PRODUÇÃO PARLAMENTAR: ATIVIDADE LEGISLATIVA DEVE SER EFICIENTE, EFICAZ E CONFORME A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Não são poucos os projetos de lei apresentados em câmaras municipais e assembleias legislativas que, se convertidos em leis, em uma análise superficial, têm grande probabilidade de serem consideradas leis inconstitucionais. A quantidade de propostas legislativas aumenta à medida em que se aproximam as eleições.
Desde 27/05/2022 tramita na Assembleia Legislativa do Estado do São Paulo (ALESP) o Projeto de Lei Complementar (PLC) de nº35/2022. Este PLC autoriza o Poder Executivo (Governador do Estado de São Paulo) a "transformar em Agente Policial os cargos ocupados pelos funcionários administrativos pertencentes ao Quadro da Segurança Pública." Grifamos e sublinhamos.
Interessante notar que, em vez de imediatamente transformar os referidos “cargos ocupados pelos funcionários administrativos” em cargos de Agente Policial, o PLC nº 35/2022 tão e somente autoriza o Poder Executivo a fazer esta transformação. Qual objetivo dessa autorização? Por qual razão a ementa (resumo) do PLC não reproduz o mesmo conteúdo normativo do PLC nº 35//2022? A ementa afirma que o PLC nº 35/2022 "Dispõe sobre a transformação dos Cargos Administrativos da Secretaria de Segurança Pública em Agente Policial, ambos pertencentes ao Quadro de funcionários da Secretaria de Segurança Pública do Estado."
Em nosso modesto entendimento não
haveria a mínima necessidade de um Projeto de Lei Complementar (lei
hierarquicamente inferior à Constituição do Estado) autorizar o Chefe
do Poder Executivo, porque ao Governador do Estado compete privativamente
iniciar o processo legislativo sobre o tema do PLC nº 35/2022. É a
chamada iniciativa legislativa
privativa, contida no art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição do Estado
de São Paulo. Vejamos:
“Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a
qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao
Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a
iniciativa das leis que disponham
sobre:
1 - criação
e extinção de cargos,
funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a
fixação da respectiva remuneração;
(...)
4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (NR)”
E esta competência privativa do
Governador de Estado, mesmo antes da promulgação da Constituição do Estado
de São Paulo (05/10/1989), já era analisada, julgada e pacificada pelo STF,
conforme decisão do ano de 1987:
“REPRESENTAÇÃO. ARGÜIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 4º, 5º, 6º E 7º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 317, DE 09.03.83, DO ESTADO DE SÃO PAULO, REFERENTES
A TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS PUBLICOS
E OUTRAS PROVIDENCIAS. MATÉRIA DA INICIATIVA
PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. OFERECIMENTO DE EMENDAS NA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, QUE IMPORTARAM EM AUMENTO DA DESPESA PÚBLICA, PREVISTA
NO PROJETO. A SANÇÃO APOSTA A LEI PELO ENTÃO GOVERNADOR NÃO SANA O VÍCIO.
PROCEDENCIA DA REPRESENTAÇÃO, POR OFENSA AO ART. 57, INCS. II E V, PARAGRAFO
ÚNICO, LETRA A, COMBINADO COM O ART. 13, INC. III, DA LEI MAGNA.
(Rp 1278, Relator(a): DJACI FALCAO, Tribunal Pleno, julgado em 02/09/1987, DJ 09-10-1987 PP-21775 EMENT VOL-01477-01 PP-00036)
Mais recentemente, no ano de 2019, o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo analisou situação envolvendo a
criação de vagas de empregos públicos na USP. A criação destas vagas deu-se por ato infralegal (Resolução) produzido
por agente diverso do Chefe do Executivo (Reitor da USP). A decisão, de modo resumido, demarca e reafirma a competência do Chefe do Executo para dispor sobre o assunto:
“APELAÇÃO CÍVEL – ANULATÓRIA –
Contratação de servidores pela Universidade de São Paulo – Decisão do Tribunal
de Contas do Estado determinando a rescisão dos contratos, dada a criação de
vagas por intermédio de Resolução do Magnífico Reitor – Empregos públicos que
só podem ser criados por lei em sentido estrito – Exegese do artigo 24, §2º, 1,
da Constituição do Estado de São Paulo – Mesmo diante da realização de concurso
público, o preenchimento das vagas atinentes a empregos públicos criados por
Resolução da Universidade, na atual ordem constitucional vigente, não se mostra
viável – Decisão do Tribunal de Contas do Estado escorreita – Reexame
necessário e recurso voluntário providos.”
(TJSP; Apelação Cível
1030850-36.2015.8.26.0053; Relator (a): Osvaldo de Oliveira; Órgão
Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda
Pública/Acidentes - 1ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento:
13/03/2019; Data de Registro: 27/03/2019)
Do STF - e já sob a regência da Constituição Federal
de 1988 (e Constituição do Estado de 1989) - citamos um julgado de 1997 destacando a iniciativa
privativa do Chefe do Executivo para dispor de certas matérias:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA LIMINAR. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. COMPETÊNCIA DO GOVERNADOR PARA
INICIATIVA DE PROJETO DE LEI. ARTIGO 63, I, DA CF. É de observância
compulsória pelos Estados-membros as linhas básicas do modelo federal do
processo legislativo, especialmente no tocante ao artigo 63, I, da CF. Liminar
deferida.”
(ADI 1594 MC, Relator(a): NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/1997, DJ 29-08-1997 PP-40215 EMENT VOL-01880-01 PP-00057)
Mas supondo que o PLC nº 35/2022 jamais tenha pretendido autorizar aquilo que Constituição Federal e a Constituição Estadual já
atribuem ser responsabilidade
exclusiva do Governador do Estado, também é possível imaginar que
o Projeto de Lei Complementar nº 35/2022 esteja tentando contornar algo que há tempos é
considerado inconstitucional pelo STF: trata-se do provimento
derivado de cargos, empregos e funções públicas. Em 2001 o Ministro Celso de Mello relatou
importante decisão que se aplica, sob medida, ao conteúdo do PLC nº 35/2022:
“E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PRECEITO NORMATIVO, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE, ALÉM DE
IMPLICAR AUMENTO DA DESPESA PÚBLICA, TAMBÉM INTERVÉM NO REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES PÚBLICOS VINCULADOS AO
PODER EXECUTIVO – USURPAÇÃO
DO PODER DE INICIATIVA RESERVADO AO GOVERNADOR DO ESTADO –
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – PROVIMENTO DERIVADO – ASCENSÃO E “ENQUADRAMENTO”
– INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL –
OFENSA AO ARTIGO 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA
DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO – CONTEÚDO
MATERIAL DA NORMA LEGAL IMPUGNADA (ART. 70 DA LEI Nº 6.161/2000) QUE,
AO TORNAR SEM EFEITO ATOS ADMINISTRATIVOS EDITADOS PELO GOVERNADOR DO ESTADO,
FEZ INSTAURAR SITUAÇÃO FUNCIONAL INCOMPATÍVEL COM O PRINCÍPIO DO CONCURSO
PÚBLICO – IMPOSSIBILIDADE – OFENSA
AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DO CONCURSO PÚBLICO, DA SEPARAÇÃO DE PODERES E
DA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO – MEDIDA CAUTELAR ANTERIORMENTE DEFERIDA
PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE – REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO TEMA – PRECEDENTES – PARECER DA
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO LEGAL
QUESTIONADO – AÇÃO DIRETA JULGADA
PROCEDENTE. PROCESSO LEGISLATIVO E INICIATIVA RESERVADA DAS LEIS – O desrespeito à prerrogativa de iniciar o
processo legislativo, que resulte da usurpação de poder sujeito à cláusula de
reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência
reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de
modo irremissível, a própria integridade do diploma legislativo eventualmente
editado. Situação ocorrente na espécie, em que o diploma legislativo
estadual, de iniciativa parlamentar, incidiu
em domínio constitucionalmente reservado à atuação do Chefe do Poder Executivo:
regime jurídico dos servidores públicos e aumento da despesa pública (RTJ
101/929 – RTJ 132/1059 – RTJ 170/383, v.g.). A usurpação da prerrogativa de instaurar o processo legislativo, por
iniciativa parlamentar, qualifica-se como ato destituído de qualquer eficácia
jurídica, contaminando, por efeito de repercussão causal prospectiva, a
própria validade constitucional da norma que dele resulte. Precedentes.
Doutrina. Nem mesmo eventual
aquiescência do Chefe do Poder Executivo mediante sanção, expressa ou tácita,
do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, tem o condão
de sanar esse defeito jurídico radical. Insubsistência da Súmula nº
5/STF (formulada sob a égide da Constituição de 1946), em virtude da
superveniente promulgação da Constituição Federal de 1988. Doutrina.
Precedentes. SIGNIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES
PÚBLICOS (CIVIS E MILITARES) – A locução constitucional ‘regime jurídico dos
servidores públicos’ corresponde ao conjunto
de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou
contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Nessa matéria, o
processo de formação das leis está sujeito, quanto à sua válida instauração,
por efeito de expressa reserva constitucional, à exclusiva iniciativa do Chefe
do Poder Executivo. Precedentes. O CONCURSO
PÚBLICO REPRESENTA GARANTIA CONCRETIZADORA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE –
O respeito efetivo à exigência de prévia
aprovação em concurso público qualifica-se, constitucionalmente, como paradigma
de legitimação ético-jurídica da investidura de qualquer cidadão em cargos,
funções ou empregos públicos, ressalvadas as hipóteses de nomeação para
cargos em comissão (CF, art. 37, II). A razão subjacente ao postulado do
concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir
efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática
inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar
tratamento discriminatório e arbitrário a outros. Precedentes. Doutrina. RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE
PODERES – O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder
Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência
político-administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o
Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos
emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo,
sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes,
desconstituir, por ato legislativo, atos de caráter administrativo que tenham
sido editados pelo Poder Executivo no estrito desempenho de suas privativas
atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada,
subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional
do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e
importa em atuação “ultra vires” do Poder Legislativo, que não pode, em sua
condição político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de
suas prerrogativas institucionais.
(ADI
2364, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 17/10/2018,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG
06-03-2019 PUBLIC 07-03-2019)
E em 2018, mantendo a coerência
decisória, o mesmo Ministro Celso de Mello, reafirmou a competência privativa do Governador de Estado. No caso, decidiu-se especificamente sobre lei que “autoriza o Poder Executivo” a
tratar de tema da alçada privativa do Governador de Estado:
“E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 1.595/2011
EDITADA PELO ESTADO DO AMAPÁ – DIPLOMA
LEGISLATIVO DE CARÁTER AUTORIZATIVO QUE, EMBORA VEICULADOR DE MATÉRIAS
SUBMETIDAS, EM TEMA DE PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS LEIS, AO EXCLUSIVO PODER DE
INSTAURAÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO, RESULTOU, NÃO OBSTANTE, DE INICIATIVA
PARLAMENTAR – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – REGIME JURÍDICO – REMUNERAÇÃO – LEI ESTADUAL QUE “AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A REALINHAR O
SUBSÍDIO DOS SERVIDORES AGENTES E OFICIAIS DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO AMAPÁ”
– USURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA
RESERVADO AO GOVERNADOR DO ESTADO – OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
DA SEPARAÇÃO DE PODERES – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL –
REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
CONSOLIDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – PRECEDENTES – PARECER DA
PROCURADORIA- -GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE – AÇÃO DIRETA
JULGADA PROCEDENTE. PROCESSO
LEGISLATIVO E INICIATIVA RESERVADA DAS LEIS – O desrespeito à
prerrogativa de iniciar o processo legislativo, que resulte da usurpação de
poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade
inquestionável, cuja ocorrência reflete típica
hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo
irremissível, a própria integridade do diploma legislativo eventualmente
editado, ainda que este meramente autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor
sobre remuneração funcional e a intervir no regime jurídico dos agentes
públicos. Situação ocorrente na espécie, em que o diploma legislativo estadual, de iniciativa parlamentar, incidiu em
domínio constitucionalmente reservado à atuação do Chefe do Poder Executivo:
regime jurídico dos servidores públicos e disciplina da remuneração funcional,
com consequente aumento da despesa pública (RTJ 101/929 – RTJ 132/1059 – RTJ
170/383, v.g.). A usurpação da
prerrogativa de instaurar o processo legislativo, por iniciativa parlamentar,
mesmo que se cuide de simples autorização dada ao Governador do Estado para
dispor sobre remuneração de servidores públicos locais e de, assim, tratar de
matéria própria do regime jurídico dos agentes estatais, qualifica-se como ato
destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de
repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da norma que
dele resulte. Precedentes. Doutrina. Nem
mesmo eventual aquiescência do Chefe do Poder Executivo mediante sanção,
expressa ou tácita, do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa
usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical.
Insubsistência da Súmula nº 5/STF (formulada sob a égide da Constituição de
1946), em virtude da superveniente promulgação da Constituição Federal de 1988.
Doutrina. Precedentes. SIGNIFICAÇÃO CONSTITUCIONAL DO REGIME JURÍDICO DOS
SERVIDORES PÚBLICOS (CIVIS E MILITARES) – A locução constitucional “regime
jurídico dos servidores públicos” corresponde ao conjunto de normas que
disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais,
mantidas pelo Estado com os seus agentes. Nessa matéria, o processo de formação
das leis está sujeito, quanto à sua válida instauração, por efeito de expressa
reserva constitucional, à exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedentes. ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO
CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – O Advogado-Geral da União – que, em
princípio, atua como curador da presunção de constitucionalidade do ato
impugnado (RTJ 131/470 – RTJ 131/958 – RTJ 170/801-802, v.g.) – não está
obrigado a defender o diploma estatal, se este veicular conteúdo normativo já
declarado incompatível com a Constituição da República pelo Supremo Tribunal
Federal em julgamentos proferidos no exercício de sua jurisdição
constitucional. Precedentes.
(ADI
4724, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2018,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG
27-08-2018 PUBLIC 28-08-2018)
E especificamente sobre o provimento derivado resultante da transformação de cargos pré-existentes em novos cargos públicos, voto da Ministra Rosa Weber no ano de 2020, no STF, de modo elucidativo esclareceu o seguinte:
“EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO
ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS.
LEI COMPLEMENTAR N. 1.260/15 DO
ESTADO DE SÃO PAULO. TRANSFORMAÇÃO
E EXTINÇÃO DO CARGO DE AGENTE ADMINISTRATIVO JUDICIÁRIO EM ESCREVENTE TÉCNICO
JUDICIÁRIO. PROVIMENTO
DERIVADO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ARTIGO 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –
NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE. JURISPRUDÊNCIA
CONSOLIDADA DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE IMPEDE ASCENSÃO, TRANSFERÊNCIA,
ENQUADRAMENTO, MUDANÇA OU TRANSFORMAÇÃO EM OUTRO CARGO. SÚMULA
VINCULANTE Nº 43 DESTA CORTE. PROCEDÊNCIA. 1. Alegação de inconstitucionalidade
material da Lei Complementar 1.260/15 do Estado de São Paulo, que dispõe sobre a transformação e extinção
do cargo de Agente Administrativo Judiciário em Escrevente Técnico Judiciário,
ambos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Uma vez aprovado
em concurso e investido no cargo de
Agente Administrativo Judiciário é vedado ao servidor galgar outro cargo – o de
Escrevente Técnico Judiciário – sem a realização de prévio concurso público.
Situação caracterizadora de
transposição ou reenquadramento de cargos sem concurso público. A Lei
Complementar 1.260/15 do Estado de São Paulo realizou provimento derivado. Inconstitucionalidade por afronta à
exigência da prévia aprovação em concurso público para investidura em cargo
público (art. 37, II, da Lei Maior) e ao princípio da igualdade (art. 5º,
caput, da Constituição da República). Incidência da jurisprudência consolidada
deste Supremo Tribunal Federal e da Súmula Vinculante nº 43. 2. Pedido da ação
direta julgado procedente.”
(ADI
5817, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-117 DIVULG
11-05-2020 PUBLIC 12-05-2020)
A respeito da necessidade de
observância da Súmula Vinculante (nº 43), cabe aqui citar o mandamento
constitucional contido no art. 103-A, da CF/88:
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas
decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em
lei.
§
1º A súmula terá por objetivo a
validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais
haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante
multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§
3º Do ato administrativo ou decisão
judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar,
caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, anulará o ato
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra
seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
A Súmula Vinculante é decisão judicial que estabelece baliza de observância geral e obrigatória para a elaboração de atos do Estado, sejam estes atos decisões judiciais, atos administrativos e/ou atos normativos de qualquer espécie. E a respeito da Súmula Vinculante nº 43, vejamos o seu teor:
“Súmula vinculante 43
Enunciado
É
inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia
aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não
integra a carreira na qual anteriormente investido.”
É bom que se diga que a citada Lei Complementar nº 1.260/15, do Estado de São Paulo, resultou de proposição legislativa do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Esta lei animou servidores públicos e parlamentares estaduais, porque imaginava-se que ali surgia a possibilidade de serem concretizadas demandas antigas e de expressivo número de servidores. De fato, tudo indicava que jamais seria invalidada pelo Poder Judiciário uma lei que interessava ao próprio Judiciário estadual. Mas no STF a iniciativa não prosperou.
Então, principalmente em tempos de eleição, é bom sempre lembrar que na atividade do parlamentar (vereadores, deputados e senadores), quantidade de proposições quase nunca será sinônimo de qualidade.