sexta-feira, 20 de maio de 2016

FOSFOETALONAMINA SINTÉTICA: STF DECIDE SOBRE A SITUAÇÃO DE PACIENTES COM CÂNCER.

“Mas há um detalhe que dividiu os votos no Supremo Tribunal Federal e sobre o qual cabe uma discussão que me parece mais ampla.
Alguns ministros entenderam que para pacientes terminais o medicamente poderia ser fornecido, a droga poderia ser liberada para pacientes terminais, e aí cabe uma pergunta que é a seguinte: imaginemo-nos nós, no infortúnio de um câncer terminal. Quem tem o direito de determinar o que vamos tomar, ou não? É uma decisão que me parece prevalece, ou deveria prevalecer, a soberania da individualidade sobre as regras ainda indeterminadas pelas leis.” Ricardo Boechat, âncora do Jornal da Band, em 19/05/2016.

O STF analisou o pedido de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5501, ajuizada pela Associação Médica Brasileira (AMB) contra atos do Presidente da República e Congresso Nacional e que resultaram na aprovação e na sanção da Lei Federal nº 13.269/2016, que "autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna".

Por maioria de votos os juízes do Supremo Tribunal Federal suspenderam os efeitos da Lei Federal nº. 13.269/2016, ou seja, por cautela, o STF suspendeu os efeitos da lei na parte em que "autoriza o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna".

Na ação, a AMB argumenta que existe um desconhecimento amplo acerca da eficácia e dos efeitos colaterais desta substância, em seres humanos e, portanto a ofensa ao direito à saúde, previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal e ao direito à segurança e à vida (artigo 5º, caput da CF), além do desrespeito ao princípio da dignidade humana (artigo 1º, inciso III, da CF).

Em sustentação oral, o representante da AMB declarou não ser contra a fosfoetanolamina, mas que há preocupação com os efeitos, ainda desconhecidos, do uso da substância; salientou uma real preocupação com a saúde e a vida dos pacientes que venham a fazer uso da “fosfo”.

O processo destaca que o artigo 4º da Lei nº 13269/2016 dispensa de registro sanitário para o uso da substância, fato que contrariaria com "o princípio da estrita legalidade, aplicável à Administração Pública, nos termos do caput do artigo 37 da CF".

A AMB buscou suspender imediata e temporariamente a eficácia e aplicabilidade do ato normativo a partir da sanção (“ex tunc”) e para todos (“erga omnes").

Com a relação à presença da aparência do bom direito, expõe que "os artigos do ato normativo atacado ofendem o disposto nos artigos 6º e 196 da Carta Republicana de 1988, bem como as Leis Federais nº 6360/76 e nº 9.782/99", leis estas que dispõem sobre o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.

Quanto ao perigo de demora no julgamento da causa, afirma o dano irreparável ou de dificílima reparação à saúde "ante a autorização do uso da substância fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna, sem necessidade de prescrição médica, apenas mediante laudo médico que comprove o diagnóstico e assinatura de termo de consentimento e responsabilidade pelo paciente ou seu representante legal”.
Em discussão: não será discutido, por ora, o mérito da lei ou a questão de fundo. Trata-se apenas, neste momento - porque preenchidos os requisitos necessários para a concessão da liminar – suspender as determinações da lei até que o STF se reúna para analisar a questão de fundo.

Dúvida que surgiu na análise do assunto, pelo STF: os interesses econômicos da indústria farmacêutica e as possíveis consequências da lei e do uso da “fosfo”, acaso a substância provoque efeitos colaterais ou outros efeitos graves e indesejados. Ponderou-se, também, sobre a (des)esperança de pacientes, as experiências com tratamentos não convencionais exitosos.

Mas qual será(ia) a responsabilidade do Estado houvesse prejuízos aos pacientes sobreviventes, por exemplo? O Estado autorizou, por lei, o uso de substância não testada conforme os protocolos referidos pela AMB. O Estado corre o risco de ser acionado, com fundamento no art. 37, § 6º da CF/88:
“§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Veja o vídeo do julgamento:


Veja a decisão do Ministro Marco Aurélio aqui.
Veja outro vídeo do julgamento aqui.
Veja o vídeo com o comentário de Ricardo Boechat aqui

quinta-feira, 19 de maio de 2016

EMPRESA PÚBLICA E MANDATO DE DIRIGENTES: INCOMPATIBILIDAE?

Com o afastamento provisório da Presidente Dilma Rousseff e a posse do vice-Presidente Michel Temer iniciaram-se as mudanças de gestão e as trocas de pessoas indicadas para os postos-chave, as funções mais relevantes da Administração Federal.

Além de Petrobras, Caixa Econômica Federal e tantos outros órgãos federais, o novo Chefe do Executivo, Presidente Michel Temer, optou por substituir o dirigente da EBC – Empresa Brasil de Comunicações.

A EBC é a equivalente, em nível federal, à Rádio e TV Cultura de São Paulo; à Rádio e à TV Educativa do Rio de Janeiro. São as emissoras públicas de rádio e televisão.

Quem acompanha a programação da EBC já teve a oportunidade de constatar que o seu conteúdo difere bastante daquele que é exibido pelos canais comerciais, abertos e pagos. A TV Cultura de São Paulo, por seu lado, tem programação semelhante, mas algumas abordagens diferentes.

A EBC foi criada pela Lei Federal nº. 11.652/2008, que previu:
“Art. 1º Os serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta, no âmbito federal, serão prestados conforme as disposições desta Lei.
Art. 2º  A prestação dos serviços de radiodifusão pública por órgãos do Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta deverá observar os seguintes princípios:
(...)
Art. 3º Constituem objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta:
(...)
Art. 4º Os serviços de radiodifusão pública outorgados a entidades da administração indireta do Poder Executivo serão prestados pela empresa pública de que trata o art. 5o desta Lei e poderão ser difundidos e reproduzidos por suas afiliadas, associadas, repetidoras e retransmissoras do sistema público de radiodifusão e outras entidades públicas ou privadas parceiras, na forma do inciso III do caput do art. 8o desta Lei.
Art. 5º Fica o Poder Executivo autorizado a criar a empresa pública denominada Empresa Brasil de Comunicação S.A. - EBC, vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Art. 6º  A EBC tem por finalidade a prestação de serviços de radiodifusão pública e serviços conexos, observados os princípios e objetivos estabelecidos nesta Lei.
(...)
 Art. 7º A União integralizará o capital social da EBC e promoverá a constituição inicial de seu patrimônio por meio de capitalização e da incorporação de bens móveis ou imóveis.
Art. 8º  Compete à EBC:
I - implantar e operar as emissoras e explorar os serviços de radiodifusão pública sonora e de sons e imagens do Governo Federal;
II - implantar e operar as suas próprias redes de Repetição e Retransmissão de Radiodifusão, explorando os respectivos serviços;
III - estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que explorem serviços de comunicação ou radiodifusão pública, mediante convênios ou outros ajustes, com vistas na formação da Rede Nacional de Comunicação Pública;
IV - produzir e difundir programação informativa, educativa, artística, cultural, científica, de cidadania e de recreação;
V - promover e estimular a formação e o treinamento de pessoal especializado, necessário às atividades de radiodifusão, comunicação e serviços conexos;
VI - prestar serviços no campo de radiodifusão, comunicação e serviços conexos, inclusive para transmissão de atos e matérias do Governo Federal;
VII - distribuir a publicidade legal dos órgãos e entidades da administração federal, à exceção daquela veiculada pelos órgãos oficiais da União;
VIII - exercer outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República ou pelo Conselho Curador da EBC; e
IX - garantir os mínimos de 10% (dez por cento) de conteúdo regional e de 5% (cinco por cento) de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a serem veiculados no horário compreendido entre 6 (seis) e 24 (vinte e quatro) horas.
(...)
Art. 9º A EBC será organizada sob a forma de sociedade anônima de capital fechado e terá seu capital representado por ações ordinárias nominativas, das quais pelo menos 51% (cinqüenta e um por cento) serão de titularidade da União.
(...)
Art. 12.  A EBC será administrada por 1 (um) Conselho de Administração e por 1 (uma) Diretoria Executiva, e na sua composição contará ainda com 1 (um) Conselho Fiscal e 1 (um) Conselho Curador.
Art. 13.  O Conselho de Administração, cujos membros serão nomeados pelo Presidente da República, será constituído:
I - de 1 (um) Presidente, indicado pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República;
II - do Diretor-Presidente da Diretoria Executiva;
III - de 1 (um) Conselheiro, indicado pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão;
IV - de 1 (um) Conselheiro, indicado pelo Ministro de Estado das Comunicações; e
V - de 1 (um) Conselheiro, indicado conforme o Estatuto.
(...)
Art. 14.  O Conselho Fiscal será constituído por 3 (três) membros e respectivos suplentes designados pelo Presidente da República.
(...)
Art. 15.  O Conselho Curador, órgão de natureza consultiva e deliberativa da EBC, será integrado por 22 (vinte e dois) membros, designados pelo Presidente da República.
(...)
§ 3º  O mandato do Conselheiro referido no inciso III do § 1o deste artigo será de 2 (dois) anos, vedada a sua recondução.
§ 4º  O mandato dos titulares do Conselho Curador referidos nos incisos II e IV do § 1o deste artigo será de 4 (quatro) anos, renovável por 1 (uma) única vez.
(...)
§ 9º  Os membros do Conselho Curador referidos nos incisos III e IV do § 1o deste artigo perderão o mandato:
I - na hipótese de renúncia;
II - devido a processo judicial com decisão definitiva;
III - por ausência injustificada a 3 (três) sessões do Colegiado, durante o período de 12 (doze) meses;
IV - mediante a provocação de 3/5 (três quintos) dos seus membros.
(...)
Art. 21.  Observadas as ressalvas desta Lei e da legislação de comunicação social, a EBC será regida pela legislação referente às sociedades por ações.
Art. 22.  O regime jurídico do pessoal da EBC será o da Consolidação das Leis do Trabalho e respectiva legislação complementar.”

De outro lado, aliás, em nível constitucional, a CF/88 determina:
“Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.
(...)
Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.
(...)
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;”.

Pois bem! Tomando-se por base os arts. 76 e 84 da Constituição Federal, a lei ordinária que disciplina a EBC (hierarquicamente inferior, abaixo da Constituição Federal) poderia implicar limitação às competências máximas do Presidente da República?

Ademais, a lei expressamente diz que a EBC é uma empresa pública, rege-se pelo estatuto das S/A, seu pessoal é admitido, via concurso público, pelo regime da CLT. Enfim, uma empresa tal como a CEF, por exemplo.

A questão será analisada pelo STF, vez que lá foi impetrado o Mandado de Segurança (MS) 34205 em que se questiona a exoneração do diretor-presidente da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Ricardo Pereira de Melo.

A ação impetrada argumenta que a lei de criação da EBC (Lei 11.652/2008) estabeleceu um mandato do diretor-presidente de quatro anos, de modo que a destituição ocorreria apenas por deliberação do Conselho Curador ou nas hipóteses legalmente previstas. Ainda, refere que a EBC é prestadora pública de serviços de radiodifusão e deve ter atuação desvinculada de governos, o que é obtido de duas formas: existência de fontes de financiamento independentes do Tesouro Nacional e a estabilidade de seus dirigentes, estabilidade obtida por mandatos fixos e que não coincidem (!?) com os dos presidentes da República.

“A missão fundamental da EBC é instituir e gerir os canais públicos de comunicação de caráter não-mercadológico ou político-partidário, sendo que o espírito de sua criação é de caráter público e independente”, diz o MS.

O diretor-presidente foi exonerado por ato do vice-presidente no exercício da Presidência, Michel Temer, de modo que se teria interrompido o mandato de quatro anos.  O processo pleiteia uma liminar para a suspensão da exoneração e ao final, a anulação da exoneração.

Seria razoável que a disposição constitucional que impõe ao Presidente da República "exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal" fosse limitada pela disposição de uma lei ordinária?