A INCONSTITUCIONALIDADE DAS ANUIDADES DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o
estabeleça;
(...)
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do
início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (Vide Emenda Constitucional nº 3,
de 1993)
c) antes de decorridos noventa dias da data em que
haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na
alínea b;”
** Comentários do Advogado
Eduardo Figueredo de Oliveira.
O artigo abaixo foi escrito
por Andrei Pitten Velloso, atualmente Juiz Federal da 4ª Região e anteriormente
Procurador da República no estado de São Paulo.
O ensaio é uma verdadeira e
didática aula de teoria do Direito
Tributário. E dizemos teoria, pois
ele encerra uma conclusão baseada em um fenômeno não jurídico, em um fato
social: as anuidades, não obstante a ausência de requisitos legais para a sua
instituição, constituem receitas que permitem a sobrevivência dos Conselhos de Fiscalização
Profissional.
E enquanto não definidos os
contornos sobre a plena exigibilidade das anuidades, ainda é possível
questioná-las em juízo, requerendo a consignação (depósito judicial) dos
valores devidos para evitar seja o profissional considerado um devedor do seu respectivo Conselho.
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"Inconstitucionalidade das
anuidades cobradas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional
05/05/2014 por Andrei Pitten Velloso
As anuidades
exigidas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional são inconstitucionais,
por violarem o princípio da reserva absoluta de lei tributária e, à luz do
entendimento jurisprudencial predominante, são inexigíveis in totum. É o que se demonstrará a seguir.
Ditas anuidades são espécies de contribuições corporativas e, portanto, subespécies do gênero tributo (STF,
Pleno, MS 21.797, rel. Min. Carlos Velloso, 3.2000). Excepciona-se apenas a
anuidade devida à OAB, segundo o questionável entendimento do Superior Tribunal
de Justiça (1ª Seção, EREsp 503.252, rel. Min. Castro Meira, 8.2004).
Por terem
natureza tributária, ostentam a nota da compulsoriedade. São
cobradas independentemente da anuência dos profissionais, em razão do mero
exercício de atividade sujeita a fiscalização. Tal compulsoriedade advém do
fato de a inscrição nos Conselhos ser imposta a todos aqueles que desempenham
atividades sujeitas à sua fiscalização e, ainda que não formalizada, implicar o
nascimento da obrigação jurídica de pagar a anuidade correlata. Tem-se,
portanto, a seguinte sucessão de eventos: (i) exercício de atividade sujeita a
fiscalização de conselho profissional; (ii) inscrição automática; e (iii)
nascimento da obrigação tributária de pagar a anuidade ao ente fiscalizador.
Como todo e qualquer tributo, as anuidades devidas
aos conselhos profissionais estão sujeitas ao princípio da reserva de lei tributária, o qual veda à União, ao
Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios “exigir ou aumentar tributo sem
lei que o estabeleça” (art. 150, I, da CF). Destarte, elas somente
podem ser instituídas ou majoradas mediante lei formal (ou excepcionalmente por
ato normativo com força de lei, como a medida provisória). Todos os atos normativos
infralegais que pretendam fazê-lo, inovando no ordenamento jurídico em
detrimento dos contribuintes, serão juridicamente inválidos, por violarem o
princípio fundamental da estrita legalidade tributária, seja na sua dimensão de
reserva de lei ou de primado da lei impositiva.
Por se tratar
de matéria reservada à lei, não é dado ao legislador abdicar do seu mister
constitucional, delegando o seu poder legiferante ao Executivo ou aos Conselhos
de Fiscalização. Trata-se de competência legislativa, indelegável por
excelência. Essa é a pacífica orientação da jurisprudência (cfr. STF, 2ª Turma,
RE 613.799 AgR, rel. Min. Celso de Mello, 5.2011), que deverá ser reafirmada em
breve pelo Pretório Excelso ao julgar o RE 641.243, cuja repercussão geral foi
reconhecida em abril de 2012.
À luz dessas
premissas, denota-se a inconstitucionalidade:
i) da Lei 6.994/1982, que veio a dispor sobre a fixação
das anuidades devidas aos conselhos de fiscalização profissional
e determinou que elas seriam estabelecidas pelo “respectivo órgão
federal”, dentro dos limites máximos que fixou em seu art. 1º, § 1º, de duas
vezes o Maior Valor de Referência - MVR - vigente no País para as pessoas
físicas (alínea a) e de duas a dez vezes tal valor
para as pessoas jurídicas, de acordo com o seu capital social (alínea b);
ii) da Lei 11.000/2004, cujo artigo 2º autorizou
expressamente os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a
“fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas
ou jurídicas, bem como as multas e os preços de serviços, relacionados com suas
atribuições legais”; e
iii) da Lei 12.514/2011, que veiculou importantes mudanças
no regime jurídico das contribuições devidas aos conselhos profissionais,
aparentemente com o louvável objetivo de superar a ausência de lei a regular a
sua regra-matriz de incidência (hipótese de incidência, contribuintes, base de
cálculo e alíquotas). Porém, tal objetivo não foi alcançado, visto que a
delegação inconstitucional persistiu: apesar de a Lei 12.514/11 ter fixado, nos
incisos do seu art. 6º, valores específicos para as anuidades e ter indicado um
índice específico para atualizá-los (o INPC), prevaleceu o hábito de
vilipendiar o princípio da legalidade tributária, refletido na autorização
expressa para que os conselhos federais fixem “o valor exato da anuidade”, bem
como estabeleçam descontos para profissionais recém-inscritos e para pagamento
antecipado (art. 6º, § 2º). Ora, se o “valor exato” será fixado pelos conselhos
federais, é porque não o foi pela lei. E se a lei delegou aos conselhos o poder
de estabelecer o quantum da contribuição, é
evidente que ela incorreu no vício maior, por afronta direta ao princípio
constitucional da reserva absoluta de lei tributária (art. 150, I, da Carta da
República).
A despeito
da inconstitucionalidade desses diplomas legislativos, os Tribunais entendiam
ser possível cobrar as anuidades nos termos da Lei 6.994/1982, que, como dito,
estipulou tetos para as anuidades devidas aos Conselhos de Fiscalização
Profissional de duas vezes o Maior Valor de Referência - MVR - vigente no País
para as pessoas físicas (alínea a) e de duas a dez
vezes tal valor para as pessoas jurídicas, de acordo com o seu capital social
(alínea b).
Porém, como
o MVR foi extinto pela Lei 8.177/1991, discutiam-se os critérios de atualização
do valor das anuidades, prevalecendo o entendimento de que a atualização
deveria ocorrer da seguinte forma: i) conversão do MVR de fevereiro de 1991 em
cruzeiros, sendo o resultado multiplicado por dois, em ordem a obter-se o valor
de 2 MVRs em cruzeiros, nos termos da Lei 8.177/1991; ii) conversão do valor
das anuidades, expresso em cruzeiros, em UFIR, mediante a divisão
por 126,8621, preconizada pelo art. 3º, II, da Lei 8.383/91, chegando-se a
um valor de pouco mais de trinta UFIRs; e iii) atualização pelo IPCA-E após a
extinção da UFIR.
Ocorre que
passou a prevalecer o entendimento de que a Lei 6.994/1982 foi ab-rogada pelas
disposições finais do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/1994), mais
precisamente pelo seu artigo 87, redigido nestes termos: “Revogam-se as
disposições em contrário, especialmente [...] a Lei nº 6.994, de 26 de maio de
1982 [...]”.
Entendo que,
corretamente interpretado, o artigo 87 do Estatuto da Advocacia e da OAB
derrogou, e não ab-rogou a Lei 6.994/1982. Revogou-a no que concerne às
anuidades devidas à OAB, mas não às devidas aos outros conselhos. Porém, esse
não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para quem a Lei
6.994/1982 foi ab-rogada, não vigorando mais no nosso ordenamento jurídico
(cfr. 1ª Turma, REsp 1.032.814, Rel. Ministro Luiz Fux, 10/2009).
Por força
desse entendimento, que está sendo seguido e imposto pela Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU – às Turmas Recursais de
todo o país (PEDILEF nº 2010.71.54.002862-7, Relator Juiz Federal Paulo Arena,
28/09/2012), resulta que as anuidades não podem ser
cobradas em valor algum, por falta de supedâneo legal (5ª Turma
Recursal do RS, processo nº 5033313-98.2013.404.7100, julgado em 27 de março de
2014).
Resta
acompanhar o desenrolar desse imbróglio jurídico. Há decisões divergentes,
sobretudo no âmbito dos Tribunais Regionais Federais. E não seria surpreendente
uma reviravolta jurisprudencial a favor dos Conselhos, não por razões
propriamente jurídicas, mas simplesmente porque as anuidades são a sua
principal fonte de receita."
Fonte: Jornal Carta
Forense, mai./2014.