domingo, 23 de setembro de 2012

DEMORA NA ENTREGA DAS CHAVES: CONSTRUTORAS DEVEM SER RESPONSABILIZADAS.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O mercado de imóveis está muito aquecido, mas as entregas de obras não atendem aos prazos contratados. E isso porque não existem trabalhadores em número suficiente, a quantidade de material de construção disponível no mercado oscila conforme os preços, a burocracia emperra os processos de liberação de alvarás, habite-se, etc. Há ainda os casos em que as incorporadoras forçam a construção de empreendimentos em desconformidade com a legislação municipal e ambiental (estatuto da cidade, plano diretor, legislação de proteção ambiental e de mananciais, que visam a diminuir os impactos negativos no trânsito, poluição, degradação de fontes d´água etc.), colocando em risco o consumidor que compra sem obter - e sem buscar - as informações adequadas sobre o empreendimento.

No caso da notícia abaixo, trata-se de grande condomínio - anda não ocupado - construído na região da Av. Interlagos em uma área antes muito arborizada, que foi praticamente eliminada para a construção de imóveis de alto padrão. Houve uma grande demora no início das obras, mas elas foram concluídas em menos de dois anos, em tempo recorde. O motivo? Houve o ajuizamento de uma ação pelo Ministério Público de São Paulo questionando a devastação ambiental provocada. Havia interesse em entregar os imóveis antes do veredicto judicial sobre a regularidade da obra. A sentença de primeira instância determinou a demolição do condomínio, mas uma decisão de segunda instância considerou que a construção dos imóveis era um “fato consumado”, não sendo justo penalizar os compradores.
A sociedade como um todo é penalizada. Os antigos moradores da região sofrerão, porque o trânsito já muito carregado será muito e muito pior. Os compradores são penalizados, porque ocorreu uma demora anormal na entrega das obras, além de não terem sido devidamente informados e esclarecidos conforme determina o CDC.
Importante: muitos e muitos empreendimentos começam a ser vendidos sem que a obra esteja regularizada (problemas com a contaminação de solo em terrenos antes ocupados por fábricas, descumprimento de legislação de construção e localização, etc). Os exemplos são os mais variados, e estão por toda a cidade.

A notícia abaixo é sobre o processo impetrado por consumidores que adquiriram os imóveis (que o juiz de primeira instância mandou demolir), mas não receberam as chaves no prazo contratado:


"CONSTRUTORA INDENIZA CASAL POR NÃO ENTREGAR IMÓVEL NO PRAZO

A 21ª Vara Cível da Capital condenou uma construtora a indenizar dois compradores após atraso na entrega de um imóvel. O apartamento faz parte de um condomínio de luxo, localizado na zona sul da capital paulista, construído em desconformidade com a lei de zoneamento local.

Os autores afirmaram que a entrega do imóvel foi prometida para setembro de 2010 e, posteriormente, adiada para agosto de 2011, em razão das obras terem sido embargadas por decisão judicial.  Alegaram ainda que, após descumprimento de ambos os prazos, tiveram frustrados seus sonhos de se mudarem para o local e experimentaram danos materiais e morais, devendo ser indenizados.

A construtora sustentou que o atraso na demora é justificável já que as obras foram suspensas por causa de liminar e reiniciadas somente após sua revogação.
Em sua decisão, o juiz Danilo Mansano Barioni, entendeu que o atraso na obra gerou danos materiais aos autores e determinou que a construtora pague o valor do aluguel do casal, a partir de agosto de 2011 até a data efetiva da entrega das chaves. Com relação ao pedido de indenização por danos morais, ‘a má-fé não foi demonstrada, devendo ser simples a restituição, arbitrada em R$ 10 mil’, disse”.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, TJ/SP, acessado em 24/09/2012.

E a íntegra da decisão:
Vistos. (...) ajuizaram a presente ação de indenização por danos materiais e morais c.c obrigação de fazer contra (...) e (...) alegando, em síntese, que adquiriram da ré o ap. (...), do edifício (...), bloco 1, do Condomínio Domínio (...), cuja entrega foi prometida para 30/09/2010. O imóvel, porém, não foi entregue, com prorrogações de prazo. A obra foi embargada por decisão proferida nos autos da ação civil pública nº 053.069.012087-9. Houve repactuação prevendo a entrega da obra para 01/08/2011, o que não foi cumprido. Foram frustrados no seu sonho de se mudarem ao badalado empreendimento propagandeado pela ré. Questionam a cobrança da comissão SATI e comissão de corretagem. Afirmam ter experimentado danos materiais e morais, que devem ser indenizados. Requerem a procedência da ação que seja suspensa a incidência da correção monetária sobre o valor das parcelas previstas na cláusula 6 e item 2.2, até a entrega do imóvel, bem como qualquer cobrança de juros e multa das prestações vencidas após agosto de 2011 e condenada a ré ao pagamento de indenização por danos materiais em valor equivalente ao locativo do imóvel, que estimam em R$ 8.000,00, restitiuição do valor de R$ 19.157,88 cobrados a título de corretagem, restituição da SATI, no valor de R$ 3.129,80 e indenização por danos morais que estimam em R$ 30.000,00. Juntaram documentos. A antecipação de tutela foi parcialmente deferida, mas revogada em sede de agravo de instrumento. Citada, a ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que o atraso na entrega da obra é justificado, devendo ser considerado, ademais, o prazo de tolerância de 180 dias. As obras foram suspensas em virtude de liminar proferida em ação civil pública, e reiniciadas somente após sua revogação. Mesmo com sentença de procedência da ação civil pública, anulando os alvarás expedidos, decisão esta que está suspensa até julgamento da apelação, deu andamento às obras, por sua conta e risco, demonstrando respeito aos compradores. Mesmo mantido por apensas alguns meses o embargo das obras, estas não foram retomadas automaticamente, ante a escassez de mão de obra e materiais decorrente do aquecimento do mercado imobiliário. Também a partir de agosto de 2011 não pode ser responsabilizada pois embora pronto, a entrega do imóvel depende do julgamento da apelação pelo TJ. Descabido o pedido de suspensão da correção monetária, que é mera recomposição da moeda. Não estão comprovados os danos materiais e morais. Não podem ser restituídas as despesas com corretagem e assessoria técnica, pagos a corretores autônomos e à empresa Seller Consultoria Imobiliária, que os atendeu num stand de vendas e intermediou o negócio. Requer a improcedência dos pedidos. Juntou documentos. Houve réplica. Instadas, as partes se desinteressam pela produção de outras provas. É o relatório. Fundamento e Decido: O processo comporta pronto julgamento, nos termos do art. 330, I, do CPC, observando-se que, instadas, as partes se desinteressaram pela produção de quaisquer provas. O atraso na entrega da obra é induvidoso. O contrato prevê que o apartamento deveria ser entregue em setembro de 2010, com tolerância de 180. Não foi. Como venho decidindo em casos outros, a cláusula que prevê de forma clara e induvidosa a possibilidade de atraso de 180 dias para a entrega da obra, aliás, comum na quase totalidade de contratos como o ora em análise, NÃO É ABUSIVA e nem pode ser  ignorada, pois seu conteúdo é de facílima compreensão a qualquer pessoa que saiba ler. Impassível de ser considerada abusiva pela redação, clara e induvidosa, a cláusula também não é descabida se considerados seus motivos determinantes, na medida em que a ré não se obrigou a pagar uma prestação em dinheiro, com valor e termo de vencimento certos, mas, isto sim, a erguer um prédio, e ainda que tal obrigação se insira em seu ramo regular de atividades, impossível um prognóstico exato de conclusão. Aliás, é até por esta previsão que os argumentos comuns de escassez de mão de obra, “fortuitos e forças maiores” a justificar atrasos ainda maiores são reiteradamente rechaçadas, já que absolutamente previsíveis e justificadoras do prazo de carência de 180 dias. Mais que isto seria quebra do equilíbrio contratual. No caso em apreço, porém, tais questões têm sua relevância afastada na exata medida em que os autores concordaram em repactuar o prazo de entrega em aditivo contratual, que a nova data prevista foi agosto de 2011, ou seja, cinco meses depois do próprio vencimento do prazo contratual somado ao período de tolerância. A data a ser considerada, portanto, é agosto de 2011, mas também nela o imóvel não foi entregue. O atraso além esta data não são justificáveis, nem pelos problemas relacionados à pendência do recurso de apelação tirada conta a sentença proferida em ação civil pública que revogou o alvará concedido pela Municipalidade para a construção do empreendimento. Isto porque entraves judiciais relativos a empreendimentos que pôs a venda estão inseridos no espectro do risco inerente à atividade da ré, que deve suportar suas consequências e não pretender repassá-las aos consumidores. A propósito de questão idêntica relacionada ao mesmo empreendimento o Poder Judiciário já se manifestou pela pena do eminente juiz Sidney da Silva Braga, que assim pontificou: “Além da paralisação de três meses não ser proporcional ao atraso de cerca de um ano, o fato é que, independentemente do mérito da questão na ação própria, a paralisação das obras por ordem judicial em razão de discussão acerca da legalidade ou não de alteração, pela ré, do projeto construtivo inicialmente aprovado pelo Município, com expressivo aumento na área total construída, era um risco que agora não pode ser considerado inesperado nem inevitável e no qual a ré incidiu de forma consciente, no exercício de sua atividade empresarial, pela qual responde integralmente, estando descaracterizada a força maior.” (18ª Vara Cível, processo nº 2011.200265-5). Fortuito ou força maior que porventura poderiam ser considerados em benefício da ré seriam terremotos, cataclismas, ataques terroristas, paralisação completa de todos os pedreiros do Brasil, fatores tão improváveis que pudessem escapar da previsão inicial de entrega das obras, generosa previsão, diga-se de passagem, somada ao período de carência de 180 dias, e neste caso especificamente ao prazo esticado pelo aditamento firmado, mas nada disso ocorreu ou foi comprovado. Nada, portanto, conduz à irresponsabilidade da ré, que deve responder pelo atraso na entrega da obra, incontroverso atraso. Inequivocamente experimentaram os autores danos materiais. Em que pese tratar o parágrafo único do art. 944 do Código Civil de gradação de culpa, o que não é o caso em apreço, dito dispositivo legal consagra a possibilidade de valer-se o juiz da equidade para fixar as indenizações, não havendo óbice à sua aplicação analógica no caso específico destes autos. Tivessem os autores a disponibilidade do imóvel no prazo contratual, poderiam dele dispor como melhor lhes aprouvesse, alugando-o, deixando de pagar aluguel, e assim por diante. Justo, então, que a indenização pelo atraso na entrega da obra, à míngua de critério adequado indicado no contrato de adesão, seja correspondente ao valor do locativo do imóvel não entregue por mês de atraso, com juros de mora de 1% ao mês desde o suposto vencimento do aluguel, e correção monetária pela Tabela Prática do TJ a partir da mesma data, o que será fixado em sede de liquidação de sentença. É inequívoco, pois, que a ré deveria ter entregado o empreendimento pronto aos autores em 01 de agosto de 2011, devidos os locativos, pois, a partir desta data, até a efetiva entrega das chaves. Doutra parte, a prática espúria conjunta de construtoras, corretoras, administradoras, imobiliárias e empresas de suposta mediação e assessoria técnica de “empurrar goela abaixo” do consumidor serviços vinculados ao contrato de compra e venda de imóvel não é nova, e vem sendo há muito condenada na jurisprudência, como ilustra o seguinte aresto: “Cobrança de serviços de assessoria técnico-imobiliária (SATI) – Ausência de informação clara e precisa sobe o serviço prestado – Cobrança indevida, conforme o art. 31 do CDC. Restituição do valor e em dobro, conforme o art. 42, parágrafo único, do CDC.” (Ap. 367.321-47-00, 7ª Câm. Dir. Privado, Rel. Des. Elcio Trujillo, J. 11/11/2009). Os autores jamais procurou qualquer corretora, nem tampouco há comprovação de que lhe tenha sido disponibilizado qualquer serviço de assessoria técnico imobiliária (SATI), mas sim a ré. Fecharam o negócio e, entre o calhamaço de documentos que lhes foram apresentados estavam os documentos que dão ar de regularidade formal à contratação dos serviços de corretagem e assessoria técnico-imobiliária, sobre os quais, na prática, não receberam qualquer explicação, orientação, alerta, nada. A restituição dos valores pagos a este título, portanto, se impõe, mas de forma simples, não em dobro como equivocadamente pleiteado. É que ao acolher a Reclamação nº 4.892/PR, relatada pelo Ministro Raul Araújo, restou decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça que "... a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, não prescinde da demonstração da má-fé do credor." (J. 27/04/2011) No caso dos autos, a má-fé não foi demonstrada, nem se presume, devendo ser simples a restituição. Também entendo caracterizados os danos morais alardeados. É que a aquisição de um imóvel gera expectativas, pauta os planos do presente e motiva a realização de planos futuros, planejamento familiar, etc. Não se trata de relação contratual qualquer, frustrada por circunstâncias irrelevantes e que produz mero descontentamento. Pelo contrário, ante a natureza da avença, do objeto do contrato, ante a irrazoabilidade do atraso perpetrado, inequivocamente sofreram os autores abalo psíquico considerável e, assim, passível de ser indenizado. Assim, levando-se em consideração as circunstâncias do caso concreto, com as repercussões pessoais e sociais, os inconvenientes naturais suportados pelos autores, a frustração de justa expectativa, o grau de culpa da requerida e o seu porte financeiro, bem como o valor do imóvel, fica fixado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor único, não para cada um dos autores. E para que não paire qualquer dúvida, oportuno assentar que perfilhamos o entendimento externado na Súmula 326, do Colendo STJ, no sentido de que "na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca". Por fim, como observado no v. acórdão do AI que reformou a decisão concessiva da tutela antecipada a correção monetária é devida, pois mera recomposição de perdas. As prestações pendentes deverão ser pagas conforme pactuado, salvo se condicionadas à entrega das chaves (como parcela das chaves), caso em que levarão em conta a efetiva entrega do imóvel. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para condenar a ré a pagar aos autores, a título de danos materiais, o valor correspondente a um mês de aluguel referente ao imóvel objeto de discussão nos autos, a partir de agosto de 2011 até a data da efetiva entrega das chaves, cuja apuração dar-se-á em fase de liquidação de sentença, por pertinente perícia, devendo o valor dos locativos ser corrigido pela Tabela Prática do TJ e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do mês seguinte (ad exemplum, o locativo de janeiro terá sua primeira correção em fevereiro, e assim por diante). Por fim, condeno a ré a pagar aos autores indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (única), corrigidos monetariamente pela Tabela do Tribunal de Justiça a partir desta data (pois nela o valor foi tido como adequado), acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação, bem como a restituir os valores pagos a título de comissão de corretagem e SATI, de forma simples, corrigidos e acrescidos de juros pelo mesmo critério supra, mas a partir dos respectivos desembolsos. Arcará a ré com as custas e despesas processuais, fixada a verba honorária em 10% sobre o valor total da condenação. P.R.I.C. São Paulo, 15 de agosto de 2012.”
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