Mostrando postagens com marcador deficiente. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador deficiente. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

SPTRANS É OBRIGADA FORNECER BILHETE ÚNICO GRATUITO A PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR.

Em decisão recente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assegurou a uma munícipe portadora de visão monocular o direito à gratuidade no transporte público municipal (ônibus), benefício que vinha sendo negado pela SPTRANS desde o ano de 2017. Esta decisão, além de assegurar a gratuidade nos ônibus, certamente também embasará futuro pedido de gratuidade para o transporte por trilhos (metrô e trens metropolitanos).

Resumo do caso: uma cidadã portadora de CID 10 H54.4 (cegueira em um dos olhos) e H40.3 requereu à SPTRANS a concessão do Bilhete Único Gratuito para Portadores de Deficiência. Apresentou laudo médico e demais documentos médicos que comprovavam a sua enfermidade ocular. A gratuidade foi negada administrativamente pela SPTRANS, alegando que:

“Para a concessão do benefício da gratuidade no transporte público do Município, a pessoa que apresente deficiência física, visual, auditiva  ou mental (intelectual, temporária ou permanente, deve atender aos requisitos previstos na legislação municipal (Lei nº 11.250/92, Lei nº 14.988/09 e Portaria Interministerial SMT/SMS nº 001/11, de 2 de dezembro de 2011). (...) Esclarecemos ainda que, seu benefício pode ter sido indeferido (negado) porque, apesar da existência de sequela, foi indicada outra CID. Para concessão do benefício é necessário que o Relatório Médico conste CID da sequela, que deverá fazer parte do rol das patologias que podem ser caracterizadas como deficiência e, também, deverão constar as limitações estabelecidas pelo Anexo I, da Portaria supracitada.”

 

Foi ajuizada uma ação judicial fundamentada, em síntese, nos seguintes argumentos: a deficiência está devidamente documentada em laudo médico, além de haver constatado outros problemas relacionados à visão, que poderão evoluir; garantia constitucional da dignidade da pessoa humana e assistência integral à saúde; especial proteção do direito à saúde das pessoas portadoras de deficiência; visão monocular expressamente reconhecida como uma deficiência pela Lei nº 14.481/2011; política de inclusão social e reabilitação, nos termos da Lei Municipal nº 11.250/92, lei esta que autorizou a Prefeitura a conceder gratuidade no transporte público para os portadores de deficiência; preceitos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de Nova Iorque; direito fundamental à cidade, na forma do Estatuto da Cidade.

 

Houve um pedido de “liminar”, que foi negado em primeira instância. Posteriormente, a segunda instância concedeu a medida liminar, obrigando a SPTRANS a fornecer a gratuidade até sentença final. A SPTRANS defendeu-se no processo e recorreu da concessão da “liminar”. A sentença de primeira instância, de setembro de 2022 julgou improcedente a questão, em prejuízo da portadora de visão monocular. Houve um novo recurso para a segunda instância, em que o Tribunal de Justiça afirmou:

“(...) Pessoa portadora de ‘Visão Monocular’ (CID 10 H54.4) e ‘Glaucoma’ (CID 10 H40.3). (...) Embora não constem da Portaria Intersecretarial SMT/SMS nº 001/11 as enfermidades que acometem a autora, a Lei Municipal nº 14.988/09, que traça os parâmetros da referida isenção, determina a atualização da listagem de doenças conforme a Classificação Internacional de Doenças CID, não sendo, portanto, taxativa. E, sendo a ‘visão monocular’ considerada como deficiência física para fins de reserva de vagas em concurso público a seus portadores (Súmula nº 377 do STJ), não é desarrazoado que esse ‘status’ seja considerado para outras finalidades. Laudo pericial que atesta ser a apelante portadora de ‘visão monocular’ e ‘glaucoma’, condições que certamente lhe trazem consideráveis embaraços e dificuldades sensoriais, as quais podem impedir sua participação plena e efetiva no meio social, em igualdade de condições com os demais. Aplicação do art. 9º, 1, ‘a’, da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas. Precedentes. Sentença reformada. Recurso provido.”
(TJSP;  Apelação Cível 1059893-47.2017.8.26.0053; Relator (a): Aroldo Viotti; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 07/02/2023; Data de Registro: 07/02/2023)

 

Em fundamentação complementar o Tribunal de Justiça ponderou que:

“As doenças referidas não estão em princípio inseridas no rol de
enfermidades que ensejam a seus portadores a isenção tarifária no transporte público, previsto no anexo I da Portaria Intersecretarial SMT/SMS nº 001/11.

No entanto, a própria Lei Municipal nº 14.988/09 determina seja referida
listagem atualizada conforme a Classificação Internacional de Doenças CID, de modo que não é taxativa
. E isto é tão mais verdadeiro a se ter em conta que a Lei Estadual nº 14.481/2011 e a Lei Federal nº 14.216/2021 classificam a visão monocular como deficiência visual. Destaca-se, ainda, que a ‘visão monocular’ é considerada como deficiência física para fins de reserva de vagas em concurso público a seus portadores (Súmula nº 377 do STJ), não sendo desarrazoado que esse ‘status’ seja considerado para outras finalidades.”

 

Portanto, considerou-se que é obrigação da municipalidade, da SPTRANS realizar a atualização da lista de enfermidades caracterizadoras de deficiências (e a SPTRANS não procedeu com a atualização). Ainda, que desde 2011 a visão monocular é caracterizada como deficiência para fins de reserva de vagas em concursos públicos, não havendo justificativa para negar a concessão de gratuidade. Citou diversas decisões do ano de 2022, que asseguraram o mesmo direito.

Enfim, decisão muito importante, que poderá fundamentar até mesmo o pedido de gratuidade para o transporte sobre trilhos.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

ISENÇÃO DE IPVA E ICMS PARA A AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS POR PORTADORES DE DEFICIÊNCIA PARA SER CONDUZIDO POR TECEIROS

TRIBUTÁRIO. ICMS E IPVA INCIDENTES SOBRE VEÍCULO. PESSOA PORTADORA DE PARALISIA CEREBRAL ESPÁSTICA E DEFICIÊNCIA VISUAL. ISENÇÃO CONCEDIDA.
Deve ser reconhecida a isenção de ICMS e IPVA incidentes sobre veículo a ser adquirido por pessoa portadora de paralisia cerebral espástica e deficiência visual, na forma do art. 55, inciso I, alínea “c”, da Lei nº 8.820/89 e do art. 9º, inciso XL, nota 02, do Decreto 37.699/97, no que diz com a isenção do ICMS, e art. 4º, inciso VI, da Lei nº 8.115/85, no que tange à isenção do IPVA, cumprindo anotar que o fato do veículo ser dirigido por terceira pessoa não impede a concessão do benefício, mesmo inocorrente qualquer adaptação, por inexistir alguma restrição legal, além de buscar o legislador a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência física.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover a apelação.
Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH E DES. MARCO AURÉLIO HEINZ.
Porto Alegre, 06 de abril de 2011.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA,
Presidente e Relator.

RELATÓRIO
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E RELATOR): – ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL apela da sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação movida por JULIANO LUÍS OSMARINI.
Nas razões recursais, assevera que a isenção quanto ao ICMS não foi reconhecida pelo Estado em razão da ausência de previsão legal para tanto, uma vez inexistente notícia de que o veículo possua as adaptações necessárias ao uso do autor, encontrando amparo, ainda, nas condições estabelecidas pelo regulamento do tributo. Em relação à negativa quanto ao IPVA, afirma justificar-se pelo descumprimento do disposto na Lei n.º 8.115/85 e Decreto n.º 32.144/85, lembrando, outrossim, a regra do artigo 111, CTN. Postula o provimento do recurso.
Em contrarrazões, o autor sustenta que, embora não tenha condições de ser o condutor, sua locomoção será facilitada em decorrência da aquisição do veículo, ressaltando que a adequação deste só pode ser exigida quando a condição física do deficiente assim permitir. Pugna pela manutenção da sentença.
O Ministério Público manifesta-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTOS
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA (PRESIDENTE E RELATOR) – A matéria é conhecida.
In casu, Juliano Luís Osmarini é portador de paralisia cerebral espástica – CID 10 G 80.0, possuindo, ainda, deficiência visual em ambos os olhos, denominada de visão subnormal – CID 10 H 54.2 (fls. 12-8). Estabelece o artigo 4º, inciso VI, da Lei Estadual nº 8.115/85, ao tratar sobre o IPVA:
Art. 4º - São isentos do imposto:
(...) VI - os deficientes físicos e os paraplégicos, proprietários de veículos automotores, de uso terrestre e de fabricação nacional ou estrangeira, em relação ao veículo adaptado às necessidades de seu proprietário, em razão da deficiência física ou da paraplegia;
De sua vez, quanto ao ICMS, prevê o artigo 55, inciso I, alínea c, da Lei Estadual nº 8.820/89:
Art. 55 - Estão isentas, nos termos e condições discriminados neste artigo:
I - as saídas de: (...) c) os veículos automotores, de uso terrestre e de fabricação nacional ou estrangeira, adaptados às necessidades de seus adquirentes, em razão de deficiência física ou paraplegia, desde que respeitadas as condições previstas em regulamento;
Na forma da legislação supracitada, deve-se conceder isenção no pagamento de IPVA aos deficientes físicos e aos paraplégicos proprietários de veículos automotores, de uso terrestre e de fabricação nacional ou estrangeira, nas hipóteses em que se mostrar necessária a adaptação do veículo para supressão da debilidade existente em razão da deficiência física ou da paraplegia de seu proprietário, viabilizando sua utilização.
Da mesma forma, os deficientes físicos e os paraplégicos possuem isenção de ICMS na aquisição desses veículos automotores adaptados as suas necessidades decorrentes da deficiência física.
Em suma, a regra está em que a isenção alcance apenas o proprietário do veículo (art. 4º, VI, Lei Estadual nº 8.115/85, acrescido pela Lei nº 10.869/96, consolidado no art. 89 e parágrafo único da Lei Estadual nº 13.320/09), para seu deslocamento, cogitando, por isso, na adequação prática da isenção, de ser adaptado às suas necessidades em razão da deficiência física ou da paraplegia (art. 4º, VI, e seu § 9º, Decreto Estadual nº 32.144/85), razão pela qual há de contar ele com habilitação para dirigi-lo.
Em outras palavras, a normatividade expressa prevê a hipótese em que o deficiente ou paraplégico tenha condições de dirigir.
Mas, a indagação que se põe está em quando a deficiência ou a paraplegia for de molde a não possibilitar que seu portador possa fazê-lo. Ou seja, quando o grau de deficiência for maior relativamente aquele, em princípio, cogitado pelo legislador.
Numa sociedade em que cada vez mais se depende do automóvel e quanto àqueles para quem o transporte público é mais do que uma impossibilidade, ainda que a lei imponha condições especiais de acesso (art. 34, Lei Estadual nº 13.320/09), assim como óbvia a impossibilidade financeira de arcarem com o transporte que tenham que pagar, cumpre definir se não são alcançados pela isenção prevista pelo legislador quanto à hipótese mais correntia para a sua criação.
Na hipótese em apreço, em função das deficiências de que é portador, o autor precisa que terceira pessoa dirija o veículo, circunstância esta que não pode ser empecilho para que ocorra a isenção tributária prevista em lei.
O fato de o veículo ser dirigido por terceira pessoa que não o portador da deficiência não é óbice para a concessão da isenção prevista pela legislação, tendo em vista, inclusive, não ter sido este o seu objetivo, pois buscou o legislador a inclusão social dos portadores de deficiências, com a facilitação para a aquisição de veículo para sua locomoção, mesmo, repito, que seja dirigido por terceiro.
Está demonstrada a gravidade das deficiências do autor, que o deixaram incapacitado de forma irreversível para conduzir o veículo e deslocar-se, sendo óbvia a necessidade da aquisição, inclusive para fins médicos.
Ressalto, ainda, inexistir alguma restrição legal para a concessão da isenção no caso em tela, não importando se o veículo será dirigido pelo próprio deficiente ou por pessoa por ele escolhida.
Neste sentido a jurisprudência:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO. ISENÇÃO. IPVA E ICMS. DEFICIENTE FÍSICO. VEÍCULO A SER CONDUZIDO POR TERCEIRO. BENEFÍCIO ADMITIDO.
Mesmo que a legislação estadual restrinja a isenção do ICMS e IPVA aos veículos automotores adaptados às necessidades do adquirente, em razão de deficiência física ou paraplegia (Decreto nº 37.699/97, art. 9º, XI, e Lei nº 8.115/85, art. 4º, VI), a proteção das pessoas portadoras de deficiências não se limita somente a esta hipótese. Hipótese de extensão da isenção aos deficientes físicos que, não podendo utilizar transporte público, e nem dirigir seu próprio veículo, adquirirem o bem (veículo automotor) em nome e para uso próprios, mas para que conduzidos por terceira pessoa. Admissibilidade. RECURSO PROVIDO.
(Apelação Cível Nº 70029466935, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Julgado em 25/11/2009)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. IPVA E ICMS. ISENÇÃO. VEÍCULO AUTOMOTOR. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA.
Não constitui óbice à concessão de isenção de IPVA e ICMS na aquisição de veículo automotor por deficiente físico, o fato de não possuir habilitação de direção. Presença dos requisitos do risco da ineficácia da medida e relevante fundamentação para a concessão de liminar. Entendimento desta Corte. Agravo desprovido.
(Agravo de Instrumento Nº 70028451706, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 08/04/2009).

AGRAVO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO. ICMS E IPVA. PORTADOR DE DOENÇA DE PARKINSON. VEÍCULO AUTOMOTOR.
Devida a isenção ao pagamento de ICMS e IPVA no caso de portador de Doença de Parkinson, restando atendidos os requisitos para o gozo do benefício tributário previsto no Decreto Estadual nº 37.699/97 e nº 32.144/85, não sendo necessário que o beneficiário das isenções dirija o automóvel adquirido, podendo este ser conduzido por terceira pessoa, uma vez que beneficiado o proprietário, ausente afronta ao artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional. Caso concreto em que o impetrante foi considerado inapto definitivo por laudo de Junta Médica do DETRAN. Precedentes do TJRGS. PREQUESTIONAMENTO. A apresentação de questões para fins de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte, mormente porque foram analisadas todas as questões entendidas pertinentes para solucionar a controvérsia. Agravo desprovido por maioria.
(Agravo Nº 70032951311, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 12/11/2009)

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO DE ISENÇÃO DE ICMS E DE IPVA A PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR A SER DIRIGIDO POR TERCEIRO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E AXIOLÓGICA DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS QUE VERSAM SOBRE A ISENÇÃO EM SITUAÇÕES SIMILARES.
1- Afigura-se possível conceder isenção fiscal de ICMS e de IPVA na aquisição de veículo automotor destinado precipuamente ao transporte de pessoa portadora de deficiência física ou mental, ainda que venha a ser dirigido por terceiro.
2- Interpretação extensiva das normas da Lei n. 8.820/89, da Lei n. 8.115/85, do Decreto n. 37.699/97 e do Decreto n. 32.144/85 que deve ser observada, em consonância com as normas constitucionais de proteção aos portadores de deficiência física ou mental. APELAÇÃO DESPROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.
(Apelação e Reexame Necessário Nº 70025656356, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 20/05/2009)

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. ICMS. ISENÇÃO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. DEFICIENTE FÍSICO.
O fato de o veículo ser conduzido por terceira pessoa, que não o portador de deficiência física, não constitui óbice razoável ao gozo da isenção. RECURSO DESPROVIDO, MANTIDA A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO.
(Apelação e Reexame Necessário Nº 70019950302, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 24/10/2007).
Ao votar, perante o 11º Grupo Cível, em situação similar, nos Embargos Infringentes nº 70034583898, assim me pronunciei:
“Por certo, a regra está em que a isenção alcance apenas o proprietário do veículo (art. 4º, VI, Lei Estadual nº 8.115/85, acrescido pela Lei nº 10.869/96, consolidado no art. 89 e parágrafo único da Lei Estadual nº 13.320/09), para seu deslocamento, cogitando, por isso, na adequação prática da isenção, de ser adaptado às suas necessidades em razão da deficiência física ou da paraplegia (art. 4º, VI, e seu § 9º, Decreto Estadual nº 32.144/85) razão pela qual há de contar ele com habilitação para dirigi-lo.
A normatividade expressa prevê a hipótese em que o deficiente ou paraplégico tenha condições de dirigir.
Mas, a indagação que se põe está em quando a deficiência ou a paraplegia for de molde a não possibilitar que seu portador possa fazê-lo. Ou seja, como está no voto do Relator, quando o grau de deficiência for maior relativamente aquele, em princípio, cogitado pelo legislador.
Numa sociedade em que cada vez mais se depende do automóvel e quanto aqueles para quem o transporte público é mais do que uma impossibilidade, ainda que a lei imponha condições especiais de acesso (art. 34, Lei Estadual nº 13.320/09) assim como óbvia a impossibilidade financeira de arcarem com o transporte que tenham que pagar, cumpre definir se não são alcançados pela isenção prevista pelo legislador quanto à hipótese mais correntia para a sua criação.
Sabidamente, a norma isencional propõe interpretação estrita (art. 111, II, CTN), por sobradas razões.
A regra que dispõe sobre isenção é norma de direito estrito, afirma obra clássica (JOSÉ SOUTO MAIOR, “Isenções Tributárias”, p. 107), vedado ao Judiciário ampliar aquilo definido por critério discricionário, fundado em juízo de oportunidade e conveniência, como afirmado e reafirmado pelo STF (RE nº 157.228-SP, PAULO BROSSARD), tendo como fonte normativa usual a lei (ALIOMAR BALEEIRO, “Direito Tributário Brasileiro”, p. 586).

Daí porque, em exímio voto, ter-se situado adequadamente o tema:
“Os magistrados e Tribunais, que não dispõem de função legislativa – considerando o princípio da divisão funcional do poder – não podem conceder, ainda que sob fundamento da isonomia, isenção tributária em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem desse benefício de ordem legal. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional que lhes recusa a própria Lei Fundamental do Estado” (AgRg no AI nº 360.461-MG, CELSO DE MELLO).

A questão, penso, coloca-se em saber exatamente qual a hipótese de incidência da norma isencional, o que lhe é essencial, e aquilo que nela é acessório. Ou seja, os elementos da norma estadual que tenham função puramente instrumental, dando concretude prática ao que visou o art. 4º, VI, Lei Estadual nº 8.115/85, consolidado no art. 89, Lei Estadual nº 13.320/09.
Com a devida vênia, penso estar o núcleo da norma no reconhecimento a deficientes físicos e paraplégicos e proprietário do veículo.
Já as alusões à adaptação do veículo e direção pelo portador de deficiência ou paraplégico consistem em elementos acessórios da norma, cuidando apenas da sua aplicação prática, mas vinculada aqui a evitar que a isenção seja distribuída à larga.
Aliás, a amplitude de tratamento reconhecido aos deficientes pela Lei Estadual nº 13.320/09, consolidando a legislação estadual a respeito, permite a conclusão de ter o legislador estadual estabelecido tutela aos deficientes, preocupando-se, até para não riscar na água ou impedir distorções, de completar dispositivos com normas de alcance prático.
Mas, tal não leva, com a devida vênia, a que disposições trazidas à lei e, substancialmente, com caráter regulamentar, restrinjam o exato alcance da norma estadual.
Não se trata, pois, insisto, de conferir interpretação extensiva, muito menos delirar com integração analógica. Mas, de buscar os exatos imites de incidência da lei estadual.
É de ALFREDO AUGUSTO BECKER, in Teoria Geral do Direito Tributário, n. 33, p. 107, o discurso:
“Não somente a fórmula e a linguagem das regras jurídicas, mas qualquer expressão de linguagem sofre – sempre e necessariamente – deste defeito de insuficiência com relação á idéia que procura exprimir e que, consequentemente, sempre impõe ao interlocutor (intérprete) a exigência de integrar e completar aquela idéia”.

Como também calha transcrever uma das páginas mais belas sobre a fala, o Direito e a sociedade. É de CARLOS GALVES o texto:
“O Direito nasce num momento anterior à fala. A fala do Direito pressupõe a anterioridade da idéia do Direito na mente do que fala. Seja que se trate de Direito legislado, ou de Direito novo ainda não legislado, ou de mera análise, há o momento em que, no dinamismo cognoscitivo, anterior às palavras, o espírito produz a solução justa para a situação humana. O Direito não é apenas dedução de conceitos verbalizados, de frases ou palavras. A vida diária mostra isso. As grandes e inovadoras soluções jurídicas nascem de intuições de grandes individualidades, numa esfera espiritual em que as palavras estão de todo ausentes, como lembra Bérgson (...). Sem dúvida, há também o direito quê se tira da meditação ou dedução das palavras da norma jurídica, ou das exposições sobre matérias do Direito.
A fala diz qual o Direito existente, pois, de outra forma, o Direito não seria conhecido. Potencialmente, a fala pode cobrir todo o Direito possível, que também não poderá deixar de ser fala, Mas mesmo o Direito atual não está todo falado. A experiência e a análise vão desvendando o que dentro dele existia e estava calado; e isso passa a falar.” (“O Direito fala”, ed. UPF, “Justiça do Direito”, n. 10, p. 146).
Com estas considerações, procurando estabelecer o limite de intervenção judicial em tais casos, é que estou provendo os embargos infringentes.”
Por fim, anoto que a obtenção da autorização da Delegacia da Receita Federal, quanto à isenção de IPI (fls. 23-7), leva à presunção de atendimento dos reclamos do art. 5º, Lei nº 10.690/03.

Dito isso, estou desprovendo a apelação.
DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH (REVISOR) - De acordo com o Relator.
DES. MARCO AURÉLIO HEINZ - De acordo com o Relator.
DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA - Presidente - Apelação Cível nº 70040798720, Comarca de Bento Gonçalves: "DESPROVERAM. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: ROMANI TEREZINHA BORTOLAS

(TJ/RS - 21ª Câm. Cível. ACi nº. 70040798720 - Bento Gonçalves, RS; Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa; julgado em 06/04/2011, v.u).

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
O julgado é emblemático porque analisa muito bem as diversas circunstâncias que envolvem aqueles que são portadores de alguma deficiência. A decisão aplica-se, como subsídio, a diversos outros casos em que certas deficiências não se mostram tão evidentes, apesar de realmente incapacitantes para alguma atividade da vida comum, como é a deficiência visual.
Muitas são as pessoas que têm deficiência visual severa, motivo pelo qual não podem sequer obter habilitação para dirigir. Contudo, isso não significa que possam prescindir do automóvel. Negar-lhes a isenção revela verdadeira quebra da isonomia.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SERVIDOR PÚBLICO DEFICIENTE FÍSICO TEM DIREITO À APOSENTADORIA ESPECIAL

Aposentadoria Especial a deficiente é reconhecida pelo STF!
Já era hora - e felizmente o Supremo Tribunal Federal passou a dar (e vem dando!) – da plena concretude aos princípios e valores constitucionais. No presente caso, prestigiaram-se os valores constitucionais, sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana a uma classe de servidores públicos que mais necessita: os portadores de deficiência. Se com o Mandado de Injunção 721, em 2007, houve reconhecimento do direito à aposentadoria especial aos servidores públicos de forma geral (desde que preenchidos os requisitos para tanto), mais recentemente, em maio de 2011, o STF estendeu o direito da aposentadoria especial também aos servidores públicos portadores de deficiência.

O julgado foi publicado em 05/2011, mas ainda não é de conhecimento de significativo número de cidadãos com interesse direto no objeto da causa.
Em sua decisão, o Ministro Celso de Melo ponderou que a falta de regulamentação (Lei Federal) era considerada uma omissão que se mostrava lesiva ao patrimônio jurídico do servidor, porque pela omissão legislativa se inviabilizava a concretização de um direito constitucionalmente assegurado. Ao final, determinou a aplicação, por "equiparação" da Lei Federal 8.213/91, de forma a viabilizar o direito à aposentadoria especial a um servidor com necessidades especiais.

Neste ato disponibilizamos a cópia. Confira o teor da decisão (muito didática e autoexplicativa) exarada nos autos do Mandado de Injunção nº. 1.967, impetrado contra a Presidência da República, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados.

"MANDADO DE INJUNÇÃO 1.967 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
IMPTE.(S) : ROBERTO WANDERLEY NOGUEIRA
ADV.(A/S) : RENATA CAVALCANTI WANDERLEY NOGUEIRA E OUTRO(A/S)
IMPDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
IMPDO.(A/S) : SENADO FEDERAL
IMPDO.(A/S) : CÂMARA DOS DEPUTADOS

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO À APOSENTADORIA ESPECIAL (CF, ART. 40, § 4º, I). INJUSTA FRUSTRAÇÃO DESSE DIREITO EM DECORRÊNCIA DE INCONSTITUCIONAL, PROLONGADA E LESIVA OMISSÃO IMPUTÁVEL A ÓRGÃOS ESTATAIS DA UNIÃO FEDERAL. CORRELAÇÃO ENTRE A IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR E O RECONHECIMENTO DO DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA. A INÉRCIA DO PODER PÚBLICO COMO ELEMENTO REVELADOR DO DESRESPEITO ESTATAL AO DEVER DE LEGISLAR IMPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO. OMISSÕES NORMATIVAS INCONSTITUCIONAIS: UMA PRÁTICA GOVERNAMENTAL QUE SÓ FAZ REVELAR O DESPREZO DAS INSTITUIÇÕES OFICIAIS PELA AUTORIDADE SUPREMA DA LEI FUNDAMENTAL DO ESTADO. A COLMATAÇÃO JURISDICIONAL DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS: UM GESTO DE FIDELIDADE À SUPREMACIA HIERÁRQUICO- -NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A VOCAÇÃO PROTETIVA DO MANDADO DE INJUNÇÃO. LEGITIMIDADE DOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO NORMATIVA (DENTRE ELES, O RECURSO À ANALOGIA) COMO FORMA DE SUPLEMENTAÇÃO DA “INERTIA AGENDI VEL DELIBERANDI”. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MANDADO DE INJUNÇÃO CONHECIDO E DEFERIDO.

DECISÃO: Registro, preliminarmente, que o Supremo Tribunal Federal, apreciando questão de ordem suscitada, em sessão plenária, no MI 795/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, reconheceu assistir, ao Relator da causa, competência para julgar, monocraticamente, em caráter definitivo, os mandados de injunção que objetivem garantir, a quem os houver impetrado, o direito à aposentadoria especial a que se refere o art. 40, § 4º, da Constituição da República.

O caso em exame ajusta-se aos pressupostos, que, estabelecidos na questão de ordem ora referida, legitimam a atuação monocrática do Relator da causa, razão pela qual passo a analisar, singularmente, a presente impetração injuncional.

Trata-se de mandado de injunção que objetiva a colmatação de alegada omissão estatal no adimplemento de prestação legislativa determinada no art. 40, § 4º, da Constituição da República.

A parte ora impetrante enfatiza o caráter lesivo da omissão imputada ao Senhor Presidente da República e ao Congresso Nacional, assinalando que a lacuna normativa existente, passível de integração mediante edição da faltante lei complementar, tem inviabilizado o seu acesso ao benefício da aposentadoria especial.

O Senhor Presidente da República – autoridade impetrada – encaminhou informações prestadas pela douta Advocacia-Geral da União, propugnando pela denegação deste mandado de injunção.

Sendo esse o contexto, cabe verificar se se revela admissível, ou não, na espécie, o remédio constitucional do mandado de injunção.

Como se sabe, o “writ” injuncional tem por função processual específica viabilizar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas diretamente outorgados pela própria Constituição da República, em ordem a impedir que a inércia do legislador comum frustre a eficácia de situações subjetivas de vantagem reconhecidas pelo próprio texto constitucional.

Na realidade, o retardamento abusivo na regulamentação legislativa do texto constitucional qualifica-se - presente o contexto temporal em causa - como requisito autorizador do ajuizamento da ação de mandado de injunção (RTJ 158/375, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), pois, sem que se configure esse estado de mora legislativa – caracterizado pela superação excessiva de prazo razoável -, não haverá como reconhecer-se ocorrente, na espécie, o próprio interesse de agir em sede injuncional, como esta Suprema Corte tem advertido em sucessivas decisões:

“MANDADO DE INJUNÇÃO. (...). PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DO MANDADO DE INJUNÇÃO (RTJ 131/963 – RTJ 186/20-21). DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO/DEVER ESTATAL DE LEGISLAR (RTJ 183/818-819). NECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE MORA LEGISLATIVA (RTJ 180/442). CRITÉRIO DE CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE INÉRCIA LEGIFERANTE: SUPERAÇÃO EXCESSIVA DE PRAZO RAZOÁVEL (RTJ 158/375). (...).”
(MI 715/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 378, de 2005)

Essa omissão inconstitucional, derivada do inaceitável inadimplemento do dever estatal de emanar regramentos normativos - encargo jurídico que não foi cumprido na espécie -, encontra, neste “writ” injuncional, um poderoso fator de neutralização da inércia legiferante e da abstenção normatizadora do Estado.

O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa reação jurisdicional autorizada pela Carta Política, que, nesse “writ” processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão - e prolongada inércia - do Poder Público.

Isso significa, portanto, que o mandado de injunção deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Poder Público, impedindo-se, desse modo, que se degrade, a Constituição, à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.

Na verdade, o mandado de injunção busca neutralizar as conseqüências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos constitucionais revestidos de eficácia limitada, cuja incidência - necessária ao exercício efetivo de determinados direitos neles diretamente fundados - depende, essencialmente, da intervenção concretizadora do legislador.

É preciso ter presente, pois, que o direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa, portanto, que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público, consoante adverte o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (MI 633/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Desse modo, e para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional (MI 463/MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 542/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MI 642/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

O exame dos elementos constantes deste processo, no entanto, evidencia que existe, na espécie, o necessário vínculo de causalidade entre o direito subjetivo à legislação, invocado pela parte impetrante, e o dever do Poder Público de editar a lei complementar a que alude o art. 40, § 4º, da Carta da República, em contexto que torna plenamente admissível a utilização do “writ” injuncional.

Passo, desse modo, a analisar a pretensão injuncional em causa.

Cumpre assinalar, nesse contexto, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar ação injuncional em que também se pretendia a concessão de aposentadoria especial, não só reconheceu a mora do Presidente da República (“mora agendi”) na apresentação de projeto de lei dispondo sobre a regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição, como, ainda, determinou a aplicação analógica do art. 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91, com o objetivo de colmatar a lacuna normativa existente:

“(...) APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.”
(MI 721/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Pleno – grifei)

O caso ora em exame também versa situação prevista no § 4º do art. 40 da Constituição, cujo inciso I trata da aposentadoria especial reconhecida a servidores públicos que sejam “portadores de deficiência” e que igualmente sofrem, à semelhança dos servidores públicos que exercem atividades reputadas insalubres ou perigosas, as mesmas conseqüências lesivas decorrentes da omissão normativa que já se prolonga de maneira irrazoável.

Tenho para mim, presente esse contexto, que a situação exposta não obsta a concessão do “writ” injuncional, eis que, também nessa hipótese (vale dizer, na hipótese de o agente estatal ser, ele próprio, portador de deficiência), persiste a mora na regulamentação legislativa da aposentadoria especial – tal como o reconheceu, em seu parecer, a douta Procuradoria-Geral da República (fls. 70) -, o que torna aplicáveis, segundo entendo, por identidade de razões, os precedentes estabelecidos por esta Suprema Corte.

Esse entendimento – segundo o qual é lícito aplicar-se, por analogia, o art. 57 da Lei nº 8.213/91, a servidor público portador de deficiência – foi inteiramente acolhido pelo eminente Ministro EROS GRAU (MI 1.613/DF) e pela eminente Ministra ELLEN GRACIE (MI 1.737/DF), valendo reproduzir, no ponto, fragmento da seguinte decisão:
“Trata-se de mandado de injunção coletivo no qual se pretende assegurar o exercício do direito de aposentadoria especial ante a inexistência de regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição Federal, que autoriza a fixação de um regime diferenciado de aposentação em favor dos servidores públicos portadores de deficiência ou que exerçam atividades arriscadas ou prejudiciais à saúde e à integridade física.

2. A matéria em debate passou por uma recente evolução jurisprudencial e está, com base nessa nova orientação, integralmente equacionada pelo Plenário desta Suprema Corte.

Na sessão de 30.08.2007, o Plenário desta Casa, por ocasião do julgamento do Mandado de Injunção 721, rel. Min. Marco Aurélio, reconheceu presentes no texto do art. 40, § 4º, da Carta Magna tanto o direito à aposentadoria especial dos servidores públicos nele referidos, como o dever estatal de regulamentação desse mesmo direito.

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, naquela assentada, que, diante da incontestável mora legislativa, a eficácia da referida norma constitucional e a garantia do exercício do direito nela proclamado deveriam ser alcançadas por meio da aplicação integrativa, no que couber, do art. 57 da Lei 8.213, de 24.07.1991, que dispõe sobre os requisitos e condições para a obtenção de aposentadoria especial pelos trabalhadores vinculados ao regime geral de previdência social sujeitos a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física. (...).
...........................................................
Ratificado, nos mesmos termos, o referido entendimento em 1º.07.2008, por ocasião do julgamento plenário do Mandado de Injunção 758, rel. Min. Marco Aurélio, DJe 26.09.2008, sobreveio, em 15.04.2009, o julgamento dos Mandados de Injunção 788 e 795, de que foram relatores, respectivamente, os eminentes Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia.
...........................................................
3. Ante todo o exposto, com base nos precedentes citados e na autorização especificamente conferida pelo Plenário desta Casa de apreciação monocrática dos casos idênticos àquele veiculado no Mandado de Injunção 795 (DJe 22.05.2009), concedo a ordem injuncional para, declarando a mora legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Carta Magna, assegurar aos servidores públicos estaduais filiados ao impetrante o direito de ter os seus pedidos administrativos de aposentadoria especial concretamente analisados pela autoridade competente, mediante a aplicação integrativa do art. 57 da Lei Federal 8.213/91.”
(MI 1.737/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei)

Registro, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, vem reafirmando essa orientação (MI 758/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – MI 796/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO - MI 809/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - MI 824/DF, Rel. Min. EROS GRAU – MI 834/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – MI 874/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 912/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO – MI 970/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.001/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MI 1.059/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), garantindo, em conseqüência, aos servidores públicos que se enquadrem nas hipóteses previstas no § 4º do art. 40 da Constituição, o direito à aposentadoria especial:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDORA PÚBLICA. ATIVIDADES EXERCIDAS EM CONDIÇÕES DE RISCO OU INSALUBRES. APOSENTADORIA ESPECIAL. § 4º DO ART. 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. MORA LEGISLATIVA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Ante a prolongada mora legislativa, no tocante à edição da lei complementar reclamada pela parte final do § 4º do art. 40 da Magna Carta, impõe-se ao caso a aplicação das normas correlatas previstas no art. 57 da Lei nº 8.213/91, em sede de processo administrativo.
2. Precedente: MI 721, da relatoria do ministro Marco Aurélio.
3. Mandado de injunção deferido nesses termos.”
(MI 788/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO - grifei)

“MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR A DISCIPLINAR A MATÉRIA. NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO LEGISLATIVA.
1. Servidor público. Investigador da polícia civil do Estado de São Paulo. Alegado exercício de atividade sob condições de periculosidade e insalubridade.
2. Reconhecida a omissão legislativa em razão da ausência de lei complementar a definir as condições para o implemento da aposentadoria especial.
3. Mandado de injunção conhecido e concedido para comunicar a mora à autoridade competente e determinar a aplicação, no que couber, do art. 57 da Lei n. 8.213/91.”
(MI 795/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - grifei)

Vale referir, em face da pertinência de que se reveste, fragmento da decisão que o eminente Ministro EROS GRAU proferiu no julgamento do MI 1.034/DF, de que foi Relator:

“31. O Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma. Interpreta o direito, na sua totalidade, para produzir a norma de decisão aplicável à omissão. É inevitável, porém, no caso, seja essa norma tomada como texto normativo que se incorpora ao ordenamento jurídico, a ser interpretado/aplicado. Dá-se, aqui, algo semelhante ao que se há de passar com a súmula vinculante, que, editada, atuará como texto normativo a ser interpretado/aplicado.
.......................................................
34. A este Tribunal incumbirá - permito-me repetir - se concedida a injunção, remover o obstáculo decorrente da omissão, definindo a norma adequada à regulação do caso concreto, norma enunciada como texto normativo, logo sujeito a interpretação pelo seu aplicador.
35. No caso, o impetrante solicita seja julgada procedente a ação e, declarada a omissão do Poder Legislativo, determinada a supressão da lacuna legislativa mediante a regulamentação do artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, que dispõe a propósito da aposentadoria especial de servidores públicos.
.......................................................
37. No mandado de injunção, o Poder Judiciário não define norma de decisão, mas enuncia a norma regulamentadora que faltava para, no caso, tornar viável o exercício do direito da impetrante, servidora pública, à aposentadoria especial.
38. Na Sessão do dia 15 de abril passado, seguindo a nova orientação jurisprudencial, o Tribunal julgou procedente pedido formulado no MI n. 795, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, reconhecendo a mora legislativa. Decidiu-se no sentido de suprir a falta da norma regulamentadora disposta no artigo 40, § 4º, da Constituição do Brasil, aplicando-se à hipótese, no que couber, o disposto no artigo 57 da Lei n. 8.213/91, atendidos os requisitos legais. Foram citados, no julgamento, nesse mesmo sentido, os seguintes precedentes: o MI n. 670, DJE de 31.10.08, o MI n. 708, DJE de 31.10.08; o MI n. 712, DJE de 31.10.08, e o MI n. 715, DJU de 4.3.05.” (grifei)

A constatação objetiva de que se registra, na espécie, hipótese de mora inconstitucional, apta a instaurar situação de injusta omissão geradora de manifesta lesividade à posição jurídica dos beneficiários da cláusula constitucional inadimplida (CF, art. 40, § 4º), justifica, plenamente, a intervenção do Poder Judiciário, notadamente a do Supremo Tribunal Federal.

Não tem sentido que a inércia dos órgãos estatais ora impetrados, evidenciadora de comportamento manifestamente inconstitucional, possa ser paradoxalmente invocada, pelo próprio Poder Público, para frustrar, de modo injusto (e, portanto, inaceitável), o exercício de direito expressamente assegurado pela Constituição.

Admitir-se tal situação equivaleria a legitimar a fraude à Constituição, pois, em última análise, estar-se-ia a sustentar a impossibilidade de o Judiciário, não obstante agindo em sede injuncional (CF, art. 5º, LXXI), proceder à colmatação de uma omissão flagrantemente inconstitucional.

Isso significa que não se pode identificar, na própria inércia estatal, a existência de fator exculpatório (e pretensamente legitimador) do inadimplemento de uma grave obrigação constitucional.

Cabe rememorar, bem por isso, neste ponto, que o Poder Público também transgride a autoridade superior da Constituição quando deixa de fazer aquilo que ela determina.

Em contexto como o que resulta destes autos, a colmatação de omissões inconstitucionais nada mais revela senão um gesto de respeito que esta Alta Corte manifesta pela autoridade suprema da Constituição da República.

A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional (como aquela que deriva do art. 40, § 4º, da Carta Política) - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados da Lei Fundamental, tal como tem advertido o Supremo Tribunal Federal:
“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. (...).”
(ADI 1.458-MC/DF, REL. MIN. CELSO DE MELLO)

Vê-se, pois, que, na tipologia das situações inconstitucionais, inclui-se, também, aquela que deriva do descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de determinado comportamento atribuído ao Poder Público pela própria Constituição.

As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos deformadores da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do magistério doutrinário (Anna Cândida da Cunha Ferraz, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).

O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.

Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

A percepção da gravidade e das conseqüências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário por efeito de expressa determinação constitucional foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos, em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969”, tomo I/15-16, 2ª ed., 1970, RT, v.g.).

O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente constituídos - representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.

Essa constatação, feita por Karl Loewenstein (“Teoria de la Constitución”, p. 222, 1983, Ariel, Barcelona), coloca em pauta o fenômeno da erosão da consciência constitucional, motivado pela instauração, no âmbito do Estado, de um preocupante processo de desvalorização funcional da Constituição escrita, como já ressaltado, pelo Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, como resulta da seguinte decisão, consubstanciada em acórdão assim ementado:

“A TRANSGRESSÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL PODE CONSUMAR-SE MEDIANTE AÇÃO (VIOLAÇÃO POSITIVA) OU MEDIANTE OMISSÃO (VIOLAÇÃO NEGATIVA).
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, seja quando este vem a fazer o que o estatuto constitucional não lhe permite, seja, ainda, quando vem a editar normas em desacordo, formal ou material, com o que dispõe a Constituição. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado, no entanto, deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a própria Carta Política lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total (quando é nenhuma a providência adotada) ou parcial (quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público). Entendimento prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: RTJ 162/877-879, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).
- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.
- O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório - infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
- A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.

DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.
- O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público.

Para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o conseqüente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional. Precedentes. (...).”
(RTJ 183/818-819, REL. MIN. CELSO DE MELLO, Pleno)

Nem se diga que o Supremo Tribunal Federal, ao colmatar uma evidente (e lesiva) omissão inconstitucional do aparelho de Estado estar-se-ia transformando em anômalo legislador.

É que, ao suprir lacunas normativa provocadas por injustificável inércia do Estado, esta Suprema Corte nada mais faz senão desempenhar o papel que lhe foi outorgado pela própria Constituição da República, valendo-se, para tanto, de instrumento que, concebido pela Assembléia Nacional Constituinte, foi por ela instituído com a precípua finalidade de impedir que a inércia governamental, como a que se registra no caso ora em exame, culminasse por degradar a autoridade e a supremacia da Lei Fundamental.

Daí a jurisprudência que se formou no âmbito desta Corte, a partir do julgamento plenário do MI 708/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES, e do MI 712/PA, Rel. Min. EROS GRAU, no sentido de restaurar, em sua dimensão integral, a vocação protetiva do remédio constitucional do mandado de injunção, cuja utilização permite, ao Supremo Tribunal Federal, colmatar, de modo inteiramente legítimo, mediante processos de integração normativa, como, p. ex., o recurso à analogia, as omissões que venha, eventualmente, a constatar.

E é, precisamente, o que esta Suprema Corte tem realizado em inúmeros processos injuncionais, nos quais vem garantindo, aos destinatários da regra inscrita no § 4º do art. 40 da Constituição, o acesso e a plena fruição do benefício da aposentadoria especial.

Cumpre ressaltar, finalmente, na linha do que se vem expondo, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes firmados sobre essa mesma questão (MI 1.115-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.125-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MI 1.189-AgR/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.), tem salientado – uma vez promovida a integração normativa necessária ao exercício de direito pendente de disciplinação normativa – que se exaure, nesse ato, a função jurídico-constitucional para a qual foi concebido (e instituído) o remédio constitucional do mandado de injunção, como se vê de decisão consubstanciada em acórdão assim ementado, que esclarece, em tema de aposentadoria especial (CF, art. 40, § 4º), aquilo que se inclui, no plano administrativo, na esfera de atribuições da autoridade competente:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE INJUNÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA ESPECIAL DO SERVIDOR PÚBLICO. ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APLICAÇÃO DO ART. 57 DA LEI N. 8.213/1991. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.
1. A autoridade administrativa responsável pelo exame do pedido de aposentadoria é competente para aferir, no caso concreto, o preenchimento de todos os requisitos para a aposentação previstos no ordenamento jurídico vigente.
2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.”
(MI 1.286-ED/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Pleno – grifei)

Isso significa, portanto, que não cabe indicar, nesta sede injuncional, como reiteradamente acentuado por esta Suprema Corte (MI 1.312/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - MI 1.316/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE – MI 1.451/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE, v.g.), “a especificação dos exatos critérios fáticos e jurídicos que deverão ser observados na análise dos pedidos concretos de aposentadoria especial, tarefa que caberá, exclusivamente, à autoridade administrativa competente ao se valer do que previsto no art. 57 da Lei 8.213/91 e nas demais normas de aposentação dos servidores públicos” (MI 1.277/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE - grifei).

Sendo assim, em face das razões expostas e tendo em vista o caráter alternativo do pleito ora deduzido nesta causa (fls. 06), concedo a ordem injuncional, para, reconhecido o estado de mora legislativa, garantir, ao ora impetrante, o direito de ter o seu pedido administrativo de aposentadoria especial concretamente analisado pela autoridade administrativa competente, observado, para tanto, além do que dispõe o art. 57 da Lei nº 8.213/91 (aplicável, por analogia, à situação registrada nesta causa), também a diretriz que esta Corte firmou no julgamento plenário do MI 1.286-ED/DF.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 24 de maio de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator"