EMPRESA PÚBLICA E MANDATO DE DIRIGENTES: INCOMPATIBILIDAE?
Com o afastamento
provisório da Presidente Dilma Rousseff e a posse do vice-Presidente Michel
Temer iniciaram-se as mudanças de gestão e as trocas de pessoas indicadas para
os postos-chave, as funções mais relevantes da Administração Federal.
Além de Petrobras,
Caixa Econômica Federal e tantos outros órgãos federais, o novo Chefe do
Executivo, Presidente Michel Temer, optou por substituir o dirigente da EBC –
Empresa Brasil de Comunicações.
A EBC é a equivalente,
em nível federal, à Rádio e TV Cultura de São Paulo; à Rádio e à TV Educativa
do Rio de Janeiro. São as emissoras públicas de rádio e televisão.
Quem acompanha a
programação da EBC já teve a oportunidade de constatar que o seu conteúdo
difere bastante daquele que é exibido pelos canais comerciais, abertos e pagos.
A TV Cultura de São Paulo, por seu lado, tem programação semelhante, mas algumas
abordagens diferentes.
A EBC foi criada
pela Lei Federal nº. 11.652/2008, que previu:
“Art. 1º Os
serviços de radiodifusão pública explorados
pelo Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração
indireta, no âmbito federal, serão
prestados conforme as disposições desta Lei.
Art. 2º A
prestação dos serviços de radiodifusão pública por órgãos do Poder Executivo
ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta deverá observar
os seguintes princípios:
(...)
Art. 3º Constituem objetivos dos serviços de
radiodifusão pública explorados pelo
Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração
indireta:
(...)
Art. 4º Os
serviços de radiodifusão pública outorgados a entidades da administração
indireta do Poder Executivo serão prestados pela empresa pública de que trata o
art. 5o desta Lei e poderão ser difundidos e reproduzidos por suas afiliadas,
associadas, repetidoras e retransmissoras do sistema público de radiodifusão e
outras entidades públicas ou privadas parceiras, na forma do inciso III do
caput do art. 8o desta Lei.
Art. 5º Fica o Poder Executivo autorizado a
criar a empresa pública denominada Empresa Brasil de Comunicação S.A. - EBC,
vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Art. 6º A EBC tem por finalidade a prestação de
serviços de radiodifusão pública e serviços conexos, observados os princípios e
objetivos estabelecidos nesta Lei.
(...)
Art. 7º A União
integralizará o capital social da EBC e promoverá a constituição inicial de
seu patrimônio por meio de capitalização e da incorporação de bens móveis ou
imóveis.
Art. 8º Compete
à EBC:
I - implantar e operar as emissoras e explorar
os serviços de radiodifusão pública sonora e de sons e imagens do Governo Federal;
II -
implantar e operar as suas próprias redes de Repetição e Retransmissão de
Radiodifusão, explorando os respectivos serviços;
III -
estabelecer cooperação e colaboração com entidades públicas ou privadas que
explorem serviços de comunicação ou radiodifusão pública, mediante convênios ou
outros ajustes, com vistas na formação da Rede Nacional de Comunicação Pública;
IV - produzir
e difundir programação informativa, educativa, artística, cultural, científica,
de cidadania e de recreação;
V - promover
e estimular a formação e o treinamento de pessoal especializado, necessário às
atividades de radiodifusão, comunicação e serviços conexos;
VI - prestar serviços no campo de radiodifusão,
comunicação e serviços conexos, inclusive para transmissão de atos e matérias
do Governo Federal;
VII - distribuir a publicidade legal dos órgãos e
entidades da administração federal, à exceção daquela veiculada pelos órgãos oficiais da União;
VIII - exercer outras atividades afins, que lhe
forem atribuídas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República ou pelo Conselho Curador da EBC; e
IX - garantir
os mínimos de 10% (dez por cento) de conteúdo regional e de 5% (cinco por
cento) de conteúdo independente em sua programação semanal, em programas a
serem veiculados no horário compreendido entre 6 (seis) e 24 (vinte e quatro)
horas.
(...)
Art. 9º A EBC será organizada sob a forma de
sociedade anônima de capital fechado e terá seu capital representado por
ações ordinárias nominativas, das quais pelo menos 51% (cinqüenta e um por
cento) serão de titularidade da União.
(...)
Art. 12. A EBC
será administrada por 1 (um) Conselho de Administração e por 1 (uma) Diretoria
Executiva, e na sua composição contará ainda com 1 (um) Conselho Fiscal e 1
(um) Conselho Curador.
Art. 13. O
Conselho de Administração, cujos membros serão nomeados pelo Presidente da
República, será constituído:
I - de 1 (um) Presidente, indicado pelo Ministro de
Estado Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República;
II - do Diretor-Presidente da Diretoria Executiva;
III - de 1
(um) Conselheiro, indicado pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e
Gestão;
IV - de 1
(um) Conselheiro, indicado pelo Ministro de Estado das Comunicações; e
V - de 1 (um)
Conselheiro, indicado conforme o Estatuto.
(...)
Art. 14. O
Conselho Fiscal será constituído por 3 (três) membros e respectivos suplentes
designados pelo Presidente da República.
(...)
Art. 15. O
Conselho Curador, órgão de natureza consultiva e deliberativa da EBC, será
integrado por 22 (vinte e dois) membros, designados
pelo Presidente da República.
(...)
§ 3º O
mandato do Conselheiro referido no inciso III do § 1o deste artigo será de 2
(dois) anos, vedada a sua recondução.
§ 4º O
mandato dos titulares do Conselho Curador referidos nos incisos II e IV do § 1o
deste artigo será de 4 (quatro) anos, renovável por 1 (uma) única vez.
(...)
§ 9º Os
membros do Conselho Curador referidos nos incisos III e IV do § 1o deste artigo
perderão o mandato:
I - na
hipótese de renúncia;
II - devido a
processo judicial com decisão definitiva;
III - por
ausência injustificada a 3 (três) sessões do Colegiado, durante o período de 12
(doze) meses;
IV - mediante
a provocação de 3/5 (três quintos) dos seus membros.
(...)
Art. 21. Observadas as ressalvas desta Lei e da
legislação de comunicação social, a EBC
será regida pela legislação referente às sociedades por ações.
Art. 22. O
regime jurídico do pessoal da EBC será o da Consolidação das Leis do Trabalho e
respectiva legislação complementar.”
De outro lado,
aliás, em nível constitucional, a CF/88 determina:
“Art. 76. O
Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos
Ministros de Estado.
(...)
Art. 79.
Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga,
o Vice-Presidente.
(...)
Art. 84.
Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e
exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer,
com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração
federal;”.
Pois bem! Tomando-se
por base os arts. 76 e 84 da Constituição Federal, a lei
ordinária que disciplina a EBC (hierarquicamente inferior, abaixo da
Constituição Federal) poderia implicar limitação às competências máximas do
Presidente da República?
Ademais, a lei
expressamente diz que a EBC é uma empresa pública, rege-se pelo estatuto das S/A, seu
pessoal é admitido, via concurso público, pelo regime da CLT. Enfim, uma
empresa tal como a CEF, por exemplo.
A questão será
analisada pelo STF, vez que lá foi impetrado o Mandado de Segurança (MS) 34205 em
que se questiona a exoneração do diretor-presidente da Empresa Brasileira de
Comunicação (EBC), Ricardo Pereira de Melo.
A ação impetrada
argumenta que a lei de criação da EBC (Lei 11.652/2008) estabeleceu um mandato
do diretor-presidente de quatro anos, de modo que a destituição ocorreria
apenas por deliberação do Conselho Curador ou nas hipóteses legalmente
previstas. Ainda, refere que a EBC é prestadora pública de serviços de
radiodifusão e deve ter atuação desvinculada de governos,
o que é obtido de duas formas: existência de fontes de financiamento
independentes do Tesouro Nacional e a estabilidade de seus
dirigentes, estabilidade obtida por mandatos fixos e que não
coincidem (!?) com os dos presidentes da República.
“A missão fundamental da EBC é instituir e gerir os
canais públicos de comunicação de caráter não-mercadológico ou
político-partidário, sendo que o espírito de sua criação é de caráter público e
independente”, diz o MS.
O diretor-presidente
foi exonerado por ato do vice-presidente no exercício da Presidência, Michel
Temer, de modo que se teria interrompido o mandato de quatro anos. O processo pleiteia uma liminar para a
suspensão da exoneração e ao final, a anulação da exoneração.
Seria razoável que a disposição constitucional que impõe ao Presidente da República "exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal" fosse limitada pela disposição de uma lei ordinária?