DIVULGAÇÃO DE SALÁRIOS NA INTERNET. O CONFRONTO ENTRE O DEVER DE PUBLICIDADE E O DE RESPEITAR A PRIVACIDADE INDIVIDUAL.
Autarquia pagará
indenização por divulgar salário de empregado na internet
Ao divulgar na internet
lista contendo a remuneração específica de cada empregado, inclusive com
vantagens pessoais, a A. dos P. de P. e A. difundiu de forma abusiva dados
pessoais dos trabalhadores. Pela conduta ilícita, a autarquia foi condenada ao
pagamento de R$ 10 mil ao autor de uma reclamação que requereu indenização por
danos morais pelo constrangimento, pela violação ao direito à intimidade e pelo
desgaste emocional que sofreu. Em recente decisão, a Sexta Turma do Tribunal
Superior do Trabalho negou provimento a agravo de instrumento da A., que
objetivava extinguir a condenação.
O autor, empregado da A.
desde janeiro de 1990, tomou conhecimento em 21/09/2007 da distribuição de
panfletos pela cidade de Paranaguá (PR) nos quais constariam a relação dos
funcionários da A., suas funções e respectivos salários. As listas estariam
disponíveis também no endereço eletrônico da empregadora. Em sua reclamação,
ele alegou incorreção nos dados divulgados e quebra de sigilo das informações
relacionadas ao contrato de trabalho, que somente poderiam ser divulgadas em
casos excepcionais.
Condenada na primeira
instância, a A. recorreu alegando que os atos administrativos são praticados
conforme as regras do artigo 37 da Constituição da República, que exige ampla divulgação
dos atos da administração pública.
Sustentou também que
nomes, cargos e salários dos servidores não são secretos, e que todos os atos,
de nomeações a exonerações, são informações acessíveis e se sujeitam à
obrigatória publicação em diário oficial.
No entanto, segundo o
relator do agravo de instrumento no TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, o
procedimento da A. extrapolou a determinação do artigo 39, parágrafo 6º, da
Constituição, que admite a publicação apenas dos valores destinados a cargos e
empregos públicos sem individualização dos titulares.
Restrições
De acordo com o ministro,
não há dúvida acerca da importância do princípio da publicidade "em razão
de a administração pública tutelar interesses públicos, devendo seus atos ser
praticados com transparência". Porém, ressaltou, "a norma
constitucional que estabelece o princípio da publicidade, garantindo o direito
à informação, deve ser compreendida em conjunto com outros preceitos
constitucionais que a restringem".
Nesse sentido, o relator
citou o inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição, pelo qual "todos têm
direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado". O ministro destacou ainda o inciso LX
do mesmo artigo, que estipula que "a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse
social o exigirem".
Na sua avaliação, a
Constituição "é clara ao garantir ao cidadão o direito à intimidade, que
deve ser harmonizado com o princípio da publicidade". No caso em questão,
o relator entendeu que houve violação do direito à privacidade do autor, pela
difusão abusiva dos salários dos empregados, extrapolando o objetivo da ordem
jurídica ao fixar o princípio da publicidade como uma das garantias do controle
da atuação administrativa.
Para o ministro Godinho
Delgado, a publicação de lista nominal, com os valores das remunerações
vinculados a cada empregado individualmente, é uma publicidade que
"implica a exposição dos empregados perante a sociedade". Ele frisou,
ainda, que não se pode falar que a condenação da A. implique ofensa ao artigo
37, caput, da Constituição, pois "o princípio da publicidade não tem a
extensão a ele conferida pela A.", concluiu.
Processo: AIRR -
339940-82.2007.5.09.0322
Fonte: Tribunal Superior
do Trabalho, acessado em 10/12/2011.
** Comentários do
Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Os órgãos da
Administração Direta já vinham sofrendo numerosas derrotas pela divulgação dos
salários de cada servidor na internet. A Prefeitura de São Paulo, que
praticamente inaugurou essa forma de "publicidade" e de
"(i)moralidade" inconstitucionais, sofreu centenas condenações.
Aliás, quando a
Prefeitura lançou a ideia, uma rede de televisão saiu a campo para entrevistar
as pessoas. Passou pelo serviço "Acessa São Paulo" de um Poupatempo e
um dos entrevistados (um homem que não aparentava ser lá muito
ponderado) que fazia uso do acesso gratuito à internet dizia já estar fazendo a
sua parte na fiscalização dos salários pagos.
De imediato pensei: “Tantos
funcionários públicos juntos e com os crachás à mostra...É bem capaz do
entrevistado já estar bisbilhotando o salário de algum dos servidores que
lhe presta atendimento...”.
A divulgação dos salários
não é proibida. Proibida é a exposição da vida privada dos servidores. Desde que
se mencionasse somente o cargo e os valores pagos ao titular do
cargo sem identificar o nome do funcionário, a publicidade seria permitida. O
artigo 5º da Constituição diz que a privacidade é direito fundamental.
Por outro lado, quase
nunca o que se recebe "a mais" do que a tabela geral de salários é
ilegal. Sob o pretexto (político eleitoreiro) de atender o dever de publicidade
e de moralidade, não se pode desprezar direitos constitucionalmente
assegurados. E quem pagará a conta das indenizações? Eu, você, nós...