CONSTRANGIMENTO EM SHOPPING CENTER: INTERLAGOS É CONDENADO POR DANO MORAL.
** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Em
postagem recente fizemos algumas observações sobre as dificuldades dos comerciantes
de shoppings centers. Um estabelecimento
comercial tem de prover o sustento dos empregados (salários), dos donos (“salários
dos patrões”) e pagar as suas próprias dívidas (encargos fiscais, aluguel,
taxas etc).
Já
disseram que a praia de paulistano é o shopping
center. Basta um feriadinho mais longo, ou um final de semana emendado ao
5º dia útil para que os moradores de São Paulo lotem os shoppings centers.
Enfim,
shopping nunca está vazio! E o fenômeno “rolezinho” acendeu uma luz de
alerta em relação à segurança dos shoppings
centers. É que tais estabelecimentos são incapazes de garantir a segurança
que eles vendem nas suas peças de marketing
e nos anúncios pagos de televisão. Quantas notícias sobre assaltos a
joalherias e lotéricas dentro de shopping
centers você ouviu nos últimos anos? Várias, não?
As
manifestações de 2013 levaram multidões para as ruas e logo em seguida os Black Blocks desvirtuaram os movimentos.
Por isso, o “rolezinho” (encontros de jovens, nos quais se infiltram
aproveitadores da confusão e da desordem) levanta discussões.
Os
shoppings centers querem que a
Polícia garanta a segurança de seus estabelecimentos. O Governo diz que o “rolezinho”,
enquanto não causar ato criminoso, não é caso policial. E quem poderia cometer ilícitos? O jovem mal vestido? Um grupo de jovens trajados de modo pouco elegante, de gestual imoderado? Surgem aí as discussões sobre segregação, discriminação, abuso da segurança, direito de ir e vir...
Não, não concordamos com o "rolezinho". Mas uma coisa é certa:o fato levantou discussões!
Quem
tem de garantir a segurança privada (enquanto persistir a situação de normalidade e não houver o cometimento de ilícitos) é o dono do estabelecimento, pois se a
polícia (supostamente, no exercício de sua função pública) cometer algum ato falho, quem
pagará a conta será sociedade; toda a sociedade que paga impostos e verá seus impostos sendo utilizados para indenizações. É que Estado poderá ser processado pelos atos dos
agentes policiais (no desempenho da função policial) praticados para a proteção
da propriedade privada. O particular, no caso o shopping, não terá qualquer desembolso com indenização a ser paga
para vítimas de sua insegurança.
Diferentemente,
quando a segurança privada (contando com policiais fazendo “bico”) comete
falhas e provoca danos a consumidores/clientes, quem paga a conta é o
particular.
Veja
a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que
condenou o Shopping Interlagos a
indenizar consumidor violentado em sua dignidade por segurança privada exercida
por policiais que trabalhavam em horários de folga.
VOTO
N. xxxx.
APELAÇÃO
CÍVEL N. xxxxxx-68.2008.8.26.0000
COMARCA:
SÃO PAULO
APELANTE
(S):xxxxxxxxx
APELADO
(S):. INTERMARCOS ADMINISTRADORA LTDA
JUIZ
PROLATOR DA SENTENÇA: MÔNICA DE CÁSSIA THOMAZ PEREZ REIS LOBO
Recurso antigo e
somente agora julgado pela câmara extraordinária. Dano moral. Consumidor vítima
de abordagem truculenta, com arma de fogo, por suspeita de furto ou roubo de
cartão de crédito. Fato que ocorreu em público, em pleno centro de compras
(shopping). Dever do empreendedor de preservar a
incolumidade física
e psíquica de seus frequentadores. Responsabilidade objetiva, competindo
responder e, posteriormente, reclamar dos infratores o reembolso (regresso).
Dano moral incontroverso. Provimento para fixar a indenização em R$ 20.000,00.
Vistos.
Recurso distribuído em 9.9.2008 (fls. 252) e
não julgado pela câmara ordinária. Será imediatamente analisado pela câmara
extraordinária.
O autor não se conforma com o resultado
imposto para a ação que ajuizou contra a INTERMARCOS ADMINISTRADORA LTDA.
(Shopping Interlagos) e espera que o Tribunal reconheça a ocorrência de ato
propulsor da indenização por danos morais. Segundo exposto na inicial, o autor foi
alvo de uma abordagem quando realizava compras em uma das lojas do shopping e
mediante ameaça com armas de fogos e expressões chulas próprias para intimidar,
foi imobilizado para identificação de suspeito de furto de cartão, sendo
liberado quando a vítima não o apontou como o criminoso procurado. O autor
sustenta que os agentes dessa violência seriam vigilantes do shopping e, por
ter sofrido humilhações em público, pede indenização não inferior a 200
salários mínimos (fls. 42).
A sentença reconheceu ser a recorrida parte
ilegítima para responder pela ação do autor porque apurado que os personagens
da diligência citada não eram empregados do shopping ou integrantes da firma terceirizada
que cuida da segurança do local, o que impedia a vinculação com o episódio.
É o relatório.
Não deve subsistir a decisão.
O
equívoco da extinção, sem resolução de
mérito, decorre do fato de o autor
não ter recebido a contemplação jurídica que o status de consumidor atribui, o
que equivale a dizer que, igualmente, não se observou o fato de ser titular do
direito da inviolabilidade de sua integridade física e psíquica no instante em
que adentra e circula pelo ambiente construído pelo centro de compras. O
shopping é um fenômeno comercial desenvolvido para atrair clientes que se
sentem seguros e confortáveis para desenvolver suas expectativas de consumo,
sendo que esse estabelecimento prima pela oferta de vantagens que vão desde a
comodidade, estacionamento, pluralidade de lojas, alimentação, lazer e tudo o
mais que estimula a chegada do consumidor e sua permanência por mais tempo
possível. A estratégia do shopping e cativar o consumidor, o que proporciona a
rentabilidade pelos alugueis das lojas. O shopping é, pois, um prestador de
serviços e responde pela integridade física e psíquica dos frequentadores, de
forma objetiva, nos termos do art. 14, da Lei 8078/90.
O autor foi vítima de violência inusitada e
inexplicável. Realizava compras normalmente e foi abordado e detido como se
fosse criminoso, dentro de uma das lojas, quando ameaçado com armas e subjugado
para uma cena típica de reconhecimento visual pela suposta vítima de furto ou
roubo de cartão. O autor, como resulta dos autos e sequer se contesta, era totalmente
inocente, sendo que os sujeitos responsáveis pelo ato foram identificados como
policiais (civil e militar), conforme informações do próprio shopping (fls.
31). A recorrida afirmou (fls. 59) e não provou que essas pessoas prestariam
serviços a uma administradora de cartões de crédito e que agiram por ordem e
conta dessa operadora (cuja identidade não foi fornecida), porque havia
suspeita de uso fraudulento de cartão nas lojas do Shopping Interlagos.
Os direitos do autor foram violados e sua
honra, imagem e reputação foram ignoradas, o que equivale a concluir que seu
direito de
indenização
é absoluto e incontroverso (art. 5º, V e X, da CF e art. 6º, VI, da Lei
8078/90). A recorrida é parte legítima para responder pelos danos, primeiro
porque era responsável pela segurança e higidez do consumidor que recepciona,
não sendo possível que possa permitir que um cliente seja humilhado dentro de
uma loja, na presença de outras pessoas, como ocorreu com o autor. Se o
shopping conhecia a identidade dos envolvidos, como constou do BO de fls. 31,
tinha o dever de agir e não permitir que o ato violento eclodisse, porque isso
representa um descaso com o consumidor inocente e vítima dessa arbitrariedade.
Não interessa que não exista prova cabal da
vinculação trabalhista desses policiais com o shopping e com a empresa que cuida
da segurança (Graber Sistemas de Segurança Ltda.), porque não seria o Judiciário ingênuo de exigir ficha de emprego quando
se sabe que os policiais, civis e militares, trabalham informalmente e nas
horas de folga. Não há, evidentemente, registro. Por outro lado e ainda por
regras de experiência (art. 335, do CPC) fica difícil imaginar que uma
administradora de cartões autorize uma diligência violenta como a que foi
perpetrada e testemunhada, porque, para ela, basta cortar o crédito (bloqueio)
que o problema financeiro está dizimado.
O que normalmente ocorre é que os seguranças
dos shoppings, mesmo de empresas terceirizadas, praticam atos de abuso e o caso
do autor é um deles, sendo mais natural crer que a detenção, denúncias e
ameaças sofridas pelo autor decorrem de ato do conhecimento e consentimento
(ainda que tácito) da recorrida. Há legitimidade passiva ad causam (art. 3º, do
CPC) e cabe julgar o mérito, na forma do art. 515, § 3º, do CPC.
Mesmo que a INTERMARCOS não tenha dado a
ordem para o ocorrido, permitiu que isso ocorresse e mesmo quando os agentes se infiltram para atos de violência,
cumpria-lhe tomar medidas que evitassem a submissão dos consumidores com tais
violências, não sendo justificado que pessoas armadas entrem com facilidades e
ajam com liberdade como os agentes agiram e nada aconteça. O autor não
contou com nenhum aparato de controle para sua proteção e não mereceu reserva
legal alguma dos valores físicos e morais.
Houve, sem dúvida, falha na prestação de um
serviço, o que obriga a ré a indenizar os danos, competindo a ela, depois,
exigir dos infratores a restituição (regresso). O que não se admite é que o
autor permaneça sem
indenização
pelas ofensas suportadas.
O dano moral é incontroverso. O autor foi
humilhado e injustamente acusado, sendo alvo de violência e ameaças que não se justificavam,
porque nada fez para atrair a suspeita que motivou a diligência descuidada que
se fez em público. Na forma do art. 944, do CC, faz jus a uma indenização de R$
20.000,00 (vinte mil reais).
Isso posto, dá-se provimento para julgar a
ação procedente e condenar a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 20.000,00, com
juros da mora desde a data do fato e atualização monetária a partir do presente
julgamento. A recorrida pagará as custas
e honorários, esses fixados em 15% do valor atualizado da condenação.
ÊNIO SANTARELLI ZULIANI
Relator
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