SPTRANS É OBRIGADA FORNECER BILHETE ÚNICO GRATUITO A PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR.
Em decisão recente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
assegurou a uma munícipe portadora de visão monocular o direito à gratuidade no
transporte público municipal (ônibus), benefício que vinha sendo negado pela
SPTRANS desde o ano de 2017. Esta decisão, além de assegurar a gratuidade nos ônibus,
certamente também embasará futuro pedido de gratuidade para o transporte por
trilhos (metrô e trens metropolitanos).
Resumo do caso: uma cidadã portadora de CID 10 H54.4 (cegueira em
um dos olhos) e H40.3 requereu à SPTRANS a concessão do Bilhete Único Gratuito
para Portadores de Deficiência. Apresentou laudo médico e demais documentos
médicos que comprovavam a sua enfermidade ocular. A gratuidade foi negada
administrativamente pela SPTRANS, alegando que:
“Para a concessão do benefício da gratuidade no transporte público
do Município, a pessoa que apresente deficiência física, visual, auditiva ou mental (intelectual, temporária ou
permanente, deve atender aos requisitos previstos na legislação municipal (Lei
nº 11.250/92, Lei nº 14.988/09 e Portaria Interministerial SMT/SMS nº 001/11,
de 2 de dezembro de 2011). (...) Esclarecemos ainda que, seu benefício pode ter
sido indeferido (negado) porque, apesar da existência de sequela, foi indicada
outra CID. Para concessão do benefício é necessário que o Relatório Médico
conste CID da sequela, que deverá fazer parte do rol das patologias que podem
ser caracterizadas como deficiência e, também, deverão constar as limitações
estabelecidas pelo Anexo I, da Portaria supracitada.”
Foi ajuizada uma ação judicial fundamentada, em síntese, nos
seguintes argumentos: a deficiência está devidamente documentada em laudo
médico, além de haver constatado outros problemas relacionados à visão, que
poderão evoluir; garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e
assistência integral à saúde; especial proteção do direito à saúde das pessoas
portadoras de deficiência; visão monocular expressamente reconhecida como uma
deficiência pela Lei nº 14.481/2011; política de inclusão social e
reabilitação, nos termos da Lei Municipal nº 11.250/92, lei esta que autorizou
a Prefeitura a conceder gratuidade no transporte público para os portadores de
deficiência; preceitos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, de Nova Iorque; direito fundamental à cidade, na forma do
Estatuto da Cidade.
Houve um pedido de “liminar”, que foi negado em primeira instância.
Posteriormente, a segunda instância concedeu a medida liminar, obrigando a
SPTRANS a fornecer a gratuidade até sentença final. A SPTRANS defendeu-se no
processo e recorreu da concessão da “liminar”. A sentença de primeira
instância, de setembro de 2022 julgou
improcedente a questão, em prejuízo da portadora de visão monocular.
Houve um novo recurso para a segunda instância, em que o Tribunal de Justiça
afirmou:
“(...) Pessoa
portadora de ‘Visão Monocular’ (CID 10 H54.4) e ‘Glaucoma’ (CID 10 H40.3). (...)
Embora não constem da Portaria Intersecretarial SMT/SMS nº 001/11 as
enfermidades que acometem a autora, a Lei Municipal nº 14.988/09, que traça os
parâmetros da referida isenção, determina a atualização da listagem de doenças
conforme a Classificação Internacional de Doenças CID, não sendo, portanto, taxativa.
E, sendo a ‘visão monocular’ considerada como deficiência física para fins de
reserva de vagas em concurso público a seus portadores (Súmula nº 377 do STJ),
não é desarrazoado que esse ‘status’ seja considerado para outras finalidades.
Laudo pericial que atesta ser a apelante portadora de ‘visão monocular’ e ‘glaucoma’,
condições que certamente lhe trazem consideráveis embaraços e dificuldades
sensoriais, as quais podem impedir sua participação plena e efetiva no meio
social, em igualdade de condições com os demais. Aplicação do art. 9º, 1, ‘a’,
da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das
Nações Unidas. Precedentes. Sentença reformada. Recurso provido.”
(TJSP; Apelação Cível 1059893-47.2017.8.26.0053; Relator (a): Aroldo
Viotti; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda
Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento:
07/02/2023; Data de Registro: 07/02/2023)
Em fundamentação complementar o Tribunal de Justiça ponderou que:
“As doenças referidas não estão em princípio inseridas no rol de
enfermidades que ensejam a seus portadores a isenção tarifária no transporte
público, previsto no anexo I da Portaria Intersecretarial SMT/SMS nº 001/11.
No entanto, a própria Lei Municipal nº 14.988/09 determina seja referida
listagem atualizada conforme a Classificação Internacional de Doenças CID, de
modo que não é taxativa. E isto é tão mais verdadeiro a se ter em conta
que a Lei Estadual nº 14.481/2011 e a Lei Federal nº 14.216/2021 classificam a
visão monocular como deficiência visual. Destaca-se, ainda, que a ‘visão
monocular’ é considerada como deficiência física para fins de reserva de vagas
em concurso público a seus portadores (Súmula nº 377 do STJ), não sendo
desarrazoado que esse ‘status’ seja considerado para outras finalidades.”
Portanto, considerou-se que é obrigação da municipalidade, da
SPTRANS realizar a atualização da lista de enfermidades caracterizadoras de
deficiências (e a SPTRANS não procedeu com a atualização). Ainda, que desde
2011 a visão monocular é caracterizada como deficiência para fins de reserva de
vagas em concursos públicos, não havendo justificativa para negar a concessão
de gratuidade. Citou diversas decisões do ano de 2022, que asseguraram o mesmo
direito.
Enfim, decisão muito importante, que poderá fundamentar até mesmo
o pedido de gratuidade para o transporte sobre trilhos.