PRODUÇÃO PARLAMENTAR: BREVE RESENHA SOBRE A PEC DO (DES)EQUILÍBRIO ENTRE OS PODERES.
I
– Introdução.
O Preâmbulo da Constituição Federal
expôs a intenção da Assembleia Nacional Constituinte, que produziu a vigente “Carta
de Direitos de 1.988”:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar
o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem
preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos,
sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL.”.
E quando passou a viger, a
Constituição Federal determinou o seguinte:
“Art. 1º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III
- a dignidade da pessoa humana;
IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
O Estado brasileiro deve assegurar as condições
para o pleno desenvolvimento individual, coletivo e social; garantir a dignidade
da pessoa humana, o seu bem-estar; a igualdade, a justiça; instituir, estimular
e manter uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
O que é o povo brasileiro? Apenas
alguns brasileiros? Outros, não? O pluralismo político aceita a supremacia de
um grupo majoritário que defenda privilégios de minorias (elites) em prejuízo
de maiorias (marginalizados; excluídos; desempregados; assalariados; sem
instrução, carentes de saúde e de cobertura previdência)? Igualdade, justiça,
fraternidade não resultam da harmonização de interesses dos variados e diferentes
grupos e interesses sociais e políticos?
Terça-feira, 14/06/2022, em primeira
mão o jornal O Estado de São Paulo
noticiou que:
“Líderes do Centrão têm pronta uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) que, se for aprovada, dará ao Congresso poder para anular sentenças do
Supremo Tribunal Federal (STF), informa Daniel Weterman. O texto prevê
que o Legislativo poderá revogar
julgamentos sempre que a decisão da mais alta Corte do País não for
tomada por unanimidade dos ministros
e se os parlamentares considerarem que o tribunal ‘extrapolou limites
constitucionais’. A intenção do
Centrão é reverter julgamentos que tenham derrubado leis aprovadas no
Congresso Nacional ou contrariado bancadas. Levantamento do Estadão mostra que, de janeiro de 2019 até hoje, há
2.402 acórdãos (registros de decisões) sem unanimidade no plenário do STF.”.
A Exposição
de Motivos da “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes”
apontou a razão da proposta:
“Uma vez elaborada e aprovadas as leis pelo legislativo e estando o
executivo sujeito a observá-las e respeitá-las em sua missão de executar as
políticas públicas, ficando ao
judiciário a sublime função de julgar e assegurar o seu pleno cumprimento.
(...)
Assim, se o Supremo Tribunal Federal,
de forma controversa e sem o entendimento ‘unânime’ de seus membros decide e julga contrariando a ampla maioria dos
representantes do povo, o estado democrático de direito é colocado em
risco.
Desta forma, é fundamental que haja recurso capaz de rever a decisão de
afronta a vontade da ampla maioria do povo devidamente representado no
Congresso Nacional. Por esta razão, considerando o ambiente cada dia mais tenso
diante de decisões polêmicas e controversas, proferidas muitas vezes por um
indivíduo em detrimento da opinião de milhões de brasileiros.”.
Será
que a Constituição Federal admitiria a injusta
imposição da vontade de uma maioria que fosse contrária ao espírito constitucional,
aos valores sociais? Seria possível “cancelar” uma decisão judicial que (re)estabelecesse
a justiça, a proporcionalidade, a harmonia social e coletiva, a dignidade da
pessoa humana?
II
– Breve Resenha Sobre o Processo Legislativo e a Separação de Poderes.
A Constituição Federal (art. 59 e
seguintes) disciplina a forma e o modo de criação da legislação; trata-se do
processo legislativo:
“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
Parágrafo
único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis.
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um
terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do
Presidente da República;
III - de
mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§
4º Não será objeto de deliberação
a proposta de emenda tendente a abolir:
I
- a forma federativa de Estado;
II
- o voto direto, secreto, universal e periódico;
III
- a separação dos Poderes;
IV
- os direitos e garantias individuais.”
Porém, o art. 2º estabeleceu o princípio da separação de poderes:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Perguntas:
(i) a atividade legislativa
(projetos de lei convertidos em leis) é resultado do trabalho de vereadores,
deputados, senadores. Nunca há divergências entre vereadores, deputados,
senadores? Vereadores, deputados e senadores representam todos os setores, as
classes sociais e os interesses envolvidos sempre são convergentes? Os partidos
estão sempre de acordo, de forma unânime, com as medidas que afetam os seus diversos
eleitores (patrões e empregados; consumidores e fornecedores; ricos e pobres;
homens, mulheres, crianças, idosos; negros, LGBTQIA+; religiosos e adeptos de
todas as crenças)? As leis sempre (des)atendem aos anseios de toda a sociedade,
de forma completamente justa e harmônica? Por que uma lei que modifique, limite
ou retire direitos é aprovada? (ii) Imagine que exista um
direito social previsto na Constituição Federal. Mas para usufruir este direito
social é exigida também a elaboração de uma lei por deputados e senadores. Suponha
que a maioria dos deputados e senadores não se interesse em tornar possível o
acesso a este direito, porque a concessão do tal direito social pode
representar a redução de uma vantagem, uma posição, um benefício para as suas
empresas, os seus negócios, os apoiadores de sua(s) (re)eleição(ões). Então,
por haver desinteresse, eles deixam de fazer a lei exigida pela Constituição
Federal. A falta da lei essencial prejudicará um indivíduo, uma coletividade,
grupos números, uma parcela da sociedade brasileira, ou até a maior parte da
sociedade brasileira. (iii) Poderia
o STF reconhecer que deixar de fazer uma lei essencial é uma forma de negar
respeito à Constituição? Uma inconstitucionalidade por omissão? E se houver
demora em fazer a lei? Seria (in)adequado que o STF utilizasse uma lei criada
para uma situação parecida para regular situação semelhante ainda não
disciplinada por lei negada pelo Legislativo? (iv) Seria (in)justo que deputados e senadores “derrubassem” a
decisão do STF que tenha garantido um direito social negado pela falta de
vontade política, pela demora dos deputados e dos senadores em elaborar a lei
exigida pela Constituição Federal? Quando o STF garante um direito
constitucional negado por falta de lei regulamentadora, isso seria
interferência do Poder Judiciário (acionado por alguém prejudicado) no Poder
Legislativo (deputados e senadores que não fizeram uma lei necessária)?
Reflexões a partir da PEC: Pode haver divergência,
debates no processo de criação e elaboração de leis, mas não pode haver divergência
em decisões judiciais. Um projeto de lei pode
ser (des)aprovado pela maioria
dos deputados e senadores. Uma decisão
judicial não pode absolver ou condenar alguém, conceder direitos ou
negar privilégios pelo julgamento da
maioria de um grupo de juízes. Uma lei será válida mesmo não sendo resultado
de aprovação de projeto pela unanimidade. Sendo válida e conforme a
Constituição, o STF não poderá declará-la inconstitucional. Mas se não houver
unanimidade de decisões em um julgamento do STF, o Legislativo (Câmara e
Senado) pode cassar a decisão do STF.
Imagine que deputados estaduais resolvam que as decisões dos Tribunais
de Justiça possam ser cassadas pelas Assembleias Legislativas estaduais.
III
- A Separação de Poderes: do que se trata, afinal?
Em seu clássico Curso de Direito Constitucional[1],
Manoel Gonçalves Ferreira Filho trata da separação de poderes dizendo o
seguinte:
“2.
A LIMITAÇÃO DO PODER
Repugna ao pensamento político
contemporâneo a ilimitação do poder. Ao contrário, é arraigada a convicção de
que o poder, mesmo legítimo, deve ser limitado. Isto porque, na famosa
expressão de Lord Acton, ‘todo pode corrompe’, inclusive o democrático.
Para limitar o poder, várias são as
técnicas adotadas. Uma é a da divisão territorial do poder, que inspira a
descentralização e não raro o próprio federalismo.
Outra consiste em circunscreve o campo
de ação do Estado, reconhecendo-se em favor do indivíduo uma esfera autônoma,
onde a liberdade não pode sofre interferências do Estado. É isso que se busca
obter pela Declaração dos Direito e Garantias do Homem.
A terceira e a divisão
funcional do poder, tão conhecida na
forma clássica da separação dos poderes. É esta o objeto do presente capítulo, que é complementado pelos
seguintes, em que se apontam as linhas mestras de cada um dos poderes
identificados pela velha doutrina: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
4.
A ‘SEPARAÇÃO DE PODERES’. SUA ORIGEM.
A divisão segundo o critério funcional
é a célebre ‘separação de poderes’, que vai ser agora examinada. Essencialmente, a ‘separação de
poderes’ consiste em distinguir três
funções estatais – legislação, administração e jurisdição - e atribuí-las a
três órgãos, ou grupos de órgãos, reciprocamente autônomos, que as exercerão com exclusividade,
ou ao menos, preponderantemente.
A divisão funcional do poder – ou como
tradicionalmente se diz, a ‘separação de poderes’ – que ainda hoje é a base da organização do
governo nas democracias ocidentais não foi invenção genial de um homem
inspirado, mas sim é o resultado empírico da evolução constitucional inglesa,
qual a consagrou o Bill of Rights de
1689.
De fato, a ‘gloriosa revolução’ pôs no
mesmo pé a autoridade real e a autoridade do parlamento, forçando um
compromisso que foi a divisão do poder, reservando-se ao monarca certas
funções, ao parlamento outras e reconhecendo-se a independência dos juízes.
(...)
Na verdade, tornou-se a ‘separação de
poderes’ o princípio fundamental da
organização política liberal e até foi transofrmada em dogma pelo art. 16 da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
5.
A CLASSIFICAÇÃO DAS FUNÇÕES DO ESTADO.
A ‘separação de poderes’, como se
indicou acima, pressupõe a tripartição das funções do Estado, ou seja, a
distinção das funções legislativa, administrativa (ou executiva) e jurisdicional.”
Outro grande constitucionalista de seu
tempo, Celso Ribeiro Bastos[2] dizia
não haver uma separação de poderes, mas uma tripartição das funções estatais: legislativa, executiva e judiciária. Eis a explicação:
“1
. TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇOES E NÃO TRIPARTIÇÃO DOS PODERES.
(...)
Vale, entretanto, notar que, qualquer
que seja a forma ou o conteúdo dos atos do Estado, eles são sempre fruto de um mesmo poder. Daí ser incorreto
afirmar-se a tripartição de poderes estatais, a tomar essa expressão ao pé da
letra. É que o poder é sempre um só, qualquer que seja a forma Poe ela
assumida. Todas as manifestações de vontade emanadas em nome do Estado
reportam-se sempre a um querer único que é próprio das organizações políticas
estatais.
Firmada a ideia de unidade do poder,
voltamos ao estudo das diversas formas jurídicas assumidas pela atuação estatal
em nome da coletividade que representa. Assim é que, pode vezes, o Poder
Público edita regras gerais e impessoais destinada a regular todos os casos que
venham a ocorrer e que coincidem com a hipótese legal. Por exemplo, ao dispor
que ao fato de matar alguém corresponde uma determinada sanção, o Estado está prevendo sua
atividade futura e vinculando-se a ela. Entretanto, é importante que se note,
não está regulando o seu comportamento diante de um determinado homicídio, mas
sim em face de todos os tos dessa natureza que venham a ocorrer. Temos aí uma função,
a legislativa. A função constitui, pois um modo particular e caracterizado de o
Estado manifestar a sua vontade.
(...)
3.
AS TRÊS FUNÇÕES ESTATAIS: LEGISLATIVA, EXECUTIVA E JUDICIÁRIA.
Seguindo uma tradição muito antiga,
são três as funções estatais: legislativa, executiva e judiciária. Para muitos
autores, Aristóteles terá sido o
primeiro a isolar, no funcionamento do complexo estatal, três tipos de atos:
deliberações sobre os assuntos de interesse comum, organização de cargos e
magistraturas e atos judiciais. O valor da descoberta aristotélica é
muito relativo. Em nada influenciou a vida política durante, no mínimo, o
milênio que se seguiu à sua vida. Durante esse imenso lapso histórico, dominou
sem contestação a vontade do monarca, que reunia em si mesmo a três funções
estatais, embora por razões de ordem prática, estas pudessem vir a ser
delegadas a prepostos, segundo o seu critério.
A teoria apenas voltou a aflorar nos
séculos XVII e XVIII, cabendo a Montesquieu a sua formulação mais acabada e
perfeita juridicamente.
(...)
4.1.
Aspectos ideológicos da Teoria da Separação de Poderes;
O que acontece é que para Montesquieu
a separação de poderes não era uma teoria abstrata que se satisfizesse com a
mera descrição das formas de atuar do Estado. Pelo contrário, ao determinar que
à separação de funcional estivesse subjacente uma separação orgânica,
Montesquieu concebia sua teoria da separação dos poderes como técnica posta a serviço da contenção do poder pelo
próprio poder. Nenhum órgão dos órgãos poderia desmandar-se a pondo de
instaurar a perseguição e o arbítrio, porque nenhum desfrutaria de poderes para
tanto.
(...)
6.
A TRIPARTIÇÃO DAS FUNÇÕES ESTATAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA.
O princípio da separação de poderes
está consagrado em nosso Código Político desde 1824.
Na constituição vigente, está no art.
2ºm que diz: ‘São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.’.
Note-se que a Lei Maior refere-se a
ele ainda mais de uma vez no seu art. 60, §4º, III. Cuida-se aí de enunciar
quais as matérias insuscetíveis de serem objeto de uma emenda constitucional;
dentre elas figura a ‘separação dos poderes’.
É, portanto, um princípio insuprimível
da nossa Constituição. Isto presta-se, sem dúvida, a revelar a importância que
o constituinte lhe dispensou.”
Ícone da Doutrina constitucional, José
Afonso da Silva[3],
acrescenta:
“7. O princípio da divisão de poderes.
Esse é um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição
inscreve como um dos princípios
fundamentais que ela adota. Consta do seu art. 2º que são
poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário. Poder Legislativo,
Poder Executivo e Poder Judiciário são expressões com duplo sentido.
Exprimem, a um tempo, as funções
legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos,
conforme descrição e discriminação estabelecidas no título da organização
dos poderes (respectivamente, nos art. 44
a 75, 76 a 91 e 92 a 135).
Algumas considerações sobre o poder
são necessárias para melhor compreensão do princípio.
(...)
10.
Divisão de poderes
A divisão de
poderes fundamenta-se, pois, em dois
elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado
no exercício de uma função; assim, às assembleias (Congresso, Câmaras,
Parlamento) se atribui a função Legislativa; ao Executivo, a função executiva;
ao Judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica,
significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão
seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Trata-se, pois, como se
vê, de uma forma de organização jurídica das manifestações do Poder.
(...)
III.
PIRNCÍPIO DA PROTEÇÃO JUDICIÁRIA
13. Fundamento
O princípio da proteção judiciária, também chamado princípio
da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui em verdade a principal
garantia dos direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno, fundamenta-se no princípio da separação
de poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias
constitucionais. Aí se junta uma constelação de garantias: as da independência
e imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou constitucional, a do direito de
ação e de defesa. Tudo ínsito nas regras do art. 5º, XXXV, LIV e LV.
14.
Monopólio judiciário do controle jurisdicional.
O art. 5º, XXXV, declara: ‘a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Acrescenta-se agora ameaça a direito, o que não é sem consequência, pois
possibilita o ingresso em juízo para assegurar direitos simplesmente ameaçados.
Isso já se admitia, nas leis processuais, em alguns casos. (...)
A primeira garantia que o texto revela
é a de que cabe ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, pois sequer se
admite mais o contencioso administrativo que estava previsto na Constituição
revogada.”
De modo enxuto e simples, Elcir
Castello Branco[4]
distinguia as funções estatais (legislativa, executiva, judiciária), justificando
a tripartição e explicando cada uma das funções:
“1.
DISTRIBUIÇÃO DO PODER
No Estado, o Poder é comando que
dirige os indivíduos à cooperação entre si, orientando os atos comuns e
eliminando os conflitos. Para que os obbjetivos sejam alcançados, as condutas
requerem submissão à ordem geral. Este comando tecnicamente deflui da lei. Há
organismos para elaborá-la e outros que se especializam e efetivá-la.
(...)
3.
LEGISLAR
Legislar é ato de vontade emanado de
uma pessoa ou de um colegiado, que dita normas adequadas às circunstâncias
concretas de tempo, lugar e matéria.
(...)
É ato de vontade do Estado, por
intermédio de sua autoridade competente, que obriga as pessoas a ela
submetidas.
(...)
4.
EXECUTAR
As normas aprovadas pelo Legislativo
têm a força vinculante dos atos, porém o descortínio dos rumos do Estado, a
conveniência e oportunidade da prática de certos atos, os recursos para atingir
os objetivos programados, a determinação do número de pessoas e quais os que
deem chefiar os órgãos disponíveis cabem a quem executa os atos do Estado.
(...)
5.
JULGAR
(...)
O Poder confiado aos que têm a suprema
incumbência de resolver esses litígios é o Poder Judiciário, que se compõe de
magistrados que têm competência para resolver os conflitos, tutelando o direito
das pessoas.
(...)
7.
EQUILÍBRIO DOS PODERES
(...)
Com a separação dos poderes já se
busca a dosagem do absolutismo do Estado, estabelecendo entrosamento entre
eles, além de propiciar-lhes equilíbrio (check and
balance). É primordial que eles atuem sem
perda de autoridade e isenção, como verdadeiras magistraturas. Assim, não se
imiscuindo uns nos outros, haverá o livre exercício de cada poder.”
Autor mais moderno, Eurico Zecchin
Maiolino[5],
resumiu que a “separação de poderes” é criação histórica, e este princípio
constitucional não admite exclusão nem relativização:
“3.9.
Limitações materiais ao poder de reforma constitucional: hierarquia e tendência
à abolição.
Os limites materiais à reforma
constitucional referem-se ao conteúdo da Constituição, expresso por determinada
norma ou conjunto de normas. O Poder
Constituinte pode retirar da competência reformadora a possibilidade de
supressão de certa matéria da Constituição, para, desta forma, manter-lhe a
identidade. As limitações materiais relacionam-se, portanto, ao conteúdo ou
substância da Constituição e são denominadas cláusulas de intangibilidade,
núcleo intangível, cláusulas pétreas, garantias de eternidade, disposições de
intangibilidde, conteúdos fixos ou cláusulas limitativas da reforma constitucional.
As disposições de limitação material,
porque protegem um conjunto determinado de matérias que apresentam uma nota de
fundamentalidade em relação às demais normas constitucional, têm a função de
conferir à Constituição sua identidade e espíritos próprios.
Ao corporificar jurídica e politicamente a sociedade e o Estado, o Poder Constituinte se vale de norma
que impedem a alteração do conteúdo fundamental de seu estauto pelo exercício
da competência reformadora; a alteração deste conteúdo fundamental estruturante
é obra do Poder Constituinte e não do Poder de Reforma Constitucional.
(...)
A Constituição Federal de 1988
estabelece as seguintes limitações materiais ao Poder de Reforma
Constitucional: a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal
e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.
(...)
A Constituição Federal prevê, em seu
art. 60, § 4º, que ‘não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir...’.
(...)
3.9.3. A separação de poderes
Pela primeira vez na história
constitucional brasileira, a separação de poderes constitui o cerne imutável da Constituição.
Ao prever que a separação de poderes não pode ser abolida, a Constituição
deseja que o poder político não seja unificado, centralizado, concentrado em
uma única categoria institucional a totalidade de poder e, assim, concedendo
uma primazia a um poder em relação aos outros.
(...)
A separação de poderes do Estado,
contudo, não é uma ideia política jusnaturalista ou atemporal. É uma criação
histórica, e, sendo assim, apresenta expressão diversificada de acordo com sua
situação temporal e espacial e em decorrência das contingências particulares de
cada povo, cada Estado e cada Constituição.
(...)
Deve se resguardada, outrossim, a
adequação funcional entre as atividades e os Poderes aos quais são atribuídas.
A substituição das atividades típicas atribuíveis a cada um dos Poderes do
Estado tem de manter com a estrutura orgânica uma relação de adequação
funcional. Cada um dos Poderes de Estado é constitucionalmente conformado ao
adequado exercício das competências constitucionais que lhe são imputadas, e as reformas que toquem na separação de
poderes não podem quebrar estra relação de atributividade-adequação, provocando
uma desorganização político-institucional e, pior, enfraquecendo o sistema de
proteção da liberdade que anima a divisão funcional do poder.
Assim,
se o Judiciário exerce uma função contramajoritária, não pode receber funções
legislativas típicas, mormente porque não e composto por membros
democraticamente eleitos. Na sua conformação constitucional de contrapoder
reside a garantia da execução de suas funções com independência. Ao se lhe
atribuir, por conseguinte, tarefas legislativas de expressão genérica, corre-se
o risco de enfraquecimento da tarefa de resolução de conflitos concretos e de
proteção dos direitos fundamentais – que é o conteúdo essencial da função
judiciária.
(...)
Repita-se, como afirmamos algures, que
a vedação à supressão da separação de poderes é preordenada a evitar a
concentração do poder político em uma única categoria institucional, assim
concedendo uma primazia a um poder em relação ao outros, e, no regime
parlamentar de governo, a influência demasiada de poder em direção a um só
complexo orgânico não acontece.
(...)
Finalmente, o último aspecto a se
considerar na reforma da Constituição, no que se refere especificamente a esta
cláusula limitativa, é a mantença da separação de poderes como mecanismo de
controle recíproco dos Poderes de Estado.
A repartição de funções estatais (atribuídas
a diferentes poderes que as exercem de forma separada e especializada) é um antigo instrumento de
contenção de abusos cometidos por todo aquele que tem, unicamente em suas mãos,
todas as funções e o poder de regulação da vida social; quando uma só pessoa
(governante) faz as leis, aplica as leis por ele criadas e julga alguém
convencido de que foram descumpridas as suas
leis certamente ocorrerá injustiça, haverá abusos; concessão de privilégios e
impunidade para alguns, excessos para outros.
A separação
de poderes tem origem histórica; hoje um princípio constitucional. A distribuição
especializada de funções estatais interligadas previne desvios, perseguições,
injustiças e impõe especialização no desempenho das funções típicas de cada
Poder.
III.I
– Separação de Poderes e o Art. 37 da Constituição Federal.
Conforme dito, a repartição de funções
conterá abusos e determinará especialização. Vereadores, deputados, senadores
(Legislativo) devem profissionalizar-se em elaborar bons projetos, aprovar
legislação de qualidade e que atendam ao bem comum. Prefeitos, governadores e o
Presidente da República (Executivo) devem aplicar a legislação da melhor forma
possível, de modo eficiente, econômico e eficaz, buscando o bem comum. Se o
Legislativo e o Executivo falharem, cabe ao Poder Judiciário, adequadamente,
decidir os conflitos surgidos e (re)estabelecer a justiça, eliminando lacunas, violação
a direitos, fazer cessar privilégios e conceder direitos indevidamente
sonegados.
No desempenho de cada uma das funções
de Estado pelos respectivos poderes (Legislativa, Executiva e Judiciária) exige-se
a fiel observância ao art. 37, caput,
da Constituição Federal, segundo o qual:
“Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
IV
– Conclusão: Aparentemente, uma PEC inconstitucional.
A exposição
de motivos da “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes”
esclareceu a razão da proposição. A histórica da ideia de tripartição de
funções a elevou à condição de princípio. No caso brasileiro, este princípio está
condito nas cláusulas dos art. 2º e 60, § 4º, III da CF/88. O conteúdo da
chamada “PEC do (des)equilíbrio entre os poderes”, sequer poderá, s.m.j, ser
objeto de discussão, de deliberação e/ou votação no âmbito do Congresso
Nacional. Há impedimento contido no art. 60, § 4º, III da CF/88, que não admite
deliberação de qualquer proposta de emenda à constituição que pretenda abolir ou
relativizar: I - a forma federativa de Estado; II
- o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV
- os direitos e garantias individuais.
Quer
parecer, neste momento, que a “PEC do (des)equilíbrio
entre os poderes” é vedada pelo art. 60, § 4º, III da CF/88. A separação de poderes é uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal.
[1] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 26ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 130/132.
[2] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 341/343.
[3] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros. 2008, p. 106; 430/431.
[4] BRANCO. Elcir Castello. Teoria geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 148; 150/151; 158.
[5] MAIOLINO, Eurico Zecchin. Poder de reforma constitucional: limitações. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 137/138; 155.