sábado, 31 de dezembro de 2011

Concurso público deve ter validade mínima de 2 anos

Depois que o STF passou a decidir que há direito subjetivo à nomeação dos aprovados em concursos públicos, a Administração passou a adotar um famigerado "cadastro reserva". São cadastros que comportam um elevando número de "possíveis" vagas, que depois são preenchidas na sua totalidade. Se assim ocorre - e tendo em vista a necessidade de previsão orçamentária para as contratações -, não se pode falar em ausência de vagas no momento da publicação do edital. O "cadastro reserva" é uma simulação, um engodo para burlar o direito à nomeação e à posse, já assegurando pelo STF.
Mas já há quem esteja se debruçando sobre a questão. O artigo abaixo merece leitura, porque traz uma abordagem interessante sobre a nova realidade do "cadastro reserva".

"Concurso público deve ter validade mínima de 2 anos
Por Vitor Vilela Guglinski
É de conhecimento geral entre os concurseiros os chamados cadastros de reserva – uma espécie de lista criada pela administração pública tanto naqueles certames em que não há vagas abertas quanto nos que existem vagas, mas que o administrador público, antevendo a criação de novas vagas, aposentadorias vindouras em seu quadro de funcionários, exonerações, enfim, diversas situações em que será necessária a contratação de novos servidores, opta por formar um cadastro de aprovados para preenchimento dessas vagas que eventualmente venham a surgir durante o prazo de validade do concurso.

Mas, existe algum limite jurídico para este tipo de prática por parte da Administração Pública, ou esta pode determinar, discricionariamente, como formará e utilizará o cadastro de reserva?

A rigor, do ponto de vista legislativo inexiste norma específica que discipline a matéria. A formação de cadastros de reserva é uma prática lícita, porém, em razão do poder discricionário que caracteriza a administração pública, tem, a meu ver, padecido de abusos.

A questão já havia sido decidida pelo Superior Tribunal de Justiça, porém, a matéria também foi submetida ao Supremo Tribunal Federal que, após reconhecer a repercussão geral do tema, sedimentou, em decisão unânime, o entendimento no sentido de que candidatos aprovados em concurso público, dentro do número de vagas, têm direito líquido e certo à nomeação, ressalvando-se à administração pública tão somente a escolha do momento da nomeação durante o prazo de validade do certame. No processo, o relator, ministro Gilmar Mendes, salientou que somente em “situações excepcionalíssimas”, como crises econômicas graves e catástrofes naturais capazes de causar calamidade pública ou comoção interna autorizariam a administração pública a deixar de nomear novos servidores.

É o prazo de validade do certame que me levou a refletir sobre o assunto.

O inciso III do artigo 37 de nossa Constituição informa que o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez por igual período. De imediato, da leitura do dispositivo é possível extrair duas conclusões: 1 - que, na prática, o prazo de validade de um concurso poderá totalizar quatro anos, a saber, os dois anos previstos no preceptivo somados a dois anos advindos da prorrogação legalmente autorizada pela Constituição Federal; 2 - que, obviamente, o concurso poderá ter prazo menor que o constitucionalmente previsto.

A questão abordada neste trabalho se situa exatamente na segunda hipótese, ou seja, naqueles casos em que a administração pública estatui um prazo de duração menor que o constitucionalmente autorizado para o concurso público.

Sabe-se que alguns entes da administração direta e indireta chegam a abrir concursos prevendo o irrisório prazo de seis meses, prorrogável por igual período. Até aí, nada de anormal. A anormalidade passa a ocorrer no momento em que esse prazo transcorre, e os candidatos que compunham o cadastro de reserva anteriormente formado são surpreendidos com a abertura de um novo certame, inclusive com a previsão de vagas.

A título de exemplo, a Petrobras certa vez realizou um concurso com prazo de validade de seis meses, prorrogável por igual período, visando a criação de um cadastro de reserva de 600 advogados. Cadastro criado, aquela sociedade de economia mista acabou contratando aproximadamente de 270 aprovados, deixando os demais componentes do cadastro “a ver navios”. O que se seguiu foi a abertura de novos concursos, para a formação de novos cadastros, com igual prazo de validade, significando mais frustração para aqueles não contemplados com a contratação.

Este exemplo foi somente um dentre tantos que ocorrem no universo dos concursos públicos. Qual a razão para isto?

Embora não haja vedação legal em relação à formação de cadastros de reserva, penso que deveria haver, de lege ferenda, ou até mesmo através da provocação do STF, a regulação da matéria, pois não faz o menor sentido que um cadastro de reserva não seja esgotado e, em seguida, seja aberto um novo certame para a formação de novo cadastro. No mínimo, uma prática dessas fere a moralidade administrativa, e é a frustração que milhares de concurseiros experimentam todos os anos ao longo da árdua batalha de preparação para as exigentes avaliações.

Qual seria a solução para a questão?
De fato, a administração pública não está obrigada a esgotar um cadastro de reserva formado após a finalização de um concurso público, na medida em que há, nesse caso, mera expectativa de direito por parte dos candidatos componentes do cadastro, ao contrário do que ocorre no caso de vagas efetivamente existentes, em que há direito líquido e certo à nomeação, com as ressalvas do ministro Gilmar Mendes, acima citadas.

Contudo, de forma a proteger a moralidade administrativa, a boa-fé, os legítimos interesses dos candidatos, enfim, os diversos valores envolvidos no binômio administrador/administrado, a lei ou o STF deveria determinar, expressamente, que nos concursos em que haja cadastro de reserva, o prazo de validade seja o máximo fixado na Constituição, isto é, dois anos, prorrogável uma vez por igual período. Isso porque afiguram-se extremamente injustas aquelas situações como a que narrei linhas atrás, em que os candidatos que compõem determinados cadastros são surpreendidos com o lançamento de novo edital para a formação de novo cadastro. Com isso, restará preservada a finalidade dos concursos públicos, que é o provimento de vagas nos quadros do funcionalismo público.

Sendo assim, na medida em que as vagas forem surgindo, nomeiam-se os componentes do cadastro de reserva. Mas, e se o cadastro se esgotar e houver novas vagas? Aí sim, abre-se novo concurso. O que não deveria ocorrer é essa farra de concursos com formação de cadastros de reserva válidos por prazo exíguo, que mais aparentam ser fonte de arrecadação da administração pública e das bancas examinadoras.

Se de um lado há a discricionariedade administrativa, autorizando esta a agir conforme a conveniência e oportunidade, de outro há as legitimas expectativas daqueles que, de boa-fé, almejam uma ocupação no funcionalismo público, sendo certo que estes, mesmo ante a possibilidade de esgotamento do prazo do concurso sem que sejam chamados, continuam sendo atraídos pelas excelentes remunerações e vantagens das carreiras públicas. Se a administração pública se vale dessa influência psicológica do candidato para realizar concursos, sabedora de que na realidade dificilmente haverá o surgimento de vagas durante aquele prazo que ela mesma assinala nos editais, não há dúvidas de que estaremos diante de flagrante enriquecimento ilícito e abuso de direito.
Por tais motivos, reafirmo meu entendimento no sentido de que, havendo concurso com previsão de cadastros de reserva, deveria haver lei disciplinando a matéria, prevendo que a validade desses certames seja de dois anos, prorrogável uma vez por igual período, ou então seja o STF provocado a se manifestar sobre o tema."

sábado, 10 de dezembro de 2011

DIVULGAÇÃO DE SALÁRIOS NA INTERNET. O CONFRONTO ENTRE O DEVER DE PUBLICIDADE E O DE RESPEITAR A PRIVACIDADE INDIVIDUAL.


Autarquia pagará indenização por divulgar salário de empregado na internet
Ao divulgar na internet lista contendo a remuneração específica de cada empregado, inclusive com vantagens pessoais, a A. dos P. de P. e A. difundiu de forma abusiva dados pessoais dos trabalhadores. Pela conduta ilícita, a autarquia foi condenada ao pagamento de R$ 10 mil ao autor de uma reclamação que requereu indenização por danos morais pelo constrangimento, pela violação ao direito à intimidade e pelo desgaste emocional que sofreu. Em recente decisão, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a agravo de instrumento da A., que objetivava extinguir a condenação.

O autor, empregado da A. desde janeiro de 1990, tomou conhecimento em 21/09/2007 da distribuição de panfletos pela cidade de Paranaguá (PR) nos quais constariam a relação dos funcionários da A., suas funções e respectivos salários. As listas estariam disponíveis também no endereço eletrônico da empregadora. Em sua reclamação, ele alegou incorreção nos dados divulgados e quebra de sigilo das informações relacionadas ao contrato de trabalho, que somente poderiam ser divulgadas em casos excepcionais.

Condenada na primeira instância, a A. recorreu alegando que os atos administrativos são praticados conforme as regras do artigo 37 da Constituição da República, que exige ampla divulgação dos atos da administração pública.

Sustentou também que nomes, cargos e salários dos servidores não são secretos, e que todos os atos, de nomeações a exonerações, são informações acessíveis e se sujeitam à obrigatória publicação em diário oficial.

No entanto, segundo o relator do agravo de instrumento no TST, ministro Mauricio Godinho Delgado, o procedimento da A. extrapolou a determinação do artigo 39, parágrafo 6º, da Constituição, que admite a publicação apenas dos valores destinados a cargos e empregos públicos sem individualização dos titulares.

Restrições
De acordo com o ministro, não há dúvida acerca da importância do princípio da publicidade "em razão de a administração pública tutelar interesses públicos, devendo seus atos ser praticados com transparência". Porém, ressaltou, "a norma constitucional que estabelece o princípio da publicidade, garantindo o direito à informação, deve ser compreendida em conjunto com outros preceitos constitucionais que a restringem".

Nesse sentido, o relator citou o inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição, pelo qual "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado". O ministro destacou ainda o inciso LX do mesmo artigo, que estipula que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

Na sua avaliação, a Constituição "é clara ao garantir ao cidadão o direito à intimidade, que deve ser harmonizado com o princípio da publicidade". No caso em questão, o relator entendeu que houve violação do direito à privacidade do autor, pela difusão abusiva dos salários dos empregados, extrapolando o objetivo da ordem jurídica ao fixar o princípio da publicidade como uma das garantias do controle da atuação administrativa.

Para o ministro Godinho Delgado, a publicação de lista nominal, com os valores das remunerações vinculados a cada empregado individualmente, é uma publicidade que "implica a exposição dos empregados perante a sociedade". Ele frisou, ainda, que não se pode falar que a condenação da A. implique ofensa ao artigo 37, caput, da Constituição, pois "o princípio da publicidade não tem a extensão a ele conferida pela A.", concluiu.

Processo: AIRR - 339940-82.2007.5.09.0322
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho, acessado em 10/12/2011.

** Comentários do Advogado Eduardo Figueredo de Oliveira
Os órgãos da Administração Direta já vinham sofrendo numerosas derrotas pela divulgação dos salários de cada servidor na internet. A Prefeitura de São Paulo, que praticamente inaugurou essa forma de "publicidade" e de "(i)moralidade" inconstitucionais,  sofreu centenas condenações.
Aliás, quando a Prefeitura lançou a ideia, uma rede de televisão saiu a campo para entrevistar as pessoas. Passou pelo serviço "Acessa São Paulo" de um Poupatempo e um dos entrevistados (um homem que não aparentava ser lá muito ponderado) que fazia uso do acesso gratuito à internet dizia já estar fazendo a sua parte na fiscalização dos salários pagos.
De imediato pensei: “Tantos funcionários públicos juntos e com os crachás à mostra...É bem capaz do entrevistado já estar bisbilhotando o salário de algum dos servidores que lhe presta atendimento...”.
A divulgação dos salários não é proibida. Proibida é a exposição da vida privada dos servidores. Desde que se mencionasse somente o cargo e os valores pagos ao titular do cargo sem identificar o nome do funcionário, a publicidade seria permitida. O artigo 5º da Constituição diz que a privacidade é direito fundamental.
Por outro lado, quase nunca o que se recebe "a mais" do que a tabela geral de salários é ilegal. Sob o pretexto (político eleitoreiro) de atender o dever de publicidade e de moralidade, não se pode desprezar direitos constitucionalmente assegurados. E quem pagará a conta das indenizações? Eu, você, nós...