UBER, TRABALHO INTERMITENTE E VÍNCULO EMPREGATÍCIO
Publicado hoje, 29/12, artigo do magistrado Pedro
Paulo Teixeira Manus, ministro aposentado do TST e ex-integrante do Tribunal
Regional do Trabalho da 2ª Região, São Paulo.
Em sua coluna no site Conjur ele abordou a recente decisão do TRT que descaracterizou,
como empregatício (patrão e empregado), o vínculo entre o UBER e um motorista
do aplicativo. Ao final, seguirão as nossas considerações.
“Reflexões Trabalhistas
O
transporte de passageiros pela Uber e a questão do vínculo de emprego
Todos sabemos que só existe contrato individual de trabalho quando estão presentes os
requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. E, mais do
que isso, uma vez configurada a relação de trabalho com tais características,
há contrato de trabalho a despeito da vontade expressa das partes contratantes,
como dispõe o artigo 442 da CLT, ao afirmar que o contrato individual de
trabalho corresponde à relação de emprego.
Por consequência, igualmente em sentido contrário, não adianta o prestador de serviços
pretender o reconhecimento da existência de contrato de trabalho se sua
atividade for prestada com autonomia, que é a antítese da subordinação
hierárquica, característica essencial ao contrato de trabalho, já que “o
empregador admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”,
conforme o artigo 2º da CLT.
Nesse sentido, há de se esclarecer que todas as
atividades podem ser desenvolvidas por empregados ou por profissionais
autônomos, distinguindo-se o tipo prestação de serviço exatamente pelas
características do vínculo desenvolvido entre prestador e tomador de serviços.
Assim, caso tomador e prestador pretendam celebrar
um contrato de trabalho válido, é necessário que cuidem para que no
desenvolvimento da relação profissional caracterizem-se os requisitos legais
necessários. Ao contrário, caso não desejem um contrato de trabalho, mas uma
relação autônoma de trabalho, igualmente será necessário cuidar para que não se
verifiquem os requisitos dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do
Trabalho, como a subordinação hierárquica, por exemplo, sob pena de
caracterizar-se o vínculo, a despeito da vontade das partes.
É fato que
certas atividades são preponderantemente desenvolvidas por empregados, enquanto
que outras, por prestadores autônomos. Neste último caso, encontram-se os
médicos, advogados, corretores, exemplificativamente, enquanto que comerciários
e industriários normalmente prestam serviços como empregados. Não obstante,
todas essas atividades podem ser desenvolvidas por empregados ou autônomos,
dependendo da forma como o trabalho for prestado.
O que importa para a caracterização da atividade do
prestador de serviços, como empregado ou autônomo, à luz do Direito do
Trabalho, é o modo pelo qual o trabalho é desenvolvido e não a simples forma
escolhida pelos contratantes, como já vimos.
Assim, embora identifiquemos certas atividades como
típicas de empregados e outras como típicas de autônomo, para o correto
enquadramento jurídico será sempre necessário o exame das características da
prestação, como já referido.
Exemplo concreto desse fato encontramos no recente
acórdão da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Processo
10015742520165020026), como noticia o site da corte.
A notícia
revela que um motorista que trabalhava para a empresa Uber em São Paulo teve
seu pedido de vínculo empregatício negado em decisão de 2º grau do TRT-2. O
acórdão, proferido pelos magistrados da 8ª Turma, foi o primeiro envolvendo o
aplicativo de transporte privado nessa jurisdição.
A notícia
revela ainda que o reclamante havia recorrido da sentença de 1º grau por ter
tido seu pedido negado. No acórdão, de relatoria da desembargadora Sueli Tomé
da Ponte, o colegiado confirmou a decisão de origem, por unanimidade de votos,
negando provimento ao pedido do trabalhador.
Assevera a
notícia que afirmou a fundamentação da decisão ‘com base nos depoimentos do
trabalhador e das testemunhas de ambas as partes no processo, foram afastadas a
subordinação, a pessoalidade e a habitualidade no caso em questão. Isso ficou
claro pelo fato de o motorista não ser obrigado a cumprir jornada mínima, poder
recusar viagens sem sofrer penalidades, poder cadastrar outra pessoa para
dirigir seu veículo, entre outros itens. Dessa forma, foi considerado trabalhador
autônomo’.
Como afirmado, o essencial para a fixar a natureza
do vínculo entre prestador e tomador de serviços são as características da
prestação de serviço, que, no exemplo acima, resultou pela prestação autônoma
de serviços, excluindo a existência de contrato individual de trabalho.
O exemplo é
esclarecedor, pois demonstra que a conclusão de que houve trabalho autônomo não
decorreu da atividade em si desenvolvida, mas do modo como o serviço foi
prestado.
Nada obsta,
contudo, que em outro processo venhamos a ter outro motorista da Uber que
demonstre trabalhar de forma subordinada e com a presença dos requisitos que
configuram o contrato de trabalho, hipótese em que este será reconhecido.” Disponível
em https://www.conjur.com.br/2017-dez-29/reflexoes-trabalhistas-transporte-passageiros-uber-vinculo-emprego,
acessado em 29/12/2017.
** Comentários do Advogado Eduardo
Figueredo de Oliveira
O artigo apontou, acertadamente, que a
decisão baseou-se, ao que tudo indica preponderamentemente, nos depoimentos
(explicações verbais do autor e da ré) e nos testemunhos apresentados por autor
e ré.
Aqui, vai uma análise um tanto cética quanto aos testemunhos no processo do
trabalho: muito do inconformismo dos empresários em relação à atuação
da Justiça do Trabalho (e que acabou por impulsionar a Reforma Trabalhista)
reside na extrema facilidade com que a Justiça do Trabalho acolhe testemunhos
(declarações de testemunhas indicadas) inidôneos. Em muitos casos testemunhas
trocam favores entre si para obterem resultado positivo em seus processos. É óbvio
que a Jurisprudência (entendimento dos tribunais sobre certo assunto) não
reconhece a ilegitimidade de testemunhas que tenham processo contra um mesmo empregador.
Este entendimento é sábio, daí ser igualmente justo.
No entanto, apesar disso, é(era) muito
comum a troca de favores entre testemunhas. Em muitos casos, os advogados de
empregadores deveriam antecipar-se para captar, em audiência, os testemunhos
inverídicos.
Primeiro
parêtese: Já tivemos a oportunidade de constatar, em
um certo processo trabalhista, que um
suposto empregado indicou duas testemunhas para confirmar a sua versão.
As suas testemunhas disseram que haviam trabalhado com o autor do processo. As
mesmas testemunhas também processaram a mesma empresa. Então seriam três
processos de pessoas conhecidas ente si, contra a mesma empresa.
Na audiência de um dos processos houve
alguma incongruência em relação às datas indicadas pelo autor e suas
testemunhas. No entanto, a armação
foi revelada quando o Juiz, devidamente advertido, pediu a CTPS da primeira testemunha
e constatou que ela estava empregado e registrado por outra empresa fazia
um bom tempo. Como a testemunha poderia ser empregada de uma segunda empresa?
Como a testemunha poderia estar em dois lugares diferentes e distantes no mesmo
horário de trabalho?
Na mesma ocasião, o Juiz do Trabalho
pediu a CTPS da segunda testemunha e constatou que ela havia saído de outra
empresa dias antes. Como era possível a segunda testemunha trabalhar para duas
empresas e cumprir o mesmo horário de trabalho em locais diferentes? Os
processos das três pessoas, por questão de Justiça, caíram por terra.
Segundo
parêntese:
Das mesma forma em que empregados tentam
combinar versões com as suas testemunhas, empregadores (empresas e patrões)
também atuam para que as suas testemunhas (normalmente, atuais empregados)
falem ao Juiz exatamente aquilo que lhes interessa.
Muitos antigos “colegas de trabalho”
simplesmente se transformam em audiências trabalhista, fazendo afirmações
totalmente inverossímeis, dizendo inverdades; alegam que viram aquilo que nunca
enxergaram; negam realidades que sempre vivenciaram. Não é digno, mas é compreensível.
Outros simplesmente dizem que nada viram, nada sabem. Menos mal.
Outros simplesmente dizem que nada viram, nada sabem. Menos mal.
Há também casos em que os antigos “colegas
de trabalho” se tornam verdadeiros cúmplices dos mau empregadores. Não é digno,
tampouco compreensível. Mas a vida é assim.
Na situação relatada, envolvendo o UBER,
foram ouvidos o autor, o representante da empresa e uma testemunha de cada
parte. Autor disse sobre a sua realidade de trabalho, que é a conhecida por
todos. O representante do UBER, “colaborador” da empresa, sustentou perante o
Juiz a visão empresarial da relação, enaltecendo os aspectos que mais atraem os
motoristas para o “app”: autonomia, horários alternativos etc.
A testemunha do autor, embora crível,
não foi considerada testemunha porque entre ela e a empresa de aplicativo havia
um grande conflito. A testemunha deixou de merecer a credibilidade devida e foi
considerada apenas “informante do Juízo”. Já a testemunha do “app” acabou
confirmando a versão da empresa.
Enfim, todos nós sabemos qual é a realidade
daqueles que dirigem para aplicativos.
As empresas vendem um padrão, vendem
um produto e os “parceiros” devem entregar exatamente o produto, tal como
divulgado.
Os motoristas não podem escolher
passageiros, eles têm trajeto determinado, valor fechado. Podem optar por não
ligarem o aplicativo, mas uma vez “logados”, não podem permanecer inativos por "períodos extensos”. Todos sabem disso, mas os testemunhos privilegiaram uma versão.
É sabido que outros muitos motoristas
tentam filtrar corridas, aumentar margens de ganho, burlar controles. Para
estes, a autonomia deve ser reconhecida. Não há vínculo de emprego.
Segundo o articulista:
“Como afirmado, o essencial para a fixar a natureza
do vínculo entre prestador e tomador de serviços são as características da
prestação de serviço, que, no exemplo acima, resultou pela prestação autônoma
de serviços, excluindo a existência de contrato individual de trabalho.
O exemplo é
esclarecedor, pois demonstra que a conclusão de que houve trabalho autônomo não
decorreu da atividade em si desenvolvida, mas do modo como o serviço foi
prestado.”
Então, parece adequada a sua
ponderação quanto a dize que:
“Nada
obsta, contudo, que em outro processo venhamos a ter outro motorista da Uber
que demonstre trabalhar de forma subordinada e com a presença dos requisitos
que configuram o contrato de trabalho, hipótese em que este será reconhecido.”
A atual redação da CLT (pós-reforma
trabalhista) trata da figura do trabalho intermitente, nos seguintes termos:
“Art. 443. O contrato
individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente
ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de
trabalho intermitente.
(...)
§ 3o Considera-se como intermitente o contrato de
trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua,
ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de
inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de
atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por
legislação própria.
Art. 444 - As relações contratuais de
trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo
quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos
coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
(...)
Art. 452-A. O contrato de trabalho
intermitente será celebrado por escrito e registrado na CTPS, ainda que
previsto acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva, e
conterá: (Redação
dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
I - identificação, assinatura e
domicílio ou sede das partes; (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
II - valor da hora ou do dia de
trabalho, que não poderá ser inferior ao valor horário ou diário do salário
mínimo, assegurada a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno e observado
o disposto no § 12; e (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
III - o local e o prazo para o
pagamento da remuneração. (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
§ 1o O empregador
convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de
serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos
de antecedência. (Incluído
pela Lei nº 13.467, de 2017)
§ 2º
Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de vinte e quatro horas
para responder ao chamado, presumida, no silêncio, a recusa. (Redação
dada pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
§ 3o A recusa da oferta não
descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. (Incluído
pela Lei nº 13.467, de 2017)
(...)
Art. 452-B. É facultado às partes convencionar por
meio do contrato de trabalho intermitente: (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
I - locais de prestação de serviços; (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
II - turnos para os quais o empregado será
convocado para prestar serviços; (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
III - formas e instrumentos de convocação e de
resposta para a prestação de serviços; (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)
IV - formato de reparação recíproca na hipótese de
cancelamento de serviços previamente agendados nos termos dos § 1º e § 2º do
art. 452-A. (Incluído
pela Medida Provisória nº 808, de 2017)”.
A nós, assim parece, a vinculação entre o UBER e os seus “parceiros” se assemelha
muito aos parâmetros do trabalho
intermitente.
Terceiro
parêntese: O atual cenário, econômico e social,
demonstra que até mesmo no âmbito do Poder Judiciário há muitos usuários dos
serviços por “app”. Entre a população geral, principalmente o UBER, a modalidade por "app" tornou-se
uma comodidade indispensável.
Mesmo
na Justiça do Trabalho há muitos de seus funcionários e servidores que são clientes
dos “apps” de mobilidade. Embora, tudo indica, não desejem para si trabalharem
sob a realidade dos “apps”, esses cidadãos são clientes cativos dos ditos
aplicativos.
Portanto, exceto casos excepcionais,
tudo indica que a caracterização do vínculo empregatício entre o UBER e os seus
“parceiros” será cada vez mais difícil, e exigirá prova exaustiva e robusta;
testemunhos críveis e um intenso trabalho para combater as alegações e as provas,
principalmente testemunhais, apresentadas pela empresa de “app”.
Veja
a decisão do TRT/SP.
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