DEMORA NA ENTREGA DAS CHAVES: CONSTRUTORAS DEVEM SER RESPONSABILIZADAS.
** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O mercado de imóveis está muito
aquecido, mas as entregas de obras não atendem aos prazos contratados. E isso
porque não existem trabalhadores em número suficiente, a quantidade de material
de construção disponível no mercado oscila conforme os preços, a burocracia
emperra os processos de liberação de alvarás, habite-se, etc. Há ainda os casos
em que as incorporadoras forçam a construção de empreendimentos em
desconformidade com a legislação municipal e ambiental (estatuto da cidade,
plano diretor, legislação de proteção ambiental e de mananciais, que visam a
diminuir os impactos negativos no trânsito, poluição, degradação de fontes d´água
etc.), colocando em risco o consumidor que compra sem obter - e sem buscar - as
informações adequadas sobre o empreendimento.
No caso da notícia abaixo, trata-se de grande
condomínio - anda não ocupado - construído na região da Av. Interlagos em uma área
antes muito arborizada, que foi praticamente eliminada para a construção de imóveis
de alto padrão. Houve uma grande demora no início das obras, mas elas foram
concluídas em menos de dois anos, em tempo recorde. O motivo? Houve o
ajuizamento de uma ação pelo Ministério Público de São Paulo questionando a
devastação ambiental provocada. Havia interesse em entregar os imóveis antes do
veredicto judicial sobre a regularidade da obra. A sentença de primeira instância
determinou a demolição do condomínio, mas uma decisão de segunda instância
considerou que a construção dos imóveis era um “fato consumado”, não sendo justo
penalizar os compradores.
A sociedade como um todo é penalizada. Os
antigos moradores da região sofrerão, porque o trânsito já muito carregado será
muito e muito pior. Os compradores são penalizados, porque ocorreu uma demora anormal
na entrega das obras, além de não terem sido devidamente informados e esclarecidos conforme determina o CDC.
Importante: muitos
e muitos empreendimentos começam a ser vendidos sem que a obra esteja
regularizada (problemas com a contaminação de solo em terrenos antes ocupados
por fábricas, descumprimento de legislação de construção e localização, etc). Os
exemplos são os mais variados, e estão por toda a cidade.
A notícia abaixo é sobre o processo
impetrado por consumidores que adquiriram os imóveis (que o juiz de primeira
instância mandou demolir), mas não receberam as chaves no prazo contratado:
"CONSTRUTORA INDENIZA CASAL POR NÃO ENTREGAR IMÓVEL NO PRAZO
A 21ª Vara Cível da Capital condenou uma construtora a indenizar dois compradores após atraso na entrega de um imóvel. O apartamento faz parte de um condomínio de luxo, localizado na zona sul da capital paulista, construído em desconformidade com a lei de zoneamento local.
Os autores afirmaram que a entrega do imóvel foi prometida para setembro de 2010 e, posteriormente, adiada para agosto de 2011, em razão das obras terem sido embargadas por decisão judicial. Alegaram ainda que, após descumprimento de ambos os prazos, tiveram frustrados seus sonhos de se mudarem para o local e experimentaram danos materiais e morais, devendo ser indenizados.
A construtora sustentou que o atraso na demora é justificável já
que as obras foram suspensas por causa de liminar e reiniciadas somente após
sua revogação.
Em sua decisão, o juiz Danilo Mansano Barioni, entendeu que o
atraso na obra gerou danos materiais aos autores e determinou que a construtora
pague o valor do aluguel do casal, a partir de agosto de 2011 até a data
efetiva da entrega das chaves. Com relação ao pedido de indenização por danos
morais, ‘a má-fé não foi demonstrada, devendo ser simples a restituição,
arbitrada em R$ 10 mil’, disse”.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, TJ/SP, acessado
em 24/09/2012.
E a íntegra da decisão:
Vistos.
(...) ajuizaram a presente ação de indenização por danos materiais e morais c.c
obrigação de fazer contra (...) e (...) alegando, em síntese, que adquiriram da
ré o ap. (...), do edifício (...), bloco 1, do Condomínio Domínio (...),
cuja entrega foi prometida para 30/09/2010. O imóvel, porém, não foi entregue,
com prorrogações de prazo. A obra foi embargada por decisão proferida nos autos
da ação civil pública nº 053.069.012087-9. Houve repactuação prevendo a entrega
da obra para 01/08/2011, o que não foi cumprido. Foram frustrados no seu sonho
de se mudarem ao badalado empreendimento propagandeado pela ré. Questionam a
cobrança da comissão SATI e comissão de corretagem. Afirmam ter experimentado
danos materiais e morais, que devem ser indenizados. Requerem a procedência da
ação que seja suspensa a incidência da correção monetária sobre o valor das
parcelas previstas na cláusula 6 e item 2.2, até a entrega do imóvel, bem como
qualquer cobrança de juros e multa das prestações vencidas após agosto de 2011
e condenada a ré ao pagamento de indenização por danos materiais em valor
equivalente ao locativo do imóvel, que estimam em R$ 8.000,00, restitiuição do
valor de R$ 19.157,88 cobrados a título de corretagem, restituição da SATI, no
valor de R$ 3.129,80 e indenização por danos morais que estimam em R$
30.000,00. Juntaram documentos. A antecipação de tutela foi parcialmente
deferida, mas revogada em sede de agravo de instrumento. Citada, a ré
apresentou contestação, alegando, em síntese, que o atraso na entrega da obra é
justificado, devendo ser considerado, ademais, o prazo de tolerância de 180
dias. As obras foram suspensas em virtude de liminar proferida em ação civil
pública, e reiniciadas somente após sua revogação. Mesmo com sentença de
procedência da ação civil pública, anulando os alvarás expedidos, decisão esta
que está suspensa até julgamento da apelação, deu andamento às obras, por sua conta
e risco, demonstrando respeito aos compradores. Mesmo mantido por apensas
alguns meses o embargo das obras, estas não foram retomadas automaticamente,
ante a escassez de mão de obra e materiais decorrente do aquecimento do mercado
imobiliário. Também a partir de agosto de 2011 não pode ser responsabilizada
pois embora pronto, a entrega do imóvel depende do julgamento da apelação pelo
TJ. Descabido o pedido de suspensão da correção monetária, que é mera
recomposição da moeda. Não estão comprovados os danos materiais e morais. Não
podem ser restituídas as despesas com corretagem e assessoria técnica, pagos a
corretores autônomos e à empresa Seller Consultoria Imobiliária, que os atendeu
num stand de vendas e intermediou o negócio. Requer a improcedência dos
pedidos. Juntou documentos. Houve réplica. Instadas, as partes se desinteressam
pela produção de outras provas. É o relatório. Fundamento e Decido: O processo
comporta pronto julgamento, nos termos do art. 330, I, do CPC, observando-se
que, instadas, as partes se desinteressaram pela produção de quaisquer provas.
O atraso na entrega da obra é induvidoso. O contrato prevê que o apartamento
deveria ser entregue em setembro de 2010, com tolerância de 180. Não foi. Como
venho decidindo em casos outros, a cláusula que prevê de forma clara e
induvidosa a possibilidade de atraso de 180 dias para a entrega da obra, aliás,
comum na quase totalidade de contratos como o ora em análise, NÃO É ABUSIVA e
nem pode ser ignorada, pois seu conteúdo é de facílima compreensão a
qualquer pessoa que saiba ler. Impassível de ser considerada abusiva pela
redação, clara e induvidosa, a cláusula também não é descabida se considerados
seus motivos determinantes, na medida em que a ré não se obrigou a pagar uma
prestação em dinheiro, com valor e termo de vencimento certos, mas, isto sim, a
erguer um prédio, e ainda que tal obrigação se insira em seu ramo regular de
atividades, impossível um prognóstico exato de conclusão. Aliás, é até por esta
previsão que os argumentos comuns de escassez de mão de obra, “fortuitos e
forças maiores” a justificar atrasos ainda maiores são reiteradamente
rechaçadas, já que absolutamente previsíveis e justificadoras do prazo de
carência de 180 dias. Mais que isto seria quebra do equilíbrio contratual. No caso
em apreço, porém, tais questões têm sua relevância afastada na exata medida em
que os autores concordaram em repactuar o prazo de entrega em aditivo
contratual, que a nova data prevista foi agosto de 2011, ou seja, cinco meses
depois do próprio vencimento do prazo contratual somado ao período de
tolerância. A data a ser considerada, portanto, é agosto de 2011, mas também
nela o imóvel não foi entregue. O atraso além esta data não são justificáveis,
nem pelos problemas relacionados à pendência do recurso de apelação tirada
conta a sentença proferida em ação civil pública que revogou o alvará concedido
pela Municipalidade para a construção do empreendimento. Isto porque entraves
judiciais relativos a empreendimentos que pôs a venda estão inseridos no espectro
do risco inerente à atividade da ré, que deve suportar suas consequências e não
pretender repassá-las aos consumidores. A propósito de questão idêntica
relacionada ao mesmo empreendimento o Poder Judiciário já se manifestou pela
pena do eminente juiz Sidney da Silva Braga, que assim pontificou: “Além da
paralisação de três meses não ser proporcional ao atraso de cerca de um ano, o
fato é que, independentemente do mérito da questão na ação própria, a
paralisação das obras por ordem judicial em razão de discussão acerca da
legalidade ou não de alteração, pela ré, do projeto construtivo inicialmente
aprovado pelo Município, com expressivo aumento na área total construída, era
um risco que agora não pode ser considerado inesperado nem inevitável e no qual
a ré incidiu de forma consciente, no exercício de sua atividade empresarial,
pela qual responde integralmente, estando descaracterizada a força maior.” (18ª
Vara Cível, processo nº 2011.200265-5). Fortuito ou força maior que porventura
poderiam ser considerados em benefício da ré seriam terremotos, cataclismas,
ataques terroristas, paralisação completa de todos os pedreiros do Brasil,
fatores tão improváveis que pudessem escapar da previsão inicial de entrega das
obras, generosa previsão, diga-se de passagem, somada ao período de carência de
180 dias, e neste caso especificamente ao prazo esticado pelo aditamento
firmado, mas nada disso ocorreu ou foi comprovado. Nada, portanto, conduz à
irresponsabilidade da ré, que deve responder pelo atraso na entrega da obra,
incontroverso atraso. Inequivocamente experimentaram os autores danos
materiais. Em que pese tratar o parágrafo único do art. 944 do Código Civil de
gradação de culpa, o que não é o caso em apreço, dito dispositivo legal
consagra a possibilidade de valer-se o juiz da equidade para fixar as
indenizações, não havendo óbice à sua aplicação analógica no caso específico
destes autos. Tivessem os autores a disponibilidade do imóvel no prazo
contratual, poderiam dele dispor como melhor lhes aprouvesse, alugando-o,
deixando de pagar aluguel, e assim por diante. Justo, então, que a indenização
pelo atraso na entrega da obra, à míngua de critério adequado indicado no
contrato de adesão, seja correspondente ao valor do locativo do imóvel não
entregue por mês de atraso, com juros de mora de 1% ao mês desde o suposto
vencimento do aluguel, e correção monetária pela Tabela Prática do TJ a partir
da mesma data, o que será fixado em sede de liquidação de sentença. É
inequívoco, pois, que a ré deveria ter entregado o empreendimento pronto aos
autores em 01 de agosto de 2011, devidos os locativos, pois, a partir desta
data, até a efetiva entrega das chaves. Doutra parte, a prática espúria
conjunta de construtoras, corretoras, administradoras, imobiliárias e empresas
de suposta mediação e assessoria técnica de “empurrar goela abaixo” do
consumidor serviços vinculados ao contrato de compra e venda de imóvel não é
nova, e vem sendo há muito condenada na jurisprudência, como ilustra o seguinte
aresto: “Cobrança de serviços de assessoria técnico-imobiliária (SATI) –
Ausência de informação clara e precisa sobe o serviço prestado – Cobrança
indevida, conforme o art. 31 do CDC. Restituição do valor e em dobro, conforme
o art. 42, parágrafo único, do CDC.” (Ap. 367.321-47-00, 7ª Câm. Dir. Privado,
Rel. Des. Elcio Trujillo, J. 11/11/2009). Os autores jamais procurou qualquer
corretora, nem tampouco há comprovação de que lhe tenha sido disponibilizado
qualquer serviço de assessoria técnico imobiliária (SATI), mas sim a ré.
Fecharam o negócio e, entre o calhamaço de documentos que lhes foram
apresentados estavam os documentos que dão ar de regularidade formal à
contratação dos serviços de corretagem e assessoria técnico-imobiliária, sobre
os quais, na prática, não receberam qualquer explicação, orientação, alerta,
nada. A restituição dos valores pagos a este título, portanto, se impõe, mas de
forma simples, não em dobro como equivocadamente pleiteado. É que ao acolher a
Reclamação nº 4.892/PR, relatada pelo Ministro Raul Araújo, restou decidido
pelo C. Superior Tribunal de Justiça que "... a repetição em dobro do
indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do
Consumidor, não prescinde da demonstração da má-fé do credor." (J.
27/04/2011) No caso dos autos, a má-fé não foi demonstrada, nem se presume,
devendo ser simples a restituição. Também entendo caracterizados os danos
morais alardeados. É que a aquisição de um imóvel gera expectativas, pauta os
planos do presente e motiva a realização de planos futuros, planejamento
familiar, etc. Não se trata de relação contratual qualquer, frustrada por
circunstâncias irrelevantes e que produz mero descontentamento. Pelo contrário,
ante a natureza da avença, do objeto do contrato, ante a irrazoabilidade do
atraso perpetrado, inequivocamente sofreram os autores abalo psíquico
considerável e, assim, passível de ser indenizado. Assim, levando-se em
consideração as circunstâncias do caso concreto, com as repercussões pessoais e
sociais, os inconvenientes naturais suportados pelos autores, a frustração de
justa expectativa, o grau de culpa da requerida e o seu porte financeiro, bem
como o valor do imóvel, fica fixado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
valor único, não para cada um dos autores. E para que não paire qualquer dúvida,
oportuno assentar que perfilhamos o entendimento externado na Súmula 326, do
Colendo STJ, no sentido de que "na ação de indenização por dano moral, a
condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência
recíproca". Por fim, como observado no v. acórdão do AI que reformou a
decisão concessiva da tutela antecipada a correção monetária é devida, pois
mera recomposição de perdas. As prestações pendentes deverão ser pagas conforme
pactuado, salvo se condicionadas à entrega das chaves (como parcela das
chaves), caso em que levarão em conta a efetiva entrega do imóvel. Ante o
exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para condenar a ré a pagar
aos autores, a título de danos materiais, o valor correspondente a um mês de
aluguel referente ao imóvel objeto de discussão nos autos, a partir de agosto
de 2011 até a data da efetiva entrega das chaves, cuja apuração dar-se-á em
fase de liquidação de sentença, por pertinente perícia, devendo o valor dos
locativos ser corrigido pela Tabela Prática do TJ e acrescido de juros de mora
de 1% ao mês a partir do mês seguinte (ad exemplum, o locativo de janeiro terá
sua primeira correção em fevereiro, e assim por diante). Por fim, condeno a ré
a pagar aos autores indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00
(única), corrigidos monetariamente pela Tabela do Tribunal de Justiça a partir
desta data (pois nela o valor foi tido como adequado), acrescidos de juros de
mora de 1% ao mês a partir da citação, bem como a restituir os valores pagos a título
de comissão de corretagem e SATI, de forma simples, corrigidos e acrescidos de
juros pelo mesmo critério supra, mas a partir dos respectivos desembolsos.
Arcará a ré com as custas e despesas processuais, fixada a verba honorária em
10% sobre o valor total da condenação. P.R.I.C. São Paulo, 15 de agosto de 2012.”