Aposentadoria e problemas com cartão de crédito abarrotam o Judiciário, mostra pesquisa da FGV
"A pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Fundação Getúlio Vargas (FGV) desenvolveu uma pesquisa sobre as causas de aumento das demandas judiciais cíveis, mapeamento das demandas repetitivas e proposição de soluções para a morosidade da Justiça, apresentada nesta segunda-feira no Seminário de Combate à Morosidade da Justiça – Diagnósticos e Propostas.
A pesquisa escolheu três grandes tribunais brasileiros que possuem o Poder Público como grande demandante para traçar um diagnóstico em relação á morosidade: o Tribunal de Justiça de São Paulo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo. A pesquisa envolveu a análise, com maior profundidade, de uma amostra de 226 decisões judiciais.Também foram realizadas 37 entrevistas com advogados, magistrados, servidores públicos, funcionários de tribunais e membros de ONGs ligadas à judicialização de conflitos nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
A pesquisa elegeu dois temas para o estudo de demandas repetitivas: a tese da desaposentação, tema previdenciário pertinente à Justiça Federal, e os contratos de crédito, assunto bancário do direito do consumidor e que pertence à Justiça Estadual.
Desaposentação - A desaposentação é uma tese jurídica sobre a possibilidade de o segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que continuou a exercer atividade remunerada, renunciar ao benefício atual para requerer nova aposentadoria, mais vantajosa. Em 1995, a extinção do peculato e do abono de permanência de serviço por mudanças legislativas representou um estímulo à tese, que passou a ser popularizada por meio de advogados e pela mídia.
De acordo com a pesquisa, o fenômeno da desaposentação - inicialmente negada na esfera administrativa - passou a ser freqüente a partir de 2000 e se popularizou particularmente no TRF da 3ª Região (em fins de 2008, já representava 50% dos processos judiciais em tramitação em algumas varas federais de São Paulo). A criação dos juizados especiais e da gratuidade processual contribuiu para aumentar a litigiosidade. Os juizados não desafogaram as varas federais e previdenciárias existentes. Ao contrário, incentivou o ingresso de demandas repetitivas e a atuação da advocacia de massa.
Excesso de normas - Desde 1994, o INSS editou 760 atos normativos. “Não apenas a falta de legislação, mas o excesso dela também cria uma zona cinzenta que estimula a litigiosidade”, diz a pesquisadora da FGV Daniela Monteiro Gabbay. Outra razão para o aumento da litigiosidade é o não esgotamento da instância administrativa para ajuizar ações, e a oscilação e a demora na formação de precedentes no Judiciário. De acordo com a pesquisa, o julgamento padronizado por lotes, que está se tornando comum especialmente nos Juizados Especiais Federais (JEFs), que chegam a julgar mais de mil processos semelhantes de uma só vez, tem também um efeito perverso. “Quando o julgamento por lote não está alinhado com o entendimento dos tribunais superiores, a demanda retorna ao judiciário.”, diz Daniela. A pesquisa aponta também a mídia como veiculadora de teses jurídicas, especialmente jornais de cunho mais popular, o que estimula o aumento no número de processos.
Cartão de crédito - As questões bancárias, com destaque para os conflitos com cartão de crédito, têm abarrotado a Justiça Estadual. No Rio de Janeiro, por exemplo, o lançamento de um cartão de crédito pré-pago e que ao mesmo tempo oferecia o serviço de crédito resultou em 60 mil ações nos Juizados Estaduais cíveis do Estado. Os consumidores ingressaram em massa com pedidos de dano moral sob alegação de prejuízos causados pelo uso do cartão.
A equipe da FGV concluiu que a legislação processual estimula o tratamento individualizado das demandas de massa, e que os consumidores enxergam o Judiciário como primeira via para recorrer, como se fosse uma instância administrativa.
Há muitos incentivos para o aumento da judicialização dos conflitos na área de direito do consumidor: o baixo custo de ingressar com ações aliado a uma grande possibilidade de sucesso, especialmente nos Juizados Especiais; a advocacia de massa que estimula o requerimento de indenizações por dano moral, a propositura de ações judiciais em grandes quantidades sobre demandas idênticas e a freqüente ausência de uniformização jurisprudencial dos tribunais superiores a respeito de matérias envolvendo conflitos entre o consumidor e instituições financeiras, acompanhada da constante variação da
jurisprudência nos Tribunais Estaduais de todo o país.
A pesquisa atenta ainda para o contexto socioeconômico dos últimos anos, onde a classe média (classe C) passou de 62 milhões de consumidores para 92 milhões (entre 2005 e 2010). Segundo dados da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), a população “bancarizada” do país passou de 40 milhões em 1995 para 80 milhões de pessoas em 2005. Contudo, observa-se que grande parcela desses novos consumidores não é adequadamente informada pelos bancos a respeito dos produtos e serviços financeiros que passaram a adquirir.
Soluções - Para reduzir as demandas previdenciárias, a FGV aponta para o Programa de Redução de Demandas desenvolvido pelas procuradorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a uniformização dos entendimentos do Judiciário, e a definição de critérios mais específicos para a concessão de assistência jurídica gratuita. “Muitas vezes utiliza-se o Judiciário como uma porta administrativa”, diz Luciana Cunha, pesquisadora da FGV. Na avaliação da FGV, isso poderia ser minimizado com a capacitação do consumidor, por meio da educação para utilização do crédito e tratamento do superendividamento; divulgação de uma lista de empresas mais demandadas no Procon; melhoria dos canais de atendimento extrajudiciais, como agências bancárias, SAC e ouvidorias, para que os conflitos possam ser mapeados e evitar que cheguem ao Judiciário. “A Resolução 125 do CNJ estabelece papel de protagonista do Judiciário, não só como um órgão decisor, mas como estimulador de formas alternativas de resolução de conflitos”, diz Luciana."
Fonte: Conselho Nacional de Justiça
** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
A pesquisa, no nosso entender, identificou os focos de maior número de processos na Justiça. No entnato, as conclusões e possíveis soluções apresentadas pela pesquisadora estão longe de contribuir para uma sociedade consciente dos seus direitos, das suas obrigações e para a evolução dessa sociedade. É certo que os processos se acumulam, que novos processos entram, mas o igual número de processos antigos não são encerrados.
A solução que se prega, hoje, é de se evitar a Justiça, de se evitar o processo. Obeserva-se um mutirão pela conciliação. Mas vejam bem: a Constituição Federal de 1988 incluiu uma série de direitos e ampliou, com a Lei dos Juizados Especiais, o acesso da população ao Poder Judiciário. Se há um número astronômico de processos, entendemos que a solução não seria somente estimular os acordos.
Sabemos que acordos são vantajosos para as partes, mas são também muito mais baratos para quem não tem razão, para a empresa que lesa o consumidor, para o patrão que lesa o empregado, etc. Uma empresa que lese o consumidor, cobrando um valor indevido, poderá fazer um acordo com ele e devolver a quantia cobrada. Mas e a penalidade prevista no Código de Defesa do Consumidor? A lei diz que aquele que receber um valor indevido, deverá restituir o dobro. A empresa lesa, devolve o dinheiro e fica por isso mesmo...
Se o processo seguisse até o final, a empresa que lesa o consumidor teria outros aborrecimentos e custos. A educação para essa empresa se daria em três frentes: i) a decisão da Justiça em favor do consumidor; ii) o prejuízo financeiro para empresa, que teria outros custos em razão de sua má conduta; iii) a perda do cliente.
É preciso lembrar que a Constituição Federal nos garantiu uma série de direitos. Se esses direitos não estão sendo respeitados porque o Estado não tem conseguido assegurá-los, devemos lutar para que os direitos prevaleçam, e não abrir mão daquilo que a lei garante. Precisamos de uma Justiça forte, eficiente e que dê a cada um o que é seu, como forma de educação para a cidadania. Precisamos de Justiça para todos. Se os processos são muitos, que aumentem a informatização, que preparem os juízes e os servidores.
Não podemos aceitar que tudo se resolva em simples acordos, em que a lei deixa de ser aplicada. Se a lei existe, é para ser cumprida!
Tudo isso, sem deixar de lado a sensatez.
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