quarta-feira, 2 de março de 2011

E O QUE NÃO ESTÃO FAZENDO COM OS OUTROS SERVIDORES PÚBLICOS?

Não fosse a disputa interna por poder dentro dos órgãos – e por que não dizer da própria – Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o vídeo que registrou a violência cometida por agentes da Corregedoria da Polícia Civil contra uma escrivã do 25º Distrito Policial da Capital jamais teria chegado ao conhecimento da sociedade brasileira e internacional.

Ora, se estão fazendo essas atrocidades com uma escrivã de polícia, o que não se está a fazer com funcionários públicos desacostumados com os meandros da lei e igualmente sujeitos ao poderes investigativos das comissões processantes e censor das autoridades públicas?

Mas o episódio nos leva a uma profunda reflexão, e deixa a todos os que são agentes do poder estatal – ou aos que de alguma forma a eles estão sujeitos -, uma valiosa lição: o limite é sempre a Constituição!

Há uma relação de semelhança na posição de sujeição daquela escrivã e a de todos os demais servidores públicos estaduais de São Paulo. Estão, uma e os outros, submetidos a leis editadas décadas antes da Constituição Federal, que é de 1988. A escrivã estava submetida à Lei Orgânica da Policia Civil do Estado de São Paulo, que é de 1978; os demais servidores estatutários estão submetidos ao Estatuto dos Funcionários Públicos Civis, de 1968 (alguns estatutos municipais também são anteriores à CF/88). Mas acima dessas leis está a Constituição Federal, que é posterior a ambas, mas é a lei das leis.

E não se pode jamais perder de vista que a CRFB/1988 estabelece como um dos fundamentos do Estado, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), tem como um dos seus objetivos fundamentais, a constituição de uma sociedade justa (art. 3º, I) e estabelece dentre as garantias fundamentais e os direitos individuais (art. 5º) os princípios da legalidade (inciso II); do direito de resposta proporcional ao agravo e a indenização por danos matérias ou morais (inciso V); da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurada a indenização por danos decorrentes da violação (inciso X); da inviolabilidade do domicílio, das comunicações e das correspondências (incisos XI e XII); o direito de receber informações de seu interesse e manifestar-se perante dos órgãos e agentes públicos (incisos XXXIII e XXXIV); o direito de recorrer ao Poder Judiciário (inciso XXXV); a proibição de juízos ou tribunais somente para avaliar um caso específico (inciso XXXVII); a proibição de criação de crimes e de penas a não ser por meio da lei, que não pode retroagir se não for para beneficiar o acusado (incisos XXXIX e XL); o princípio do devido processo legal e da ampla defesa (incisos LIII e LV); a proibição de provas obtidas por meios e métodos ilícitos (inciso LIVI); o direito à presunção de inocência (inciso LVII); e a proibição de sigilo de processos, a não ser para a preservação da intimidade dos envolvidos ou o do interesse social (inciso LX).

Além do mais, a administração pública – que age por intermédio de seus agentes – deve fiel observância aos princípios estabelecidos nos artigos 37 e 93, X da CF, que são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e dever motivação.

Mas quantos e quantos não são os casos de processos disciplinares iniciados por desavenças e questões pessoais (desrespeito à legalidade e ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade), que correm à revelia do acusado (afronta à legalidade e ao princípio da publicidade) e que acabam por impor sanções/penalidades sem que tivesse ocorrida a efetiva participação, a plena e a ampla defesa (desrespeito à publicidade, cerceamento de defesa e “condenação” sem o devido processo legal) do servidor prejudicado, com decisões fundamentadas em razões e objetivos estranhos ao interesse público (remoções por “interesse do serviço público”, quando a razão encoberta é a antipatia nutrida por chefias ou colegas mais políticos)?

A lição que fica é que os fins não justificam os meios; a verdade real sempre deve ser perseguida por aquele que tenha a competência de decidir ou de rever decisões, pouco importando as provas “fabricadas” e a roupagem que elas apresentem; há de prevalecer a legalidade, a moralidade, a impessoalidade e o interesse realmente público. Em todos os casos, o limite será sempre a Constituição!

* O título é uma reprodução da ideia contida no título do artigo “O que não estarão fazendo contra os pobres?” de Thiago Gomes Anastácio, disponível em http://www.conjur.com.br/2011-fev-25/despiram-escrivao-nao-estarao-fazendo-pobres, acessado em 25/02/2011.
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