação estadual como servidores públicos estaduais para todos os efeitos legais. Desse modo, afirmaram fazer jus ao recebimento da licença-prêmio prevista no art. 209 da Lei Estadual n.º 10.261/68.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), porém, negou provimento ao recurso e manteve a sentença inicial de improcedência do pedido. Considerou o Regional em sua análise que os servidores estatutários e celetistas não possuem os mesmos direitos, pois pertencem a regimes jurídicos distintos e, no caso específico dos autos, não há norma legal a contemplar as recorrentes com igual direito. E ainda: à época da admissão das servidoras, 15/6/1989 e 26/10/1988, respectivamente, o direito ora pretendido já havia sido suprimido nos termos do artigo 1.º da Lei Estadual n.º 200, de 13/5/1974.
O ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do acórdão na Segunda Turma do TST, ressaltou que a matéria em discussão já foi objeto de apreciação nesta Corte, cujo entendimento tem sido o de que a licença-prêmio prevista no artigo 209 da Lei Estadual 10.261/68 tem incidência restrita aos servidores públicos estatutários, não contemplando os servidores públicos celetistas. Assim, entendeu superados os arestos passíveis de confronto, nos termos do artigo 896, parágrafo 4.º, da CLT e da Súmula 333 do TST.
Em consonância com o entendimento da relatoria, a Segunda Turma, unanimemente, não acolheu o pedido das recorrentes.
Fonte: TST
RR-134600-67.2007.5.02.0054

Segue a íntegra da decisão proferida pelo TST
"A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMJRP/agr
PARCELA DENOMINADA LICENÇA PRÊMIO. PREVISÃO CONTIDA NO ARTIGO 209 DA LEI ESTADUAL Nº 10.261/68. EXTENSÃO AOS SERVIDORES PÚBLICOS CELETISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Na hipótese dos autos, os reclamantes, na qualidade de servidores públicos celetistas do Estado de São Paulo, pretendem o recebimento da licença prêmio prevista no artigo 209 da Lei Estadual nº 10.261/68. Inicialmente, registra-se que a indicação de afronta aos artigos 129 da Constituição do Estado de São Paulo, 205 da Lei Complementar Estadual nº 180/79 e 84 da Lei Estadual nº 8.666/93, não atende ao requisito estabelecido no artigo 896, alínea -c-, da CLT, o qual exige a indicação de dispositivo de lei federal ou da Constituição Federal. Ainda, o artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal não tem pertinência com a matéria recorrida, pois se limita a tratar do regime jurídico dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, nada abordando acerca da licença prêmio. Ademais, a matéria não foi analisada pelo Regional à luz do princípio da igualdade, de modo que a violação do artigo 5º, caput, da Constituição Federal carece do indispensável prequestionamento, o que atrai a incidência da Súmula nº 297, itens I e II, do TST. Em relação ao mérito, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a licença prêmio prevista no artigo 209 da Lei Estadual nº 10.261/68 tem o seu âmbito de incidência restrito aos servidores públicos estatutários, não contemplando os servidores públicos celetistas. Desse modo, mostram-se superados os arestos passíveis de confronto, nos termos do artigo 896, § 4º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST.
Recurso de revista não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-134600-67.2007.5.02.0054, em que é são Recorrentes CONCEIÇÃO VASCONCELOS DE SOUZA e OUTRA e é Recorrida FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio do acórdão de págs. 194-198, negou provimento ao recurso ordinário interposto pelos reclamantes, mantendo a sentença em que se julgou improcedente o pedido de recebimento da licença prêmio.
Os reclamantes interpõem recurso de revista, às págs. 202-228, no qual sustentam que a licença prêmio prevista no artigo 209 da Lei Estadual nº 10.261/68 é extensível aos servidores públicos celetistas do Estado de São Paulo. Fundamentam seu inconformismo com amparo nas alíneas -a- e -c- do artigo 896 da CLT.
O recurso de revista foi admitido por meio do despacho de págs. 258 e 259.
A reclamada apresentou contrarrazões às págs. 264-272.

O Ministério Público do Trabalho, às págs. 278 e 279, oficiou pelo regular processamento do feito, por entender desnecessária a emissão de parecer.
É o relatório.

V O T O
PARCELA DENOMINADA LICENÇA PRÊMIO. PREVISÃO CONTIDA NO ARTIGO 209 DA LEI ESTADUAL Nº 10.261/68. EXTENSÃO AOS SERVIDORES PÚBLICOS CELETISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONHECIMENTO
O Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pelos reclamantes, mantendo a sentença em que se julgou improcedente o pedido de recebimento da licença prêmio.

Para tanto, a Corte a quo alicerçou-se nos seguintes fundamentos:
- Improspera a irresignação.
As recorrentes pretendem a concessão do benefício da licença prêmio, a pretexto de que tanto os empregados titulares de cargo como aqueles contratados pelo regime da Consolidação, devem ser tratados com igualdade de condições.
'Ab initio' saliento que a Lei n° 10.261, de 28.10.1968 ( Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo ), em seu artigo 209, instituiu o benefício da licença prêmio.

Ocorre, todavia, que o artigo 1º, da Lei Estadual n° 200, de 13.05.1974, revogou essa vantagem dos servidores contratados pela égide da Consolidação, ressalvando direito adquirido aos que já eram beneficiários e aos empregados admitidos até a vigência da mencionada Lei.

Os servidores estatutários e celetistas não possuem os mesmos direitos, pois pertencem a regimes jurídicos distintos, sendo certo que, no presente caso, não há norma legal a contemplar as recorrentes com igual direito. A norma que assegurava o direito à licença prêmio foi revogada em 1974, não havendo outra restaurando essa vantagem.
Ressalto, ainda, que a licença prêmio foi instituída pelo Estatuto dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo e mantida como direito exclusivo do servidor estatutário, com a alteração da norma legal.

Explicito, por fim, que as recorrentes foram admitidas em 15.06.1989 e 26.10.1988 ( fls. 17 e 21 ), respectivamente, após a supressão do direito em 13.05.1974. Mantenho.- (pág. 196).

Em recurso de revista, os reclamantes sustentam que fazem jus ao recebimento da licença prêmio, ao argumento de que os empregados públicos regidos pela CLT são considerados pela legislação estadual como servidores públicos estaduais para todos os efeitos legais, inclusive para a percepção da parcela postulada.
Indicam ofensa aos artigos 5º, caput, e 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, 129 da Constituição do Estado de São Paulo, 205 da Lei Complementar Estadual nº 180/79 e 84 da Lei Estadual nº 8.666/93. Colacionam arestos para o cotejo de teses.

Sem razão os recorrentes.
Inicialmente, destaca-se que a indicação de afronta aos artigos 129 da Constituição do Estado de São Paulo, 205 da Lei Complementar Estadual nº 180/79 e 84 da Lei Estadual nº 8.666/93 não atende ao requisito estabelecido no artigo 896, alínea -c-, da CLT, o qual exige a indicação de dispositivo de lei federal ou da Constituição Federal.

Por outro lado, o artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal não tem pertinência com a matéria recorrida, pois se limita a tratar do regime jurídico dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, nada abordando acerca da licença prêmio.

Ademais, a matéria não foi analisada pelo Regional à luz do princípio da igualdade, de modo que a violação do artigo 5º, caput, da Constituição Federal carece do indispensável prequestionamento, o que atrai a incidência da Súmula nº 297, itens I e II, do TST.

Quanto ao mérito, a matéria em discussão já foi objeto de apreciação por esta Corte, que tem adotado o entendimento de que a licença prêmio prevista no artigo 209 da Lei Estadual nº 10.261/68 tem o seu âmbito de incidência restrito aos servidores públicos estatutários, não contemplando os servidores públicos celetistas, consoante se verifica das decisões abaixo transcritas:

-RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELOS RECLAMANTES
EXTENSÃO DE LICENÇA-PRÊMIO AOS SERVIDORES REGIDOS PELA CLT. A Lei Estadual 10.261/68, a teor do acórdão regional, estabeleceu a licença-prêmio aos servidores públicos estatutários. Esta Corte vem entendendo ser indevida a extensão da licença-prêmio aos servidores regidos pela CLT. A decisão proferida pelo Tribunal Regional está em consonância com a jurisprudência desta Corte, o que atrai a incidência na espécie da orientação contida na Súmula 333 do TST, ficando inviabilizada a configuração de divergência jurisprudencial, a teor do art. 896, § 4º, da CLT. PRÊMIO INCENTIVO. PRESCRIÇÃO. A decisão proferida pelo Tribunal Regional encontra-se em dissonância com os termos da Súmula 294 do TST.
Recurso de Revista de que se conhece em parte e a que se dá provimento.- (Processo: RR - 5800-65.2008.5.02.0028 Data de Julgamento: 23/03/2011, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 1º/04/2011).

-RECURSO DE REVISTA. LICENÇA-PRÊMIO. LEI ESTADUAL. EXTENSÃO A SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. IMPOSSIBILIDADE. O e. Tribunal Regional considerou que o artigo 129 da Lei Estadual 10.261/68 que instituiu o benefício da licença-prêmio aplica-se somente aos servidores públicos estatutários. Nesse contexto, não há ofensa ao artigo 5º, caput, da Constituição Federal porque o empregado público está submetido à CLT enquanto o funcionário público submete-se a regime jurídico administrativo, ou seja, a distinção dos regimes jurídicos justifica o tratamento diferenciado sem que se cogite de ofensa ao princípio da isonomia. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.- (Processo: RR - 27500-92.2008.5.15.0042 Data de Julgamento: 23/02/2011, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/03/2011).

-RECURSO DE REVISTA. LICENÇA PRÊMIO. SERVIDOR CELETISTA. PREVISÃO NA LEI ESTADUAL 10.261/68. Decisão regional em consonância com o posicionamento desta Corte de que a licença prêmio, instituída pela Lei Estadual nº 10.261/68, e revogada a vantagem quanto aos servidores celetistas pela Lei Estadual nº 200, de 13.5.74, tão-somente garantiu o direito adquirido aos já beneficiários e àqueles admitidos até a data de vigência do referido diploma legal. Incidência do art. 896, § 4º, da CLT e aplicação da Súmula 333/TST.
Recurso de revista não conhecido.- (Processo: RR - 197700-08.2006.5.15.0106 Data de Julgamento: 16/02/2011, Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 25/02/2011).

-RECURSO DE REVISTA. LICENÇA-PRÊMIO. EMPREGADO PÚBLICO. UNICAMP. O entendimento desta Corte é de que a licença-prêmio, benefício previsto na Lei Estadual nº 10.261/68, é devida somente aos servidores estatutários, razão pela qual a reclamante não lhe faz jus, em face do caráter celetista de sua contratação. Recurso de revista a que se dá provimento.- (Processo: RR - 167400-88.2006.5.15.0130 Data de Julgamento: 02/02/2011, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/02/2011).

-I - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE.
LICENÇA-PRÊMIO. REGIME JURÍDICO. EXTENSÃO A EMPREGADO CELETISTA. IMPOSSIBILIDADE.
A decisão da Corte Regional contraria o entendimento desta Corte, manifestado pelas reiteradas decisões de diversas Turmas, no sentido de que aos empregados celetistas do Estado de São Paulo não é devida a licença-prêmio estabelecida na Lei Estadual 10.261/68 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo). Precedentes. (...)-. (Processo: RR - 186400-56.2007.5.02.0080 Data de Julgamento: 15/12/2010, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/02/2011).

-RECURSO DE REVISTA. ESTADO DE SÃO PAULO. LICENÇA-PRÊMIO. EXTENSÃO AOS SERVIDORES PÚBLICOS CELETISTAS. 1. Eventuais violações dos arts. 5.º, caput, e 7.º, XXII, da CF/88, porventura existentes, seriam meramente reflexas, decorrentes da interpretação da legislação infraconstitucional do Estado de São Paulo, o que desautoriza o conhecimento do Apelo com fundamento na alínea -c- do art. 896 consolidado. 2. Ademais, a jurisprudência desta Corte, inclusive desta 4.ª Turma, vem consolidando entendimento de que o benefício denominado -licença-prêmio-, previsto no art. 209, da Lei Estadual n.º 10.261/68, não deve ser estendido aos servidores públicos celetistas, o que torna ultrapassada a divergência trazida pela Recorrente. Recurso de Revista não conhecido.- (Processo: RR - 113500-07.2006.5.15.0094 Data de Julgamento: 15/12/2010, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/02/2011).

-RECURSO DE REVISTA. LICENÇA PRÊMIO. EXTENSÃO AOS SERVIDORES REGIDOS PELA CLT. O indeferimento do pedido de concessão de licença-prêmio baseou-se no fato de que as Leis Estaduais nos 10.261/68 e 200/74 vedam a extensão do direito em comento aos servidores celetistas. No contexto em que decidida a lide, o recurso de revista não comporta conhecimento pelas violações apontadas, a teor do art. 896 da CLT. Arestos imprestáveis à comprovação de divergência jurisprudencial, nos termos da Súmula nº 337 desta c. Corte, porque sem a indicação de sua fonte de publicação quando da transcrição da ementa no bojo das razões recursais, assim como juntadas as cópias dos respectivos acórdãos desacompanhadas da informação precisa de qual sítio da internet foram extraídas. Recurso de revista não conhecido.- (Processo: RR - 27800-54.2008.5.15.0042 Data de Julgamento: 27/10/2010, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/11/2010).

-RECURSO DE REVISTA. LICENÇA-PRÊMIO. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA DO ESTADO DE SÃO PAULO. NÃO EXTENSÃO. A Lei Estadual de São Paulo nº 200/74 revogou o benefício aos servidores celetistas, reservando-o apenas aos estatutários, mas garantiu a percepção aos que já possuíam direito adquirido em 1974. Extrai-se do acórdão regional que os Reclamantes foram admitidos após a referida Lei Estadual que suprimiu a licença prêmio. Em assim sendo, não se há que cogitar de alteração prejudicial, tampouco de ofensa ao art. 468 da CLT. Precedentes desta Corte. Recurso de revista não conhecido.- (Processo: RR - 205900-07.2006.5.15.0008 Data de Julgamento: 27/10/2010, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/11/2010).

Considerando o entendimento majoritário desta Corte quanto à matéria em referência, mostram-se superados os arestos passíveis de confronto, nos termos do artigo 896, § 4º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST.
Não conheço.

ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista.

Brasília, 03 de agosto de 2011.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA
Ministro Relator"
PROCESSO Nº TST-RR-134600-67.2007.5.02.0054

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Embora consideremos que os celetistas sejam espécie (empregado público) do gênero servidor público (composto por funcionários estatutários e servidores celetistas), é certo que os regimes de um e de outro são diferenciados. 
Os empregados públicos somente podem pleitear os direitos previstos na Constituição Estadual. Podem pleitear direitos previstos para os estatutários que SEJAM estendidos POR LEI aos servidores celetistas. Contudo, já existem órgãos que estão concedendo afastamento para tratar de assuntos particulares também aos celetistas.

Agiotagem e execução. STJ abre caminho para os bancos...

Agiotagem não implica nulidade da execução de contrato de empréstimo
O reconhecimento da prática de agiotagem, por si só, não implica a nulidade de contrato de empréstimo que embasou execução. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que é possível a anulação da cobrança de juros abusivos com a redução da execução ao que permite a lei. O entendimento seguiu voto do relator do recurso, ministro Sidnei Beneti.

O recurso julgado diz respeito a um empresário, tomador de empréstimo, que contestou a execução promovida com base em três notas promissórias. Ele afirmou que os documentos seriam nulos porque contêm juros superiores àqueles legalmente permitidos, o que caracterizaria agiotagem.

Em primeira e segunda instâncias, a prática da agiotagem foi reconhecida, mas a execução foi mantida com a readequação dos juros aplicados à dívida. Para o Tribunal de Justiça do Paraná, ainda que a agiotagem esteja caracterizada, não há necessidade de decretação de nulidade da execução, pois é possível a anulação apenas da cobrança de juros usurários com a redução da execução ao nível permitido por lei.

O empresário recorreu, então, ao STJ. Insistiu na tese de que a execução seria nula e que, por isso, não poderia ter prosseguimento sequer pelo valor real da dívida, com a exclusão dos juros abusivos. Para o empresário, o ato jurídico deveria ser considerado 'nulo de pleno direito', uma vez que seu objeto seria ilícito.

Ao decidir a questão, o ministro Beneti concordou que tanto o Código Civil de 1916, vigente para o caso, quanto o CC atual, estabelecem que 'é nulo o ato jurídico (lato sensu) quando ilícito for o seu objeto'. No entanto, o ministro ressalvou que a ordem jurídica 'não fulmina completamente atos que lhe são desconformes em qualquer extensão'.

Beneti esclareceu que o CC tem vários dispositivos que celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. E essa orientação já existia no CC/16: o artigo 153 afirmava que 'a nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável'. 'Sempre que possível, deve-se evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o aos parâmetros da legalidade', ressaltou o ministro.

Sendo assim, no julgamento do caso, o relator entendeu que deve ser aplicada a regra do CC que autoriza a redução dos juros pactuados em excesso, independentemente do que teriam as partes convencionado se soubessem da ilegalidade do contrato. 'Essa é a razão por que se admite a revisão de contratos de mútuo bancário para redução de encargos abusivos', explicou.

Além disso, o ministro citou artigo 11 da Lei da Usura (Decreto 22.626/33), segundo o qual, nos contrato nulos, fica assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a maior. 'Se ao devedor é assegurada a repetição do que houver pago a mais é porque o que o foi corretamente, dentro do que autorizado na norma, não deve ser repetido. E se não deve ser repetido é porque deve ser mantido', concluiu.

Fonte: STJ, acessado em 20/08/2011.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O caso merecia maior análise pelo STJ, a não ser que seja o prenúncio do entendimento que Corte adotará daqui para adiante.
O processo de execução exige um título executivo (um cheque ou um contrato, por exemplo) e que a dívida seja líquida, certa e exigível. Ou seja, a dívida deve estar calculada, vencida e não contestada. No caso, mesmo havendo um título supostamente executivo (nota promissória) ela não era certa nem exigível, porque foi comprovada a agiotagem. A cobrança somente seria possível por ação ordinária, e somente depois uma ação de execução ou execução no processo de origem. Até lá, não poderia haver protesto, inclusão no SPC/Serasa etc.
Mas com uma execução mesmo indevida os efeitos do SPC e do Serasa são imediatos. Evidente o dano patrimonial e o dano moral. Mas o STJ disse que a execução poderia existir. Mesmo com um título incerto e inexigível, pois o valor era incerto?
Esperamos estar equivocados, mas abrem-se as portas para execuções indevidas e excessivas por parte dos bancos. E os efeitos serão os mais desastrosos possíveis.

Tempo à disposição do "patrão" é cosiderado como jornada de trabalho

Horas extras e as formas de impedir o pagamento são questionadas na Justiça
Não há praticamente dúvidas sobre qual seja a jornada de trabalho do empregado. Na maioria dos casos, a resposta é simples: trabalha-se a partir do momento em que se passa o cartão de ponto na entrada e deixa-se de trabalhar quando se passa o cartão de ponto na saída. Essa é a noção predominante. Mas há situações em que o horário pode ser alterado para antes e para depois de “bater o cartão”. São as situações em que há a necessidade de tempo para a troca de uniforme e os casos das horas “in itinere”.

No primeiro caso, o trabalhador era obrigado a usar uniforme. O tempo gasto para vesti-lo (na entrada) e para se despir dele (na saída) pode ser considerado tempo à disposição do patrão.

Na outra situação, o tempo gasto no trajeto, na condução, é contado com hora de trabalho. Mas não são em todos os casos; há um detalhe bem explicado nas decisões do Tribunal Regional da 4ª Região/Rio Grande do Sul.

Acórdão do processo 0183200-14.2008.5.04.0771 (RO)
"EMENTA: TROCA DE UNIFORME. Tempo destinado à troca de uniforme configura como à disposição do empregador e integrante da jornada legal para todos os efeitos.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Lajeado, sendo recorrentes PERDIGÃO S.A. E ROSANE MARIA DOS SANTOS e recorridos OS MESMOS.

A ré interpõe recurso ordinário às fls. 262-9 pretendendo a reforma da sentença prolatada pelo Juiz do Trabalho Rogério Donizete Fernandes quanto às diferenças de horas extras, tempo destinado à troca de uniforme e FGTS.

A autora interpõe recurso adesivo às fls. 276-81 quanto à base de cálculo do adicional de insalubridade e honorários advocatícios.

Há contrarrazões da ré ao recurso adesivo às fls. 284-90.

Conclusos para julgamento.

É o relatório.

ISTO POSTO:
1. DO RECURSO DA RÉ.
1.1 DAS DIFERENÇAS DE HORAS EXTRAS.
A sentença condena a ré ao pagamento das horas em que não foi observada a tolerância legal de cinco minutos antes e após a jornada, bem como das horas supostamente destinadas ao banco de horas, pois ausente qualquer documento demonstrando quando e quantas horas foram compensadas.

Entende a ré que o sistema é valido e produtor de todos os seus efeitos. Invoca o teor da Súmula nº 85 do TST e jurisprudência sobre o tema. E, ainda, também a desconsideração de poucos minutos destinados à marcação de ponto, conforme disposição das normas coletivas da categoria.

Em que pesem as razões do recurso, a inconformidade não prospera, visto que não há normatização coletiva autorizando jornada compensatória do tipo banco de horas. E a compensação semanal já foi validada pelo Juízo na sentença.

Não havendo norma coletiva autorizando a adoção do banco de horas, como é o caso dos autos, há inviabilidade de qualquer pretensão de reforma.

No que concerne à aplicação da Súmula nº 85 do TST, o recurso resta sem qualquer objeto, porque deferido apenas o adicional extraordinário relativamente ao período não autorizado por norma coletiva para compensação da jornada. E, ainda, a ré não ataca qualquer dos fundamentos da sentença quando esta discrimina a existência de horas extras com base nos registros de ponto e recibos de pagamento.

No que tange à dedução da tolerância na marcação do ponto, a transação efetuada entre as categorias profissional e econômica sobre a matéria ora examinada somente é possível em relação ao período anterior à edição da Lei nº 10.243, de 19.JUN.2001, que acrescentou o § 1º ao artigo 58, da CLT, determinando que Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

No período posterior à edição da supracitada lei, é obrigatória a observância do critério estabelecido no artigo 58, § 1º, da CLT, porquanto se trata de disposição atinente à saúde do trabalhador, restando inválida a sua flexibilização por meio de negociação coletiva que vise a reduzir o direito legalmente assegurado, estando correta a sentença.

Nada a deferir.

1.2 DO TEMPO DESTINADO À TROCA DE UNIFORME.
A ré insurge-se contra o deferimento de vinte minutos diários pela troca de uniforme. Aduz que nesse tempo o empregado não está trabalhando para a empresa e que a utilização de uniforme é determinação do Serviço de Inspeção Federal. Invoca o artigo 4º da CLT.

Por óbvio que o tempo gasto para a troca de uniforme, por exigência obrigatória da empresa, ainda que decorrente de determinação de norma técnica sanitária, é tempo à disposição do empregador e, como tal, deve ser remunerado. Não há dúvida de que este tempo deveria estar registrado no cartão-ponto - antes e após a troca - como forma de viabilizar concretamente esse período de tempo.

Não há razão para que esse tempo seja desconsiderado da jornada legal de trabalho, dado que a empresa exige obrigatoriamente o uso do uniforme. Por óbvio, a previsão normativa de desconsideração do tempo destinado à marcação do registro de ponto não pode se confundir com a de troca de uniforme, que é matéria diversa.

E, tendo o Juízo deferido tempo razoável como necessário às trocas de uniforme, não há razão para alteração do decidido.

Nada a prover.

1.3 DO FGTS.
Mantida a sentença que condena a ré ao pagamento de parcelas de natureza remuneratória, remanesce o deferimento do FGTS, por mero acessório.

Nada a prover.

2. RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DO AUTOR.
2.1 DA BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.
Insurge-se a autora contra a definição do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, pretendendo a utilização do salário contratual ou, sucessivamente, do salário normativo.

Estabelece a Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal:

Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial

O TST, através da Resolução nº 148/2008, publicada no DJ dos dias 08, 09 e 10.07.2008, altera a redação de sua Súmula nº 228, a qual passou a contar com a seguinte redação:

A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.

Em decisão liminar, nos autos do processo nº Rcl/6266, o STF suspendeu a aplicação da Súmula nº 228 do TST, o que autoriza a conclusão de que o entendimento expressamente manifestado pelo STF é no sentido de afastar a possibilidade de substituição da base de cálculo do adicional de insalubridade por meio de decisão judicial, deixando a critério das entidades sindicais e poder legislativo

Assim, entende-se, na esteira da sentença, que é incidente a Súmula Vinculante nº 4 do Eg. STF, devendo ser apurado o adicional de insalubridade com base no salário mínimo até que a lei ou norma coletiva modifiquem essa base de cálculo.

No caso, as normas coletivas proíbem a utilização do piso salarial normativo como salário profissional ou substitutivo do salário mínimo.

Portanto, o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário mínimo e, sendo incontroverso que o autor já recebia desta forma, não há diferenças a serem satisfeitas.

Nada a prover.

2.2 DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Pretende a autora o deferimento de honorários advocatícios, com base no artigo 133 da Constituição Federal, sendo desnecessária a credencial sindical.

Não merece reparo a sentença, que está calcada no entendimento jurisprudencial dominante, consubstanciado nas Súmulas nos 219 e 329 do TST, com o qual se compartilha.

Nada a prover.

Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário da ré. Por maioria de votos, vencido em parte o Juiz Convocado Raul Zoratto Sanvicente, negar provimento ao recurso ordinário da autora.
Intimem-se.

Porto Alegre, 17 de março de 2010 (quarta-feira).
VANIA MATTOS
Relatora"

Acórdão do processo 0134500-41.2008.5.04.0404 (RO)
"EMENTA: HORAS EXTRAS IN ITINERE. O tempo em que o empregado aguarda a condução fornecida pela empregadora, em horário não atendido por transporte público, deve ser considerado como horas in itinere. Provimento negado ao recurso da reclamada.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, sendo recorrentes PENASUL ALIMENTOS LTDA. E DARBI JORGE MALLMANN e recorridos OS MESMOS.

Contra a sentença das fls. 205-8, as partes apresentam recurso ordinário.

A reclamada (fls. 220-7) pretende a reforma do julgado quanto a horas extras (in itinere e tempo à disposição) e honorários advocatícios.

O reclamante (fls. 238-40) requer a alteração da sentença quanto à base de cálculo do adicional de insalubridade. Apresenta contrarrazões às fls. 234-7.

A reclamada apresenta contrarrazões às fls. 244-9.

Os autos são remetidos ao Tribunal para julgamento.

É o relatório.

ISSO POSTO:

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA
1 HORAS EXTRAS IN ITINERE
A sentença entendeu que o tempo em que o reclamante permanecia aguardando o ônibus fornecido pela reclamada, que o conduzia para casa no final da jornada, é considerado como horário in itinere, sendo que o período deve ser considerado na jornada.

A reclamada alega que a pretensão era de horas à disposição pelo tempo de espera e não horas in itinere. Sustenta que não está situada em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, não sendo aplicáveis a Súmula 90 do TST e o art. 58, § 2º, da CLT. Afirma que o período em que esperava o ônibus não pode ser considerado tempo à disposição, pois não estava prestando trabalho. Cita a cláusula 17 das normas coletivas.

Examina-se.

É incontroverso que o reclamante utilizava o transporte fornecido pela reclamada ao final da jornada, e para tanto tinha de esperar a saída do ônibus.

Embora alegue, a reclamada não comprova que existisse transporte público no horário de saída do reclamante. Aliás, a presunção é de que efetivamente não havia, já que a empresa precisava fornecer condução aos seus empregados.

A prova testemunhal (fl. 203) revela que o ônibus saía da empresa à 1h30min da madrugada, sendo que a jornada de trabalho do autor em grande parte do contrato terminava às 0h18min (registros das fls. 117-60).

Portanto, aplica-se ao caso o § 2º do art. 58 da CLT, visto que o período em que o empregado aguarda a condução fornecida pela empresa deve ser computado na jornada, mesmo que não haja prestação de serviço nesse período. É razoável equiparar o tempo de aguardo na empresa ao tempo de deslocamento, pois o efeito prático é o mesmo: enquanto o empregado aguardava a condução fornecida pelo empregador ele estava em situação análoga à do empregado que está em deslocamento, especialmente porque o ônibus fornecido pela empresa era o único meio de transporte disponível no seu horário de saída. Assim, ainda que a reclamada não esteja situada em local de difícil acesso, isso não representa impeditivo para o acolhimento das horas de itinerário.

Há previsão na norma coletiva (exemplo, cláusula 17, fl. 35) no sentido de que as horas de deslocamento não integrariam a jornada dos empregados. No entanto, tais disposições normativas são inválidas por não afinadas com as hipóteses do art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, da CF que abrem espaço para a negociação coletiva impor restrições a direito fundamental. As cláusulas normativas revelam-se abusivas, pois constituem intervenção desmedida no núcleo do direito à contraprestação pelo trabalho realizado, colidindo com o princípio constitucional do valor social do trabalho (arts. 1º, IV, e 170 da CF/88). A interpretação do art. 7º, XXVI, da CF tem de ser feita sistematicamente. O reconhecimento das convenções e acordos coletivos não confere carta branca aos interessados para estipularem o que bem entenderem. A restrição alusiva à extensão de jornada além das 8 horas diárias e 44 horas semanais, inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal só diz com compensação; não com desconsideração de tempo de trabalho, por sinal regulado no art. 58, § 2º, da CLT.

Não se verifica violação aos artigos 7º, XXVI, e 5º, II, ambos da Constituição Federal e ao artigo 444 da CLT.

Provimento negado.

2 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A reclamada alega que, sendo reformada a sentença, devem ser excluídos os honorários advocatícios.

Analisa-se.
Mantida a condenação ao pagamento de horas de deslocamento, deve ser mantida a condenação da reclamada ao pagamento de honorários, até porque a reforma da sentença foi o único argumento invocado pela recorrente nesse sentido.

Provimento negado.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE
BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
A sentença entende que o adicional de insalubridade deve ser calculado com base no salário mínimo, enquanto não for editada lei ou conste em norma coletiva a fixação de outra base de cálculo.

O reclamante requer que o adicional de insalubridade seja calculado sobre o salário contratual. Cita jurisprudências.

Com razão.
A base de cálculo do adicional de insalubridade é o salário recebido, pois a Constituição Federal fixou ser de natureza remuneratória o adicional em apreço. A adoção do salário mínimo como base de cálculo não encontra respaldo constitucional. Destaca-se também que nenhum dos adicionais que a Constituição prevê em seu art. 7º tem base distinta do salário. Assim, a fixação de base diversa do salário para o adicional de insalubridade não se harmoniza com a interpretação conforme a integralidade das normas constitucionais e infraconstitucionais alusivas aos direitos dos trabalhadores.

Dá-se provimento ao recurso do reclamante condenar a reclamada ao pagamento de diferenças do adicional de insalubridade pela consideração do salário básico como base de calculo, com reflexos em férias, 13º salários, FGTS e horas extras.

Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Por unanimidade, negar provimento ao recurso da reclamada. Por unanimidade, dar provimento ao recurso do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de diferenças do adicional de insalubridade pela consideração do salário básico como base de calculo, com reflexos em férias, 13º salários, FGTS e horas extras.

Valor da causa que se acresce em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Custas proporcionalmente acrescidas em R$ 100,00 (cem reais).

Intimem-se.
Porto Alegre, 28 de abril de 2010 (quarta-feira).
José Felipe Ledur
Relator"

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
As decisões são claras e muito bem explicativas.
O que se percebe é que os trabalhadores precisavam chegar mais cedo para vestir-se, mas marcar o ponto do horário somente após colocar o uniforme. Ao final, deveriam passar o ponto antes de despirem-se dos uniformes. Certamente, pelo menos vinte minutos diários dentro do ambiente de trabalho...

Quanto ao uniforme, se a empresa impõe o seu uso, o tempo gasto para vesti-lo e tirá-lo deve ser considerado tempo de trabalho.

Quanto ao uso do coletivo da empresa, a decisão foi igualmente justa. Raras são as vezes em que as empresas oferecem transporte sem nada em troca. Por vezes deixam de efetuar os descontos de vale-transporte, eis que se o transporte fosse custeado ainda que parcialmente pelos empregados, estes certamente optariam por se deslocar com mais liberdade de locomoção.

Pensamos que somente o fato de oferecer o transporte diferenciado (para captar a preferência do empregado) já é fator reconhecer as horas “in itinere”. Afinal, existe alguma dúvida de que, a partir do embarque na condução o trabalhador não esteja em ambiente de trabalho, rodeado pelos colegas?
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