COVID-19 E INDENIZAÇÃO A PROFISSIONAIS DA SAÚDE: PRESIDENTE BOLSONARO VETA A LEI. ENTENDA OS MOTIVOS.
É fato notório
que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e
afins) são os trabalhadores mais expostos e os mais infectados pelo COVID-19.
Não por acaso, em razão da elevada carga viral a que são expostos em seus
ambientes de trabalho, foram os primeiros a participarem dos testes finais das duas
vacinas contra o COVID-19.
Daí ter sido proposto e aprovado pelo Poder Legislativo (deputados e senadores) o Projeto de Lei nº 1.826, de 2020 que, reconhecendo o COVID-19 como doença ocupacional dos profissionais de saúde, concedia-lhes reparações financeiras pelos prejuízos sofridos durante o desempenho das atividades de atendimento no combate à COVID-19, notadamente no SUS.
Mas aprovada a Lei pelos deputados e senadores (Poder Legislativo), o Presidente Jair Bolsonaro recusou-lhe a sanção (aprovação do PL) sob a justificativa de suposta contrariedade à Lei Complementar nº. 173/2020[1]. Constou do Veto Presidencial o seguinte:
“Apesar do mérito
da propositura e a boa intenção do legislador em determinar o pagamento de
indenização pela União para familiares de profissionais de saúde que atuam
diretamente no combate à pandemia e venham a falecer, bem como para aqueles que
ficaram incapacitados permanentemente para o trabalho, a proposta, ao impor o apoio financeiro na forma do projeto, contém
os seguintes óbices jurídicos.
A proposta viola o art. 8º da recente Lei
Complementar nº 173, de 2020, por se estar prevendo benefício indenizatório para agentes
públicos e criando despesa continuada em período de calamidade no qual tais
medidas estão vedadas.
O segundo óbice
está na falta de apresentação de
estimativa do impacto orçamentário e financeiro, em violação às regras do art.
113 do ADCT.
Ademais da
violação ao art. 113 do ADCT, tendo em vista que o período do benefício supera
o prazo de 31.12.2020 (Art. 1º do Decreto Legislativo nº 6 de 2020), revela-se
incompatível com os arts. 15, 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja
violação pode acarretar responsabilidade para o Presidente da República.
O terceiro
problema é a inconstitucionalidade
formal, por se criar benefício destinado a outros agentes públicos federais e a
agentes públicos de outros entes federados por norma de iniciativa de
parlamentar federal, a teor do art. 1º e art. 61 § 1º da Constituição.
Sobre a citada Lei Complementar nº 173/2020, eis o seu disciplinamento:
“Art. 7º A
Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
"Art. 21. É nulo de pleno direito:
I - o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
a) às exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei
Complementar e o disposto no inciso XIII do caput do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição
Federal; e
b) ao limite legal de comprometimento aplicado às
despesas com pessoal inativo;
II - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e
oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão
referido no art. 20;
III - o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal
que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do
mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;
IV - a aprovação, a edição ou a sanção, por
Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão
decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder
Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma
legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do
setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de
aprovados em concurso público, quando:
a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta)
dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou
b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem
implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder
Executivo.
Art. 8º Na
hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de
2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela
calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de:
I - conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de
remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e
militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou
de determinação legal anterior à calamidade pública;
II - criar cargo,
emprego ou função que implique aumento de despesa;
III - alterar
estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
IV - admitir ou
contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de
chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as
reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as
contratações temporárias de que trata o inciso IX do caput do art. 37 da Constituição
Federal, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as
contratações de alunos de órgãos de formação de militares;
V - realizar
concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas no inciso
IV;
VI - criar ou majorar auxílios, vantagens,
bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório,
em favor de membros de Poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e
de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes,
exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de
determinação legal anterior à calamidade;
VII - criar despesa obrigatória de caráter
continuado, ressalvado o disposto nos §§ 1º e 2º;
VIII - adotar medida
que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação
medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada a
preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º da Constituição
Federal;
IX - contar esse
tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de
anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos
equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de
determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo
exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.
§ 1º O disposto nos incisos II, IV, VII e VIII do caput deste artigo não se aplica a medidas de combate à
calamidade pública referida no caput cuja
vigência e efeitos não ultrapassem a sua duração.
§ 2º O disposto no inciso VII do caput não
se aplica em caso de prévia compensação mediante aumento de receita ou redução
de despesa, observado que:
I - em se
tratando de despesa obrigatória de caráter continuado, assim compreendida
aquela que fixe para o ente a obrigação legal de sua execução por período
superior a 2 (dois) exercícios, as medidas de compensação deverão ser
permanentes; e
II - não
implementada a prévia compensação, a lei ou o ato será ineficaz enquanto não
regularizado o vício, sem prejuízo de eventual ação direta de
inconstitucionalidade.
§ 3º A lei de
diretrizes orçamentárias e a lei orçamentária anual poderão conter dispositivos
e autorizações que versem sobre as vedações previstas neste artigo, desde que
seus efeitos somente sejam implementados após o fim do prazo fixado, sendo
vedada qualquer cláusula de retroatividade.
§ 4º O disposto
neste artigo não se aplica ao direito de opção assegurado na Lei nº 13.681, de
18 de junho de 2018, bem como aos respectivos atos de transposição e de
enquadramento.
§ 5º O disposto
no inciso VI do caput deste
artigo não se aplica aos profissionais de saúde e de assistência social, desde
que relacionado a medidas de combate à calamidade pública referida no caput cuja vigência e efeitos
não ultrapassem a sua duração.
§ 6º (VETADO).
Art.
9º Ficam suspensos, na forma do regulamento, os pagamentos dos
refinanciamentos de dívidas dos Municípios com a Previdência Social com
vencimento entre 1º de março e 31 de dezembro de 2020.
§ 1º (VETADO).
§ 2º A suspensão
de que trata este artigo se estende ao recolhimento das contribuições
previdenciárias patronais dos Municípios devidas aos respectivos regimes
próprios, desde que autorizada por lei municipal específica.
Art.
10. Ficam suspensos os prazos de validade dos concursos públicos já
homologados na data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março
de 2020, em todo o território nacional, até o término da vigência do estado de
calamidade pública estabelecido pela União.
§ 1º (VETADO).
§ 2º Os prazos
suspensos voltam a correr a partir do término do período de calamidade pública.
§ 3º A suspensão
dos prazos deverá ser publicada pelos organizadores dos concursos nos veículos
oficiais previstos no edital do concurso público.”
Ao que tudo indica, apesar das justificativas jurídicas para o veto ao PL originado do Poder Legislativo, e acaso haja vontade política do Chefe do Executivo, os óbices poderão ser facilmente superados, mediante:
a) Elaboração de
PL de iniciativa do Sr. Presidente da República;
b) Em conjunto
com os ministérios da Economia e Planejamento, proceder ao levantamento dos
impactos financeiros e fontes de financiamento, prevendo mecanismos de
compensações para evitar a alegada incidência na LRF; e
c) Apesar de alegada violação a preceitos do art. 8º da LC nº 173//2020, as vedações ali contidas se aplicariam à criação de vantagens e/ou direitos que se assemelhem aos “penduricalhos”.
Certo contudo que o Poder Legislativo (deputados e senadores) pode derrubar o veto do Sr. Presidente da República. E uma vez derrubado o veto, o PL se transforma em lei, gerando todos os efeitos típicos. Se assim vier a ocorrer, restará ao Presidente da República recorrer ao STF para que seja decretada eventual inconstitucionalidade do ato.
Veja aqui a mensagem de Veto do Presidente