ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, A OPÇÃO PELO REGIME CELETISTA E OS DIVERSOS – E EQUIVOCADOS! – ENTENDIMENTOS CONTRADITÓRIOS DA JUSTIÇA TRABALHISTA.
Não é novidade que a Administração
Pública, há tempos, contrata trabalhadores
concursados pelo regime CLT e promove uma diferenciação perniciosa entre servidores
alocados em uma mesma repartição, departamento ou setor. Surgem então os “celetistas”
e os “estatutários”. A razão dessa distinção é simples: o regime estatutário
garante expressamente a estabilidade, e para os mais antigos, o direito à aposentadoria
integral e o tratamento paritário/igualitário entre ativos e inativos que
ingressaram no serviço público antes das reformas previdenciárias havidas entre
1998 e 2003.
Aos celetistas, dirão alguns, aplica-se
friamente a CLT. Para essa “ala de pensamento” os servidores celetistas
poderiam até ser demitidos sem maiores formalidades. Equívoco maior,
impossível! A contratação de servidores “celetistas” objetivava criar fórmula
de economia com a folha de pagamento, supostamente onerada pelos estatutários.
Ao mesmo tempo em que houve as reformas
previdenciárias dos servidores estatutários (entre 1998 e 2003 houve a introdução
de exigência de contribuição e o estabelecimento de requisitos para a concessão
de aposentadoria, limite de idade e, mais recentemente, extinção do direito à
integralidade) foi reinserido, no sistema constitucional, o regime de emprego
público, sinônimo de “servidor celetista”. A partir daí, em um mesmo ambiente
de trabalho (alguns hospitais públicos, por exemplo) passaram a conviver trabalhadores
sendo tratados em matéria de direitos - e só de direitos! - de forma diferenciada.
Os deveres eram (e continuam guais) para celetistas e estatutários...
Demorou bastante, mas alguns juízes
passaram a compreender adequadamente as reais más intenções do Estado. Vejamos
por qual motivo.
Para algumas pessoas, quebrar a
“estabilidade” do servidor público seria a solução de todos os males. Verdade?
Não!
Imagine, por exemplo, um fiscal de
serviço público (agente de trânsito) ou um guarda municipal contratado pelo
regime CLT. Que garantia teria essa autoridade para realizar, com isenção, o
seu trabalho? E fiscais de agências reguladoras? Será que o agente da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou da Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL), sendo celetistas sem estabilidade, teriam condições de aplicar multas
em operadoras de planos de saúde ou em empresas de telecomunicações sem sofrer
ameaça de demissão? Claro que não!
Mais um detalhe: normalmente, os dirigentes das agências reguladoras
são pessoas “do mercado”, indicadas no caso pelo Presidente da República. Na
maioria das vezes, os indicados fizeram parte de empresas que passarão a ser
fiscalizadas por quem antes foi colaborador de tais corporações... E será que o
fiscal (empregado celetista) terá independência e imparcialidade para atuar
contra o antigo (e muitas vezes, futuro) empregador de seu atual chefe? Ora,
sabemos que isso é pouco provável...
Vemos que a contratação celetista traz
muitos prejuízos e é insegura para a
própria sociedade! A solução para a ineficiência estatal não é a contratação
pelo regime CLT, mas sim o estabelecimento de uma política e estratégia de
atuação de médio e longo prazo. Além disso, é necessário valorizar minimamente
o servidor e avaliar, rotineiramente, o desempenho e a meritocracia individual
e do grupo no qual ele está inserido.
Mas como existem servidores celetistas,
é comum que tais servidores sejam
demitidos sem justo motivo, ou
até mesmo desconhecendo as razões da demissão. Já dissemos que a Justiça vem
tratando de colocar limites aos abusos do Estado-empregador. Entretanto,
algumas dificuldades ainda existem para o adequado tratamento do servidor
público celetista.
É verdade que houve uma razoável
evolução em termos de garantias jurídicas (fixando igualdade de tratamento
entre servidores públicos estatutários e celetistas da administração direta,
fundacional e autárquica), mas também é certo que ainda prevalece uma distinção
entre Justiças (Trabalhista e Comum) no que diz respeito à atribuição para o
julgamento de causas envolvendo trabalhadores celetistas e trabalhadores estatutários.
Ambos são servidores públicos, mas só as causas de celetistas são julgadas pela
Justiça do Trabalho.
Qual o importância disso? É enorme - e
fundamental - para compreender as divergências que são reveladas nas diversas
instâncias julgadoras de causas celetistas e estatutárias.
Os estatutários são tratados, pela
Justiça Comum (TJs, STJ e STF) como categoria homogênea estritamente vinculada à
“vontade da Lei”.
Com os celetistas ocorre, muitas vezes,
o inverso. Há juízes trabalhistas que consideram que os vínculos celetistas são
contratuais. Ser empregado é sinônimo de ser celetista; ser celetista significa
estar vinculado ao regime da CLT; a CLT disciplina e regula o “contrato” de
trabalho. Ora, mas entre servidor público existe verdadeiro contrato? Existe
ajuste ou negociação preliminar das condições de trabalho? Não! Não há
“contrato de trabalho”, senão apenas e como “mera” formalidade de admissão.
Quem julga as causas envolvendo
contratos de trabalho (empregado CLT), inclusive dos servidores públicos
celetistas, é a Justiça do Trabalho. E lamentavelmente em alguns casos e
Justiça do Trabalho passa a tratar, desigualmente, servidores celetistas em
razão da divergência de entendimentos.
Em São Paulo, exemplo bem didático da
distorção que ocorre, são os julgados proferidos por Turmas do TRT da Segunda
Região. Muito embora o TST já tenha incorporado alguns posicionamentos
igualando celetistas e estatutários (no caso de demissões sem a necessária
justificação) no âmbito do TRT/SP há julgados frontalmente conflitantes com o posicionamento
do TST e como os próprios julgados do mesmo TRT/SP.
O TRT/SP é composto por dezoito (18)
turmas que julgam causas individuais envolvendo discussão de direitos
trabalhistas entre empresas privadas e seus empregados, empresas públicas ou
sociedades de economia mista e seus empregados e, entre a Administração Pública
e seus servidores celetistas.
Qual é o maior número de causas
julgadas pela Justiça Trabalhista? O volume maior é de processos envolvendo
agentes privados. Logo, há a aplicação indiscriminada - por isso, equivocada -
de regras da CLT aos servidores celetistas.
E passamos a escrever este artigo
quando lemos - no dia 30/11/2013, na coluna “Notícias Jurídicas”[1][2]do
site do TRT/SP - dois informativos sobre
julgamentos de celetistas. Vamos aos julgados:
“14ª Turma:
determinada reintegração de ex-diretor do Hospital das Clínicas após publicação
de livro com denúncias
O desembargador Davi Furtado Meirelles, redator designado,
da 14ª Turma do TRT da 2ª Região, concluiu
que a pena de justa causa fora indevidamente aplicada a um ex-diretor do
Hospital das Clínicas (São Paulo-SP), reclamante no processo, demitido por
justa causa após a publicação do livro Estação clínicas: os bastidores do maior
hospital público da América Latina. ‘Com efeito, a análise dos depoimentos
colhidos nos autos, inclusive aqueles prestados no processo administrativo
disciplinar instaurado pela reclamada, bem assim a leitura das atas de reuniões
do Conselho Diretor, não evidenciam a prática das faltas graves apontadas pelo
empregador para justificar a rescisão contratual’, observou o desembargador.
O magistrado ressaltou ainda que o teor do livro publicado
pelo autor não denigre a imagem do Hospital das Clínicas, ou de seus
servidores, mas, ao contrário, demonstra a preocupação do reclamante com a
melhoria permanente dos serviços prestados aos pacientes, as condições de
trabalho e a gestão hospitalar, que resultaram em mais qualidade e celeridade
do atendimento ao público e transparência na administração da reclamada.
Assim sendo, os
desembargadores da 14ª Turma decidiram acolher o pedido de reintegração do
reclamante ao emprego, nas mesmas condições anteriores, com o pagamento dos
salários vencidos e vincendos a partir da data da demissão, até a efetiva
reintegração, observados todos os reajustes salariais e vantagens legais
vencidas durante o afastamento, além de condenar a reclamada ao pagamento de
indenização por dano moral.
(Processo 00013414420105020062 - Ac. 20131099013)”
“11ª Turma: a
administração não pode se eximir da legislação trabalhista caso opte por
contratar pelo regime CLT
O Centro Estadual de Educação Técnica Paula Souza (Ceeteps)
não conseguiu, em 2º grau, eximir-se do pagamento de adicional de
periculosidade e reflexos, excluir a aplicação de astreintes (multa
diária) nem estender o prazo para o cumprimento da obrigação em razão de ação
ajuizada por um ex-professor da autarquia.
Os magistrados da 11ª Turma entenderam que a perícia,
realizada in loco, comprovara o cabimento do adicional de periculosidade, pois
o professor estava sujeito a energização acidental durante testes de corrente
elétrica que realizava em suas aulas. ‘A Súmula 364 do Colendo TST só afasta a
incidência do adicional quando o contato se dá de forma eventual, ou por tempo
extremamente reduzido, o que não é o caso dos presentes autos, uma vez que o
laudo atestou que o autor dá aulas para doze turmas, nas disciplinas de
Eletricidade Aplicada I e II, com 100 minutos por semana para cada turma’,
afirma o voto do desembargador-relator Ricardo Verta Luduvice.
A turma manteve a decisão que obrigara a autarquia a incluir
– em 30 dias do trânsito em julgado da sentença – o adicional e reflexos na
folha de pagamento do professor, sob pena de multa diária de 1/30 do salário
limitada a 30 dias. De acordo com os magistrados, o prazo para o cumprimento da
decisão não traz prejuízo ao ente público, pois será contado da ciência do
procurador estadual (artigo 880 da CLT), além de que existe jurisprudência no
Superior Tribunal de Justiça em favor da aplicação de astreintes à Fazenda
Pública pelo descumprimento de decisão que obriga a fazer, não fazer ou
entregar coisa (REsp 930.172-RS, DJ 6/10/2008, AgRg no Resp 990.069-RS, DJ
24/3/2008, e AgRg no REsp 976.446-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
30/10/2008).
De acordo com a
decisão, a administração pública equipara-se ao particular quando opta pelo
regime celetista, não podendo se eximir dos ditames da CLT. ‘A Administração
Pública, ao contratar sob o regime de CLT, equipara-se a particular, pois abre
mão de seu poder de império, e assim, está sujeita aos mesmos ônus da
legislação trabalhista. (...) A opção adotada pela contratação pelo regime da
CLT decorre de um juízo de oportunidade e conveniência pela Administração, que
sopesa as vantagens e ônus em face da opção contrária, que seria a adoção do
regime estatutário. Não é possível que a reclamada queira somente se aproveitar
do que é mais vantajoso de determinado regime, sem suportar os ônus resultantes
da escolha’.
(Processo: 00013605920115020080 - Ac. 20130812360)”.
As notícias das decisões supracitadas
são emblemáticas, mesmo não envolvendo o julgamento de causas idênticas. As decisões revelam o contraste de entendimentos sobre o tema “empregado público” externadas, nas situações descritas, pelas 14ª e 11ª Turmas do TRT/SP. Na essência, o julgado revela que o grupo de juízes integrantes da 11ª
Turma entende que o servidor celetista equipara-se a um empregado privado;
entre um servidor concursado (integrante de uma guarda municipal, de um
departamento de trânsito, de um hospital público ou de um centro de educação
técnica) e um empregado de uma sorveteria não haveria distinções.
E o leitor há de perguntar: “- Mas não são todos iguais perante a Lei?”.
Sim, todos são iguais perante a Lei,
mas a lei é interpretada e aplicada por pessoas (juízes) diferentes. As situações que revelam
conflitos entre aplicações de uma mesma Lei a pessoas que estão em situações
idênticas devem ser eliminadas (os entendimentos e aplicação da Lei devem ser
uniformizados) em procedimento desencadeado por iniciativa dos próprios juízes.
E até que haja uniformização, há espaço para que se cometam injustiças.
Injustiças que podem demorar bastante tempo para serem corrigidas no caso
concreto.
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