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sexta-feira, 17 de junho de 2022

PRODUÇÃO PARLAMENTAR: BREVE RESENHA SOBRE A PEC DO (DES)EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES.

I – Introdução.

O Preâmbulo da Constituição Federal expôs a intenção da Assembleia Nacional Constituinte, que produziu a vigente “Carta de Direitos de 1.988”:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”.

 

E quando passou a viger, a Constituição Federal determinou o seguinte:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

 

O Estado brasileiro deve assegurar as condições para o pleno desenvolvimento individual, coletivo e social; garantir a dignidade da pessoa humana, o seu bem-estar; a igualdade, a justiça; instituir, estimular e manter uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

 

O que é o povo brasileiro? Apenas alguns brasileiros? Outros, não? O pluralismo político aceita a supremacia de um grupo majoritário que defenda privilégios de minorias (elites) em prejuízo de maiorias (marginalizados; excluídos; desempregados; assalariados; sem instrução, carentes de saúde e de cobertura previdência)? Igualdade, justiça, fraternidade não resultam da harmonização de interesses dos variados e diferentes grupos e interesses sociais e políticos?

 

Terça-feira, 14/06/2022, em primeira mão o jornal O Estado de São Paulo noticiou que:

“Líderes do Centrão têm pronta uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se for aprovada, dará ao Congresso poder para anular sentenças do Supremo Tribunal Federal (STF), informa Daniel Weterman. O texto prevê que o Legislativo poderá revogar julgamentos sempre que a decisão da mais alta Corte do País não for tomada por unanimidade dos ministros e se os parlamentares considerarem que o tribunal ‘extrapolou limites constitucionais’. A intenção do Centrão é reverter julgamentos que tenham derrubado leis aprovadas no Congresso Nacional ou contrariado bancadas. Levantamento do Estadão mostra que, de janeiro de 2019 até hoje, há 2.402 acórdãos (registros de decisões) sem unanimidade no plenário do STF.”.

 

A Exposição de Motivos da “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes” apontou a razão da proposta:

“Uma vez elaborada e aprovadas as leis pelo legislativo e estando o executivo sujeito a observá-las e respeitá-las em sua missão de executar as políticas públicas, ficando ao judiciário a sublime função de julgar e assegurar o seu pleno cumprimento.

(...)

Assim, se o Supremo Tribunal Federal, de forma controversa e sem o entendimento ‘unânime’ de seus membros decide e julga contrariando a ampla maioria dos representantes do povo, o estado democrático de direito é colocado em risco.

Desta forma, é fundamental que haja recurso capaz de rever a decisão de afronta a vontade da ampla maioria do povo devidamente representado no Congresso Nacional. Por esta razão, considerando o ambiente cada dia mais tenso diante de decisões polêmicas e controversas, proferidas muitas vezes por um indivíduo em detrimento da opinião de milhões de brasileiros.”.

 

Será que a Constituição Federal admitiria a injusta imposição da vontade de uma maioria que fosse contrária ao espírito constitucional, aos valores sociais? Seria possível “cancelar” uma decisão judicial que (re)estabelecesse a justiça, a proporcionalidade, a harmonia social e coletiva, a dignidade da pessoa humana?

 

II – Breve Resenha Sobre o Processo Legislativo e a Separação de Poderes.

A Constituição Federal (art. 59 e seguintes) disciplina a forma e o modo de criação da legislação; trata-se do processo legislativo:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

(...)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.”

 

Porém, o art. 2º estabeleceu o princípio da separação de poderes:

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

 

Perguntas: (i) a atividade legislativa (projetos de lei convertidos em leis) é resultado do trabalho de vereadores, deputados, senadores. Nunca há divergências entre vereadores, deputados, senadores? Vereadores, deputados e senadores representam todos os setores, as classes sociais e os interesses envolvidos sempre são convergentes? Os partidos estão sempre de acordo, de forma unânime, com as medidas que afetam os seus diversos eleitores (patrões e empregados; consumidores e fornecedores; ricos e pobres; homens, mulheres, crianças, idosos; negros, LGBTQIA+; religiosos e adeptos de todas as crenças)? As leis sempre (des)atendem aos anseios de toda a sociedade, de forma completamente justa e harmônica? Por que uma lei que modifique, limite ou retire direitos é aprovada? (ii) Imagine que exista um direito social previsto na Constituição Federal. Mas para usufruir este direito social é exigida também a elaboração de uma lei por deputados e senadores. Suponha que a maioria dos deputados e senadores não se interesse em tornar possível o acesso a este direito, porque a concessão do tal direito social pode representar a redução de uma vantagem, uma posição, um benefício para as suas empresas, os seus negócios, os apoiadores de sua(s) (re)eleição(ões). Então, por haver desinteresse, eles deixam de fazer a lei exigida pela Constituição Federal. A falta da lei essencial prejudicará um indivíduo, uma coletividade, grupos números, uma parcela da sociedade brasileira, ou até a maior parte da sociedade brasileira. (iii) Poderia o STF reconhecer que deixar de fazer uma lei essencial é uma forma de negar respeito à Constituição? Uma inconstitucionalidade por omissão? E se houver demora em fazer a lei? Seria (in)adequado que o STF utilizasse uma lei criada para uma situação parecida para regular situação semelhante ainda não disciplinada por lei negada pelo Legislativo? (iv) Seria (in)justo que deputados e senadores “derrubassem” a decisão do STF que tenha garantido um direito social negado pela falta de vontade política, pela demora dos deputados e dos senadores em elaborar a lei exigida pela Constituição Federal? Quando o STF garante um direito constitucional negado por falta de lei regulamentadora, isso seria interferência do Poder Judiciário (acionado por alguém prejudicado) no Poder Legislativo (deputados e senadores que não fizeram uma lei necessária)?

 

Reflexões a partir da PEC: Pode haver divergência, debates no processo de criação e elaboração de leis, mas não pode haver divergência em decisões judiciais. Um projeto de lei pode ser (des)aprovado pela maioria dos deputados e senadores. Uma decisão judicial não pode absolver ou condenar alguém, conceder direitos ou negar privilégios pelo julgamento da maioria de um grupo de juízes. Uma lei será válida mesmo não sendo resultado de aprovação de projeto pela unanimidade. Sendo válida e conforme a Constituição, o STF não poderá declará-la inconstitucional. Mas se não houver unanimidade de decisões em um julgamento do STF, o Legislativo (Câmara e Senado) pode cassar a decisão do STF.

 

Imagine que deputados estaduais resolvam que as decisões dos Tribunais de Justiça possam ser cassadas pelas Assembleias Legislativas estaduais.

 

III - A Separação de Poderes: do que se trata, afinal?

Em seu clássico Curso de Direito Constitucional[1], Manoel Gonçalves Ferreira Filho trata da separação de poderes dizendo o seguinte:

2. A LIMITAÇÃO DO PODER

Repugna ao pensamento político contemporâneo a ilimitação do poder. Ao contrário, é arraigada a convicção de que o poder, mesmo legítimo, deve ser limitado. Isto porque, na famosa expressão de Lord Acton, ‘todo pode corrompe’, inclusive o democrático.

Para limitar o poder, várias são as técnicas adotadas. Uma é a da divisão territorial do poder, que inspira a descentralização e não raro o próprio federalismo.

Outra consiste em circunscreve o campo de ação do Estado, reconhecendo-se em favor do indivíduo uma esfera autônoma, onde a liberdade não pode sofre interferências do Estado. É isso que se busca obter pela Declaração dos Direito e Garantias do Homem.

A terceira e a divisão funcional do poder, tão conhecida na forma clássica da separação dos poderes. É esta o objeto do presente capítulo, que é complementado pelos seguintes, em que se apontam as linhas mestras de cada um dos poderes identificados pela velha doutrina: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

4. A ‘SEPARAÇÃO DE PODERES’. SUA ORIGEM.

A divisão segundo o critério funcional é a célebre ‘separação de poderes’, que vai ser agora examinada. Essencialmente, a ‘separação de poderes’ consiste em distinguir três funções estatais – legislação, administração e jurisdição - e atribuí-las a três órgãos, ou grupos de órgãos, reciprocamente autônomos, que as exercerão com exclusividade, ou ao menos, preponderantemente.

A divisão funcional do poder – ou como tradicionalmente se diz, a ‘separação de poderes’ – que ainda hoje é a base da organização do governo nas democracias ocidentais não foi invenção genial de um homem inspirado, mas sim é o resultado empírico da evolução constitucional inglesa, qual a consagrou o Bill of Rights de 1689.

De fato, a ‘gloriosa revolução’ pôs no mesmo pé a autoridade real e a autoridade do parlamento, forçando um compromisso que foi a divisão do poder, reservando-se ao monarca certas funções, ao parlamento outras e reconhecendo-se a independência dos juízes.

(...)

Na verdade, tornou-se a ‘separação de poderes’ o princípio fundamental da organização política liberal e até foi transofrmada em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

 

5. A CLASSIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES DO ESTADO.

A ‘separação de poderes’, como se indicou acima, pressupõe a tripartição das funções do Estado, ou seja, a distinção das funções legislativa, administrativa (ou executiva) e jurisdicional.”

 

Outro grande constitucionalista de seu tempo, Celso Ribeiro Bastos[2] dizia não haver uma separação de poderes, mas uma tripartição das funções estatais: legislativa, executiva e judiciária. Eis a explicação:

1 . TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇOES E NÃO TRIPARTIÇÃO DOS PODERES.

(...)

Vale, entretanto, notar que, qualquer que seja a forma ou o conteúdo dos atos do Estado, eles são sempre fruto de um mesmo poder. Daí ser incorreto afirmar-se a tripartição de poderes estatais, a tomar essa expressão ao pé da letra. É que o poder é sempre um só, qualquer que seja a forma Poe ela assumida. Todas as manifestações de vontade emanadas em nome do Estado reportam-se sempre a um querer único que é próprio das organizações políticas estatais.

Firmada a ideia de unidade do poder, voltamos ao estudo das diversas formas jurídicas assumidas pela atuação estatal em nome da coletividade que representa. Assim é que, pode vezes, o Poder Público edita regras gerais e impessoais destinada a regular todos os casos que venham a ocorrer e que coincidem com a hipótese legal. Por exemplo, ao dispor que ao fato de matar alguém corresponde uma determinada sanção, o Estado está prevendo sua atividade futura e vinculando-se a ela. Entretanto, é importante que se note, não está regulando o seu comportamento diante de um determinado homicídio, mas sim em face de todos os tos dessa natureza que venham a ocorrer. Temos aí uma função, a legislativa. A função constitui, pois um modo particular e caracterizado de o Estado manifestar a sua vontade.

(...)

3. AS TRÊS FUNÇÕES ESTATAIS: LEGISLATIVA, EXECUTIVA E JUDICIÁRIA.

Seguindo uma tradição muito antiga, são três as funções estatais: legislativa, executiva e judiciária. Para muitos autores, Aristóteles terá sido o primeiro a isolar, no funcionamento do complexo estatal, três tipos de atos: deliberações sobre os assuntos de interesse comum, organização de cargos e magistraturas e atos judiciais. O valor da descoberta aristotélica é muito relativo. Em nada influenciou a vida política durante, no mínimo, o milênio que se seguiu à sua vida. Durante esse imenso lapso histórico, dominou sem contestação a vontade do monarca, que reunia em si mesmo a três funções estatais, embora por razões de ordem prática, estas pudessem vir a ser delegadas a prepostos, segundo o seu critério.

A teoria apenas voltou a aflorar nos séculos XVII e XVIII, cabendo a Montesquieu a sua formulação mais acabada e perfeita juridicamente.

(...)

4.1. Aspectos ideológicos da Teoria da Separação de Poderes;

O que acontece é que para Montesquieu a separação de poderes não era uma teoria abstrata que se satisfizesse com a mera descrição das formas de atuar do Estado. Pelo contrário, ao determinar que à separação de funcional estivesse subjacente uma separação orgânica, Montesquieu concebia sua teoria da separação dos poderes como técnica posta a serviço da contenção do poder pelo próprio poder. Nenhum órgão dos órgãos poderia desmandar-se a pondo de instaurar a perseguição e o arbítrio, porque nenhum desfrutaria de poderes para tanto.

(...)

6. A TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇÕES ESTATAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA.

O princípio da separação de poderes está consagrado em nosso Código Político desde 1824.

Na constituição vigente, está no art. 2ºm que diz: ‘São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.’.

Note-se que a Lei Maior refere-se a ele ainda mais de uma vez no seu art. 60, §4º, III. Cuida-se aí de enunciar quais as matérias insuscetíveis de serem objeto de uma emenda constitucional; dentre elas figura a ‘separação dos poderes’.

É, portanto, um princípio insuprimível da nossa Constituição. Isto presta-se, sem dúvida, a revelar a importância que o constituinte lhe dispensou.”

 

Ícone da Doutrina constitucional, José Afonso da Silva[3], acrescenta:

“7. O princípio da divisão de poderes.

Esse é um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição inscreve como um dos princípios fundamentais que ela adota. Consta do seu art. 2º que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário são expressões com duplo sentido.  

Exprimem, a um tempo, as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no título da organização dos poderes (respectivamente, nos art. 44 a 75, 76 a 91 e 92 a 135).

Algumas considerações sobre o poder são necessárias para melhor compreensão do princípio.

(...)

10. Divisão de poderes

A divisão de poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembleias (Congresso, Câmaras, Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva; ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder.

(...)

III. PIRNCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIÁRIA

13. Fundamento

O princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui em verdade a principal garantia dos direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno, fundamenta-se no princípio da separação de poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais. Aí se junta uma constelação de garantias: as da independência e imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou constitucional, a do direito de ação e de defesa. Tudo ínsito nas regras do art. 5º, XXXV, LIV e LV.

 

14. Monopólio judiciário do controle jurisdicional.

O art. 5º, XXXV, declara: ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Acrescenta-se agora ameaça a direito, o que não é sem consequência, pois possibilita o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados. Isso já se admitia, nas leis processuais, em alguns casos. (...)

A primeira garantia que o texto revela é a de que cabe ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, pois sequer se admite mais o contencioso administrativo que estava previsto na Constituição revogada.”

 

De modo enxuto e simples, Elcir Castello Branco[4] distinguia as funções estatais (legislativa, executiva, judiciária), justificando a tripartição e explicando cada uma das funções:

1. DISTRIBUIÇÃO DO PODER

No Estado, o Poder é comando que dirige os indivíduos à cooperação entre si, orientando os atos comuns e eliminando os conflitos. Para que os obbjetivos sejam alcançados, as condutas requerem submissão à ordem geral. Este comando tecnicamente deflui da lei. Há organismos para elaborá-la e outros que se especializam e efetivá-la.

(...)

3. LEGISLAR

Legislar é ato de vontade emanado de uma pessoa ou de um colegiado, que dita normas adequadas às circunstâncias concretas de tempo, lugar e matéria.

(...)

É ato de vontade do Estado, por intermédio de sua autoridade competente, que obriga as pessoas a ela submetidas.

(...)

4. EXECUTAR

As normas aprovadas pelo Legislativo têm a força vinculante dos atos, porém o descortínio dos rumos do Estado, a conveniência e oportunidade da prática de certos atos, os recursos para atingir os objetivos programados, a determinação do número de pessoas e quais os que deem chefiar os órgãos disponíveis cabem a quem executa os atos do Estado.

(...)

5. JULGAR

(...)

O Poder confiado aos que têm a suprema incumbência de resolver esses litígios é o Poder Judiciário, que se compõe de magistrados que têm competência para resolver os conflitos, tutelando o direito das pessoas.

(...)

7. EQUILÍBRIO DOS PODERES

(...)

Com a separação dos poderes já se busca a dosagem do absolutismo do Estado, estabelecendo entrosamento entre eles, além de propiciar-lhes equilíbrio (check and balance). É primordial que eles atuem sem perda de autoridade e isenção, como verdadeiras magistraturas. Assim, não se imiscuindo uns nos outros, haverá o livre exercício de cada poder.”

 

Autor mais moderno, Eurico Zecchin Maiolino[5], resumiu que a “separação de poderes” é criação histórica, e este princípio constitucional não admite exclusão nem relativização:

“3.9. Limitações materiais ao poder de reforma constitucional: hierarquia e tendência à abolição.

Os limites materiais à reforma constitucional referem-se ao conteúdo da Constituição, expresso por determinada norma ou conjunto de normas. O Poder Constituinte pode retirar da competência reformadora a possibilidade de supressão de certa matéria da Constituição, para, desta forma, manter-lhe a identidade. As limitações materiais relacionam-se, portanto, ao conteúdo ou substância da Constituição e são denominadas cláusulas de intangibilidade, núcleo intangível, cláusulas pétreas, garantias de eternidade, disposições de intangibilidde, conteúdos fixos ou cláusulas limitativas da reforma  constitucional.

As disposições de limitação material, porque protegem um conjunto determinado de matérias que apresentam uma nota de fundamentalidade em relação às demais normas constitucional, têm a função de conferir à Constituição sua identidade e espíritos próprios.

Ao corporificar jurídica  e politicamente a sociedade e o Estado, o Poder Constituinte se vale de norma que impedem a alteração do conteúdo fundamental de seu estauto pelo exercício da competência reformadora; a alteração deste conteúdo fundamental estruturante é obra do Poder Constituinte e não do Poder de Reforma Constitucional.

(...)

A Constituição Federal de 1988 estabelece as seguintes limitações materiais ao Poder de Reforma Constitucional: a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

(...)

A Constituição Federal prevê, em seu art. 60, § 4º, que ‘não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir...’.

(...)

3.9.3. A separação de poderes

Pela primeira vez na história constitucional brasileira, a separação de poderes constitui o cerne imutável da Constituição.

Ao prever que a separação de poderes não pode ser abolida, a Constituição deseja que o poder político não seja unificado, centralizado, concentrado em uma única categoria institucional a totalidade de poder e, assim, concedendo uma primazia a um poder em relação aos outros.

(...)

A separação de poderes do Estado, contudo, não é uma ideia política jusnaturalista ou atemporal. É uma criação histórica, e, sendo assim, apresenta expressão diversificada de acordo com sua situação temporal e espacial e em decorrência das contingências particulares de cada povo, cada Estado e cada Constituição.

(...)

Deve se resguardada, outrossim, a adequação funcional entre as atividades e os Poderes aos quais são atribuídas. A substituição das atividades típicas atribuíveis a cada um dos Poderes do Estado tem de manter com a estrutura orgânica uma relação de adequação funcional. Cada um dos Poderes de Estado é constitucionalmente conformado ao adequado exercício das competências constitucionais que lhe são imputadas, e as reformas que toquem na separação de poderes não podem quebrar estra relação de atributividade-adequação, provocando uma desorganização político-institucional e, pior, enfraquecendo o sistema de proteção da liberdade que anima a divisão funcional do poder.

Assim, se o Judiciário exerce uma função contramajoritária, não pode receber funções legislativas típicas, mormente porque não e composto por membros democraticamente eleitos. Na sua conformação constitucional de contrapoder reside a garantia da execução de suas funções com independência. Ao se lhe atribuir, por conseguinte, tarefas legislativas de expressão genérica, corre-se o risco de enfraquecimento da tarefa de resolução de conflitos concretos e de proteção dos direitos fundamentais – que é o conteúdo essencial da função judiciária.

(...)

Repita-se, como afirmamos algures, que a vedação à supressão da separação de poderes é preordenada a evitar a concentração do poder político em uma única categoria institucional, assim concedendo uma primazia a um poder em relação ao outros, e, no regime parlamentar de governo, a influência demasiada de poder em direção a um só complexo orgânico não acontece.

(...)

Finalmente, o último aspecto a se considerar na reforma da Constituição, no que se refere especificamente a esta cláusula limitativa, é a mantença da separação de poderes como mecanismo de controle recíproco dos Poderes de Estado.

 

A repartição de funções estatais (atribuídas a diferentes poderes que as exercem de forma separada e especializada) é um antigo instrumento de contenção de abusos cometidos por todo aquele que tem, unicamente em suas mãos, todas as funções e o poder de regulação da vida social; quando uma só pessoa (governante) faz as leis, aplica as leis por ele criadas e julga alguém convencido de que foram descumpridas as suas leis certamente ocorrerá injustiça, haverá abusos; concessão de privilégios e impunidade para alguns, excessos para outros.

 

A separação de poderes tem origem histórica; hoje um princípio constitucional. A distribuição especializada de funções estatais interligadas previne desvios, perseguições, injustiças e impõe especialização no desempenho das funções típicas de cada Poder.

 

III.I – Separação de Poderes e o Art. 37 da Constituição Federal.

Conforme dito, a repartição de funções conterá abusos e determinará especialização. Vereadores, deputados, senadores (Legislativo) devem profissionalizar-se em elaborar bons projetos, aprovar legislação de qualidade e que atendam ao bem comum. Prefeitos, governadores e o Presidente da República (Executivo) devem aplicar a legislação da melhor forma possível, de modo eficiente, econômico e eficaz, buscando o bem comum. Se o Legislativo e o Executivo falharem, cabe ao Poder Judiciário, adequadamente, decidir os conflitos surgidos e (re)estabelecer a justiça, eliminando lacunas, violação a direitos, fazer cessar privilégios e conceder direitos indevidamente sonegados.

 

No desempenho de cada uma das funções de Estado pelos respectivos poderes (Legislativa, Executiva e Judiciária) exige-se a fiel observância ao art. 37, caput, da Constituição Federal, segundo o qual:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

 

IV – Conclusão: Aparentemente, uma PEC inconstitucional.

A exposição de motivos da “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes” esclareceu a razão da proposição. A histórica da ideia de tripartição de funções a elevou à condição de princípio. No caso brasileiro, este princípio está condito nas cláusulas dos art. 2º e 60, § 4º, III da CF/88. O conteúdo da chamada “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes”, sequer poderá, s.m.j, ser objeto de discussão, de deliberação e/ou votação no âmbito do Congresso Nacional. Há impedimento contido no art. 60, § 4º, III da CF/88, que não admite deliberação de qualquer proposta de emenda à constituição que pretenda abolir ou relativizar: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.

 

Quer parecer, neste momento, que a “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes” é vedada pelo art. 60, § 4º, III da CF/88. A separação de poderes é uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal.



[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 26ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 130/132.

[2] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 341/343.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros. 2008, p. 106; 430/431.

[4] BRANCOElcir CastelloTeoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 148; 150/151; 158.

[5] MAIOLINO, Eurico Zecchin. Poder de reforma constitucional: limitações. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 137/138; 155.